Darius, o Grande, não está nada bem
De Adib Khorram
5/5
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Sobre este e-book
O problema é que Darius nunca se sentiu "persa" o suficiente. O Irã deveria ser tão parte dele quanto os Estados Unidos, mas é estranho chamar de lar um país em que você nunca viveu. Mas quando Darius conhece Sohrab, o menino da casa ao lado, tudo muda. Em pouco tempo eles já estão passando o dia juntos, jogando futebol, comendo faludeh e conversando por horas em um telhado secreto com vista para a cidade inteira.
Darius, o Grande, não está nada bem é o primeiro livro de Adib Khorram. A obra ganhou YALSA's William C. Morris Award de melhor autor estreante para adolescentes, o Asian/Pacific American Literature Association's Young Adult Award e o Boston Globe-Horn Book Award Honor.
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Avaliações de Darius, o Grande, não está nada bem
2 avaliações1 avaliação
- Nota: 5 de 5 estrelas5/5Li esse livro em um só dia. Para isso abandonei séries, que são a minha paixão atual. Nesse momento meu entretenimento é todo visual. Isso fez que a minha surpresa por ter lido esse livro em um só seja ainda maior. A escrita do autor é leve, as menções ao universo de Star Trek, ou ao universo de Tolkien, são muito bem vindas, e a históra de Darius é a minha história, mas também de um universo de Darius que existe em todos os universos e continentes. Que este primeiro livro, seja o primeiro de muitos contando a história de Darius. Este é o meu desejo.
Obrigado, Adib Khorram.
Pré-visualização do livro
Darius, o Grande, não está nada bem - Adib Khorram
Copyright © 2018 by Adib Khorram
Copyright de tradução © 2021 HarperCollins Brasil
Título original: Darius the Great is Not Okay
Todos os direitos desta publicação são reservados à Casa dos Livros Editora LTDA. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação etc., sem a permissão do detentor do copyright.
Diretora editorial: Raquel Cozer
Gerente editorial: Alice Mello
Editor: Victor Almeida
Copidesque: Marina Góes
Revisão: Rodrigo Austregésilo e Anna Clara
Ilustração de capa: Adams Carvalho
Capa original: Samira Iravani
Adaptação de capa: Julio Moreira | Equatorium Design
Diagramação: Abreu’s System
Conversão para ePub: SCALT Soluções Editoriais
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Khorram, Adib
Darius, o grande, não está nada bem / Adib Khorram ; tradução Vitor Martins. – Rio de Janeiro : HarperCollins Brasil, 2021.
Título original: Darius the great in not okay
ISBN 978-65-5511-186-6
1. Ficção juvenil 2. LGBTQ – Siglas I. Título.
21-69029
CDD-028.5
Índices para catálogo sistemático:
1. Ficção : Literatura juvenil 028.5
Cibele Maria Dias – Bibliotecária – CRB-8/9427
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Para a minha família, por sempre deixarem a chaleira ligada.
Sumário
A maior e mais importante das calamidades
Sacos de caminhonete
A notável Careca do Picard
Moby, a baleia
Manobras Gravitacionais
Um fracasso involuntário
Proporções cuidadosamente calibradas
Monte Olimpo
Deslocamento temporal
Havia quatro luzes
O ventilador dançante
A história das relações entre americanos e iranianos
Uma visão holográfica
Futebol-não-americano
O turbante do Aiatolá
Manobra Padrão de Paternidade Alfa
A capital das sobremesas no mundo antigo
Os pecados paternos
A disciplina Kolinahr
Olhos de Bette Davis
Casual persa
Minha prima, um Espectro-do-Anel
Sequência principal
O Borg das ervas
O Reino Cáqui
Uma saída estratégica
As Torres do Silêncio
A Enterprise de ontem
Problemas com o pai
Manda ver
Chelo kabob
O superaglomerado de Virgem
A era dos Bahramis
Contenção magnética
A primeira e melhor jornada
Através de um buraco de minhoca
As fendas da perdição
O melhor de dois mundos
Darius, o Grande
Nota do autor
Agradecimentos
Sobre o autor
A maior e mais importante
das calamidades
O vapor borbulhava e apitava. O suor escorria pela minha nuca.
Smaug, o Terrível, estava furioso comigo.
— Como assim, erro no filtro
? — perguntei.
— Aqui.
O sr. Apatan balançou a mangueira que saía das costas cromadas e reluzentes de Smaug. A luz vermelha que piscava apontando o erro apagou.
— Melhorou?
— Acho que sim.
Smaug borbulhou com alegria e começou a ferver a água novamente.
— Que bom. Você estava apertando os botões?
— Não, só estava checando a temperatura — respondi.
— Não precisa checar, Darius. Ela deve ficar sempre em cem graus.
— Certo.
Era inútil argumentar com Charles Apatan, gerente da Paraíso do Chá no Centro Comercial de Fairview Court. Ele tinha certeza, mesmo depois de todas as matérias que imprimi para ele — porque ele se recusava a ler páginas na internet —, de que todo e qualquer chá deveria ser infusionado em ponto de ebulição, independente de ser robusto como um yunnan ou frágil como um gyokuro.
Mas não é como se existissem chás sofisticados assim na Paraíso do Chá. Tudo que nós vendíamos era rico em antioxidantes, feito com extratos naturais de fruta ou formulado para saúde e beleza.
Smaug, o Mimado Irreprimível, era nossa caldeira industrial de água. Decidi chamá-lo de Smaug na minha primeira semana de trabalho, quando consegui me queimar três vezes em um único turno, mas até o momento o apelido não havia pegado entre os outros funcionários da Paraíso do Chá.
O sr. Apatan me entregou uma garrafa térmica vazia.
— Precisamos de mais chá de açaí com mirtilos.
Peguei o chá em uma lata laranja e brilhante e despejei dentro do filtro, cobrindo com duas colheres de açúcar e colocando debaixo da torneira. Smaug, o Inexorável Pressurizador, cuspiu seu conteúdo fumegante dentro da garrafa. Tentei desviar, mas os respingos de água fervente caíram nas minhas mãos.
Smaug, a Maior e Mais Importante das Calamidades, triunfava mais uma vez.
Como grupo social, persas são geneticamente predispostos a gostarem de chá. E mesmo sendo apenas metade persa, herdei da minha mãe o gene do amor por chá.
— Sabe como os persas fazem chá? — perguntava minha mãe.
— Como? — perguntei.
— Nós colocamos um pouquinho de inferno antes de infusionar — respondia ela.
E eu dava risada porque era engraçado ouvir minha mãe, que nunca usava nem mesmo os trocadilhos mais bobos, falar esse tipo de coisa.
Em persa, a palavra cardamomo
(hel), que é o que deixa o nosso chá tão delicioso, soa um pouco como a palavra em inglês para inferno (hell).
Quando expliquei a piada para o sr. Apatan, ele não achou a menor graça.
— Você não pode dizer inferno
para os clientes, Darius — disse ele.
— Eu não ia fazer isso. É só a língua persa. É só uma piada.
— Não faça isso.
Charles Apatan era a pessoa mais literal que eu conhecia.
Depois de encher nossas garrafas de amostra estrategicamente posicionadas com chá fresco, repus os copos plásticos em cada um dos balcões.
Eu era categoricamente contra copos de plástico. O plástico deixa tudo nojento, com um gosto sem graça de química.
Profundamente repugnante.
Não que isso fizesse muita diferença na Paraíso do Chá. A quantidade de açúcar nas nossas amostras era alta o bastante para mascarar o gosto dos copos de plástico. Talvez fosse alta o bastante até para dissolvê-los, se você esperasse por tempo suficiente.
A Paraíso do Chá, no Centro Comercial de Fairview Court, não era um lugar ruim para se trabalhar. De verdade. Era um avanço significativo se comparado com meu emprego anterior: trocar a placa de especial do dia em uma daquelas lojas que vendem pizzas congeladas para assar em casa. Sendo assim, quando eu me formasse, poderia trabalhar em uma loja de chá artesanal, em vez de uma que adiciona o mais novo extrato superprocessado a qualquer substância obscura e sombria que as corporações do chá conseguem comprar pelo menor preço possível.
O emprego dos meus sonhos era na Cidade das Rosas, uma loja na região noroeste que trabalhava apenas com pequenos lotes de chá escolhidos a dedo. Não havia sabores artificiais nos chás vendidos por eles, mas era preciso ter dezoito anos para trabalhar lá.
Eu estava enchendo o reservatório de copos descartáveis quando escutei a risada de hiena do Trent Bolger do lado de fora da loja.
Eu estava completamente exposto. A fachada da Paraíso do Chá era composta de janelas gigantes que, apesar de serem esfumadas para reduzirem a entrada da luz do sol, ofereciam uma visão completa e atrativa dos produtos (e dos funcionários) do lado de dentro.
Desejei em silêncio que o sol refletisse no vidro, cegando Trent e me poupando do que certamente seria um encontro desagradável. Ou, no mínimo, para que Trent continuasse andando e não me reconhecesse no uniforme do trabalho, com uma camiseta preta e um avental azul chamativo.
Não funcionou. Trent Bolger virou a esquina e imediatamente percebeu minha presença.
Ele agarrou a maçaneta e se arrastou para dentro da loja, seguido de um dos seus Minions Desalmados da Ortodoxia, Chip Cusumano.
— E aí, D-rrota!
Trent Bolger nunca me chamava de Darius. Não se ele tivesse algum apelido sugestivo para usar em vez disso.
Minha mãe disse que me deu esse nome por causa de Darioush, o Grande, mas acho que meu pai e ela estavam pedindo para se decepcionarem dando ao filho o nome de uma figura histórica como aquela. Eu era muitas coisas — D-mônio, D-rrota, D-rrotado — mas, definitivamente, eu não era Grande.
Talvez, no máximo, eu fosse um grande alvo para Trent Bolger e seus Minions Desalmados da Ortodoxia. Descobri que quando seu nome começa com D, as piadas já vêm praticamente prontas.
Pelo menos Trent era previsível.
Tecnicamente, Trent Bolger não praticava bullying. O Colégio Chapel Hill — onde Trent, Chip e eu cursávamos o segundo ano do ensino médio — tinha uma política de tolerância zero ao bullying.
E também uma política de tolerância zero a brigas, plágio, drogas e álcool.
E se todo mundo no Colégio Chapel Hill tolerava o comportamento de Trent, isso significava que não era bullying.
Certo?
Trent e eu nos conhecíamos desde o jardim de infância. Éramos amigos naquela época, daquele jeito como todo mundo é amigo no jardim de infância, antes das alianças sociopolíticas começarem a se formar, mas quando chega a terceira série, você se vê sendo escolhido por último em todas as brincadeiras, sendo completamente ignorado por toda a turma até começar a se perguntar se ficou invisível.
Trent Bolger era apenas um Atleta Nível Dois (Nível Três, no máximo). Ele era qualquer-coisa-back no time júnior de futebol americano do Colégio Chapel Hill (Vai, Chargers!). Também não era particularmente atraente. Trent era quase uma cabeça mais baixo do que eu, com o cabelo preto cortado rente, óculos de aros pretos e grossos e um nariz de ponta afiada.
Trent Bolger tinha as maiores narinas já vistas por qualquer pessoa no mundo.
Entretanto, Trent era desproporcionalmente popular entre os alunos do segundo ano no Colégio Chapel Hill.
Chip Cusumano era mais alto, mais bonito e mais legal. Seu cabelo era longo e ondulado no topo e raspado nas laterais. Ele tinha um nariz curvado de um jeito elegante que você só vê em estátuas e pinturas, e suas narinas eram perfeitamente proporcionais.
Ele também era muito mais legal que o Trent (com a maioria das pessoas, se não comigo), o que, é claro, o tornava bem menos popular.
Além do mais, ele se chamava Cyprian, um nome ainda mais incomum que Darius.
Trent Bolger tem o mesmo sobrenome que Fredegar Fofo
Bolger, um hobbit de O Senhor dos Anéis. Aquele que fica em casa no Condado enquanto Frodo e companhia partem para a aventura.
Fofo Bolger é basicamente o hobbit mais entediante de todos.
Eu nunca chamei Trent de Fofo
na frente dele.
Era um Desastre Nível Cinco.
Eu havia evitado que qualquer pessoa no Colégio Chapel Hill descobrisse onde eu trabalhava, especificamente para evitar que esta informação caísse nas mãos de Trent e seus Minions Desalmados da Ortodoxia.
Chip Cusumano me cumprimentou da porta de entrada e começou a observar nossa prateleira de canecas coloridas e brilhantes. Mas Trent Bolger veio direto até o meu balcão. Ele vestia um short de ginástica cinza e seu moletom do time de luta greco-romana do Colégio Chapel Hill.
Trent e Chip praticavam luta livre no inverno. Trent estava no time júnior, mas Chip havia conseguido entrar na escalação do time oficial, o único aluno do segundo ano a obter esse feito.
Chip também vestia seu moletom do time, mas usava calças de corrida, daquelas com listras na lateral e elásticos nos tornozelos. Chip nunca usava shorts de ginástica fora da aula de educação física, provavelmente pelo mesmo motivo que eu também evitava aqueles shorts.
Era a única coisa que tínhamos em comum.
Trent Bolger estava parado na minha frente com um sorriso malicioso. Ele sabia que eu não poderia fugir dele enquanto estivesse no trabalho.
— Bem-vindo a Paraíso do Chá — falei, repetindo a Saudação Corporativa Obrigatória. — Gostaria de provar um dos nossos excelentes chás hoje?
Teoricamente, eu também deveria abrir um Sorriso Corporativo Obrigatório, mas não dava para fazer milagre.
— Vocês vendem saquinhos de chá?
Do outro lado da loja, Chip soltou uma risada e balançou a cabeça.
— Hum.
Eu sabia o que Trent estava tentando fazer. Não estávamos no Colégio Chapel Hill, e a Paraíso do Chá no Centro Comercial de Fairview Court não tinha uma política de tolerância zero contra o bullying.
— Não. Só vendemos filtros telados e sachês biodegradáveis.
— Que pena. Aposto que você adora uns saquinhos.
O sorriso de Trent se abriu, tomando conta de metade do seu rosto. Ele sempre sorria apenas com metade da boca.
— Você parece ser o tipo de cara que gosta muito deles.
— Hum.
— Você gosta muito, né?
— Eu estou tentando trabalhar, Trent — anunciei.
Então, só porque eu tinha a sensação de que o sr. Apatan estava por perto, cautelosamente me vigiando e julgando meu atendimento ao cliente, pigarreei e perguntei:
— Gostaria de provar nossa Incrível Mistura de Ervas com Flores de Laranjeira?
Eu me recusava a chamar de chá quando a bebida não tinha nenhuma folha de chá.
— Tem gosto de quê?
Peguei um copo de amostras da pilha, enchi com as Incríveis Flores de Laranjeira e ofereci para Trent, usando a palma da mão como uma espécie de pires.
Ele bebeu em uma golada só.
— Eca, tem gosto de suco de laranja e saco.
Chip Cusumano soltou uma risada na direção do bule de chá vazio que ele estava observando. Era um da nossa nova coleção de primavera, estampado com folhas de cerejeira.
— Você preparou corretamente, Darius? — perguntou o sr. Apatan atrás de mim.
Sr. Apatan era ainda mais baixo do que Fofo Bolger, mas, de alguma forma, ele conseguia ocupar mais espaço enquanto se posicionava entre nós dois para encher um copo de amostra para ele.
Fofo deu uma piscadinha para mim.
— Até mais, D-Saco.
D-Saco.
Meu mais novo apelido sugestivo.
Era só questão de tempo.
Trent encarou Chip, que sorriu e acenou inocentemente para mim, como se não tivesse acabado de ser cúmplice da minha humilhação. Os dois se empurraram para fora da loja, gargalhando.
— Obrigado por escolherem a Paraíso do Chá — eu disse. — Voltem sempre.
A Despedida Corporativa Obrigatória.
— Ele te chamou de saco
? — perguntou o sr. Apatan.
— Não.
— Você sugeriu nossos filtros telados?
Assenti.
— Humm — disse ele, sorvendo o restante da amostra. — Esse aqui ficou ótimo. Bom trabalho, Darius.
— Obrigado.
Eu não havia feito nada digno de elogios. Qualquer um poderia preparar as Incríveis Flores de Laranjeira.
Aquele era o verdadeiro propósito da Paraíso do Chá.
— Ele é seu amigo da escola?
Claramente as nuances da minha interação com Fofo Bolger, o hobbit mais entediante do mundo, passaram despercebidas para Charles Apatan.
— Da próxima vez, ofereça o chá de mirtilos.
— Tudo bem.
Sacos de caminhonete
O bicicletário do Centro Comercial de Fairview Court ficava no fundo dos estabelecimentos, do lado de fora de uma daquelas lojas de roupa que abasteciam os Minions Desalmados da Ortodoxia como Fofo Bolger e Chip Cusumano. Do tipo que exibia fotos de caras sem camisa com abdomens com tantos gominhos que era possível perder as contas.
Cinco tipos diferentes de perfumes fortes entraram em guerra no meu nariz enquanto eu passava pela loja. Quando finalmente cheguei no estacionamento, ainda dava para ver o sol. Estava quase se pondo, mas deixava pra trás seus raios avermelhados. O ar estava seco e leve depois de semanas de chuva.
Eu pedalava do Colégio Chapel Hill até a Paraíso do Chá no Centro Comercial na Fareview Court desde que havia conseguido o emprego. Era mais fácil do que pegar carona com meu pai ou com minha mãe.
Mas quando cheguei ao bicicletário, minha bicicleta havia desaparecido.
Depois de olhar com mais calma, vi que não era bem assim — apenas parte dela havia desaparecido. O quadro ainda estava lá, mas faltavam as rodas. A bicicleta estava tombada, presa pelo cadeado.
O selim também havia sumido e quem o levou havia deixado uma coisa azul no lugar.
Bem, não era uma coisa azul. Era um par de testículos azuis de borracha.
Eu nunca havia visto testículos azuis de borracha antes, mas soube de cara de onde tinham vindo.
Como eu disse, não havia uma política de tolerância zero contra bullying no Centro Comercial na Fairview Court. Apenas contra roubo, mas aparentemente aquilo não valia para assentos de bicicleta.
Minha mochila começou a pesar nos ombros.
Eu tinha que ligar para o meu pai.
— Darius? Está tudo bem?
Meu pai sempre atendia assim. Nunca um Oi, Darius, e sim Está tudo bem?
— Oi, você pode vir me buscar no trabalho?
— Aconteceu alguma coisa?
Foi muito humilhante contar para o meu pai sobre os testículos azuis de borracha, especialmente porque eu sabia que ele iria rir.
— Sério? Tipo aqueles sacos de caminhonete?
— O que são sacos de caminhonete?
— Tem gente que pendura isso no parachoque da caminhonete, para parecer que o carro tem testículos.
Minha nuca começou a formigar.
Durante aquela ligação, eu e meu pai usamos a palavra testículos muito mais vezes do que seria considerado saudável em qualquer relação entre pai e filho.
— Certo, eu chego daqui a pouco. Você pegou os peixinhos dourados?
— Hum.
Meu pai soltou um Suspiro de Decepção Nível Cinco.
Minhas orelhas arderam.
— Vou buscar agora.
— Oi, filho.
Meu pai saiu do carro e me ajudou a colocar a bicicleta sem rodas e sem selim no porta-malas do seu Audi.
Stephen Kellner amava aquele Audi.
— Oi, pai.
— Cadê o saco de caminhonete?
— Joguei fora.
Não precisava daquela lembrança.
Meu pai pressionou o botão para fechar o porta-malas e entrei no carro. Deixei minha mochila no banco de trás antes de me jogar no banco do carona, com os peixes dourados nadando em sua prisão de plástico entre as minhas pernas.
— Eu quase não acreditei.
— Eu sei.
Ele levou meia hora para ir me buscar.
Nossa casa ficava a dez minutos de distância.
— Sinto muito pela bicicleta. Os seguranças descobriram quem fez isso?
Afivelei o cinto de segurança.
— Não, mas tenho certeza de que foi o Trent Bolger.
Meu pai deu partida no Audi e começou a sair do estacionamento.
Stephen Kellner gostava muito de dirigir rápido, porque seu Audi tinha muitos cavalos de potência e ele podia fazer aquele tipo de coisa: dar partida em velocidade total, pisar nos freios quando necessário (para evitar passar por cima de uma criança segurando seu ursinho de pelúcia feito sob demanda, novinho em folha), e então acelerar novamente.
Felizmente, o Audi tinha um monte de luzes e sensores que ativavam um alerta vermelho quando detectavam uma possível colisão.
Meu pai manteve os olhos na estrada.
— Por que você acha que foi o Trent?
Eu não tinha certeza se queria contar para ele sobre toda a saga da minha humilhação.
— Darius?
Stephen Kellner nunca aceitava não como resposta.
Contei a ele sobre Trent e Chip, mas só as partes mais leves. Evitei mencionar todas as vezes que Trent fez alguma referência a eu gostar de sacos.
Eu nunca mais queria conversar sobre testículos com Stephen Kellner.
— Só isso? — perguntou ele, balançando a cabeça. — Como você sabe que foram eles, então?
Eu sabia, mas isso não fazia diferença para Stephen Kellner, o Advogado do Diabo.
— Deixa pra lá, pai.
— Bem, se você simplesmente se defendesse, eles te deixariam em paz.
Puxei os cordões do capuz do meu casaco.
Stephen Kellner não entendia nada sobre as dinâmicas sociopolíticas do Colégio Chapel Hill.
— Você precisa cortar o cabelo — disse ele quando entramos na via expressa.
Cocei a nuca.
— Nem está tão grande assim.
Meu cabelo mal chegava nos ombros, embora fosse porque os fios eram ondulados nas pontas.
Mas não fazia diferença. Stephen Kellner usava seu cabelo muito liso e muito loiro cortado muito curto, e tinha olhos muito azuis também.
Meu pai era, basicamente, um Super-homem.
Eu não herdei essa boa aparência.
Bem, as pessoas costumavam dizer que eu tinha o maxilar forte
dele, seja lá o que isso significasse. Mas, na verdade, eu era parecido mesmo com a minha mãe, o cabelo preto e ondulado e os olhos castanhos.
O básico persa.
Algumas pessoas diziam que meu pai tinha traços arianos e isso sempre o deixava desconfortável. A palavra ariano, que um dia tivera um significado nobre — uma palavra antiga em sânscrito, que minha mãe dizia ter origem no Irã —, tinha se transformado em outra coisa.
Às vezes eu pensava em como eu era metade ariano e metade ariano, mas acho que isso me deixava desconfortável também.
Às vezes eu pensava em como é estranho que uma palavra possa mudar de significado tão drasticamente.
Às vezes eu pensava em como não me sentia, de forma alguma, filho de Stephen Kellner.
A notável Careca do Picard
Ao contrário do que hobbits entediantes como Fofo Bolger poderiam pensar, eu não cheguei em casa e comi falafel no jantar.
Em primeiro lugar, falafel nem é uma comida persa de verdade. Sua origem misteriosa está perdida em uma era que existiu antes do mundo ser mundo. Seja ela no Egito ou em Israel, ou em algum lugar completamente diferente, uma coisa é certa: falafel não é persa.
Em segundo lugar, eu não gostava de falafel porque eu era categoricamente contra feijão. Exceto aquelas balas que só se parecem com feijão.
Tirei o uniforme da Paraíso do Chá e me juntei à minha família na mesa de jantar. Minha mãe havia preparado espaguete à bolonhesa — provavelmente a comida menos persa de todas, mas colocou um pouquinho de açafrão no molho, dando a ele uma cor levemente alaranjada.
Minha mãe só preparava pratos persas nos finais de semana porque, basicamente, todo o cardápio persa é um processo complicado que envolve muitas horas de cozimento e ela não tinha tempo para se dedicar à cozinha quando estava