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Arlequim
Arlequim
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E-book631 páginas15 horas

Arlequim

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Sobre este e-book

Do autor de “Debaixo do arco-íris” (romance gay), chega um thriller de fantasia e realismo mágico.

Nota do autor: "Vamos começar o show!"

Sinopse:

Passem e vejam!

O espetáculo vai começar.

A calma de Amerie acaba quando o “Circo de Fantasia de Drec Gutan” chega a cidade de Verno acompanhado de segredos obscuros. As lembranças de uma infância atormentada seguem latentes. É o momento de tirar a máscara e que da verdade saia a luz.

Ao contrário de Amerie, Ashel desconhece o terrível passado do circo e vê nele uma via de escape de um lar carente do amor. Por sorte, Neylan aparece em sua vida. Assim como ele, guarda em seu interior muito mais que se pode contar. Juntos não descobriram não só uma amizade que Ashel nunca tinha sentido, mas também um mundo cheio de novas sensações.

Magia, lendas, seres fantásticos... E o inquietante som de uns chocalhos.

O que vai encontrar?

1 Mistério, thriller, terror e algo gótico.

2 Fortes valores como a importância da família, o amor, a amizade, a liberdade sexual, o próprio medo e o bullying.

3 A magia do circo original.

4 Uma história de superação.

O que dizem os leitores:

“Um passado obscuro se oculta debaixo da grande tenda. Uma história de lendas. Amizade, magia, e rancores esquecidos. Uma melodia predestinada a adoçar seus ouvidos. Estranhos sucessos, intriga e com um tom cínico e mordaz, tecidos por um fio de um ser hostil... Adentrar nessa narração gótica e diferente que merece mais que um simples aplauso. Passem e vejam. Que comece o espetáculo!” – Carlos Gran (escritor)

“Arlequim se converteu em minha melhor leitura do ano. Fazia tempo que não caia em minhas mãos algo impactante e imprescindível. Não se pode parar de ler! O espetáculo acaba de começar! – Patrícia Gómez (escritora)

“Arlequim é uma mescla de sentimentos. Três dias foi o que passei lendo, praticamente. Começa com um ritmo vertiginoso e uma história de fantasia onde você pode seguir o fio do que pode tirar para seguir adentrando seu mundo. O livro é um constante ir e vir de situações que vão se mantendo em sua memória. Os personagens são espetaculares, especialmente um que não direi (para não ser spoiler) e que perfeitamente, se pode equiparar a um dos personagens mais conhecidos de Stephen King. Pode ser porque gosto muito do tema, mas pode ser que volte a vê-lo no futuro. É um livro que te destroça e te prepara segundo te apetece, porque você não decide quando fazer isso, porque o livro faz por você”. – Iván Antonio Enríquez (escritor)

IdiomaPortuguês
Data de lançamento2 de jul. de 2021
ISBN9781667405599
Arlequim

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    Pré-visualização do livro

    Arlequim - Manuel Tristante

    Aos meus leitores-zero

    Carlos Gran e Patricia Gomez.

    O que seria de mim sem vocês?

    Índice:

    Prelúdio

    Prólogo

    1

    2

    3

    4

    5

    6

    7

    8

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    105

    Epílogo

    Otros libros del autor

    Comentários, resenhas e o boca a boca são muito importantes para que qualquer autor tenha êxito. Se gostou do livro, por favor, faça sua resenha, mesmo que sejam poucas linhas, ou fale dele para seus amigos. Desta maneira, outros vão poder disfrutar dele e assim você ajuda o autor a seguir criando.

    Obrigado por sua ajuda!

    Agora, desfrute da história.

    Prelúdio

    —Os acenda! AGORA!

    Depois da ordem, as luzes que inicialmente bombardeavam o começo do bosque, se iluminaram e seus canhões brilhantes foram até o interior da floresta. A luz meteu-se por entre os altos e grossos troncos, galhos e arbustos, despertando os animais que pernoitavam em absoluta calma.

    O céu voltou a rugir; os relâmpagos se fizeram presentes e as nuvens se remexeram deixando a chuva cair com a violência. Uns sessenta homens armados com facas, redes, jaulas, cordas e tochas, adentraram o lugar mais rápidos que o vento por entre as árvores milenares. Marchavam, não sem certo receio, pois levavam seus amuletos em seus pescoços.

    Fazia muito tempo que o bosque era fruto de lendas: de espíritos errantes, de bestas, ninfas, dríades, dragões verdes... e Magia Negra. Eram poucos aqueles que tinham se atrevido a cruzá-lo por medo de perder-se e não regressar, ou de topar com alguns desses seres que protegiam este lugar com unhas e dentes. Os que tinham feito acabavam alimentando o mito ao não regressar. Mesmo assim, nem todos sentiam esse pavor do desconhecido quando uma grande soma de dinheiro era colocada à sua frente, evitando a dúvida daqueles homens na hora de aceitar uma vez mais o que outras tantas vezes havia sido feito em outros lugares.

    Os homens corriam com a ideia em mente da façanha que tinham para cumprir, tentando não pensar no lugar no qual se encontravam. Apesar de ser um lugar familiar em relação a outros, ninguém chegava a se acostumar a ter que tratar com seres diferentes.

    A água caía com persistência e logo o solo se transformou num lamaçal. As facas, afiadas como o vento ceifavam arbustos e trepadeiras, abrindo caminho. As jaulas estavam mais atrás, esperando seus novos habitantes. Diante deles, bandos de pássaros alçavam voo, as aves deixadas no inverno, perto de cervos, javalis, gatos montanheses e inumeráveis mamíferos e répteis. Pequenos roedores tremiam em suas tocas com os gritos que inundavam a frondosidade estendendo-se até as folhas golpeadas pela chuva. A névoa não tardou em subir do chão onde estava, fazendo com que a expedição fosse ainda mais difícil e uma sombra escura como a noite se expandiu rapidamente pelo bosque, orgulhosa e triunfal, acompanhada pelo tilintar de alguns sinos.

    As raízes se levantaram de seus leitos atrapalhando os perturbadores, que logo as mutilaram com suas ferramentas afiadas. O bosque era um guerreiro forte, vivo depois de grandes e numerosas batalhas. Resistiu com seus galhos, folhas, troncos e raízes, obrigando seus oponentes a deixar cair suas tochas para incendiar a madeira viva. Um fogo devastador que a eles nunca fazia nada, como se a Morte não quisesse levá-los esta noite, como se uma força sobre-humana os protegesse.

    O grupo havia ponderado que aquilo ia acontecer e foi prevenido, porque com as chamas, feriam e desprotegiam ao Povo do Bosque, uma linhagem muito antiga, que com seu canto, fazia crescer a vegetação até onde pisavam: que amavam e cuidavam da natureza como a um irmão; que chorava em épocas de seca ou quando um animal ancião abandonava sua vida. O mesmo povo, que segundo diziam, pegavam os humanos para seus banquetes e os utilizavam em sacrifícios para os deuses.

    A forma de debilitá-lo era arrasar sua fonte de vida.

    A única missão daquele reduto era continuar a cadeia de vida da Mãe Natureza e implantar o bem onde quer que fosse, sem machucar ninguém. Apesar de tudo, para alguns isso não era suficiente: olhando de fora, eram criaturas endiabradas, infelizes, que não envelheciam, que tinham vendido sua alma para o mal; que atraíam desgraças, roubavam a vida das crianças que entravam e se perdiam no bosque. Um povo que ocultava um poder negro que gelava as entranhas e tirava o sono.

    Eram muitos os que tentavam achar o paradeiro do Povo do Bosque, mas ninguém tinha conseguido encontrar sua posição no coração da floresta, até que Cetael, um menino de doze anos, adentrou entre as árvores numa tarde de verão, para fazer uma casa para ume lebre e se perdeu. Vagou um dia e uma noite, até que o Povo o encontrou, o acolheram e cuidaram dele.

    Anos mais tarde, Cetael foi para o exterior do bosque com a necessidade de ver sua família, de se mostrar como adulto, de informar que estava bem e que nunca mais se preocupassem com ele, mesmo o Povo pedindo para que ele não fizesse isso, pelo seu bem. Mas Cetael resolveu assumir o risco.

    Quando o viram sair do bosque quinze anos depois, em perfeito estado, numa noite ele foi raptado por pessoas deformadas, aleijados, mortos-vivos da sociedade. Ele foi interrogado e torturado até que eles ficassem satisfeitos com seus relatos de como tinha conseguido sobreviver tantos anos ali dentro. Mesmo sofrendo com golpes e tortura psicológica, Cetael se negou a trair seu Povo, porque a única forma de encontrá-los seria dar sua localização, abrindo a porta para eles, como fizeram com ele há anos atrás. Desta forma, as barreiras de proteção cairiam para aqueles que buscavam. Nem mesmo oferta de ouro tiraria uma só palavra de sua boca.

    No entanto, quando sua família se viu amordaçada e com uma faca em seu pescoço, Cetael começou a notar que suas forças acabavam. Salvar sua família ou condenar seu Povo? Tinha feito um Juramento de Sangue, não podia romper o Pacto de Silêncio ou seria amaldiçoado. Não podia trair aqueles que lhe salvaram a vida, lhe acolheram em seu seio e lhe deram uma segunda oportunidade.

    Com lágrimas nos olhos, sua mãe lhe pediu clemência, por ela e por suas irmãs. Cetael observou a soma de dinheiro, vendo que com ela, sua família podia parar de sofrer.

    Com a condição de que sua mãe e irmãs fossem liberadas e com o dobro do dinheiro, Cetael aceitou e falou. Para sua perplexidade, o ouro nunca caiu em sua mão e as facas cortaram os pescoços de sua família. Não recebeu nada do prometido e tudo havia sido uma farsa. Cetael caiu na miséria e na desolação. Traiu seu Povo e condenou sua família a morte.

    Era uma escória.

    A maldição caiu sobre ele.

    Prólogo

    ––––––––

    O coração do grande bosque fervia numa atividade frenética diante do grande acontecimento que tinham pela frente: o iminente nascimento do primogênito da Casa Real Haya. O Povo se preparava para a celebração daquele evento tão importante que era a continuidade da linhagem real.

    Existiam muito rumores de que a rainha Galanel era estéril. Por mais tentativas que fizesse, a rainha não ficava grávida, então se supunha que a linhagem acabaria neles. A isto ainda tinha que se acrescentar que muitas epidemias tinham acabado com a vida dos irmãos do rei Eritel, o esposo de Galanel, poucos meses depois da morte do rei Otrebla, pai de Eritel, devido a sua extrema velhice, então a linha sucessória acabava em Galanel e Eritel.

    No fim, as orações foram ouvidas e a luz de um futuro crescia em Galanel.

    As habitações, fortificações altas tecidas no interior das gigantescas sequoias milenares, assim como em seus galhos e raízes, se arrumavam para dar as boas-vindas ao que pelos rumores seria um menino. Contudo, a alegria que reinava no exterior contrastava com a inquietude e o temor dentro da mais bonita corte jamais construída e vista pelo olho humano.

    Na mais alta torre do castelo, em um dos sete galhos mais grossos da sequoia mais alta, o rei Eritel se encontrava reunido com os Seis Sumos Sacerdotes. Seu rosto, tomado pela idade, se mostrava sério. O céu nunca antes havia falado da forma que falava agora. O Oráculo tremia com violência diante da exorbitante chegada de advertências lisonjeiras.

    —Tem que haver um erro. — murmurou Eritel, enrugando sua testa. O suor frio percorria seu rosto — Não pode acontecer agora.

    —Meu senhor, eu temo que não haja erro. — afirmou um dos sacerdotes dando ênfase em suas palavras com um gesto negativo de cabeça. Suas mãos ossudas tremiam. Sua pele estava pálida como o mais branco dos mármores e tão sem vida que parecia que o tempo não tinha passado por seu longo cabelo trançado, branco como a lua. — A mensagem é alta e clara. Perguntamos incansavelmente e a resposta é sempre a mesma, para o nosso pesar. O perigo se aproxima. Já dizia a profecia que nossos antepassados receberam do Oráculo. E agora, a partir de hoje, só nos restam dois dias. Cada vez menos tempo. Lhe advertimos que não deixasse aquele humano ir embora, mas uma vez mais, não usou nosso conselho, do mesmo modo do dia que aconselhamos a não mostrar nossa localização. Agora, o desgraçado nos traiu.

    O rei respirou fundo, tratando de se acalmar.

    —Não sou ninguém para impedir uma pessoa de ir embora para ver sua família; e nem mesmo vocês são.

    —Mesmo tendo colocado seu povo em perigo? E ainda com a condição de deixar ele voltar, sabendo o que isso significaria?

    —Nah’Elit, não sabemos se Catael é o responsável pela desgraça que se avizinha. — sentenciou dando as costas aos presentes.

    —Não, meu senhor? Permita-me que lembre que nosso povo está protegido por magia ancestral, a mesma que nos oculta, e só alguém que tenha vivido com o Povo do Bosque é que pode dar nossa localização, permitindo assim que essa pessoa nos encontre.

    Eritel massageou sua têmpora, se negando a aceitar uma possível traição.

    —O céu fala, os deuses falam, mas não dizem que é o culpado. Eles e sua forma condenada de falar pela metade. — deu um soco com o punho fechado na parede.

    Os sumos sacerdotes trocaram olhares.

    —Temo que não seja assim, meu senhor. — refutou Nah’Elit, colocando um pergaminho sobre a mesa — Falam de um nascimento e de um traidor... E então, virá a escuridão, a escravidão e a morte.

    Eritel suspirou. Com toda a dor de seu coração, devia aceitar a verdade, por mais que quisesse se negar a isso.

    —Olhe, meu senhor.

    O rei regressou à mesa e deu uma olhada no pergaminho. A profecia escrita com letras douradas, ocupava a primeira linha:

    Aquele que foi acolhido falará,

    E os que buscam o caminho, ele dará.

    O acontecimento que o nascimento do primogênito desencadeará,

    Não haverá mais linhagem,

    E o Povo desaparecerá.

    Leu mais abaixo e seus olhos foram se arregalando com o que Sumos Sacerdotes haviam transcrito. De seus olhos brilhantes brotaram lágrimas de impotência e temor.

    —N...não pode ser.—pausou, levantando seu olhar — Falam do meu filho! Falam do seu nascimento! O dia que ele nascer será o dia da invasão? — os seis sumos sacerdotes assentiram — Não... Temos que evitar isso. Meu Povo tem que ficar a salvo. O nascimento não pode ser afetado.

    —Meu senhor, sabe o que tem que fazer: aja! — falou Nah’Elit diante do silêncio do resto — Prepare as tropas. Sabíamos que esse momento chegaria, mesmo que no nosso íntimo nos negássemos a crer. Víamos como algo longínquo enquanto outros povos eram atacados, mas agora se aproximam. Cetael é o culpado por esse monstro conseguir o que quer.

    —Cetael não é o culpado, nem pensem nisso! — defendeu o rei, se negando a aceitar que aquele menino de bochechas rosadas, que sempre foi como o filho que sempre quiseram, fosse o causador da desgraça que se aproximava.

    —Meu senhor, faz um mês que Cetael foi enviado ao exterior. Dois guardas o acompanharam com a ordem de observá-lo por um tempo, disfarçados como humanos. Regressaram ontem e afirmam as palavras de nossos deuses. Cetael rompeu o silêncio e nos traiu. Rompeu o Juramento de Sangue e já está condenado. Ele foi pressionado, torturado, até que falou e mesmo ele parecendo um humano diferente, se vendeu por um punhado de moedas de ouro. O ser humano é fraco por natureza e ambicioso.

    Eritel desviou seu olhar para fora, através de uma das janelas. A tarde estava chegando ao fim.

    —Deu sua palavra que não faria isso... Algo mais aconteceu. Ele não era ambicioso.

    —Majestade, pare de arrumar desculpas para ele! É um humano e não é como nós! Sabíamos que o Juramento de Sangue não funcionaria com ele! — a respiração de Nah’Elit se descompassou. Um calor horrível queimava seu estômago — O humano trouxe a desgraça desde que pisou em nossas terras e mesmo que seja doloroso, não há como voltar atrás.

    O rei se apoiou em uma das grossas ramificações que faziam as vezes de colunas, enfraquecido. Nada daquilo podia estar certo, não agora. Não podia estar acontecendo. Olhou os olhos dos seis sacerdotes. Apesar da serenidade que tinham em seus rostos, nos seus olhares havia um temor profundo.

    —Nossas divindades não permitirão que isso ocorra. Ofereçam mais oferendas! Rezem dia e noite sem descanso! Façam o necessário! Eles não podem nos abandonas à nossa própria sorte.

    Os seus sumos sacerdotes baixaram o olhar para a mesa em negação.

    —Não há o que fazer, majestade; isso estava predestinado. — reiterou Nah’Elit — Toda tentativa é em vão. Sinto muito, meu rei. O máximo que podemos fazer é evitar o dano que foi previsto... se é que há algo que podemos fazer.

    Eritel caminhou até a janela e olhou para fora. Seu povo ainda trabalhava para ter um reino bonito para o grande acontecimento. O rei apertou seus punhos. Nada nem ninguém atrapalharia o momento mais feliz de sua vida. Erguendo a espada, ele se virou e agarrou o cabo de sua espada.

    —Lutaremos até o fim. — decretou — Se é isso que o destino quer de nós, que assim seja. E que não fique a menor dúvida de quem serão os vencedores.

    Nesse momento, um rapaz esquálido, de pele branca e cabelos compridos e negros como o azeviche deu um passo à frente das sombras de onde estava, com timidez. Era um aprendiz dos seis sumos sacerdotes. Até que sua formação estivesse completa seu cabelo não voltaria a ser prateado. O cabelo negro era uma prova da sua formação.

    —Meu senhor, desculpe meu atrevimento, mas não podíamos tentar evacuar o reino? Nos afastarmos daqui e construir uma nova vida?

    O rosto do rei se iluminou. Havia esperança naquela proposta. Desviou o olhar dos seis sumos, que negaram.

    —Hi’Foul, volte para sua cadeira. — ordenou Nah’Lit para o rapaz. Esse, cabisbaixo e um tanto frustrado, retrocedeu até sua posição. — Meu senhor Eritel, não estás sendo racional. Claro que por desgraça estamos em um número reduzido, mas apesar disso não dará tempo de evacuar a todos. Além do mais, isso só nos daria algum tempo, mas não muito mais. Encontraram nosso hábitat. E vão vir.

    Um nó surgiu na garganta do monarca. Tudo se complicava. Então, qual era a solução? Se render? Esperar o desastre?

    —Minha esposa e meu filho devem estar a salvo caso eu caia. A rainha tem que ir embora. A linhagem deve continuar.

    —Talvez essa seja uma boa decisão. — alegou o sacerdote — Ponham o plano em prática, assim como as medidas de segurança para defender o nosso lugar.

    Se ouviu uma batida seca vinda da porta que sobressaltou os presentes. A porta se abriu com brio e um homem alto com cabelo prateado como a lua entrou respirando com dificuldade. Vestia uma túnica comprida de cor verde com motivos florais bordados em ouro. Era um dos curandeiros reais.

    —O que foi, Verpo?

    —Meu senhor, a rainha Galanel rompeu a bolsa. Seu primogênito está a caminho.

    As mãos do rei tremeram. Trocou um olhar com Nah’Lit, preocupado. O sacerdote se pôs de pé e observou o entardecer: os últimos traços de luz alaranjada já se dissipavam.

    —Será amanhã à noite... — olhou para o rei — Lamento, meu senhor, mas nesse estado a rainha Galanel não pode ir. Temo que não possamos contornar o destino. Deixemos que os acontecimentos de desenrolem e confiemos que nossas divindades se apiedem de nós, que sejam bons e que movam as peças para nós e por nós. Agora, vá até sua mulher, deve estar com ela. Nós cantaremos, despertaremos ao Senhor do Bosque e pediremos tempo.

    Verpo entrou na sala com o rosto alterado diante da conversa que estava escutando.

    —O que foi, meu senhor? — se atreveu a perguntar, com temor em sua voz.

    O rei moveu sua mão, não dando muita importância.

    —Nada com o que deva se preocupar agora, Verpo. Vá fazer seu trabalho.

    O curandeiro assentiu sem meias palavras e se retirou, fechando a porta atrás de si.

    —Meu rei, nos reuniremos mais tarde. — falou Nah-Lit se pondo de pé. Seus companheiros o acompanharam.

    Os seis sumos sacerdotes saíram da sala de reuniões junto com o aprendiz até o Oráculo, movendo suas túnicas brancas e leves.

    Eritel se deixou cair sobre uma cadeira, pálido. Uma profecia que se transformava em realidade, um futuro incerto. Uma sentença a extinção e justamente em que seu desejo mais forte se cumpria. As lágrimas brotaram de seus olhos e caíram em cima da mesa de madeira. Sua cabeça parecia uma colmeia e seus nervos o estavam deixando louco. O que ele podia fazer? Qual era a melhor solução? Não podia pensar com clareza, não agora que seu filho ia nascer.

    Dando um murro na mesa, se levantou e saiu do quarto, recolhendo sua mecha prateada.

    Eritel encontrou sua esposa em seus aposentos, deitada sobre a cama com dossel, com suores e dores fortes. Não fazia muito tempo que tinha rompido a bolsa e parecia que o parto ia ser difícil: a elfa não estava dilatando. Dois curandeiros, entre eles Verpo, tentavam aliviar suas dores com unguentos da Mãe Natureza e cânticos, enquanto duas parteiras e uma garota de oito anos de idade, que aprendia a profissão, assistiam o parto.

    —Oh, Galanel, minha vida! Como está? — seu esposo ficou preocupado, se sentando ao seu lado. Tomou suas mãos e lhe beijou a testa suada. Apesar do momento pelo qual passava, a rainha Galanel continuava bonita. Seus olhos amendoados eram grandes e de cor azul como o céu e seu cabelo era o mais prateado de todos, sinal distinto de sua realeza. Suas bochechas estavam rosadas pelo esforço — Nosso pequeno já quer nos ver.

    —Nossos pequenos. — lhe corrigiu a elfa.

    Eritel piscou, confuso. Queria dizer que eram dois?

    Galanel sorriu e tratou de esclarecer, mas como resposta teve um grito e ela se retorceu com dores. Então, agarrou sua barriga.

    —Façam algo! — implorou Eritel preocupado — Aplaquem sua dor!

    A rainha fez um gesto negativo com a mão.

    —Estou bem. É o processo natural, Eritel, e eles já fizeram o suficiente por mim. Não se preocupem. Não, Eritel, me escute. Não... — fez uma careta de sofrimento — Não insista.

    Eritel mordeu a língua, tratando de escutar sua esposa, mesmo que vê-la naquele estado era muito difícil. Lhe partia a alma.

    Do lado de fora, se ouvindo através de uma janela aberta, chegou um canto doce. Uma salva de bênçãos e pedidos dos sumos sacerdotes do bosque. O Senhor do Bosque recebeu o chamado e árvores novas e fortes começaram a crescer ao redor do reino, criando uma nova barreira inquebrantável. No entanto, mesmo que a Natureza pudesse germinar tão rápido, algumas partes eram rochosas e as plantas não podiam abrir caminho.

    Com o vento, as folhas voavam e ambos propagavam a palavra do Senhor dos Bosques. Galhos e raízes se moviam, se preparavam e criavam armadilhas, dispostas para quando o primeiro humano pisasse naquele solo desconhecido e misterioso para eles.

    ****

    O céu rugia ao longe, cheio de nuvens que pressagiavam uma tempestade. Foi então que o bando opressor acendeu suas luzes potentes e abriram caminho pelo mato com suas armas. Uma trombeta foi ouvida, seu som se estendeu como a pólvora e o céu se abriu. Vários raios se fizeram presentes e uma chuva intensa começou a cair.

    A calma aterrorizava muito mais que o bosque em si. Se ali haviam tantos monstros, onde eles estavam? Por que não atacavam? Os homens corriam sem olhar para trás, cortando tudo o que se atravessava em seu caminho.

    Minutos mais tarde, as árvores se agitaram, moveram seus galhos e raízes e derrubaram o inimigo. Atravessaram corpos, ceifaram cabeças... O medo se espalhou.

    —NÃO SE AMEDRONTEM! RESISTAM! SÃO SÓ ÁRVORES, CHUVA E BARRO! NÓS SOMOS MAIS FORTES. — se ouviu a voz do chefe no meio da tempestade — INCENDEIEM O BOSQUE SE FOR NECESSÁRIO, MAS NÃO OS DEIXEM ESCAPAR! VAMOS, VAMOS! MUITA GENTE VAI PAGAR MILHÕES PARA VER ESSE NOVO CLÃ!

    O fogo se estendeu e as árvores começaram a ser mutiladas. A fumaça tomou conta da noite e um grito de dor cruzou o bosque, sacudindo-o. Os homens ficaram parados por uns minutos, trocando olhares. O que tinha sido isso?

    —AVANCEM! NENHUM BOSQUE E NENHUM MONSTRO VAI NOS ACOVARDAR! 

    A comitiva continuou abrindo caminho enquanto o bosque sofria a maldade do ser humano e chorava ao ver famílias sucumbirem diante da mão do ódio e da cobiça.

    ****

    Galanel gritou uma vez mais, dando um empurrão final, estremecendo a terra e o pranto da última criança inundou a noite. O primogênito havia nascido. Um bonito menino, são, de cabelos prateados, orelhas pontiagudas e bochechas rosadas. O primeiro, por desgraça, veio morto.

    Quando a rainha o colocou em seus braços, chorou de emoção e de pena. Tinha sido um parto difícil e longo, um filho não havia sobrevivido e o outro sim. Tinha emoções misturadas, mas observando o rosto do seu pequeno, tudo era mais suportável.

    —É maravilhoso, meu senhor. — comentou a parteira, acariciando a cabeça do pequeno.

    Eritel, emocionado, saiu do quarto gritando a plenos pulmões:

    —Nasceu! Meu filho nasceu! — ainda não podia acreditar. Tanto tempo desejando isso e por fim, havia conseguido — Um filho! Um primogênito!

    Nah-Lit, seu braço direito, o deteve diante da porta do quarto. Seu rosto era a imagem viva da preocupação.

    —Nah’Lit, é um menino! Bom, eram dois. Um morreu ao nascer, mas... Um menino, como nossos deuses previram!

    —E também predisseram nossa derrota, meu senhor. O mal já está sobre nós. — o rosto do rei mudou a expressão no mesmo instante — Me dói destruir sua felicidade, mas o inimigo chegará de um momento para o outro.

    Todo o rastro de alegria saiu do rosto de Eritel com a mesma rapidez que uma flecha cortando o céu em plena batalha. Olhou fixamente para o sumo sacerdote esperando escutar que depois de tudo isso os deuses iam ajudá-los, que haveria uma solução... A expressão do sacerdote não mudou.

    —Não... Meu filho... Não... Não o verei crescer?

    —O futuro é incerto, meu senhor. Vamos deixar o jovem príncipe a salvo antes de...

    Um grito atrás do outro silenciou o sumo sacerdote. Rapidamente, buscaram uma janela. Uma enorme nuvem de fumaça subia por entre as copas das árvores. O cheiro da fumaça na madeira foi insuportável. As pessoas corriam de um lado para o outro, assustadas e chorando. Por outro lado, os humanos haviam encontrado o reino e chegavam com jaulas, redes e armas.

    —CAPTURE OS MELHORES! — se ouviu uma voz profunda em meio aquele inferno.

    Eritel se retirou da varanda tremendo. Que pesadelo horrível!

    —Meu senhor, tire sua família daqui! — gritou o sacerdote. Tirou um chifre da bolsa e o entregou ao rei — Toque-o! Agora!

    Sem saber muito bem o que fazia, o rei soprou no chifre. No mesmo instante, um batalhão de guerreiros saiu para proteger o reino. Sem olhar para trás, Eritel entrou apressado em seu quarto, pálido. Fechou a porta e se apoiou nela, recolhido.

    —Eritel? Amor? O que está acontecendo? — sua esposa o chamou, preocupada enquanto amamentava seu pequeno.

    O rei olhou para ela e se deixou arrastar até o chão, desalentado. As parteiras ficaram pálidas diante do temor que viam no rosto de seu monarca.

    Com dificuldade, Galanel deixou o bebê o berço e se pôs de pé fazendo caretas de dor. Se aproximou de seu marido apesar da tentativa dos curandeiros que queriam que ela permanecesse na cama, pois ainda estava debilitada. Pôs o rosto dele entre suas mãos. Eritel a olhou nos olhos e a abraçou, chorando.

    —Não... Não há tempo. Você tem que fugir. Tem que fugir! Pegue o menino e vá embora! Fiquem a salvo! Nos encontraram e os Deuses nos abandonaram!

    Galanel levou as mãos à boca, traumatizada. Se virou até o berço de cedro talhado onde repousava o seu bebê. Seu pequeno... Nada nem ninguém tocaria em seu filho.

    O tomou em seus braços e o pequeno começou a chorar. Se virou para seu marido, aquele que parecia um garoto indefeso e assustado.

    —Eritel...

    —Não, Galanel. Não pense em mim agora, por favor. Pense nele! Alguém tem que sobreviver. Corra! Vá até as cozinhas, pegue algum alimento e fuja pelas passagens secretas.

    —Ninguém as usou durante anos!

    —Não importa desde que vocês fiquem a salvo!

    A mulher engoliu em seco. Não podia fazer isso, não podia abandonar seu marido, não só porque ainda estava debilitada, mas também seu filho tinha só alguns minutos de vida.

    —O que você fará? Não posso ir embora sem você.

    Eritel se pôs de pé segurando o cabo de sua espada. Com o coração apertado, segurou o rosto de sua mulher com a outra mão e a fotografou com sua mente, olhando sua beleza uma última vez. Galanel chorava desconsolada.

    —Não pense em mim, pense nele, por favor. Por favor!

    —Te amo, Eritel.

    —Eu também, minha vida. Assim como o nosso pequeno Tahiel. — a beijou e depois encostou seus lábios na testa de seu filho. O pequeno parou de chorar e sustentou o olhar de seu progenitor. O rei se manteve forte. Tinha que ser. Por eles. — Vou acompanhá-los até...

    Um estrondo o calou. Novos gritos começaram e o castelo tremeu: os humanos tinham entrado nele. O tempo se esgotava.

    —Pelos Deuses! Rápido! Rápido! — Eritel tirou o pequeno do braço de sua mulher e quando se dispunham a sair, Nah’Lit se interpôs.

    —Meu rei, em seu estado, minha senhora não pode andar pelas passagens. — Eritel buscou o olhar de sua esposa; seu conselheiro estava certo. — Foram construídas para que os meninos e as meninas fossem salvos, para que pudessem perpetuar a linhagem. Talvez essa seja a solução nesse momento.

    A pouca esperança que tinham se esfumaçou nos olhos dos reis. Galanel colocou seu pequeno em seus braços, começando a ter a ideia de que aquele era o fim. Sua respiração disparou. Por que tinha que ter nascido naquelas circunstâncias? Por que os Deuses moviam seus malditos fios sem se importar com quem ia sofrer? Ficou claro para ela que não havia divindades, apenas casualidades e predestinação. Como essa sina e coincidência de seu filho nascer no mesmo dia que o castelo é invadido.

    As parteiras gritaram de puro pânico quando viram o quanto a fumaça se aproximava do quarto. A filha de uma delas chorou, buscando as saias de sua mãe. Nah’Lit deteve seu olhar na pequena antes de posicioná-la diante do rei.

    —Meu senhor, talvez ainda haja salvação. Essa menina, a filha da parteira pode salvar o príncipe.

    O monarca se virou, vendo que o tempo estava passando muito rápido. O destino de seu filho nas mãos de uma menina de oito anos?

    —Mas ela é só uma aprendiz e ainda é uma criança! — Eritel se queixou.

    Rápida, Galanel se ajoelhou perto da menina e acariciou seu rosto com afeto enquanto sua mãe a protegia em seus braços.

    —Não ligue para o que ele fala, criança. Por favor, tu és a salvação de meu filho.

    A menina olhou para sua mãe, sem entender. A parteira fez das tripas coração, tentando ser forte. Não desejava se separar de sua filha, mas era melhor ver ela ir embora viva do que morrer.

    —Minha filha, você deve fugir com o príncipe para ficarem a salvo. — lhe explicou com lágrimas nos olhos, se ajoelhando diante dela — Faça com que eu fique orgulhosa de você. Te amo, Nayairea.

    —Mamãe...

    Galanel colocou o bebê nos braços da menina.

    —Por favor, por favor, fuja com meu filho. Estejam a salvo, por favor. — lhe suplicou — Cuide de Tahiel! — fechando os olhos, murmurou um cântico enquanto fazia um gesto simples tocando a testa do bebê e cobriu seu rosto com a manta.

    Nayairea obedeceu sem pestanejar.

    —Meu senhor, os acompanhe até as passagens. — Nah’Lit sugeriu com o olhar fixo na porta do quarto.

    Eritel olhou para sua esposa e depois para as crianças.

    —Voltarei, minha vida. — sussurrou com dor — Vou deixá-los a salvo, por enquanto.

    Ambas as mães se despediram das crianças e seus filhos as deixaram para trás à mercê da sorte, desconsoladas e destroçadas, vendo seus mais preciosos tesouros irem embora, possivelmente para sempre.

    Eritel, com a espada em sua mão, conduziu a menina pelos corredores até a cozinha. Tahiel começou a chorar, deixando a menina e o pai apreensivos.

    —Shhh, se cale, meu pequeno. Se cale.

    Angustiado, o rei procurou uma cesta de vime para colocar alguma comida enquanto Nayairea não tirava os olhos da porta. A confusão dos humanos parecia estar cada vez mais perto...

    —Maldição!

    Eritel soltou a cesta e correu até a chaminé. Afastou os caldeirões onde o jantar fervia, usou o líquido para apagar as chamas e pressionou vários ladrilhos; uma porta se abriu. Pegou uma tocha da aldrava e a acendeu rápido, e respirando fundo, pediu a Nayairea que entrasse naquele lugar inóspito e frio.

    —O proteja, pequena. Essas passagens conduzem até fora do bosque; lá estarão a salvo.

    Nayairea assentiu e correu com o bebê nos braços sem olhar para trás. Um pouco mais à frente, o caminho se bifurcou em dois. Indecisa, tomou o caminho da direita. Avançou depressa, tentando ser forte. Ouviu gritos, a espada do rei e um grito retumbante reverberou pelas paredes. Então, ela soube que o rei estava morto.

    Vozes fortes ressoaram com eco bem atrás dela. Nayairea se sobressaltou e viu o medo paralisá-la. Mas ela não podia parar, tinha prometido. Assim, acelerou o ritmo pela passagem sem saber em que lugar terminaria. Os gritos voltaram a ressoar e o som fez com que o bebê chorasse novamente. O som se propagou como pólvora.

    Parecia que o coração da menina ia sair de seu peito. A tensão e o terror estavam se apoderando dela. Tentou apaziguar o choro do pequeno como pôde, mas não teve sorte. Acelerou o passo mais uma vez e tropeçou em uma pedra, evitando cair para frente, colocou o peso do seu corpo de lado e caiu de costas, se machucando, mas segurando o bebê que não estava com nenhum arranhão.

    Dolorida e com o rosto abatido pelo pânico, Nayairea se virou para olhar para trás. O reflexo que ela estava vendo ao longe nas paredes, eram as tochas e sombras dos humanos?

    Não poderiam escapar...

    "Uma última tentativa", ela disse a si mesma se colocando de pé. Pegou a tocha que estava caída a meu lado e continuou mancando.

    A menina vagou durante toda a noite pela passagem escutando a respiração dos homens que estavam atrás dela, até que suas pernas pequenas não aguentaram mais e ela se enfiou num canto da parede. Era estreito e alguém tinha que prestar muita atenção para notá-lo, mas ela conseguiu se encaixar nele.

    O bebê chorou com fome, Nayairea o moveu e cobriu seu rosto, suplicando que ele se calasse ou eles seriam descobertos. A angústia percorria seu corpo e a vontade de chorar era cada vez mais forte.

    —Se cale! Se cale! — ela suplicou com terror.

    Os passos dos homens estavam cada vez mais próximos e ela ficou com um nó na garganta. Apagou a tocha, enterrando-a na areia do chão e a escuridão os acolheu em seu seio.

    Fechou os olhos, achando que o tempo ia passar e tudo ia ser mais depressa.

    Se ouviram passos escassos a alguns centímetros. Ela prendeu a respiração e depois escutou os passos cada vez mais longe. Não os haviam encontrado, os homens tinham passado longe.

    Nayairea apoiou a cabeça na parede, notando que suas pernas estavam úmidas porque não conseguiu conter sua bexiga. O bebê parecia querer chorar e ela destapou sua cabeça, passando a mão em suas bochechas.

    As horas passaram, e pelo cansaço e pelo menos, dormiu.

    Despertou sobressaltada entre pesadelos. Olhou ao seu redor e sua respiração se apaziguou quando lembrou que estavam a salvo. Em seu colo, Tahiel dormia. Com cuidado, olhou por sobre a cabeça. A escuridão envolvia a passagem secreta; parecia que não havia perigo.

    A ideia de refazer o caminho passou por sua cabeça, mas desistiu da ideia. Aconchegando o pequeno príncipe, continuou a trajetória pela passagem, tateando a parede e aguçando seu olhar ao máximo, alerta para saber se os homens ainda rondavam aquele local.

    A noite os surpreendeu quando saíram até o limite do bosque. A noite já brilhava sobre o firmamento. Quanto tempo tinham passado ali dentro? Cheiro de fumaça se estendia pelo local. A coruja chirriou e a menina se virou, atenta, temendo que fossem os homens. Mas não havia ninguém ali, só uma inquieta calma.

    Olhou ao redor sem saber o que fazer ou para onde se dirigir. Estavam justamente no lugar proibido para alguém como eles. Não podiam ir além do bosque, não podiam cruzar a linha. Mas que outra saída eles tinham?

    Tahiel chorou estrondosamente e o temor invadiu a pequena novamente. Seu olhar foi para o redor, alerta. O menino precisava comer ou seu pranto ia acabar denunciando a posição deles.

    Apesar de sua pouca idade, sua mãe lhe tinha dado conhecimentos necessários para que pudesse sobreviver a qualquer momento, mas sua formação como parteira não tinha chegado na parte de como cuidar bem de um recém-nascido. O príncipe morreria em seus braços se não arrumasse alguém para cuidar bem dele.

    Desde que o tomara nos braços, não tinha se atrevido a olhá-lo. Quando fez isso, descobriu, para sua surpresa, que ele parecia humano, ao contrário dela. O menino não tinha traços característicos da sua raça: não tinha cabelo prateado, nem orelhas pontiagudas e muito menos pele perolada. Por quê?

    Valente, e com o coração acelerado, se pôs a caminho para entrar pelas ruas da estranha e inóspita cidade, estremecida. Um mundo desconhecido por ela.

    Um som metálico a fez girar. A névoa subia do chão fedorento com cheiro de fezes e urina. Apertou mais o bebê contra o seu corpo e seguiu o seu caminho e um novo ruído lhe espantou. Veloz, envolveu melhor ao menino e o depositou no meio da rua, à mercê dos deuses e ela fugiu para o desconhecido.

    Na escuridão da noite, o choro do bebê despertou a empregada de uma casa ali perto. Achando estranho, a mulher foi para fora e qual não foi sua surpresa quando achou um bebê no meio da rua, tremendo por causa do frio e com fome. Consternada e com um barulho do céu em seguida, ela o levou para dentro.

    Finalmente depois de algumas horas, os senhores dela aceitaram adotar a criança.

    O chamaram de Ashel.

    Catorze anos depois

    1

    ––––––––

    Dezembro chegou com temperaturas baixas e o céu coberto, o que trazia a ameaça de uma tempestade sobre a grande cidade de Verno e o aviso parecia se prolongar com o passar dos dias.

    A cada manhã, os homens marchavam para trabalhar e os comerciantes se preparavam para expor seus melhores produtos na praça central. Mais um dia e as chaminés não tardaram em lançar grandes quantidades de fumaça, dando assim início a uma nova jornada. A algazarra se estendia pelas ruas como pólvora.

    Cansado e com olheiras, Ashel se sentou na beira de sua cama quando a claridade do dia entrou por sua janela, o despertando. Balançou seu cabelo bagunçado da cor de âmbar, ainda bocejando. No meio da noite, teve de novo aquele pesadelo que alguém o perseguia através do bosque e isso além de fazê-lo perder o sono, ainda tinha o feito despertar sobressaltado.

    Não era a primeira vez que ele tinha esse sonho e era sempre o mesmo: Ashel estava num grande bosque, longe da cidade, em absoluta calma e sem aviso prévio, um barulho às suas costas acabava com a sua tranquilidade. Ao se virar, não sem algum receio, se encontrava diante de uma pessoa que tinha a mesma altura que ele com uma capa comprida de cor verde escuro e um capuz cobria seu rosto. Movido por um estranho temor, Ashel começava a correr, mas não chegava a lugar nenhum, porque corria em círculos. Quando se dava conta disso, suas pernas paravam e aquele que se ocultava voltava a estar atrás dele. Tirava o capuz mostrando seu rosto; não era um estranho, era ele.

    Exatamente nesse momento, Ashel acordava, aturdido, sem entender nada daquele pesadelo. Não sabia nem porque se assustava, nem porque ele perseguia a si mesmo.

    Um calafrio percorreu seu corpo quando os dedos de seu pé tocaram o chão. Tinham se esquecido de acender a lareira? A essa hora, o local já devia estar bem aquecido. Catrina, que cuidava das chaves, acostumada a tomar conta não só do quarto, mas também do menino, quase como uma ama pessoal. Em muitas ocasiões, ela se ocupava de outros afazeres diferentes daqueles para o qual havia sido contratada, pela falta de pessoal. Com o passar dos anos, os empregados foram abandonando seus postos por melhores oportunidades, fugindo da servidão e da escravidão a que se viam submetidos sob o teto dos ricos.

    Com muito sigilo, Catrina entrava no quarto ao amanhecer, observava por uns segundos a Ashel, sorria e acendia o fogo, assim, quando ele se levantava, o quarto já estava aquecido. Então, na hora certa, voltava para acordá-lo com o maior dos mimos para que ele fosse para o colégio.

    Ashel não a culpava porquê dessa vez não foi assim. Já era uma mulher idosa e era normal se esquecer de algumas coisas, ainda mais naquela casa, que sua mãe não deixava de agoniar o pouco pessoal que ainda restava, com trabalho excessivo e minúcias sem sentido. E não era só eles que ela fazia isso, mas a família em geral, e Ashel sabia muito bem disso, já que o seu nome era o que mais saía da boca da sua mãe. Quando ela estava assim, era certo que um castigo viria e podia ser por qualquer futilidade.

    Como seu pai aguentava a sua mãe? A personalidade dela era terrível, uma pessoa difícil de tratar e para Ashel, um tanto quanto bipolar.

    Ambos são iguais, Ashel pensou. Sim, por isso estavam há tantos anos casados; só eles podiam aguentar um ao outro. Seu pai era um pouco mais reservado, mas quando ele se impunha, era melhor não estar por perto.

    Em inúmeras ocasiões, Ashel tinha chegado a se perguntar se realmente era filho dele, porque não entendia o tamanho do seu desprezo por ele. Sua irmã, por exemplo, não recebia castigo nenhum. Ela parecia ser perfeita em todos os sentidos e se fazia algo fora do normal, não havia nenhuma palavra sobre nada e ela ficava ilesa. Já no caso do menino, era melhor sair correndo. Não estavam em igualdade de condições. De uma forma ou de outra, o ruim sempre era ele. Tinha pensado muitas vezes nisso e nunca obtinha uma resposta, nem mesmo motivos.

    Por sorte, nesse aspecto, não era pego de surpresa.

    Ashel se pôs de pé coçando o traseiro e bocejou. Pegou sua roupa no armário e se vestiu o mais rápido possível, gelado até os ossos. Irremediavelmente, Catrina tinha se esquecido dele.

    Foi para seu banheiro, lavou o rosto com água fria e decidiu ir para a sala de estar. Ali, por sorte, a lareira estaria acesa e podia entrar algum calor em seu corpo. Qual não foi sua surpresa, quando percebeu que a porta estava trancada à chave.

    —Não, outra vez não... — murmurou, segurando a vontade de golpear a madeira com seus punhos.

    Tinham voltado a fazer isso, tinham voltado a deixá-lo trancado para que não saísse até que eles quisessem, por isso Catrina não tinha subido para acender a lareira, por isso não havia sido acordado para ir para o colégio; por isso, estava ali trancado, como um animal, um animal estranho ou um ladrão qualquer. Novamente, por outra futilidade.

    Ashel tinha ido dormir sem jantar e parecia que ia passar toda a maldita manhã também sem dar uma mordida em comida alguma. Já estava ficando cansado desses castigos. Não podiam ter um pouco mais de consideração? Ele não era ruim... Só era...

    —Diferente deles. — sussurrou para ele mesmo.

    Na tarde anterior, tinha entrado no escritório do seu pai, um espaço amplo e alto, onde havia mais madeira que espaço. Estantes repletas de grandes livros, uma grande mesa de mogno, vários bustos... e um forte cheiro de conhaque. Era um lugar proibido tanto para ele quanto para sua irmã. Quando seu pai voltava para casa do trabalho no banco, se trancava ali e não queria ser incomodado. Recebia visitas de homens altos e baixos, gordos e magros, bem-vestidos, com chapéu e às vezes cartola e bengala e sempre, persistentemente, um horrível olhar de desagrado em seus rostos. Lá dentro, se ouviam risos e conversas extensas enquanto a fumaça saía por debaixo da porta e tudo era muito secreto.

    Na tarde anterior, Ashel saiu do seu quarto para ir à cozinha buscando algo para comer quando viu que a porta estava entreaberta e tinha uma luz azulada, rápida como o vento, que se movia ali dentro. Desconfiado, e um pouco confuso, se aproximou e deu uma olhada. Ali estava, andando em círculos, uma chama azulada. Seria um espírito? Ele não acreditava nessas coisas, porque não acreditava em nada que não pudesse ver com seus olhos e também porque sua mãe tinha feito questão de proibir os contos de fadas naquela casa. 

    Valente e ousado, ele abriu a porta de vez. Assim que ele fez isso, a chama parou sua dança, e parou fixa diante dele, como se o estivesse observando e então se extinguiu sem deixar rastro no momento que uma mão pousou em seu ombro, o fazendo gritar de pânico.

    —O que está fazendo aqui em meu escritório? Quem te deu permissão para entrar, Ashel? Quantas vezes repeti que você não pode entrar? Que é proibido até mesmo que se aproxime!

    Seu pai, alto como uma árvore e com um cenho franzido durante o dia e à noite, tinha fechado sua mão direita em um punho. Seu rosto estava contraído pela raiva. Seu enorme bigode negro parecia tremer. E seu olhar, com aqueles olhos escuros como a noite, estavam cravados no seu filho, ferindo-o.

    —Pai, eu não... — as

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