Heráclito
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Heráclito - Ricardo Gonçalves
HERÁCLITO
Da Harmonia Não Aparente,
que em Natureza Ama Ocultar-se
Ricardo Gonçalves
HERÁCLITO
Da Harmonia Não Aparente,
que em Natureza Ama Ocultar-se
Joinville - SC
Edição do Autor
2023
Copyright © Ricardo Gonçalves, 2023.
Preparação e Diagramação: Eneidha Rosenthal
Revisão: Hermes Selenisthákis
Capa: Ricardo Gonçalves
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Índices para catálogo sistemático:
1. Pré-socráticos : Filosofia antiga 182
Tábata Alves da Silva - Bibliotecária - CRB-8/9253
2023
Clube de Autores Publicações S.A.
Rua Otto Boehm, 756 – sala 02 – Bairro América
89201-700 – Joinville – SC
Clubedeautores.com.br
atendimento@clubedeautores.com.br
Dedico este pequeno livro à minha querida e saudosa Professora Doutora Anna Lia Amaral de Almeida Prado que, como mãe, tomou-me pela mão e conduziu-me pelos caminhos da Cultura Grega, suportando com paciência meus erros e sempre confiando neste seu discípulo que lhe devota a maior gratidão. Amiga excelente e adorável a quem aprendi amar, foi esteio para a construção do que sou hoje, tanto academicamente quanto como pessoa. Espero poder sempre corresponder à sua dedicação e, talvez um dia, conseguir seguir seus passos.
Dedico-o ainda ao também querido e saudoso Professor Doutor Henrique Graciano Murachco, um grande amigo, que sempre me incentivou e jamais me permitiu esmorecer. Meu primeiro professor de Língua Grega, foi também o primeiro a fazer-me despertar para a beleza do mundo helênico, com dedicação total e incondicional.
AGRADECIMENTOS
À Professora Doutora Lygia Araújo Watanabe por aceitar a difícil tarefa de orientar-me e por ter-me dado a oportunidade de crescer academicamente.
À Professora Vera Maria de Melo Reis Bueno, amiga inseparável, que esteve sempre ao meu lado, compartilhando do meu esforço para chegar à consecução deste trabalho.
Ao amigo Professor Roberto Bolzani Filho, que me encorajou a continuar, fazendo-me ver as perspectivas que eu ocultava de mim mesmo.
Ao amigo José Martins Domingues, por seu interesse em participar do processo do meu desenvolvimento acadêmico e com quem tanto estudei Língua Grega.
À minha querida mãe, Iraídes Gonçalves, por confiar em mim e ter certeza de que eu seria capaz de superar os obstáculos. Por isso, a cada nova conquista minha, alegrava-se e festejava, como se fossem suas as vitórias.
Ao meu querido e saudoso pai, Avelino Gonçalves. Apesar de jamais haver suspeitado da envergadura de meu trabalho, olhava-me como quem confiava e se orgulhava.
Sumário
Prefácio
Na época em que viveu Heráclito, o Mundo certamente era muito mais simples. A tecnologia primitiva era capaz de satisfazer uma pequena parte das necessidades humanas. Na verdade, o possível era suficiente para aquele momento. As pessoas não se ressentiam tanto por não possuírem todos os artefatos engenhosos que temos atualmente; apenas imaginavam um dia serem possíveis instrumentos facilitadores de suas atividades. Fazer o quê? Os avanços, então, vinham aos poucos.
Em oposição à simplicidade da Natureza, estava a complexidadedos seres humanos. Cada pequeno mundo
, conforme nos definia Demócrito, trazia em si uma semente de mudança, capaz de ser tão radical quanto um tufão devastador, ou tão sutil quanto a pequena flor efêmera.
Ao que parece, ao nosso filósofo encantava o natural, ao invés do intrincado e imprevisível entrelaçamento dos fios urdidos pelos homens. Nunca se sabe quais estampas surgirão nas tramas dos tecidos que compomos. Impossível confiar na palavra saída da boca de um mortal.
Segundo a tradição, Heráclito desprezava os seres humanos e, por extensão, o convívio social. Por essemotivo, para ele seria uma tortura participar da política. Não suportava a hipocrisia, requisito primordial para a maioria daqueles que abraçam a vida pública. A maioria dos funcionários do Estado almejam os benefícios espúrios, as propinas, os privilégios, sempre obtidos às custas de alguém a ser extorquido, prejudicado. Sorrisos falsos, discursos persuasivos, porém, enganosos, por um lado; por outro, atitudes agressivas, marcas daqueles que ao menos têm a decência de agirem com honestidade, mesmo que prejudiquem a outrem. Como, em sã consciência, aceitar tamanha insanidade? Como Hráclito poderia admitir a insanidade que ele prórpio reconheceria em si mesmo? Afinal, sabia-se humano também, infelizmente, sujeito à mesma doença mental e emocional dos demais. Seria demais, para espírito tão nobre, ter sempre diante de si as próprias limitações evidenciadas, continuamente lançadas em sua face pela presença nefasta de nada menos que outros homens
. A solução por ele encontrada: viver sob a proteção de Ártemis e brincar com as crianças, longe de adultos, em exílio que ele mesmo se impôs. Ao menos as crianças bem pequenas ainda mantinham certo grau de pureza, o que lhes permitia brincarem com a inocência de Aión, a Eterna Criança. Não obstante, pouco tardaria às crianças também serem corrompidas. Em pouco tempo, os maus ensinamentos e as más influências as fariam afastarem-se do caminho divino. Assim, até mesmo as crianças acabaram por fazerem Heráclito lembrar-se de queele mesmo fora da mesma maneira corrompido. sem querer, continuamente via-se no espelho. Era preciso dar novo salto: a reclusão nas montanhas e a renúncia a tudo o que lhe recordasse a tristeza do convívio humano.
Ser mortal, contudo, seja qual for o estilo de vida escolhido, tem um preço que a Vida cobra. A maldição de ser humano é acompanhada da maldição de ser impossível, para se continuar vivo, permanecer absolutamente longe das pessoas, por piores que sejam. Uma vez ou outra, haverá necessidade de consultar um médico, por exemplo, em momento em que a umidade no interior do corpo compromete as funções vitais. Afinal, as ervas amargas das quais nosso filósofo fazia uso já não eram eficazes para secarem a hidropisia. E agora?
- pensou ele. Preciso eliminar o aguaceiro que se formou em mim. Se Asclépio em pessoa viesse em meu socorro, não seria necessário recurso aos doutores de Éfeso.
Porém, ele também não era muito religioso e talvez lhe tenha parecido muito hipócrita recorrer à divindade apenas em hora de precisão. Assim, a contragosto, somente por falta de alternativa, voltou à cidade para consultar um daqueles que, ao menos supostamente, saberia como fazer evaporar sua água com fogo, sem matá-lo. Infelizmente, os longos anos na montanha fizeram Heráclito perder ainda mais a clareza do discurso que, diga-se bem, nunca cultivou ou exerceu. Às suas perguntas, os físicos não souberam dar respostas, pois não o compreenderam. Por isso, mandou-os às favas, sem perder a convicção de que apenas o calor do Fogo sempre vivo poderia fazer evaporar a água em seu agora muito volumoso abdome. Por ser sábio, entendia que esterco fermenta. Como resultado: calor. Ali se enterrou, espertando a dissolução da umidade. Daria certo. Passado um pouco de tempo, refletiu: Pode ser que eu tenha adotado essa medida tarde demais.
Chegou a essa conclusão ao perceber-se piorar. Nada mais lhe restando, sentindo a exaustão das forças, finalmente se livrou do tormento da vida humana, transformando-se no Fogo que tanto admirou, mas não antes de deixar-nos seu legado, um livrinho que, segundo se conta, teria sido chamado Da Natureza
, repleto de ensinamentos tão simples quanto a Natureza e, ao mesmo tempo, tão ocultos quanto Ela aos olhos daqueles que não têm inteligência. Por meio dele, revelou-nos como as coisas são, sem muita poesia, com grande lucidez e realidade, heraclitianamente, isto é, naturalmente.
Prólogo
Quando comecei seriamente estudar Heráclito, com objetivo de preparar minha dissertação de mestrado, a ser apresentada na FFLCH-USP, o que efetivamente ocorreu em 1995, deparei-me com vários comentadores de seu pensamento, como não poderia deixar de ser. Em particular estive atento à obra de Clémence Ramnoux: Héraclite ou l' homme entre les choses et les mots. Nela encontrei valiosas sugestões a respeito de uma orientação para tentar desvendar os mistérios contidos em frases concisas, enigmáticas e, por vezes, aparentemente contraditórias. Teria Heráclito escrito um livro? Teve a intenção de produzir uma tábua de opostos? Caso a tenha composto, isso terá servido para demonstrar que o Mundo é uma ilusão na qual não podemos confiar? Ou terá aberto as portas para podermos compreender que a única realidade existente é a alternância das situações, a impermanência, a incapacidade de retenção do que quer que seja? Seriam seus escritos a prova de não fazer sentido a esperança de alcançarmos a perfeição na esfera estática de Parmênides, ou, ao contrário, afirmarmos nossa inconformidade em relação ao fluxo contínuo de todas as coisas, que nos lança no reino da incerteza? A Dra. Ramnoux sugere um encaminhamento para o estudo da filosofia heraclitiana¹.
Em três teses, indica direção para a leitura dos primeiros filósofos, passando pela arqueologia dos textos, bem como pelas análises filológica, semântica e filosófica do pensamento arcaico.
A primeira tese se orienta pela hipótese de Heráclito trabalhar com grupos de contrários para princípios
². A segunda hipótese é de que o efésio provavelmente não sistematizou, não reduziu e não terminou suas listas (de contrários)
³. Assim, Heráclito não teria composto uma tábua dos contrários ao estilo pitagórico e empedocleano, mas preferiu arranjar os opostos em sentenças que podem ser agrupadas de acordo com um objetivo único para o qual estariam voltadas, como é o caso dos fragmentos DK 59 a 67, que procuram demonstrar dois contrários serem uma só e a mesma coisa
. Dessa maneira, as fórmulas apontariam para um único sentido, aquele que levaria o aprendiz da filosofia a