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Salmos: O retrato da alma humana nas canções do povo de Deus
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Salmos: O retrato da alma humana nas canções do povo de Deus
E-book380 páginas5 horas

Salmos: O retrato da alma humana nas canções do povo de Deus

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Sobre este e-book

O livro de Salmos é uma obra singular. Nele, Deus fala ao homem em linguagem poética. Também permite que o homem fale sem o censurar, mesmo quando sua fala não reflete a verdade. Isso porque nosso Senhor sabe o que se passa conosco e conhece o estado de nossa alma. Ele quer que derramemos o coração em cânticos. Os salmos dão voz à nossa dor, à nossa alegria, à nossa fé e ao nosso louvor a Deus. Por essa razão, o livro de Salmos é chamado o "Divã de Deus", a "Escola da Oração", a "Farmácia Divina" e o "Livro dos Louvores". Tudo de que sua alma necessita espiritualmente, você encontra nos Salmos.

As palavras e as figuras de Salmos, bem como o próprio estilo literário dele - a poesia - também nos apontam para Jesus. Assim, à medida que refletirmos nos salmos selecionados para esta obra, voltaremos os olhos para aquele que é a doce canção de nossa vida: Jesus!

As reflexões profundas e práticas deste guia o ajudarão na compreensão dos Salmos, no conhecimento de Cristo e em sua edificação espiritual. O autor se debruça sobre os Salmos garimpando suas joias e traduzindo verdades capazes de levantar o caído, alimentar o faminto e fortalecer o fraco.
IdiomaPortuguês
EditoraHeziom
Data de lançamento7 de mai. de 2024
ISBN9786584686700
Salmos: O retrato da alma humana nas canções do povo de Deus

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    Salmos - Arival Dias Casimiro

    introdução

    Salmos, o hinário do povo de Deus e o retrato da alma humana

    Possivelmente, Salmos é o livro mais conhecido das Escrituras. Mas também é um dos menos compreendidos e, por isso, usado de maneira equivocada. Em muitos lares brasileiros, é comum vermos uma Bíblia aberta no salmo 23. Esse salmo também costuma ser lido em funerais. Alguns de seus textos são ostentados como uma espécie de talismã nos ambientes de trabalho, ou recitados como uma fórmula mágica em ambientes religiosos diversos. Entretanto, os Salmos integram a Escritura e só podem ser corretamente interpretados em unidade com ela. Enquanto os demais livros da Bíblia mostram o coração de Deus para o homem, os Salmos desnudam o coração do homem para Deus.

    Os judeus chamam o Livro de Salmos de Sefer Tehilim, ou Livro dos Louvores. O nome em português, Salmos, vem da tradução grega, a Septuaginta (150 a.C.) ou LXX, a famosa Versão dos Setenta, em que Psalmoi significa cânticos. Esse livro tem sido fonte de encorajamento e consolo para o povo de Deus na história. Lutero o chamava de Bíblia em miniatura. João Calvino, que se identificava com Davi em seus sofrimentos, dizia que o livro é uma anatomia de todas as partes da alma humana, pois não há emoção que não esteja representada nele, como em um espelho. Tristeza, alegria, medo, confiança, revolta, insegurança, amor, espanto, angústia, ansiedade, desânimo, contentamento, gratidão, exultação e muitas outras emoções estão representadas nesse livro que desvenda a alma humana, demonstrando que nenhuma dessas ou de outras emoções é ilegítima. Portanto, quando apresentadas corretamente diante Deus, são santificadas e colocadas no lugar certo. O Livro de Salmos não é apenas uma coletânea de narrativas, liturgias e verdades teológicas. É também um arsenal terapêutico para a alma humana em qualquer condição em que se encontre. O livro, a rigor, é o coração da Bíblia. Nele, Deus fala e deixa o homem falar.

    Além de ser usado pelo povo do Israel antigo como hinário do templo, o Saltério foi amplamente citado no Novo Testamento por Jesus, pelos apóstolos e pela igreja. Das 263 citações do Antigo Testamento no Novo, 93 provêm dos Salmos. Essas citações estão presentes nos Evangelhos, em Atos, nas Epístolas e no Apocalipse, ora como profecia, ora como oração, ou ainda como louvor a Deus. Os salmos também foram utilizados pelos primeiros cristãos como livro de orações e cânticos comunitários.

    O livro está dividido em cinco partes ou livros: Livro 1: salmos 1—41; Livro 2: salmos 42—72; Livro 3: salmos 73—89; Livro 4: salmos 90—106; e Livro 5: salmos 107—150. Possivelmente, Davi escreveu 73; Asafe, 12; os filhos de Coré, 11; Salomão, 2 (72 e 127); Moisés, 1 (90); e Etã, 1 (89). Todos os 41 salmos do Livro I são atribuídos a Davi, exceto aqueles que estão sem títulos (1, 2, 10 e 33). Não há uma organização ou ordem específica dos salmos, nem de temas ou de cronologia. Há salmos de sabedoria, didáticos e messiânicos; também há salmos de lamentação, de penitência, de adoração e louvor, de ações de graças, imprecatórios e litúrgicos. O primeiro salmo afirma a diferença entre o justo e o ímpio; o último salmo (150) faz um convite a louvar a Deus. Não há registro histórico de quem organizou o livro, mas provavelmente foi no período de Esdras. Nas palavras de Matthew Henry: Sem dúvida, o livro é derivado originalmente do Espírito Santo.¹

    Para interpretarmos corretamente cada salmo, temos de considerá-los poesia hebraica musical, pois, originalmente, eles foram escritos para o canto. Cada salmo é uma unidade literária, ou seja, tem começo, meio e fim, e conta com um contexto de produção. Também é importante observarmos a classificação por categoria de cada salmo: se é de lamento, ação de graças, louvor, sabedoria ou história da salvação. Cada salmo se caracteriza por sua forma e função, como, por exemplo, para uma dedicação (Sl 30) ou destinado a um tipo de instrumento (Sl 12). Em geral, em nossas Bíblias, essas informações se encontram nas epígrafes em itálico logo no início de cada salmo, e não devem ser confundidas com os títulos em negrito acrescentados pelos editores e que, portanto, não integram os escritos canônicos.

    Por fim, é importante termos em mente que os Salmos não foram apenas cantados por Israel, por Jesus e pela igreja; eles também falam do próprio Israel, do próprio Jesus e da própria igreja. Assim, meditar nos Salmos é um mergulho no autoconhecimento, tendo em vista que abrimos a alma para conhecer o Deus que nos criou (Sl 139). Jesus não está presente apenas nas palavras e nas figuras apresentadas nesse livro, mas também em seu próprio estilo literário: a poesia. Por isso, à medida que formos refletindo nos salmos propostos nesta obra, voltaremos os olhos para aquele que é a doce canção de nossa vida: Jesus! E que Cristo reverbere cada nota de seu caráter perfeito e sublime em nossa alma cheia de imperfeições!


    1Matthew Henry, Comentário bíblico do Antigo Testamento: Jó a Cantares de Salomão, trad. Ribas Júnior; Siqueira Gonçalves et al. (Rio de Janeiro: CPAD, 2010), Edição Completa, p. 213.

    salmo 1

    A felicidade dos justos e a infelicidade dos ímpios

    O salmo 1 é considerado um salmo de sabedoria ou sapiencial. É a porta de entrada do livro e, nele, o justo e o ímpio são contrastados. Jerônimo, na Vulgata , chamou o salmo 1 de o prefácio do Espírito Santo, ² e sua estrutura é simples: a primeira parte mostra a felicidade dos justos (v. 1-3); a segunda, a infelicidade dos ímpios (v. 4-6). Esse é um salmo sobre como prosperar na vida. Todo mundo deseja ter sucesso — aliás, o conceito de sucesso tem sido deslocado do contexto bíblico para dar lugar a concepções meramente materialistas. A prosperidade deve ser definida por Deus, e não pelo mundo, e é isso que esse salmo faz, proporciona-nos a definição de uma vida bem-sucedida segundo Deus.

    Essa poesia fala sobre pessoas, seus caminhos e destinos finais. O salmo estabelece a diferença entre o crente e o incrédulo, o que ambos são e o que fazem. Obedecer à Lei de Deus era a marca que distinguia o povo de Israel das outras nações. A lei de Deus era a vida (Dt 6.1-2). Em se tratando do Saltério, o tema do livro é louvor e adoração a Deus. As figuras do justo e do ímpio distinguem aquele que adora a Deus daquele que não o adora. Aleluia! Louvai, servos do Senhor, louvai o nome do Senhor (Sl 113.1). O primeiro salmo do Saltério é a porta de entrada da adoração, pois identifica os verdadeiros adoradores do Rei da Glória.

    A felicidade dos justos (v. 1-3)

    O salmo começa dizendo Bem-aventurado (asher), que significa feliz ou abençoado em hebraico. A palavra traz a ideia de magnitude e denota intensidade. Na versão grega da LXX, bem-aventurado (makarios) remete à felicidade suprema e é a mesma palavra usada por Jesus nas bem-aventuranças (Mt 5.3-11). O salmo começa desvinculando a vida abençoada segundo Deus do conceito de prazer segundo o mundo, uma vez que não se trata de uma disposição natural ou de uma atitude mental, mas, sim, de uma escolha deliberada por um modo de vida: o relacionamento com Deus.

    Observe o artigo em "o homem: Bem-aventurado o homem (v. 1). Ele é enfático e pessoal. Esse homem ou pessoa é alguém, tem corpo, reside em um endereço, tem um nome e nasceu em um tempo e um lugar específicos. Não se trata de um eu meramente conceitual ou abstrato, mas de uma pessoa determinada. Essa pessoa é contrastada com a classe dos ímpios, que está no plural (v. 4). A maneira que o salmo identifica o ímpio mostra o efeito da busca pelo sucesso como um fim em si mesmo: a perda de subjetividade — portanto, de individualidade — causando danos na personalidade da forma criada por Deus. Assim, tanto a subjetividade como a individualidade passam a ser absorvidas pelas seduções do mundo, que as engole e as molda de acordo com seus valores distorcidos. Por outro lado, a Escritura nos fornece um quadro pessoal desse homem e de como Deus atenta para ele, referindo-se a Jó: Havia um homem na terra de Uz, cujo nome era Jó; homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desviava do mal (Jó 1:1). Perceba como é fácil identificarmos: um homem (tem corpo e é sexuado, ou seja, é real), em um lugar e um tempo (na terra de Uz), e tem um nome (cujo nome era Jó"). A Bíblia está repleta de outros homens e mulheres que, por serem justos, são identificados nominalmente por essa característica.

    Em seguida, percebemos claramente as marcas dessa felicidade ou bem-aventurança do justo: 

    O justo é feliz naquilo que não faz

    Que não anda no conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores (v. 1-2). Três posturas são afirmadas sobre essa pessoa abençoada: em primeiro lugar, ela não anda nem vive de acordo com os princípios mundanos dos ímpios. A palavra traduzida por ímpios (rashaim) significa perversos e caracteriza pessoas que se encontram perturbadas ou agitadas pelo fato de estarem desligadas de Deus (Jó 3.17; Is 57.20-21). Ao longo do tempo, os costumes podem variar, mas a piedade e a impiedade permanecem como sempre foram. A segunda postura diz respeito a deter-se: essa pessoa não está nem se detém no caminho dos pecadores. Ela não está no caminho do qual os pecadores participam. A palavra hebraica pecadores é enfática e expõe a condição causadora da conduta. É o fato de serem pecadores que os leva a viverem de acordo com valores e objetivos errados. O salmista tinha em mente os transgressores habituais e determinados, cuja vida é orientadas a uma finalidade pecaminosa. Essas pessoas compõem o sistema chamado mundo e estabelecem os padrões da sociedade, moldando concepções de certo e de errado, ditando modas e tendências, muitas delas contrárias à Palavra de Deus. Em terceiro lugar, o ímpio não se assenta na roda dos escarnecedores. Observe que há um progresso: o verbo anda significa associação casual com os perversos; detém sugere comunhão contínua com os pecadores; e assenta implica participar das deliberações, agir como mestre e sentir-se à vontade na companhia daqueles. Escarnecedores são os zombadores que ridicularizam a Bíblia e aqueles que não obedecem à Palavra. 

    Cada um desses verbos no versículo 1 está no tempo perfeito em hebraico, expressando uma atitude mental fixa, cujo curso da vida está definido. Alguns veem as imagens de andar, deter-se e assentar como três graus de degeneração pecaminosa: em primeiro lugar, eles aceitam o conselho do ímpio; depois participam de seus caminhos e, então, adotam a mesma atitude dele. O fim é a conformidade com os padrões do mundo. Não é assim que o pecado trata aqueles a quem deseja destruir? Temos, portanto, de permanecer atentos a essa sutileza, pois, sem nos darmos conta, podemos nos sentir atraídos para sua armadilha, havendo necessidade, assim, de observarmos a próxima postura.

    O justo é feliz por aquilo que faz

    Depois de identificar aquilo que o justo não faz, o salmista apresenta as coisas que ele faz. Ele tem prazer na Palavra de Deus. Antes, o seu prazer está na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e de noite (v. 2).

    Primeiro, ele tem um sentimento de prazer, satisfação, alegria e deleite. A palavra significa um sentimento que brota do coração, como o amor. A esse respeito, João Calvino disse: Ao caracterizar o santo se deleitando na lei do Senhor, podemos aprender que a obediência forçada ou servil não é de forma alguma aceitável diante de Deus, e que só são dignos estudantes da lei aqueles que se chegam a ela com uma mente disposta e se deleitam com suas instruções, não considerando nada mais desejável e delicioso do que extrair dela o genuíno progresso.³

    Segundo, ele tem uma fonte: a lei do Senhor. A Torá é a instrução que vem de Deus, e seu significado básico é a instrução, não as regras legais. Ela representa todo o caminho de vida revelado e contido nos ensinamentos de Moisés, assim como em toda a Escritura (2Tm 3.14-17). Da Bíblia revelada por Deus, vem a sabedoria para a vida diária, e é nela que aprendemos a vontade do Senhor (Jo 5.39; 2Tm 3.16).

    Terceiro, o justo tem uma atividade: ele medita. O verbo meditar significa pensar sobre ou refletir. A palavra hebraica meditar (suah) tem o sentido de meditar pensativamente ou ponderar. A ideia é a de ruminar ou mastigar a Palavra de Deus. A meditação é uma ordem de Deus, pois ele nos manda meditar em sua Palavra (Dt 32.46; Js 1.8). Também envolve mente e coração, não sendo um ato apenas intelectual ou de mero assentimento, mas, sim, afetivo e volitivo. Meditar é refletir com o coração (Dt 4.39; Lc 2.19). William Bates disse: Ouvir a Palavra é como a ingestão e, quando meditamos sobre a Palavra, é digestão; e essa digestão da Palavra por meio da meditação produz afetos candentes, resoluções zelosas e ações santas.⁴ Por isso, a mera informação da verdade sem a meditação torna o povo endurecido pelo pecado (Jr 8.6).

    Quarto, o justo tem uma agenda: de dia e de noite. A agenda do crente com Deus envolve vinte e quatro horas por dia. Dia e noite, independentemente do contexto. A pessoa piedosa enfrenta as batalhas da vida com a arma da Palavra de Deus. Isso ocorre por uma razão positiva e outra negativa: a positiva diz respeito ao caráter infinito de Deus, que deseja revelar-se aos seus filhos por meio de sua palavra; a negativa se refere ao Diabo e ao mundo, que não cessam de desferir seus dardos inflamados contra a mente dos justos (Ef 6.16). Portanto, é imperativo que nossa conduta seja moldada pela meditação na Escritura, buscando sempre e, a partir dela, confrontar os conselhos dos ímpios que ainda permanecem em nós, formando os valores celestiais em nossa natureza redimida.

    O justo é feliz por aquilo que é

    O justo é como árvore plantada junto a corrente de águas, que, no devido tempo, dá o seu fruto, e cuja folhagem não murcha; e tudo quanto ele faz será bem-sucedido (v. 3). O salmo 1 usa uma metáfora orgânica, categoria muito empregada por Jesus em suas parábolas para ilustrar o justo de Deus: ele é comparado a uma árvore (Jr 17.5-8). Essa árvore tem as seguintes características:

    Ela é permanente. O justo é como uma árvore firmemente plantada e bem enraizada. O segredo de cada árvore são suas raízes. Não importa onde nossa vida seja vivida ou em qual estação de tempo nos encontramos: se nossas raízes estiverem firmemente fincadas, nada nos abalará. Isso nos leva a pensar sobre a vida cristã, não como uma performance artificial, mas como a vida genuína no Espírito, que brota de um coração nascido de novo, pois está em processo de santificação, sendo conformada à imagem daquele que a criou. O salmo 92 dialoga perfeitamente com o que está sendo dito aqui ao afirmar que o justo, plantado na casa do Senhor, florescerá (Sl 92.12-15).

    Essa árvore também está bem posicionada: por córregos de água. Provavelmente essa é uma referência aos canais artificiais de irrigação. Todo aquele que está em Cristo é uma nova criatura (2Co 5.17), sem condenação alguma (Rm 8.1), em uma vida vitoriosa pelo Espírito Santo (Rm 8.2-11). O justo conhece seu lugar. Ele foi justificado no sentido judicial de ter sido livrado da culpa do pecado por causa da justiça de Cristo, mas deve manter-se posicionado em Cristo, para que sua justificação se evidencie em uma vida piedosa.

    Por estar bem posicionada, essa árvore é produtiva: produz frutos. Todo crente existe para ser produtivo ou gerar muitos frutos (Jo 15.5,8,16). Os frutos resultam do trabalho de cada um em comunhão com Deus. E todo fruto passa por um processo de maturação: flor, fruto verde e maduro para ser colhido. O fruto do justo não é prematuro, infantil ou desnutrido; ele é maduro e pleno, pois vem no devido tempo. Os frutos evidenciam a natureza da árvore e onde ela está plantada (Mt 12.33). Eis um fator objetivo e bíblico para que sondemos nosso próprio coração e vejamos o que de Cristo tem brotado em nós: acaso temos produzido frutos?

    Essa árvore também é vigorosa: a folha não murcha. Assim, o justo é como uma árvore de folhas perenes e sempre renovadas. Aqui, a pessoa piedosa é apresentada como uma árvore de folhas perenes e cheias de exuberância. De fato, essa linguagem botânica nos fornece um quadro esplêndido do justo de Deus como alguém que, por estar plantado em Cristo, experimenta crescente vitalidade espiritual e, à semelhança de uma árvore frondosa que fornece sombra para o caminhante cansado, atrai para perto de si os desfalecidos deste mundo, proporcionando-lhes refrigério e testemunho.

    Por fim, o justo é bem-sucedido: em tudo o que ele faz, ele prospera. O sentido em hebraico aqui é sair-se bem, por causa das bênçãos de Deus. O justo não somente é tudo o que vimos anteriormente para ser bem-sucedido; ele é bem-sucedido porque é perene, posicionado, produtivo e vigoroso! A maior prosperidade de um cristão não se encontra em bem algum que este mundo possa oferecer, mas em permanecer em Cristo. Tornamo-nos prósperos quando nossa fé está firmada naquele que é nossa fonte de vida.

    A infelicidade dos ímpios (v. 4-6)

    Os ímpios estão em completo contraste com os justos: Os ímpios não são assim (v. 4). Os ímpios e os justos são diferentes entre si não apenas em relação aos seus valores, mas também quanto aos seus resultados. Os ímpios (rashaim) ou perversos (v. 1) não são como uma árvore produtiva e viçosa. Eles são, porém, como a palha que o vento dispersa. A imagem remete ao local de debulha do trigo, que, em geral, ficava em pontos mais altos, onde o agricultor jogava para cima o trigo colhido, para que o vento levasse a palha e o trigo caísse ao solo. Essa metáfora nos ensina algumas lições acerca dos ímpios: eles não têm valor algum, não porque não sejam valiosos para Deus, mas porque constroem sua vida com base em futilidades e nulidades. Eles são inúteis, pois, tendo contruído a própria vida sobre fundamentos falsos, tais não se sustentarão na prova da eternidade. Eles são inconstantes e frágeis; são, na verdade, meros simulacros, pois empenham sua confiança em valores passageiros.

    Quanto ao seu destino, os ímpios não conseguirão suportar o julgamento de Deus: Por isso, os perversos não prevalecerão no juízo (v. 5). Eles também serão desmascarados: nem os pecadores, na congregação dos justos (v. 5). Esse quadro se desenrola bem diante dos nossos olhos como um fato não apenas no que se refere à vida prática no presente, mas como um fato escatológico no futuro, pois Deus separará o trigo do joio em sua Segunda Vinda (veja Mt 13.24-30,36-43). 

    O versículo 6 resume o salmo na forma de um paralelismo antitético, em que a segunda afirmação expressa uma ideia oposta à primeira: Pois o Senhor conhece o caminho dos justos, mas o caminho dos ímpios perecerá. A primeira parte: Pois o Senhor conhece o caminho dos justos resume os versículos de 1 a 3. O verbo conhecer (yada) significa importar-se e cuidar de forma pessoal e intencional. Trata-se de um discernimento que distingue e aprecia (Sl 31.7; 144.3; Jo 10.14). O mesmo versículo também afirma: mas o caminho dos ímpios perecerá, resumindo os versículos de 4 a 6. A ideia de perecer é sofrer as penas eternas. No dia do julgamento final, Jesus dirá aos perversos: Nunca vos conheci. Apartai-vos de mim os que praticais a iniquidade (Mt 7.23). Que Deus olhe para nós e nos encontre no lugar dos justos!

    Uma cristologia do salmo 1

    Ao meditarmos nesse salmo à luz da unidade das Escrituras, somos lembrados da árvore da vida e da árvore do conhecimento do bem e do mal no jardim do Éden. Essas são figuras dos justos e dos ímpios, como expostas nesse salmo. Também somos lembrados sobre a árvore da qual o justo deve comer e na qual se tornar: a árvore da vida (Ap 2.7). No que diz respeito à sua cristologia, ou seja, de que forma o salmo nos aponta para Cristo, Jesus é o Justo de Deus, que não apenas cumpriu toda a Lei, mas também justifica todo aquele que dele se aproxima pela fé. Pela cruz, Jesus foi plantado neste mundo como uma árvore de justiça, para que sejamos plantados no céu como povo justificado.

    Perguntas para reflexão e debate

    Qual é o ideal de sucesso para o mundo?

    Qual é o ideal de sucesso para o justo?

    De que maneira o pecado se vale de conceitos e apelos para tirar a individualidade das pessoas?

    À luz desse salmo, como você pode manter-se produtivo e vigoroso?

    Reflita sobre alguns conselhos de ímpios que você ainda mantém em sua vida. Em seguida, coloque-os diante de Deus em oração e peça para que ele o santifique nesses aspectos.


    2John Stott, Salmos favoritos: inspiração e sabedoria nos Salmos, trad. Valéria Lamim Delgado Fernandes (Viçosa: Ultimato, 2020), p. 9.

    3João Calvino, Institutas da religião cristã, trad. Valter Graciano Martins (São José dos Campos: Fiel, 2018), vol. 1, p. 45.

    4Arival Dias Casimiro, O livro dos louvores (Rio de Janeiro: Z3 Editora, s.d.).

    salmo 2 

    O Senhor reina

    Certamente uma das doutrinas mais necessárias para a igreja é a da soberania ou da providência de Deus. Segundo essa doutrina, Deus sustenta todas as coisas criadas, dirigindo-as de acordo com seu propósito eterno. Isso abrange tanto a natureza como todos os seres criados, guiando todos os aspectos da vida e os eventos da história para um fim planejado por ele. Sei que é difícil aceitarmos essa doutrina até as últimas consequências, sobretudo naqueles momentos e eventos trágicos que assaltam os seres humanos. No entanto, afirmarmos que Deus não está conduzindo todas as coisas implicaria dizermos que existem alguns aspectos da criação sobre os quais ele não governa. No campo da política, por exemplo, a falta desse entendimento abre espaço para ações revolucionárias, colocando o homem como autor da própria história e criando falsas utopias. Tais ações revolucionárias são vistas na Bíblia (como no episódio da Torre de Babel, em Gn 11.1-9), mas também na história extrabíblica, como, por exemplo, nas revoluções sangrentas dos séculos 18 e 20.

    O salmo 2 é um salmo régio, ou seja, suas palavras se dirigem a um rei por ocasião de sua coroação. Não sabemos para qual rei de Israel ele foi escrito, mas, sem dúvida, ele aponta para o Messias; por isso essa poesia é classificada como um salmo messiânico, pois é citado no Novo Testamento com referência a Jesus.⁵ Esse salmo também é considerado o mais messiânico do Saltério, pois é citado dezoito vezes no Novo Testamento (Mt 3.17; 7.23; 17.5; Mc 1.11; 9.7; Lc 3.22; 9.35; Jo 1.49; At 4.25-26; 13.33; Fp 2.12; Hb 1.2 e 5; 5.5; Ap 2.26,27; 11.18; 12.5; 19.15). A autoria não aparece na introdução do salmo, mas, de acordo com 4.2-5, Davi é seu autor, falando e escrevendo sob a inspiração do Espírito Santo. Jesus Cristo é o Filho de Deus e o Filho de Davi e, na pessoa e na obra de Jesus, as promessas dadas a Davi se cumprem.

    Já vimos que o salmo 1 se dirige ao justo como indivíduo. O salmo 2, contudo, faz referência ao coletivo, pois se refere aos povos ou às nações (v. 1). Isso é significativo, sobretudo, como já vimos, em um mundo individualista, pois, nesse contexto, Deus ficaria restrito à esfera privada e domesticado de acordo com os caprichos culturais de cada pessoa. Mas o que esse salmo nos aponta é que Deus não apenas criou todas as coisas, mas que também as governa, sejam elas pequenas (Mt 10.29,30), sejam elas grandes (Dn 4.34,35).

    Há uma luta espiritual na terra, e céu e inferno se opõem em uma grande batalha. O reino do Messias nasce, cresce e prevalece sobre o reino usurpado por Satanás, o príncipe deste mundo. Nada nem ninguém é capaz de se opor ou de deter o avanço do reino de Jesus neste mundo. O que está em questão, nesse salmo, é aquilo que uns dos pais mais influentes da igreja, Agostinho (354-430 d.C.), escreveu em seu livro A cidade de Deus: Uma cidade vive de acordo com a carne, a outra de acordo com o espírito; uma é criada pelo amor-próprio, a outra, pelo amor de Deus; uma glorifica a si mesma, a outra recebe a glória de Deus. Uma está predestinada a unir-se ao Diabo na punição final, que a destruirá como cidade; a outra está predestinada a reinar com Deus para todo o sempre.

    A oposição das nações (v. 1-3)

    O salmo começa com a seguinte pergunta: Por que se enfurecem os gentios e os povos imaginam coisas vãs? (v. 1). Por que as nações e os povos estrangeiros promovem uma revolta fútil contra Deus? A imagem é de um mar enfurecido batendo em uma rocha. A figura de águas agitadas representando nações é bem conhecida em Apocalipse (Ap 17.1), representando a massa da humanidade enfurecida contra Deus. Nações organizadas e pessoas individualmente buscam destituir o Senhor de seu reinado. Elas querem destruir o que ainda resta de Deus na criação e apagar a memória de sua vontade revelada no coração dos homens (Sl 1). A expressão coisas vãs significa que o esquema, ou plano, dessas pessoas e nações é destituído de proveito ou totalmente fútil (Is 30.7), o que será demonstrado adiante.

    A humanidade é representada pelos reis e príncipes: Os reis da terra se levantam, e os príncipes conspiram contra o Senhor e contra o seu Ungido (v. 2). A conspiração não é apenas contra o Senhor e sua Lei, mas também contra Jesus Cristo. O termo Messias vem de uma palavra hebraica que significa ungir, cujo equivalente grego é Cristo. A igreja em Atos aplicou esse salmo para a perseguição que sofreu em Jerusalém: Levantaram-se os reis da terra, e as autoridades ajuntaram-se à uma contra o Senhor e contra o seu Ungido; porque verdadeiramente se ajuntaram nesta cidade contra o teu santo Servo Jesus, ao qual ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos, com gentios e gente de Israel (At 4.26-27). O povo se juntou às autoridades contra Jesus e, depois, contra sua igreja. 

    Não é novidade que governos e sistemas jurídicos buscam criar leis para impedir o avanço do evangelho por meio da igreja. Em Êxodo 1, o rei do Egito ordenou a morte das crianças do sexo masculino que nascessem dos israelitas. O mesmo faraó também ordenou um regime de trabalho assaz exaustivo ao povo de Deus de modo que não houvesse tempo nem energia para adorar ao seu Deus (Êx 5.1-14). O rei do Império Babilônico, Nabucodonosor, decretou culto obrigatório a ele próprio, obrigando, sem sucesso, os judeus cativos a adorarem sua imagem (Dn 3). Mais tarde, o mesmo rei, convencido por conspiradores, proibiu (mais uma vez, sem sucesso) que o povo de Israel fizesse orações ao seu Deus (Dn 6). O perverso Hamã convenceu o rei persa, Assuero, a decretar o extermínio do povo de Israel na capital, Susã, e em suas províncias (Et 3.7-15). O rei Artaxerxes, também convencido por inimigos do povo de Deus, ordenou que cessassem a reconstrução do templo em Jerusalém nos dias do sacerdote Esdras (Ed 4.7-24). A lista nos tempos bíblicos e no período interbíblico é enorme: os selêucidas, a dinastia dos Herodes, os imperadores romanos e os regimes totalitários do século 20 mostram a tamanha ferocidade com que o povo de Deus é perseguido. Hoje, no chamado mundo livre, os sistemas jurídicos apertam o cerco contra a igreja, impondo a toda a população leis e crenças contrárias às Escrituras.

    Existem, na verdade, um

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