Reflexões para as festas litúrgicas
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Reflexões para as festas litúrgicas - Francis D. Kelly
2008
Advento
Panorama histórico
Quaresma-Páscoa-Pentecostes é o foco principal do Ano Litúrgico e historicamente o seu elemento mais antigo. Essa sequência celebra o mistério pascal da nossa salvação pela morte e ressurreição de Jesus, Nosso Senhor.
O segundo foco importante do ano da Igreja é a celebração e a expectativa da vinda de Cristo, um tema ampliado na prática litúrgica ocidental atual nas várias semanas que compõem o ciclo do Advento-Natal-Epifania
.¹
O advento é focado nas várias vindas do Cristo Redentor. O primeiro domingo se concentra especialmente na parúsia final – a vinda gloriosa de Cristo no fim dos tempos. Os segundo e terceiro domingos destacam a proclamação de João Batista sobre a vinda terrena de Cristo. O quarto, e último domingo, se preocupa com o prelúdio histórico imediato ao nascimento de Jesus. Nas quatro semanas do Advento, portanto, o significado da vinda do Messias desloca-se da expectativa da consumação da própria história para a preparação do nascimento do Salvador.
O desenvolvimento do Advento no Ano Litúrgico da Igreja foi gradual e parece ter tido o seu início no século IV:
Embora possamos ter certeza de que o tempo do Advento desenvolveu-se primeiro fora de Roma, dizer mais do que isso não é tão fácil como se poderia desejar... Um cânone do Conselho de Saragosa (Espanha) em 380 insta a presença constante dos fiéis na igreja durante um período de 21 dias contínuos, a partir de 17 de dezembro e alcançando a Epifania.²
Isso pode ajudar a explicar nossa prática atual de uma preparação mais intensa para o Natal desde o dia 17 de dezembro, com a oração das antífonas. É significativo também que essas datas de 17-23 dezembro também correspondiam com as datas de uma festa popular pagã, a Saturnália, que os pastores da antiga Igreja podem ter sido tentados a contrariar. Curiosamente, nos séculos posteriores o Advento era mais extenso do que a temporada de quatro semanas atual: os Missais dos séculos VII e VIII previam seis domingos.
Acima de tudo, no Advento a Igreja deseja concentrar os fiéis no Cristo-Evento, na aparição em nosso meio do Filho de Deus encarnado, primeiro humildemente em Belém e depois no fim dos tempos em glória para completar sua obra de salvação para a família humana. Advento é, então, uma estação eclesiástica alegre, cheia de expectativa das várias vindas de nosso Redentor e pela qual Ele manifesta seu imenso amor por suas criaturas.
Reflexões
1. Eu farei nascer de Davi um rebento justo.
(Jeremias 33,15)
O tema dominante desta linda estação pode ser capturado em três palavras: promessa, esperança e expectativa. Lemos em liturgias dessa estação as antigas promessas e profecias de salvação no Antigo Testamento, especialmente do profeta Isaías. Fazemos isso a fim de reacender a nossa esperança na fidelidade de Deus, que realizou muitas dessas promessas na primeira vinda de Cristo e vai trazê-las para sua gloriosa realização na segunda vinda de Cristo em glória, no fim dos tempos.
Promessa era a tônica da fé israelita. Não importa quantas vezes o povo de Deus fosse infiel, Deus sempre manteve a esperança de salvação. Promessa e esperança foram especialmente focadas em um descendente do rei Davi:
E nesses dias e nesses tempos farei nascer de Davi um rebento justo que exercerá o direito e a equidade na terra. Naqueles dias e naqueles tempos viverá Jerusalém em segurança e será chamada Javé-Nossa-Justiça
. (Jeremias 33,15-16)
Mesmo quando Jerusalém foi sitiada ou destruída e as pessoas foram trazidas para a escravidão e vivendo em cativeiro, sua confiança na fidelidade de Deus e em sua promessa de um Messias sobreviveu:
"Mas tu, Belém de Éfrata,
tão pequena entre os clãs de Judá,
é de ti que sairá para mim
aquele que é chamado a governar Israel.
Suas origens remontam aos tempos antigos,
aos dias do longínquo passado.
Por isso, Deus os deixará, até o tempo
em que der à luz aquela que há de dar à luz.
Então, o resto de seus irmãos voltará
para junto dos filhos de Israel.
Ele se levantará para os apascentar,
com o poder do Senhor, com a majestade do nome do
Senhor, seu Deus.
Os seus viverão em segurança, porque ele será exaltado
até os confins da terra.
E assim será a paz." (Miqueias 5,1-4)
Os devotos judeus preservaram essas esperanças e expectativas, e sua fé alimenta a nossa quando relemos muitas dessas promessas nesta época especial ao nos preparar novamente para celebrar o nascimento de Cristo.
2.Nós,porém,somoscidadãosdoscéus.Édeláqueansiosamente esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo.
(Filipenses 3,20)
Cristo foi o cumprimento das promessas de Deus para Israel. O anjo Gabriel disse a Maria que seu filho reinará sobre a casa de Jacó para sempre, e o seu reino não terá fim
(Lucas 1,33). Ele era o rei messiânico verdadeiro. Como sempre acontece no caso de Deus lidar conosco, a realização superou a expectativa. O Messias não era apenas um descendente real de Davi, mas o próprio Filho de Deus que veio como Salvador Universal.
A humilde existência de Jesus e seu ministério foram uma realização inicial de todas essas promessas, mas ele prometeu uma satisfação ainda maior quando, no final do tempo, voltasse em poder e glória para trazer o plano do Pai à sua concretização final. Ele previu: Então verão o Filho do Homem vir sobre uma nuvem com grande glória e majestade
. (Lucas 21,27)
Os primeiros cristãos viviam em função dessas promessas e dessa expectativa. Como Paulo escreveu em um dos primeiros livros do Novo Testamento:
De fato, conta-se (...) como abandonastes os ídolos e vos convertestes a Deus, para servides ao Deus vivo e verdadeiro, e aguardardes dos céus seu Filho que Deus ressuscitou dos mortos, Jesus, que nos livra da ira eminente
. (1Tessalonicenses 1,9-10)
Uma oração frequente dos primeiros cristãos era Vem, Senhor Jesus
. O Novo Testamento ainda a preserva no idioma aramaico em que eles oraram: Marana tha (1Coríntios 16,22). Eles honestamente esperavam pelo retorno de Jesus:
Nós, porém, somos cidadãos dos céus. É de lá que ansiosamente esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, que transformará nosso mísero corpo, tornando-o semelhante ao seu corpo glorioso, em virtude do poder que tem de sujeitar a si toda a criatura
. (Filipenses 3,20-21)
3. Velai sobre vós mesmos para que os vossos corações não se tornem pesados.
(Lucas 21,34)
Infelizmente, com o passar do tempo, o espírito de expectativa dos primeiros cristãos diminuiu. São Lucas viu isso já nas igrejas que ele ministrava, alertando-os nas palavras do Senhor:
Velai sobre vós mesmos para que os vossos corações não se tornem pesados com o excesso de comer, com a embriaguez e com as preocupações da vida; para que aquele dia não vos apanhe de improviso. Como um laço cairá sobre aqueles que habitam a face de toda a terra. Vigiai, pois, em todo o tempo e orai, a fim de que vos torneis dignos de escapar de todos esses males que hão de acontecer e de vos apresentar de pé diante do Filho do Homem
. (Lucas 21,34-36)
O tempo do Advento é um chamado para nós a fim de que possamos renovar esse sentimento de expectativa esperançosa. É talvez a faísca que a evangelização moderna precisa para reacender um senso de confiança e entusiasmo às boas novas de Jesus Cristo.
É triste que muitos cristãos se confinem em uma atitude cínica, sombria, deprimida, longe do espírito da Igreja primitiva. Sua atitude talvez seja melhor expressa na frase: Bem-aventurados os que não esperam nada – estes não vão se decepcionar
. Os verdadeiros cristãos vivem em constante expectativa e sabem que a realização das promessas de Deus sempre vai superar todas as expectativas.
Uma voz profética moderna expressa eloquentemente a necessidade de um avivamento do nosso anseio e de esperança pelo Advento:
A expectativa nunca deixou de guiar o progresso da nossa fé, como se fosse uma tocha. Os israelitas viviam constantemente esperançosos, e os primeiros cristãos também. O Natal, que talvez se pensasse que desviaria o nosso olhar para o passado, só o fixou ainda mais no futuro. O Messias, que apareceu por um instante no meio de nós, só se permitiu ser visto e tocado por um momento antes de desaparecer mais uma vez, mais luminoso e inefável do que nunca, nas profundezas do futuro.
Ele veio. No entanto, agora temos de esperar por ele – não mais um pequeno grupo escolhido entre nós, mas todos os homens – mais uma vez, e mais do que nunca. O Senhor Jesus só virá em breve se ardentemente ansiarmos por ele. É um acúmulo de desejo que deve fazer com que o Pleroma venha a se derramar sobre nós. Sucessores de Israel, nós, os cristãos, fomos encarregados de manter a chama do desejo sempre vivo no mundo. Apenas vinte séculos se passaram desde a Ascensão. O que temos feito de nossa esperança?
Um certo pessimismo, talvez encorajado por uma concepção exagerada da queda original, levou-nos a olhar o mundo como algo incorrigivelmente ímpio. E por isso permitimos que a chama começasse a morrer em nossos corações adormecidos. Insistimos em dizer que mantemos a vigília na expectativa da vinda do Mestre, mas, na realidade, deveríamos admitir, se fôssemos sinceros, que já não esperamos mais nada. A chama deve ser revivida a qualquer custo. E com empenho devemos renovar em nós o desejo e a esperança da grande Vinda.³
1. Thomas J. Talley, The Origins of the LiturgicalYear (NewYork: Pueblo Publishing, 1986), 79.
2. Ibid.,150.
3. Pierre Teilhard de Chardin, The Divine Milieu (NewYork: Harper and Row, 1960), 151-152.
Imaculada Conceição de Maria
8 de dezembro
Panorama histórico
A antiga Igreja, tal como refletido nas liturgias da Igreja Oriental, homenageava instintivamente Maria como totalmente santa
, toda pura
, imaculada
. Esse reconhecimento exprime a verdade já proclamada no Novo Testamento, quando o anjo Gabriel saudou Maria como cheia de graça
(Lucas 1,28).
Depois que a doutrina do pecado original estava mais totalmente desenvolvida no século IV, tornou-se comum vincular a plenitude da graça de Maria com o momento da concepção; o pecado original nunca manchara sua alma. Na promulgação do dogma da Imaculada Conceição pelo Beato Pio IX, em 1854, a Igreja manifestou definitivamente sua confiança na plenitude de graça concedida a Maria para torná-la digna de ser o tabernáculo do Filho Eterno. Como endosso celestial ao dogma, quando Nossa Senhora apareceu a Santa Bernadete, em Lourdes, em 1858, ela se identificou a Bernadete com estas palavras: Eu sou a Imaculada Conceição
.
A festa da Conceição de Maria está documentada no Leste no século VII e passou para o Ocidente em 1100. Ela foi aprovada para toda a Igreja por Inocêncio XII, em 1695¹. Em 1846, os bispos dos Estados Unidos escolheram Maria, sob o título de Imaculada Conceição, como padroeira dos Estados Unidos. Por essa razão, a grande Basílica do Santuário Nacional da Imaculada Conceição foi construída em Washington, DC, e é a sétima maior igreja do mundo.
Reflexões
1. Você é toda bela, ó Maria, e não há nenhuma mancha do pecado original em você.
(Ofício Divino)
Esse refrão do Ofício Divino expressa a devoção amorosa da Igreja à Mãe de Deus, a qual queremos repetir com a Igreja em todo o mundo. O poeta inglês Wordsworth expressou essa doutrina corretamente quando se referiu a Maria como o orgulho solitário de nossa natureza humana machada
. Ela é, de fato, mediante a grande misericórdia de Deus, um mistério da vida sem pecado. Tudo isso foi possível, é claro, apenas pelos méritos previstos de Jesus Cristo, o único Salvador. Esse favor da Imaculada Conceição, o de Jesus sendo concebido em uma plenitude de graça, foi concedido a Maria com vistas para ela em seu papel de Mãe do Divino Filho. Apropriadamente, então, no tempo do Advento, a Igreja lança seu foco em sua fé, que sustenta o Divino Salvador para a raça humana. Ela é a casa de ouro
, a arca do Altíssimo
, a Mãe bem-aventurada.
Sobre esse mistério, Santo Ambrósio de Milão (340-97 dC) escreve:
Não é de admirar que o Senhor, tendo começado a redimir o mundo, tenha começado seu trabalho com Maria: se a salvação para todos os homens estava sendo preparada por ela, ela deveria ser a primeira a obter o fruto da salvação do seu Filho. (Comentário sobre o Evangelho de Lucas)
Na mesma linha de raciocínio, Santo Agostinho (354-430) escreve:
Quando se fala de pecado, ela não deve mesmo ser mencionada por consideração ao Senhor. Como poderíamos conhecer o imenso dom da graça que permeava a ela para protegê-la de todos os vestígios do pecado, ela, que foi digna de conceber e dar à luz a ele que não tinha absolutamente nenhum pecado? (Tratado sobre a natureza e a graça, cap. 36,