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Apesar das Forças Contrárias: Minha Carreira de Catador de Recicláveis a Vice-presidente de Multinacional
Apesar das Forças Contrárias: Minha Carreira de Catador de Recicláveis a Vice-presidente de Multinacional
Apesar das Forças Contrárias: Minha Carreira de Catador de Recicláveis a Vice-presidente de Multinacional
E-book188 páginas2 horas

Apesar das Forças Contrárias: Minha Carreira de Catador de Recicláveis a Vice-presidente de Multinacional

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Sobre este e-book

Passando por sua infância pobre, os sérios problemas familiares em sua adolescência, os períodos de fome para conseguir começar a sua graduação, além da discriminação que permeou toda a sua vida, Samuel Abel M. Santos compartilha neste livro a sua incrível jornada que o levou a vice-presidente de Pesquisa & Desenvolvimento para a América Latina de uma multinacional: a mais alta posição profissional de sua área na região. Um Produto CPAD.
IdiomaPortuguês
EditoraCPAD
Data de lançamento1 de jun. de 2018
ISBN9788526315822
Apesar das Forças Contrárias: Minha Carreira de Catador de Recicláveis a Vice-presidente de Multinacional

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    Apesar das Forças Contrárias - Samuel Abel M. Santos

    Inspire

    1. Raízes

    Naquela manhã de quarta-feira, um jovem senhor completaria 28 anos de idade e, para sua alegria, sua esposa encontrava-se hospitalizada para dar à luz a segunda criança do casal. Homem simples e de pouca cultura acadêmica, aquele capinador de ruas e sua esposa, uma lavadeira de roupas, tinham algo em comum mais forte que o amor que nutriam um pelo outro: falavam com Deus, e Ele os respondia. Mesmo para uma pessoa vigorosa como ele, o morro da rua em que morava era tão íngreme que a velha bicicleta era empurrada ladeira acima com muito esforço. Enquanto subia, aquela cabeça matutava se nasceria uma outra menina para fazer companhia à sua primogênita que contava dois anos e quatro meses de idade, ou um menino que poderia iniciar a sonhada tradição familiar de pregadores do Evangelho.

    Com o suor inundando aqueles bem aparados cabelos castanhos lisos, ele fazia uso de seu horário de almoço para ir ao hospital a fim de saber como estava sua esposa. Ouviu exatamente o que queria: Ela está bem. Ganhou um menino. Apesar de todo o seu vigor físico, as pernas do seo Dario quase não foram fortes o suficiente para suportar o peso da emoção. Dona Cecília ainda estava sob os efeitos dos sedativos e o menino só poderia ser visto no dia seguinte. Afinal, em hospitais públicos no Brasil, as pessoas pobres só fazem visitas nos horários estipulados pela administração. A mãe do bebê não era puramente negra, mas, como diziam, era cabra, uma mistura de mulata com negro.

    Com a alegria de ter um filho, misturada à frustração de ter que se submeter às formalidades para vê-lo, seo Dario retornou ao trabalho. Para todos que, por uma razão ou outra aproximavam-se dele, dizia: É um menino. Os menos informados, quase todos eles, replicavam: É menino o quê, Dario?. Meu filho que acabou de nascer, retrucava. Aquela tarde pareceu demorar uma eternidade. Cada menino que passava, quer a caminho da escola ou simplesmente para brincar pelas ruas da cidade, era o bastante para desviar a atenção que o dedicado senhor tinha para o trabalho. A cabeça já aquecida pelo sol tornava-se ainda mais quente ao pensar com quais daqueles meninos o filho dele se assemelharia mais.

    Era um dia de felicidade, mas daqueles pelos quais pagamos um alto preço. E este preço era o de ainda não ter visto o próprio filho. A tarde era interminável, e o dia era um daqueles que davam a impressão de que chegaria meia-noite, mas cinco da tarde demoraria muito mais. Enfim, cinco da tarde. A pressa em espalhar a notícia pela vizinhança era grande, principalmente porque alguns juravam por todos os santos, e até pelos não santos, que a criança seria uma menina.

    Morro abaixo, ia secando o corpo suado com o vento do embalo da magrela. Foi direto com sua bicicleta à casa da sogra, dona Arminda, para dar-lhe as boas-novas. Quem disse que seo Dario conseguia falar? Botou a boca no mundo a chorar, soluçando tão forte que, se não fosse dona Arminda que era uma mulher de muita fé e fibra, teria entrado em desespero, pensando que algo de errado havia acontecido com sua filha ou com a criança recém-nascida. Senta, irmão Dario, vou te dar um copo de água com açúcar, disse a idosa senhora. Sobre um toco de árvore, à sombra de uma goiabeira, ele parecia encontrar o lugar ideal para equilibrar a comoção e a ansiedade. Nunca uma água doce fizera-lhe tão bem como aquela. Pranto seco, finalmente falou: Irmã Arminda, a Cília (é assim que sempre chamava a esposa) está bem e a criança é um menino. Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo!, exclamou dona Arminda, aliviada por saber que tudo estava bem com a criança. O que para o seo" Dario parecia um fato tão importante no mundo, para ela, era simplesmente o nascimento de seu vigésimo primeiro neto. Embora nunca tivesse dito à sua sogra, a reação menos emocionada da senhora deixou o jovem pai desapontado.

    Nascida dois anos após a libertação dos escravos, dona Arminda ficou viúva muito cedo. Trabalhara e sofrera muito para criar seus sete filhos – José, Lucília, Josefa, Cecília, Paulina, João e Balbina – todos com pouca idade na época em que perdera seu esposo. Com seus 22 anos de viuvez e, após ter visto o sofrimento de seus filhos para sobreviver, a mente de dona Arminda não poderia deixar de se preocupar com o que um neto passaria para que conseguisse ser alguém na vida, inclusive o filho de Cecília. No total, dona Arminda teve quarenta e três netos e netas.

    A idosa senhora que nunca frequentou escola alguma, nem por um único dia sequer, era provida de um discernimento do qual muitos catedráticos gostariam de obter em um pós-doutoramento. Sua escola, porém, havia sido a crueldade da vida. Pobre, negra, analfabeta, sem profissão, nenhuma cultura acadêmica e, no tempo em que ficou viúva, com sete filhos pequenos para serem criados. Dona Arminda era o protótipo da pessoa destinada ao fracasso na vida. Seo Abel, esposo de Arminda, era um daqueles crioulos do tipo guarda-roupa, dois metros de altura por um de largura de pura energia. Numa fatídica manhã de trabalho, em meio ao cafezal, no ano de 1935, uma picada fatal de uma cascavel fora o bastante para levar o amor de dona Arminda desta vida para outra.

    Expulsa da fazenda por não ter mais ao lado o produtivo Abel, a mulher que complementava seu nome com o da mãe de Jesus, Arminda Maria de Jesus, não tinha nada a fazer senão juntar os farrapos e os filhos e partir para uma terra distante em busca de um trabalho semiescravo. Todos teriam que trabalhar se quisessem sobreviver, inclusive Cecília, então com seis anos de idade. Após viajarem mais de mil quilômetros, chegaram da desconhecida São José do Além Paraíba, Minas Gerais, à também desconhecida cidade de Marília, no estado de São Paulo.

    Chegados ali, mal havia passado o susto de perderem o pai, aqueles sete bacuris depararam-se com o risco de perderem também a mãe. Abatida, pressionada e fatigada pelo trabalho pesado, a pobre senhora logo adoeceu e, por vários dias, nem sequer saiu da cama. No vale-tudo da vida e em meio à escassez de recursos, havia aquele homem, um lenhador que, uma vez por semana, ajuntava alguns moradores dos arredores para fazer uma reunião de evangelismo, incluindo a fazenda onde a família de dona Arminda residia e onde todos trabalhavam como lavradores. Alguém solicitou que aquele crente fosse orar por dona Arminda para que ela fosse curada. A oração foi feita e respondida e, a partir de então, dona Arminda decidiu seguir a fé daquele que orou por ela, sem deixar de orientar que seus filhos fizessem o mesmo. A fé dos crentes tomou conta daquele lar. E, a partir de então, a vida deles nunca mais foi a mesma, melhorando sempre a cada dia.

    Com o passar do tempo, os filhos que cresceram foram casando-se. Cecília era, de todos os irmãos, a de mais difícil relacionamento. Seu temperamento era um tanto agressivo e sua autoestima maior que a de todos os outros filhos juntos. Era aquela moça com a qual todos concordavam: era mesmo muito brava. A própria esposa do pastor da igreja onde congregavam procurava aconselhá-la a mudar seu temperamento agressivo, do contrário, ficaria solteira para o resto da vida. Os rapazes da igreja não se interessavam por Cecília porque não era exatamente aquela pessoa dócil que procuravam como esposa.

    Foi então que o jovem Dario apareceu. De pele clara, era de família nordestina. Seus pais eram de Juazeiro do Norte, Ceará, e foram aventurar a vida nas redondezas de Morros Agudos de Bauru, no interior de São Paulo. Ali se converteram ao Evangelho e criaram seus filhos: Laura, Virgínia, Maria, Joaquina, Silvano, Dario, Rosalvo e Maria do Carmo.

    Antes que chegasse ao convívio do meio pentecostal, Dario sempre frequentou com os pais a igreja Batista e lá cresceu ouvindo mensagens bíblicas que o ajudaram a ser um profundo conhecedor do livro sagrado. A vida também não lhe havia sido fácil. Desde a tenra idade, trabalhava na lavoura para complementar a renda familiar. Aos 13 anos, em meio a uma plantação de eucaliptos, Dario fora atacado por um enxame de marimbondos-cavalo e, por um longo tempo, teve medo até do barulho de uma mosca voando. Sua mãe, Olímpia de Castro, parecia ter um vocabulário próprio que incluía a pronúncia de palavras inexistentes como réiva e mardade, duas coisas, aliás, que ela não possuía. Seu coração era de mãe até mesmo para os que não eram seus filhos.

    Por conveniência de localidade, Dario e seus pais passaram a frequentar a igreja Assembleia de Deus, lugar onde encontrou Cecília. Como ele não se importava com o temperamento dela, iniciaram o namoro, noivaram e, em junho de 1953, contraíram matrimônio. Mesmo não sendo a caçula, Cecília fora a última a casar-se e a única dentre os sete de dona Arminda a contrair matrimônio com uma pessoa de pele clara. Por outro lado, Dario era o único dos oito de seo Joaquim e dona Olímpia a casar-se com uma negra. Posteriormente, sua irmã Maria do Carmo também se casou com um negro. Na época do nascimento do segundo filho de Cecília, de todos os seus irmãos, somente Lucília ainda morava em Marília. Balbina mudou-se para Jundiaí; Josefa e Paulina para São Paulo; João para Jundiaí e José para Apucarana.

    O jovem Dario rapidamente se transformou em um dos melhores pregadores que a região jamais havia visto e logo foi apontado presbítero. Mais que sua eloquência, sua fé era impressionante. O homem falava com Deus na intimidade, diziam. Seu bom coração levava-o a pedalar quilômetros para repreender uma enfermidade no nome de Jesus Cristo. Em abril de 1954, nasceu a primeira criança do casal e chamaram-na de Sônia Arminda Santos em homenagem à avó materna. Como o controle de natalidade era constituído pelo período de amamentação com leite materno, assim que Sônia foi desmamada, Cecília engravidou pela segunda vez.

    ***

    Naquele agosto de 1956, Dario completaria 28 anos de idade e, naquele mesmo dia, nasceu a segunda criança do casal. De cultura mais cearense que a cultura mineira da família da esposa, Dario não entendia a emoção calada de sua sogra. Por um instante, pensou que talvez pudesse encontrar maior apoio se compartilhasse com seus pais a notícia do nascimento. Pena que estavam longe, a 50 quilômetros de distância. Os meios de transportes de então não lhe davam esse privilégio.

    Dario agradeceu a dona Arminda pela água com açúcar oferecida e preparou-se para ir ver o filho. Tomou banho, fez a barba e aparou o bigode como parte dos preparativos para o tão esperado encontro. A velha e única lâmina de barbear era afiada em um copo de vidro. Tudo com muito capricho para o encontro do ano.

    Misturando caminhada com pedaladas, seo Dario chegou ao hospital 12 minutos antes da hora de visitação. Na recepção, sua alegria começou a causar desconforto a muitos que vieram visitar enfermos, pois, enquanto comemorava a chegada da vida os outros lutavam para afugentar a morte.

    Aqueles doze minutos demoraram tanto que, mesmo na agradável temperatura do inverno brasileiro, o suor frio ia gradualmente umidificando seo Dario dos pés à cabeça. Para preencher o tempo, dirigiu-se à recepcionista e inquiriu dela o número do apartamento onde estava sua esposa com seu filho. A resposta foi simples: Apartamento? Essa é boa! Ela está no salão com todas as demais mulheres que deram à luz ontem. Cinco mulheres estavam no local, todas haviam ganhado crianças de parto normal.

    Quando a porta para a ala da enfermaria de recém-nascidos foi aberta, a pressa era tanta que ele parecia estar correndo nas Olimpíadas pelos 100 metros, rumo à medalha de ouro. Largou para trás, no banco da recepção, seu chapéu de lona marrom. Cecília foi logo dizendo: O Samuel é a tua cara, Dario.

    Samuel. Era esse o nome que ambos haviam combinado desde que souberam que Cecília estava grávida. Fazia algum sentido chamar aquele menino de Samuel, nome que significa resposta de Deus. A criança era o que mais pediram: que Deus lhes desse uma criança saudável e, se de tudo lhes fosse possível escolher o sexo, queriam um menino. O nome completo da criança ficou sendo então: Resposta de Deus Sopro de Vida dos Santos, traduzindo, Samuel Abel dos Santos. Haviam combinado que os filhos teriam nomes compostos e que o segundo nome seria sempre em homenagem aos avós. Como era esperado, Cecília cuidou logo de homenagear seus pais à frente dos do esposo.

    Fechada a questão a respeito do nome, Dario finalmente pegou no colo aquele pequenino menino. Os olhos negros de Cecília pareciam querer dizer-lhe para que tomasse cuidado para não derrubar nem dobrar a coluna do bebê. Seus cuidados quase que a fizeram colocar uma faixa com o aviso frágil ao redor da criança.

    Sem saber que nos primeiros dias os bebês só enxergam um vulto, o pai coruja piscava e sorria para a criança, esperando uma resposta. Quando o menino mexeu os olhos, o pai começou a chorar e a falar um idioma que nenhuma pessoa das mais de vinte naquele salão entendia. A mulher no leito ao lado de Cecília foi logo perguntando por que o pai da criança falava em língua estrangeira com o menino. A resposta foi que ele não estava falando com seu filho, mas com Deus, por meio daquela língua. A resposta simples soou complexa para a senhora que não conhecia a fé daquele casal.

    O beijo suado e lavado com lágrimas naquele histórico encontro fez com que, pela primeira vez, o pai tivesse orgulho de ter chorado em público. Devolveu o filho ao leito e, ao final dos 30 minutos de visita, decidiu orar em voz alta no meio do salão, não somente por seu filho, mas também por todos os demais recém-nascidos que ali estavam. Uma carícia no rosto da Cecília e a pergunta sobre quando ela iria para casa colocaram o pai no corredor de saída do hospital. Parecia ter metade do peso que possuía há 30 minutos. Sentia-se leve como um pássaro.

    De volta à recepção, apanhou a declaração de nascimento, pegou seu chapéu e pedalou até o cartório de registro civil para registrar aquele que imaginava ser seu substituto nos púlpitos evangélicos. Sem perguntar muito ao pai, o escrevente foi

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