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Peixe fora d'água
Peixe fora d'água
Peixe fora d'água
E-book251 páginas3 horas

Peixe fora d'água

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Sobre este e-book

Coleção Caindo na Real
"Todo mundo é inteligente de diferentes maneiras. Mas se você julgar um peixe pela sua habilidade de subir em árvores, ele passará a vida inteira se achando burro."
Ally tem sido esperta o suficiente para enganar muita gente. Cada vez que chega a uma escola nova, ela consegue esconder sua inaptidão para ler por meio de distrações inteligentes. Ally está cansada de ser chamada de "lenta" ou de "fracassada", mas tem medo de pedir ajuda; afinal de contas, como se pode curar burrice?
No entanto, o mais novo professor de Ally vê a criança brilhante e criativa por trás da encrenqueira e ajuda a destacar as suas habilidades. Enquanto isso, ela conhece uma garota sem papas na língua, Keisha, e um garoto obcecado por fatos e ciência, Albert, que também se sentem como peixes fora d'água. Conforme esses deslocados começam a encontrar seu lugar, coisas surpreendentes acontecem na sala de aula de Ally, que revelam que existe muito mais nela — e em todo mundo — do que um mero rótulo, e que grandes mentes nem sempre pensam parecido.
Uma história inspiradora, carregada de emoção, que falará com todas as pessoas que pensam ou já pensaram que havia algo de errado com elas só porque não se encaixavam.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento3 de jul. de 2017
ISBN9788579803673
Peixe fora d'água

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    Pré-visualização do livro

    Peixe fora d'água - Lynda Mullaly Hunt

    Autora

    CAPÍTULO 1

    Em apuros de novo

    Sempre está lá. Igual ao chão embaixo dos meus pés.

    – E, então, Ally? Você vai ler ou não vai? – pergunta a professora Hall.

    Se minha professora fosse cruel, seria mais fácil.

    – Vamos lá – diz ela. – Sei que você consegue.

    – E se eu dissesse para você que ia escalar uma árvore usando apenas os dentes? Você iria dizer que sabe que eu consigo?

    Oliver ri, jogando-se na carteira como se fosse uma bola de futebol atravessando o campo.

    Shay resmunga:

    – Ally, por que você não age como uma pessoa normal uma vez na vida?

    Perto dela, Albert, um garoto grandalhão que usa a mesma roupa todos os dias, uma camiseta escura em que se lê Flint, se endireita na cadeira. Como se estivesse esperando um show de fogos de artifício.

    A professora Hall suspira:

    – Por favor, vamos. Eu só estou pedindo uma página com a sua descrição.

    Não consigo pensar em nada pior do que ter de me descrever. Eu preferia escrever sobre algo mais positivo. Como vomitar na sua própria festa de aniversário.

    – É importante – diz ela. – É para a sua professora nova poder conhecer você.

    Eu sei, e é exatamente por isso que não quero fazer. Professores são que nem aquelas maquininhas em que você coloca dinheiro e elas liberam uma bolinha que quica. Você sabe o que está vindo. Mas ao mesmo tempo não tem certeza.

    – E todos esses desenhos, Ally – diz ela. – Se você não ficasse rabiscando o tempo inteiro, sua tarefa estaria terminada. Por favor, guarde isso.

    Envergonhada, empurro os desenhos para baixo da minha folha de redação em branco. Eu tinha desenhado a mim mesma sendo lançada de dentro de um canhão. Seria mais fácil do que a escola. Menos doloroso.

    – Então, pronto – diz ela, empurrando a folha pautada na minha direção. – Capricha.

    Sete escolas em sete anos, e todas iguais. Sempre que eu capricho, as pessoas me falam que não me esforcei o suficiente. Muito desorganizada. Ortografia descuidada. Irritada porque escreve a mesma palavra de jeitos diferentes na mesma página. E as dores de cabeça. Sempre tenho dor de cabeça ao olhar o brilho de letras escuras na folha branca por muito tempo.

    A professora Hall limpa a garganta.

    O restante da classe está se cansando de mim de novo. Cadeiras são empurradas. Suspiros altos. Talvez achem que não consigo ouvir o que dizem: Maluca. Burra. Fracassada.

    Eu queria que ela simplesmente fosse para perto do Albert, o Google ambulante que tiraria uma nota melhor do que eu se ele simplesmente assoasse o nariz na folha.

    Sinto um calor na parte de trás do pescoço.

    Não entendo. Ela sempre releva. Deve ser porque esse trabalho é para a professora nova e ela não pode deixar de entregar nenhum.

    Olho fixamente para a sua barriga imensa.

    – Então, já decidiu qual vai ser o nome do bebê? – pergunto.

    Semana passada, conseguimos fazer que ela falasse de nomes de bebê por uma boa meia hora na aula de estudos sociais.

    – Vamos, Ally. Sem enrolar.

    Não respondo.

    – Estou falando sério – diz ela, e eu sei que está mesmo.

    Na minha mente passa um filme em que ela pega um galho e risca uma linha na areia entre nós sob um céu azul e claro. Ela está vestida de xerife, e eu uso uma roupa de prisioneira com listras brancas e pretas. Minha cabeça faz isso o tempo todo, imagino esses filmes que parecem tão reais que me levam para dentro deles. São um alívio da vida real.

    Fico tensa, tentando me convencer a fazer algo que realmente não quero. Para escapar dessa professora persistente que não vai me deixar em paz.

    Pego meu lápis, e o corpo dela relaxa, provavelmente aliviada por eu ter obedecido.

    Mas, em vez disso, sabendo que ela adora mesas limpas e coisas arrumadas, eu aperto meu lápis com força. E risco toda a minha mesa.

    Ally! – Ela se aproxima rápido. – Por que você está fazendo isso?

    Os rabiscos redondos são grandes em cima e pequenos embaixo. Parecem um tornado, e eu me pergunto se minha intenção era desenhar como sou por dentro. Olho para ela:

    – Já estava assim quando eu cheguei.

    As gargalhadas começam: mas não estão rindo porque me acham engraçada.

    – Estou vendo que você está chateada, Ally – diz a professora Hall.

    Não estou escondendo tão bem quanto deveria.

    – Ela é tão bizarra – diz Shay em um desses sussurros altos que ela quer que todo mundo ouça.

    Oliver está batendo os dedos na mesa agora.

    Cruzo os braços e encaro a professora.

    – Agora chega – diz a professora, finalmente. – Para a sala da diretora. Agora.

    Eu queria isso, mas agora estou indecisa.

    Ally.

    – Oi?

    Todo mundo ri de novo. Ela ergue a mão:

    – Quem fizer barulho vai perder o intervalo. – A sala fica em silêncio. – Ally. Eu disse vá para a sala da diretora.

    Não posso ir à sala da nossa diretora, a sra. Silver, de novo. Vou tanto para lá, que fico pensando se um dia vão estender uma faixa com as palavras: BEM-VINDA, ALLY NICKERSON!

    – Me desculpa – digo, sinceramente. – Eu vou fazer o texto. Prometo.

    Ela suspira:

    – Certo, Ally, mas se esse lápis parar de escrever, você vai.

    Ela me muda de lugar para a mesa de leitura ao lado de um quadro de avisos sobre o Dia de Ação de Graças e sobre gratidão. Enquanto isso, espirra um produto de limpeza na minha carteira. Ela lança olhares para mim como se quisesse espirrar o produto em mim. Para esfregar a burrice até sair.

    Estreito um pouco os olhos, torcendo para que a luz faça minha cabeça doer menos. E então tento segurar o lápis do jeito que tenho que segurar, e não do jeito esquisito que a minha mão quer.

    Escrevo com uma mão e, com a outra, faço um escudo sobre o papel. Eu sei que é melhor manter o lápis em movimento, então escrevo as palavras: Por quê? sem parar, do topo da página até a última linha.

    Primeiro, porque sei soletrar as palavras direito e segundo, porque espero que alguém finalmente me dê uma resposta.

    CAPÍTULO 2

    Cartão amarelo

    Para o chá de bebê da professora Hall, Jessica surge com um arranjo de flores tão grande da floricultura do pai que daria para jurar que ela simplesmente arrancou o imenso buquê do chão e embrulhou a parte de baixo.

    Tanto faz. Eu não ligo. Achei um cartão brilhante com rosas amarelas numa loja. E uma foto de flores não vai secar em uma semana. Sinto que é meu jeito de pedir desculpas por ser um saco o tempo inteiro.

    Max dá seu presente à professora Hall. Ele se recosta na cadeira com as duas mãos atrás da cabeça enquanto a professora abre o pacote. Ele a presenteou com fraldas. Acho que ele esperava alguma reação diferente e se desapontou por ela estar feliz.

    Max gosta de atenção. E também gosta de festas. Praticamente todos os dias, ele pergunta à professora se podemos fazer uma festa e, hoje, ele finalmente conseguiu uma.

    Quando a professora tira o meu cartão do envelope, ela não o lê em voz alta como faz com todos os outros. Ela hesita, e eu sei que deve ter adorado. E sinto orgulho, que não é algo que sinto com frequência.

    A diretora Silver se inclina para espiar. Eu penso que enfim vou receber um elogio. Em vez disso, ela fecha a cara e me aponta a porta. Shay se levanta para olhar. Ela ri e fala:

    – O mundo fica mais burro cada vez que Ally Nickerson fala.

    – Shay, sente-se – diz a professora, mas é tarde demais. Não dá para desfazer o que se ouve. Eu já deveria ter me acostumado, mas ainda dói um pouco toda vez.

    Enquanto Shay e Jessica riem, eu me lembro que nos fantasiamos como nossos personagens favoritos de livros para o Halloween, na semana passada. Eu me vesti de Alice no País das Maravilhas, do livro que meu avô leu para mim um monte de vezes. Shay e sua sombra, Jessica, passaram o dia me chamando de Alice no País das Besteiras.

    Keisha enfrenta Shay e diz:

    – Por que você não cuida da sua vida pelo menos uma vez?

    Gosto de Keisha. Ela não tem medo. E eu tenho medo de muita coisa.

    Shay se vira, parecendo pronta para dar um tapa numa mosca:

    – Isso por acaso é da sua conta? – pergunta ela a Keisha.

    – Isso mesmo. Não é da minha conta, mas também não é da sua – responde Keisha.

    Shay deixa escapar uma bufada:

    Para de falar comigo.

    Para de ser cruel – responde Keisha, inclinando-se para a frente.

    Max baixa os braços e apoia o corpo na própria carteira:

    Isso. Vai ter briga – diz ele.

    Não vai ter briga – diz a professora.

    Suki está segurando um de seus bloquinhos de madeira. Ela tem uma coleção guardada numa caixa, e eu já a vi tirar um deles de lá quando fica nervosa. Ela está nervosa agora.

    Shay olha fixamente para Keisha. Keisha começou esse ano e estou surpresa por ela ter dito alguma coisa.

    Todo mundo está atiçado, e nem sei como tudo isso aconteceu.

    Enquanto a professora fala para as duas se acalmarem e explica para Max que é besteira torcer por uma briga, a diretora Silver me olha, apontando a porta. O que é que está acontecendo?

    Quando chegamos ao corredor, consigo ver pela expressão da diretora que vai ser mais uma daquelas vezes em que eu terei de me desculpar ou explicar por que fiz alguma coisa. O problema é que nem sei por que estou encrencada dessa vez.

    Enfio as mãos no bolso para que não façam algo de que me arrependerei depois. Queria fazer o mesmo com a minha boca.

    – Eu não entendo, Ally – diz ela. – Você já fez outras coisas inapropriadas, mas isso é… bom… diferente. Isso não é do seu feitio.

    Não me surpreendo; eu faço algo legal e ela diz que não é do meu feitio. E não consigo entender por que comprar um cartão pode ser ruim.

    – Ally – diz a diretora. – Se você está querendo atenção, essa não é a melhor maneira de conseguir.

    Ela está enganada. Preciso de atenção como um peixe precisa de um snorkel. A porta se abre, batendo nos armários, e Oliver salta para fora da sala:

    – Ally – diz ele –, eu acho que você deu aquele cartão para dizer que você sente muito que a professora tem que nos deixar para ir ter um bebê idiota. Ela provavelmente está muito triste. Eu também tenho pena dela.

    Do que é que ele está falando?

    – Oliver? – pergunta a diretora. – Tem algum motivo para você estar aqui fora?

    – Sim! Eu estava indo… ahn… Eu estava… indo ao banheiro. É. É isso. – E ele sai correndo.

    – Será que posso ir agora? – pergunto de uma vez, com a sensação de que ficar ali parada é algo que não vou aguentar nem mais um segundo.

    Ela faz que não com a cabeça enquanto fala:

    – Eu não entendo. Onde você estava com a cabeça para dar um cartão de condolências a uma mulher grávida?

    Cartão de condolências?, eu me pergunto. E me pergunto um pouco mais. E então, eu me lembro. Minha mãe manda aqueles cartões para as pessoas quando alguém que elas amam morre. Meu estômago se revira, e fico tentando imaginar o que a professora Hall deve ter pensado.

    – Você sabe o que é um cartão de condolências, Ally, não sabe?

    Eu deveria negar que sei, mas concordo com a cabeça porque não quero ouvir a diretora me explicar. Além disso, ela vai me achar mais burra do que já sou. Se isso for possível.

    – Então por que você fez isso?

    Resisto, mas tudo dentro de mim encolhe. A verdade é que eu me sinto mal. Por exemplo, eu me senti terrível quando morreu o cachorro do vizinho, imagine se um bebê morresse. E eu só não sabia que era um cartão triste assim. Eu só vi as flores amarelas bonitas. E só fiquei pensando que eu deixaria a professora muito feliz.

    Mas não posso contar a verdade verdadeira por um monte de motivos.

    Nem pra ela.

    Nem pra ninguém.

    Por mais que eu reze, me esforce e torça, ler para mim ainda é como tentar organizar uma sopa de letras dentro de um prato. Eu simplesmente não sei como os outros conseguem.

    CAPÍTULO 3

    Eu nunca decido

    Apoiada na parede do corredor, fico quieta. Algumas criancinhas passam por mim e, ao vê-las, lembro que estou na sexta série, a série mais alta nesta escola. Mas eu me sinto como um bebê.

    – Ally? Você tem algo a dizer? – pergunta a diretora Silver.

    Tenho medo de abrir a boca porque às vezes palavras saem e me encrencam mais ainda.

    Finalmente, ela sugere irmos à sala dela.

    Eu me sento na sala da diretora olhando para fora da janela, em silêncio. Fico imaginando como seria poder ficar calma na escola e não precisar me preocupar a cada segundo de cada minuto.

    Eu queria estar com meu Caderno para Coisas Impossíveis. É a única coisa que me faz sentir que não sou um desperdício de espaço. Gosto de ver as imagens na minha cabeça se tornando reais no meu caderno. Meu último favorito é um boneco de neve que trabalha em uma fábrica de fornalhas. E então percebo que a coisa mais maluca, mais estranha, mais inacreditável que eu poderia desenhar sou eu fazendo algo direito.

    O suspiro da diretora me traz de volta à realidade.

    – Entre ano passado e este, você está aqui há menos de cinco meses, Ally, e veio me visitar vezes demais. Você precisa fazer algumas mudanças – diz ela.

    Fico sentada em silêncio.

    – Você decide.

    Não sou eu quem decide. Eu nunca decido.

    A fala da diretora soa como um chiado ao fundo. Que nem o rádio no carro.

    Não tenho nenhuma palavra para explicar. Foi um erro e não quero contar isso a ela. Tenho vergonha. Ela respira fundo:

    – Você achou que seria engraçado?

    Faço que não com a cabeça.

    – Você queria magoar a professora?

    Olho para a frente rápido.

    – Não! Eu nunca magoaria a professora Hall, eu só…

    E me pergunto o que me perguntei antes. Será que eu deveria contar e pronto? É como se minha cadeira estivesse sobre um alçapão, e houvesse um botão para me deixar cair. Quero contar, mas tenho medo. Olho para a frente, para o rosto da diretora. Ela olha para mim totalmente decepcionada. De novo. E acho que não importa mesmo. Eles já acham que eu sou um saco, então por que acrescentar burra à lista? E eles não podem me ajudar, de qualquer forma. Como se cura a burrice?

    E então olho para fora da janela de novo. Tenho que me lembrar de manter a boca fechada.

    Aprendi nas sete escolas onde estudei que é melhor ficar quieta. Nunca discuto, a não ser que realmente precise.

    Noto que cerrei os punhos com força, e a diretora olha para eles. Ela se senta na cadeira ao meu lado.

    – Ally, às vezes parece que você só quer se meter em problemas. – Ela se inclina um pouco para a frente. – Você quer?

    Faço que não com a cabeça.

    – Ora, Ally. Conta o que está acontecendo. Deixa eu ajudar você.

    Olho para ela rápido e então para longe. Resmungo:

    Ninguém pode me ajudar.

    – Isso não é verdade. Vai me deixar tentar? – Ela aponta para um quadro na parede. – Você pode ler aquilo

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