Ciência e Bioética: Um olhar teológico
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Ciência e Bioética - Euler Renato Westphal
Ciência e bioética
Um olhar teológico
Euler Renato Westphal
©Editora Sinodal, 2009
Rua Amadeo Rossi, 467
93030-220 São Leopoldo/RS
Tel.: (51) 3037 2366
editora@editorasinodal.com.br
www.editorasinodal.com.br
Projeto editorial: Editora Sinodal
Projeto gráfico: Editora Sinodal
Este livro é resultado de pesquisa desenvolvida no grupo de Ética Teológica e Sociedade, e a linha de pesquisa intitula-se teologia contemporânea em perspectiva latino-americana
, pela Escola Superior de Teologia (EST), São Leopoldo/RS.
W537b Westphal, Euler Renato
Ciência e bioética: um olhar teológico / Euler Renato Westphal. – São Leopoldo : Sinodal, 2009.
14x21 cm. ; 118p.
ISBN 978-85-233-0930-5
ISBN 978-65-5600-008-4 (e-book)
1. Bioética. 2. Ética cristã.
3. Teologia cristã. I. Título.
CDU 17:291.5
Catalogação na publicação
Leandro Augusto dos Santos Lima – CRB 10/1273
Sumário
Apresentação
Prefácio
Introdução
1. Ciência e bioética: diferentes pontos de vista
2. Ciência e teologia: descompassos e convergências
2.1 Sobre a manipulação de embriões
2.1.1 Os embriões viáveis e inviáveis: a cultura do descarte e do consumo
2.1.2 A dignidade da vida é uma confissão de fé
2.2 São os anencéfalos seres humanos?
3. Ciência: dogmas e mitos
3.1 Triunfo da dúvida
3.2 Domínio sobre a natureza
4. Incerteza: um princípio da ciência
5. Crise espiritual e cultura científica
6. Deus morreu! Viva o ser humano imortal!
7. A natureza é feita de paradoxos
8. Vida: dádiva de Deus
8.1 Coisificação do humano
8.2 Ser humano: corpo, alma e espírito
9. Morte: fonte de sabedoria
10. Um novo olhar e diferentes perspectivas
Notas bibliográficas
Apresentação
O autor deste livro, teólogo luterano e especialista em questões de bioética, brinda o leitor com dez capítulos de reflexões sobre a ciência e a bioética a partir de um olhar teológico. Baseado num amplo conhecimento de causa, em preocupação pastoral e competência acadêmica, este livro se constitui como um tour d’horizon das concepções da contemporaneidade e suas raízes filosóficas e científicas desde gregos e hebreus. Mais: começa com uma milenar parábola budista na qual pessoas cegas tocam várias partes de um elefante e descrevem o elefante conforme o que viram
, tocando e descrevendo, contudo, tão-somente uma parte dele. Obviamente, a descrição é sempre parcial, e assim o autor aponta para o problema do desligamento e da compartimentalização dos saberes. Cada um tende, outrossim, a defender que sua percepção (sua parte do elefante) será a verdade mesmo. Essa divergência não é pacífica; ela cria briga. Contudo, há na parábola, em seu original, um rei que vê o elefante inteiro e, inclusive, sabe que os outros são cegos. Assim como o rei, podemos nos dar conta da complexidade do saber. Contudo, diferente do rei da parábola, não há como arrogar-se, unilateralmente, a posição de quem vê tudo. É preciso um diálogo aberto e competente, na fronteira entre os saberes, exatamente onde transita o autor.
Nessa fronteira, fazendo incursos para os lados teológico, filosófico, físico e biológico, o texto de Euler Renato Westphal leva o leitor e a leitora pela maré de uma costa para a outra, conduzindo seu argumento com firmeza, mas também sempre levando por águas e para praias inesperadas. Quando se pensa que sabe o que seguirá, o autor mostra que sua escrita não funciona como um filme estadunidense de baixa qualidade, no qual, depois dos primeiros dez minutos, já se sabe tudo sobre o filme. Antes, mostra-se como uma tecelagem inteligente e cativante de fios de diversas cores.
Ao construir pontes, como almeja o autor, é também necessário desconstruir o que impede o diálogo ou se mostra inadequado. Assim, Westphal desconstrói um conceito de ciência mecanicista, de cunho moderno, que trata o ser humano como se fosse uma máquina, e a natureza (e Deus como criador) como se fosse a variante de um relógio. Também se opõe a uma ciência utilitarista, na qual o ser humano individual em sua dignidade é submetido a cálculos de utilidade. Essas desconstruções são feitas a partir da concepção teológica do autor. Mas também encontram base em reflexões mais recentes da ciência, como em Albert Einstein e Werner Heisenberg, cujas concepções permitem uma visão mais orgânica, ecológica, enfatizando as relações entre os seres e o dinamismo nelas presente.
Westphal mostra, como já o fizera em outras publicações, como a ciência assumiu feições religiosas. Busca salvação e vida eterna
. Porém, a ciência é algo humano. A teologia, aliás, como afazer acadêmico, também o é. Num diálogo entre ciência e teologia, portanto, são seres humanos que se falam numa linguagem humana sobre uma reflexão humana. Fazem isso no meio da ambiguidade da vida humana, com avanços e retrocessos, construção e destruição, terapia e doença. Aqui, nada é imutável. Imutável é apenas o amor de Deus pelo mundo, que ama incondicionalmente e em sua totalidade. É por isso que a dignidade humana, atribuída pelo criador às suas criaturas sem depender de nenhuma qualidade ou comportamento específicos, constitui o cantus firmus desta obra. Ela é dádiva, não propriedade. Seria, então, Deus o único que, como o rei da parábola, enxerga o elefante na sua íntegra e sabe da cegueira daqueles que o viram
. Induz-nos, creio, tanto à humildade quanto à ousadia, desde que seja para o bem da humanidade.
Rudolf von Sinner
Faculdades EST
Prefácio
Há muitos anos, ocupo-me com questões de bioética e filosofia da ciência. Discussões em simpósios, debates e seminários com profissionais de áreas da ciência biológica e médica enriqueceram-me com conhecimentos e experiências. Meus estudantes foram companheiros de diálogo acadêmico e de aprendizado. No decorrer dos anos, pesquisei na área da bioética e da ciência, bem como lecionei as disciplinas de bioética e filosofia da ciência e, decorrente disso, publiquei alguns artigos sobre esses assuntos, que aqui foram ampliados, corrigidos, modificados e aprofundados.
Nessa caminhada, fiz descobertas que moldaram o meu trabalho teológico, bem como a percepção da realidade de forma significativa. A intenção não é esgotar o assunto, mas proporcionar provocações e uma reflexão que vai além do que é opinião comum das pessoas que lidam com a ciência. A proposta é abrir questões referentes ao assunto com o objetivo de provocar a discussão e a reflexão. Não me ative às questões técnicas, mas às implicações entre ciência, bioética e a teologia. Aliás, a questão teológica perpassa o livro e é o pressuposto para as abordagens desenvolvidas aqui.
Os estudantes e professores da Faculdade Luterana de Teologia (FLT) e da Universidade de Joinville (UNIVILLE) são parceiros de discussão e fonte de aprendizado. Agradeço aos amigos e companheiros de diálogo – Claudiomir Selner, engenheiro, empresário e professor; Jörg Garbers, teólogo, professor de Antigo Testamento e Hebraico na Faculdade Luterana de Teologia; e Carlos Ernesto dos Reis Lima, médico e professor – pelas observações críticas e pelas importantes sugestões ao texto. Sou grato pelos seus comentários e pelas discussões proveitosas ao longo dos anos.
Introdução
A minha tese é que a ciência moderna é uma expressão de religião, pois ela carrega em si dimensões fundamentais que estão presentes no cristianismo, como: salvação e esperança de vida eterna. A saúde foi transformada em uma forma de salvação. A busca por longevidade por meio da clonagem e das pesquisas com células-tronco embrionárias parte da promessa da vida eterna. Forever young é a máxima da ciência, para que sejamos eternos e imortais. O desejo do ser humano em todas as épocas e culturas é o de ser eterno, a exemplo da poesia do cantor e compositor norte-americano Bob Dylan:
It´s so hard to get old without a cause
I don‘t want to perish like a fading horse
Youth´s like diamonds in the sun
and diamonds are forever.
[É tão duro ficar velho sem um motivo.
Eu não quero perecer como um cavalo moribundo.
A juventude é como diamante no sol,
e diamantes são para sempre.]
Esse desejo fundamental perpassa todas as criaturas, pois todas gemem pela redenção (Romanos 8). A ciência toma o lugar da redenção que Deus fará e proporciona esperança e certeza de salvação. Assim, a ciência deixa de ser ciência e passa a ser a religião do ser humano moderno e pós-moderno. A resposta não vem mais dos lábios do Senhor, mas dos laboratórios, dos cientistas e dos genes. O cientista alemão Werner Heisenberg (1901-1976), um dos fundadores da mecânica quântica, foi um crítico da modernidade científica, que separou Deus, o ser humano e o mundo.
Para ele, a forma do ser humano se encontrar como um ser de totalidade é o de recuperar a dimensão de Deus para o centro do mundo e da ciência. Os referenciais para nossa discussão estão colocados, principalmente, pela crítica que Werner Heisenberg promoveu quando falou do princípio da incerteza como meio para se apreender a realidade. Para ele, os conceitos mente, alma, vida ou Deus, embora sejam adequados à ciência mecânica, estão diretamente conectados com a realidade do livro da natureza.¹ A ciência, ao tirar Deus, facilmente pode se transformar em um deus e em uma nova religião.² A ciência precisa reconhecer que ela enxerga sempre uma parte da realidade e que ela é efêmera. Ela não é uma religião, mas precisa manter sua provisoriedade e seu caráter humano. Não é um empreendimento divino e não tem o conhecimento absoluto, bem como não é onisciente nem eterna; sempre está determinada a enxergar a realidade de um ponto de partida,