A Chácara das Gameleiras: Uma jovem solitária, uma herança, um lugar maldito.
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A Chácara das Gameleiras - Marcelo Piquet
Copyright©2019 by Marcelo Piquet
Capa & Diagramação: Enoque Ferreira Cardozo
(Trupe serviços editoriais Freelancer - http://trupeservicoseditoriais.blogspot.com.br/)
Revisão & Diagramação – Marcelo Piquet
Copyright ©
2019. Todos os direitos reservados.
Proibida a reprodução parcial ou total, por qualquer meio.
Lei Nº 9.610 de 19/02/1998 (Lei dos direitos autorais).
2019. Escrito e produzido no Brasil.
Texto revisado segundo Acordo Ortográfico da Língua
Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde 2009.
image024No final dos anos oitenta, na companhia da minha namorada e de um casal de amigos, fui passar um fim de semana romântico em Saquarema. Nosso destino, uma casinha aconchegante nas terras duma fazenda.
Para chegar ao local, acessamos uma precária estrada de terra. Cercados por uma densa vegetação e cobertos por uma névoa rasteira seguimos em frente sob o olhar vigilante da impressionante lua de sangue.
Envoltos por uma atmosfera lúgubre e já com nossos nervos à flor da pele, fomos surpreendidos por ele. A criatura humanoide de aparência sinistra, atravessou a estrada a frente e entre gritos de horror, frei o carro bruscamente.
Cheguei a imaginar que tudo não tinha passado de uma catarse coletiva, que nossas mentes confusas nos pregavam uma peça, mas não era. Uma mão grande espalma pesada sobre o vidro da minha porta e em meio a névoa opaca, nossos olhares se encontraram. Jamais esqueci seu olhar de pupilas negras e dilatadas, envoltas por globos oculares vermelhos.
Foi a primeira vez que tive contato com o sobrenatural e sob o espectro do medo, afundei o pé no acelerador deixando para trás a criatura de dentes amarelos e aparência abominável.
Longe da civilização e instalados num casebre perdido no meio da mata, enfrentamos naquela noite macabra nossos medos e o desconhecido, num evento assombrou minha vida por muitos anos e que serviu de inspiração para essa história.
image024PRÓLOGO
Como se fosse a pata dum urso, a mão do homem, grande e peluda, repousa sobre a mão pequena e delicada da minha irmã. Daqui de fora, não dá para escutar o que eles falam, mas esticada na ponta dos pés, vejo o homem acariciando a mão da minha irmã.
De costas para a porta e de frente para ele, Fátima atrapalha minha visão, impedindo assim, que eu veja o rosto do homem. Em dado momento, daquela estranha conversa, ele inclina o corpo a frente e de relance, vejo seu rosto. Não tenho certeza, pois não tenho aulas com ele, mas acho que é o professor de matemática.
Fátima deve ter feito algo de errado, pois todos já se foram e só ela continua na sala. Cansada de me esticar na ponta dos pés, dou um descanso para minhas panturrilhas apoiando meus pés no chão.
Encosto na parede e observo o corredor vazio. Praticamente todos já foram embora e passo a me questionar o que Fátima teria feito para estar de castigo. O problema é que se ela está de castigo, por que o professor acaricia sua mão?
Preocupada com minha irmã, volto a me esticar na ponta dos pés e pela pequena janela de vidro da porta, volto a observa-los. Sentado à mesa, o professor ainda acaricia a mão da minha irmã que ainda mantém a mesma posição de antes, atrapalhando minha visão e insuflando em mim um pensamento absurdo.
— Meu Deus! Será que ela está namorando o professor? Ele é tão velho! — Penso em voz alta.
Fátima tenta afastar sua mão, mas o professor não permite e daqui, vejo sua mão grande e peluda segurar com firmeza a mão pequena da minha irmã. Nervosa, Fátima tenta se soltar chegando a virar o rosto em direção a porta. Assustada, me abaixo para que ela não me veja e voltando a encostar na parede, penso se devo esperar minha irmã sair da sala ou invadir a sala para tira-la de lá. Espero mais um pouco e nada dela sair e aflita, volto a me esticar na ponta dos pés.
Fátima livrou sua mão e a mantém junto ao corpo, mas mesmo livre, minha irmã continua na sala. Ela apenas dá um passo atrás enquanto o professor continua falando com ela. Tentando uma nova aproximação, ele movimenta a cadeira giratória a frente e essa movimento melhora minha visão. Agora vejo claramente seu rosto e tenho certeza, é o professor de matemática.
Ele sorri e a cada passo que Fátima dá para trás, ele arrasta a cadeira para mais perto dela. Não entendo o porquê, mas mesmo livre, Fátima fica imóvel. O professor aproveita sua inércia e estica o braço até seus cabelos. Depois de acaricia-los, sua mão desce até o pescoço da minha irmã.
— Por que Fátima permite isso? Porque ela não sai da sala? — Penso aflita e quase em vós alta.
Minha irmã nunca disse que eles eram tão próximos. Na verdade, Fátima jamais falou sobre ele, e nunca, nunca imaginei que ela pudesse ser amiga de um homem mais velho. É tudo tão estranho, eles parecem namorados. Mas não faz sentido minha irmã, jovem e bonita, namorar um homem tão mais velho que ela.
Enquanto tento entender o que meus olhos veem, os dedos grossos do professor deslizam pelo pescoço da minha irmã até a gola da blusa. Não consigo ver onde, mas ele continua tocando minha irmã e eu acho que ele está tocando seus peitos.
— Porque ela está deixando ele fazer isso? Não é certo. — Exclamo baixo.
Para meu alívio, Fátima, mesmo tardiamente, dá um passo para trás se afastando dele, mas o homem odioso reage levantando da cadeira. Não tem jeito, eu preciso fazer algo para ajudar minha irmã. Eu me encho de coragem e entro na sala.
Ambos se assustam com a minha invasão. Fátima se vira para mim. Ela está nervosa e não parece nada bem. O professor, também assustado, sorri nervoso ao me ver. Lembro bem das suas palavras.
— O que faz aqui menina?
Não gosto do seu sorriso, não gosto dele. Eu o olho com cara feia e não respondo. Fátima pega sua mochila sob a prancheta da cadeira escolar, a joga nas costas e me pegando pela mão, me arrasta para fora da sala apressada e sem se despedir do professor.
Seguimos apressadas pelo corredor, Fátima não olha para trás, mas eu a encaro com olhar severo. Antes de dobrar a esquerda, olhamos juntas para trás. O professor nojento, encostado na parede do corredor, nos observa com olhar sério. Fátima me puxa novamente e agora correndo, chegamos a saída do colégio.
— Aonde vocês estavam meninas? — Pergunta seu Sérgio, o porteiro.
— De castigo. — Fátima responde de forma rude e sem interromper nossa marcha acelerada.
Nosso pai é dono de um pequeno comércio e por isso, tem o costume de sair muito cedo de casa e sempre nos deixa no colégio antes de seguir para sua loja, um açougue. Nossa mãe, tem a responsabilidade de nos pegar na saída do colégio, função que ela deixou de cumprir a pouco mais de um mês, pois Fátima, depois de muito insistir, a convenceu de que estava na hora de voltarmos sozinhas do colégio. Lembro bem dos seus argumentos.
— Mãe, já tenho quatorze anos, não sou mais criança.
— Eu sei minha filha, mas ainda assim prefiro ir busca-las. É mais seguro.
— Você não entende, isso é um mico.
— Ah para com isso Maria de Fátima! Além do que ainda tem sua irmã. Ana tem doze anos.
— Acha que não consigo tomar conta de nós duas? Por favor mãe...eu juro que tomo conta dela.
— Tá bom... — Responde minha mãe duvidando.
— Uma experiência. Pode ser? Pelos menos por alguns dias?
— Minha filha...
— Eu prometo! Você não vai se arrepender.
Mamãe sempre foi muito zelosa conosco, por isso, quase não acreditei que Fátima realmente tinha conseguido. Por mais incrível que possa parecer, ela convenceu minha mãe que poderíamos voltar sozinhas do colégio. Tudo estava indo muito bem até esse dia, esse dia estranho que se não intervenho, poderia sim, causar um grande arrependimento em minha mãe.
Enquanto aguardávamos a chegada do bondinho, eu até me esforçava, juro! Eu realmente tentei, mas não conseguia parar de olhar curiosa e séria para Fátima.
— O que foi?
— O que vocês estavam fazendo?
— Você não viu? Conversando.
— Você namora com ele?
— Para com isso menina! De onde tirou essa ideia?
— Ele estava alisando sua mão.
Fátima, desconcertada me segura com firmeza pelos ombros.
— Aninha, — Ela sempre me chama de Aninha quando quer me enrolar. — Eu estava só conversando com ele. Nem reparei que ele mexeu na minha mão.
— Você está mentindo. – Eu disse olhando firme seus olhos.
— Porque estou mentindo?
— Eu vi ele tocando em você.
— Você não viu nada.
— Vi sim; e ainda por cima, você deu um pulo quando entrei na sala. Só faz isso quando está fazendo besteira.
Fátima afrouxou o aperto de suas mãos em meus ombros e desviou seu olhar.
— Diz a verdade. — Insisto.
Minha irmã volta a me encarar com cara de poucos amigos, mas ao perceber minha determinação e vendo que não tinha jeito de me ludibriar sua expressão mudou. Fátima estava resignada.
— Você está certa, não vou mais mentir pra você. Estava realmente acontecendo algo, mas graças a Deus você chegou. Ana, quero que você me prometa uma coisa.
— O que?
— Promete que nunca, nunca mesmo. Em hipótese alguma, vai ficar sozinha com aquele homem. Tá bom?
— Isso é fácil! Prometo. — Digo sem hesitar.
Fátima olha para o lado desviando novamente o seu olhar, enquanto eu, continuo olhando para ela.
— Outra coisa, se você me ver sozinha com ele novamente, corre e pede ajuda. — Ela diz voltando a me encarar.
— Tá bom, mas não é melhor falar com a mamãe?
— Se falar com ela não vamos mais poder voltar sozinhas para casa.
— Talvez mamãe esteja certa.
— Vamos ser as garotas mais bobas do colégio. É isso que você quer?
— Não! – Respondi séria.
— Eu prometo que não vai acontecer de novo.
— Eu confio em você.
— Obrigada minha irmãzinha! Sabe que você é minha irmã preferida, né?
— Sou a única.
— Eu sei bobona, mas mesmo que tivesse dez irmãs, você seria minha preferida.
— Tá bom...
Fátima me encarou mais um pouco antes de me abraçar apertado. Um abraço tão apertado que chegou a me sufocar. Por sorte, o bondinho chegou na estação fazendo com que minha irmã me liberasse dos seus braços e mais unidas do que nunca, entramos de mãos dadas no bonde.
Sentamos juntas e enquanto do alto dos arcos, observava a vista da cidade, via também o rosto de minha irmã. Fátima, mais distraída que o normal, olhava para fora parecendo não prestar atenção em nada em sua volta. Imersa em pensamentos, minha querida irmã sequer percebe minha vigília. Fátima é muito bonita e dona de olhos amendoados de um castanho muito claro, como mamãe costuma dizer, mas que agora parecem perdidos.
Todos no colégio a adoram. Fátima além de simpática, está sempre de bom humor e por isso faz amizades com muita facilidade. Minha irmã se relaciona bem não só com os alunos, mas também com professores, supervisores e até mesmo com a temida diretora do colégio, Dona Lúcia. Quanto a mim, sempre fui mais retraída e um tanto tímida. Não! Não sou infeliz e nem tenho qualquer tipo de complexo, nada disso. Sou apenas mais contida mesmo, como tantas outras pessoas.
Fátima é que é diferente, sempre foi. Lembro que com apenas onze anos, seu corpo ganhou formas de moça e seus seios apontaram. Mesmo ainda tão nova, minha irmã passou a chamar a atenção não só dos meninos, mas também dos homens mais velhos e nossa mãe, sempre atenta e zelosa se apressou em comprar um sutiã para ocultar o motivo de cobiça dos meninos e é claro, dos homens. Ao contrário da minha linda irmã, com doze anos ainda sou magrinha, sem formas e sem seios.
Se não sou tão bela como minha irmã, sempre tive boa saúde. Não recordo, até essa data, de ficar de cama por causa de algum resfriado, mas Fátima, ao contrário de mim, está sempre às voltas com problemas respiratórios e devido as suas crises de bronquite e asma faz visitas constantes a médicos.
Superado o evento com o professor, continuamos levando nossas vidas de meninas independentes sem maiores problemas. O tal professor, já percebeu o quanto o odeio. Portanto ele disfarça e se afasta. Ele sabe que não o temo e que só preciso de um leve motivo para contar o que ele faz para a diretora.
Naturalmente quero poupar minha irmã de qualquer constrangimento, e por isso, espreito os passos do nojento professor pelo colégio. Se o encontrar tocando alguma outra menina, irei direto para a sala da diretora. Ele já percebeu as minhas intenções a cada olhar ameaçador que lhe dou e por isso, passou a evitar qualquer contato mais íntimo com outras meninas.
Os dias se passaram e tudo ia bem até que um drama afligiu minha família. Fátima e eu dividimos o mesmo quarto e era fácil perceber que sua saúde não andava nada boa até que, numa determinada noite, acordei com minha em sofrimento. Fátima lutava para respirar. Minha irmã, já em desespero, buscava o ar que não vinha e seus gemidos agonizantes me despertaram. Sem perder tempo, corri para chamar meus pais.
Corremos com ela para o hospital. Fátima recebeu cuidados médicos, mas não voltou para casa. Minha irmã ficou hospitalizada por um bom tempo nesta que foi a primeira das muitas internações que vieram a seguir.
Após essa primeira crise mais grave, Fátima nunca mais voltou a ser a mesma de antes. Atormentada por crises constantes e sempre com grandes dificuldades respiratórias, minha linda irmã definhava e isso mudou definitivamente as nossas vidas. Coisas banais como caminhar ou subir escadas, tornou-se para ela um grande esforço e devido a sua debilidade, papai passou a ficar mais em casa. Forte, papai era o único que conseguia subir as escadas com Fátima no colo, poupando-a de um grande esforço.
Eu, uma ávida contadora das minhas histórias, perdi completamente o ânimo para escrever, pois no decorrer deste fatídico ano, a doença de minha adorada irmã só agravou. Fátima deixou de frequentar o colégio e atividades simples e cotidianas, como tomar banho ou trocar