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Quinas e Castelos: Sinais de Portugal
Quinas e Castelos: Sinais de Portugal
Quinas e Castelos: Sinais de Portugal
E-book175 páginas2 horas

Quinas e Castelos: Sinais de Portugal

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Sobre este e-book

Os cidadãos portugueses decerto conhecem os símbolos visuais identificativos do seu país: a bandeira verde e vermelha carregada, na partição das duas cores, com o escudo das quinas e dos castelos sobreposto a uma esfera armilar. Quantos, porém, sabem explicá-los e traçar-lhes a história? Como se chegou até aqui? Como é que, desde os longínquos tempos medievais, se formaram os sinais visuais identificativos da comunidade política portuguesa, ainda hoje perpetuados? E, sobretudo, como foram esses sinais compreendidos, apropriados e difundidos pelos agentes do poder político ou pelos seus observadores, utentes, destinatários ou glosadores?
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de mai. de 2019
ISBN9789898943576
Quinas e Castelos: Sinais de Portugal
Autor

Miguel Metelo de Seixas

Miguel Metelo de Seixas, doutor em História, é investigador integrado do Instituto de Estudos Medievais/FCSH/Universidade Nova de Lisboa e professor auxiliar na Universidade Lusíada de Lisboa. Foi professor convidado em diversas universidades francesas, italianas e brasileiras. Conta com cerca de uma centena de publicações na área da heráldica e da história, com destaque para: Heráldica, representação do poder e memória da nação (2011). É presidente do Instituto Português de Heráldica e director da revista Armas e Troféus.

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    Quinas e Castelos - Miguel Metelo de Seixas

    Introdução

    As quinas com as quais, de um modo ou de outro, todos os portugueses se identificam são uma parte (talvez a mais mediática) de um conjunto de símbolos que integram a bandeira nacional. Falar dessa bandeira não se afigura tarefa fácil. À partida, parece ser um exercício estranhamente simplista e ao mesmo tempo quase obscuro. Porque um mero rectângulo de tecido com algumas cores e figuras inscritas pode realmente assustar, pelo papel que desempenha no imaginário colectivo e pela carga emocional nele concentrada, dificultando uma aproximação objectiva e descomprometida.

    No caso português, isso é tanto mais verdade quanto a actual bandeira foi, desde o início, entendida e usada como metáfora visual da nação. O poder político tratou de identificá-la de forma retrospectiva, associando-a a uma história de independência política longa de oito séculos, mas também de forma prospectiva, projectando-a como evidência visual de um futuro partilhado por aqueles que se reviam nessa história comum.

    A carga profundamente nacionalista associada à bandeira portuguesa não data, todavia, do período republicano: já existia em relação à bandeira monárquica azul e branca, criada no século XIX. Entre as duas, existe um ponto comum fornecido pela presença do escudo com as armas reais portuguesas, que a partir de certa época foram consideradas e ditas nacionais.

    Esse elo dá que pensar. Antes de mais, porque a bandeira portuguesa hoje em vigor é das poucas a incluir um emblema heráldico. E também porque o núcleo central desse emblema remonta ao século XII, coincidindo, portanto, com a própria independência do país e a formação da nacionalidade.

    Como se chegou até aqui? Como é que, desde os longínquos tempos medievais, se formaram os sinais visuais identificativos da comunidade política portuguesa, ainda hoje perpetuados? E, sobretudo, como foram esses sinais compreendidos, apropriados e difundidos pelos agentes do poder político ou pelos seus observadores, utentes, destinatários, glosadores?

    Longe de constituir um assunto técnico, árido na sua descrição dos elementos que compuseram sucessivamente os «símbolos nacionais», a questão dos sinais visuais identificativos de Portugal insere-se numa reflexão mais ampla sobre o papel desempenhado por tais emblemas na formação da nacionalidade e da própria consciência nacional.

    As páginas que se seguem procuram dar seguimento a tal propósito. Não cuidam de apresentar uma narrativa meramente cronológica e evolutiva dos «símbolos nacionais», mas antes propor uma reflexão sobre como os sinais que conhecemos e reconhecemos hoje como identificativos de Portugal foram sendo usados, ao longo dos séculos, enquanto instrumentos de construção da memória colectiva desta comunidade política, até chegarem, precisamente, a constituir a metáfora visual por excelência da existência nacional.

    Sinais do rei, sinais do reino

    Por uma coincidência histórica, a formação e independência do Reino de Portugal ocorreram em simultâneo com o despontar de um código emblemático no Ocidente medieval: a heráldica. Embora se baseasse amiúde em formas gráficas preexistentes, este código surgiu, em muitos outros sentidos, como uma inteira novidade.

    O código era formado por cores e figuras que indivíduos e instituições assumiam como forma de auto-representação. Tais figuras e cores primavam pela simplicidade, quando não pela escassez: cada emblema continha uma ou duas cores (quando muito, uma terceira aplicada apenas a determinados pormenores) e uma figura principal ou partição geométrica. As cores usadas limitavam-se, no seu conjunto, ao espectro cromático relevante na época, estando divididas em dois grupos para efeitos heráldicos: os metais (ouro e prata, ou seja, amarelo e branco) e os esmaltes (vermelho, azul, negro, verde e púrpura). Sete cores apenas compunham, assim, a paleta heráldica. As figuras que completavam tais cores eram igualmente singelas. Muitas eram de natureza geométrica, formadas por linhas rectas ou curvas. Outras, mais figurativas, retratavam, entre outros, animais, vegetais, objectos, corpos celestes. O traço comum a essas representações consistia na sua estilização extremada, de modo que cada figura fosse identificada de imediato e sem ambiguidade por qualquer observador.

    Tais cores e figuras eram usadas em diversos objectos e suportes materiais, aos quais elas se viam adaptadas em virtude de condicionantes variáveis como o espaço disponível, o respectivo formato ou a capacidade para incorporar cromatismo. Muitos desses objectos eram de natureza militar, pois os campos de batalha foram palco primordial para a exibição deste género de emblemas. Na verdade, desde o século X que o equipamento do cavaleiro tendia a tornar-se mais complexo e a revestir o corpo do combatente de forma progressivamente integral, tornando-o irreconhecível. Daí a necessidade de recobrir o guerreiro de um sinal identificativo, aplicável a diversos suportes e em escalas diferenciadas: um pedaço de pano hasteado numa lança, ou seja, o que designamos genericamente por bandeira (mas a terminologia medieval discriminava diversas categorias, como se verá adiante), uma veste colocada sobre a parte central da armadura (a cota de armas), uma figura esculpida sobre o elmo (o timbre), um panejamento lançado sobre o cavalo (a gualdrapa), além de todo o tipo de pormenores (como o punho da própria espada, arma por excelência do cavaleiro nobre). Nenhum desses suportes desempenhou para a heráldica, contudo, um papel comparável ao do escudo.

    Pela posição de destaque que ocupava, e bem assim pela simbologia que lhe era inerente, o escudo resumia as qualidades do cavaleiro cristão, cujo ardor combativo se caldeava na defesa da fé e no respeito de um código ético. Afigurava-se natural, portanto, que o escudo servisse de suporte preferencial para o emblema do guerreiro. Foi-o, primeiro, num sentido físico: cada cavaleiro, efectivamente, carregava consigo um escudo com o emblema que adoptara para sua identificação; e foi-o, depois, num sentido abstracto: uma vez que os cavaleiros tinham adquirido o hábito de representar os seus emblemas nos respectivos escudos, passaram a desenhar esses mesmos emblemas fora daquele contexto, inseridos em escudos desenhados ou esculpidos. Deste modo, passou a ser norma figurar as cores e figuras dos emblemas heráldicos inseridos em escudos em qualquer contexto. Daí derivaram as primeiras características terminológicas da heráldica: para designar os emblemas heráldicos, usou-se a expressão «armas», ou mais especificamente «escudo de armas», quando aplicada à representação heráldica figurada nesta peça de armamento.

    Tais ligações ao campo de batalha explicam também uma série de características gráficas da heráldica, tais como o limitado número de cores, a estilização extrema das figuras, a preferência por composições geométricas, a simplicidade geral do desenho. No seu conjunto, tais características prendem-se com a finalidade ou razão de ser desses sinais: permitir, de forma fácil e inequívoca, a identificação visual do guerreiro. Mas as mesmas ligações bélicas influenciaram também algumas outras características da heráldica, nomeadamente em dois aspectos: 1) a constituição de grupos de sinais com base na partilha de cores ou figuras, com o fito de evidenciar laços de parentesco, de vassalagem ou de ligação a uma causa comum ou fidelidade dinástica, política, militar, ou ainda a simples camaradagem de armas; 2) a gradual estabilização dos emblemas heráldicos no seu uso não apenas individual, mas também institucional e familiar, de modo a permitir o enquadramento do cavaleiro no grupo social em que se inseria (linhagem, ordem militar, concelho, etc.). Assim, estabeleceu-se o carácter fixo destes emblemas, associados a determinado indivíduo ao longo da sua vida e passíveis de transmissão, na sua forma íntegra ou com algumas modificações, aos seus descendentes, parentes, companheiros de armas ou vassalos.

    Assim, a heráldica surgiu ligada aos campos de batalha; mas depressa se tornou um fenómeno muito mais amplo. Do início do século XII ao princípio do século seguinte, a heráldica alastrou, com uma velocidade espantosa, por todas as regiões da Europa Ocidental; num movimento diferido, viria a alcançar os limites da cristandade a leste, norte e sul, e mesmo a influenciar, ainda que de forma atenuada, a emblemática de alguns territórios islamitas. Do ponto de vista social, a heráldica disseminou-se também por praticamente todos os segmentos da sociedade medieval. Dentro da nobreza, desde os grandes senhores aos simples cavaleiros, passando pelas senhoras e pelos eclesiásticos, todos passaram a fazer uso de armas; fora da nobreza, o mesmo código acabou por ser adoptado pela maior parte das instituições religiosas e civis, por alguns burgueses e mesmo camponeses; na Península Ibérica, tanto judeus como mouros ostentaram igualmente armas

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