Nacionalismo Brasileiro
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Desenvolvimento E Construção De Nações Nota: 0 de 5 estrelas0 notasEstado, Coalizões E Estratégias Social-democratas De Desenvolvimento Na Suécia E Na Noruega Nota: 0 de 5 estrelas0 notasRegime Militar Nota: 0 de 5 estrelas0 notas
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Nacionalismo Brasileiro - Felipe Maruf Quintas
NACIONALISMO
BRASILEIRO:
FUNDAMENTOS,
INTÉRPRETES E
HISTÓRIA
FELIPE MARUF QUINTAS
1
Sumário
PREFÁCIO .................................................................... 6
INTRODUÇÃO: A URGÊNCIA, A ATUALIDADE E
A ESPECIFICIDADE DO NACIONALISMO ...........19
PARTE I – FUNDAMENTOS .....................................38
ASPECTOS FORMADORES DA
NACIONALIDADE ................................................39
CIVILIZAÇÃO ....................................................39
POLÍTICA ............................................................61
ECONOMIA ........................................................82
INSERÇÃO INTERNACIONAL E DEFESA ...102
A PERSPECTIVA NACIONALISTA SOBRE .....115
GREAT RESET .................................................115
ECOLOGIA E INDIGENISMO ........................118
SEGURANÇA PÚBLICA .................................125
DIREITOS HUMANOS ....................................130
COMBATE À CORRUPÇÃO ...........................134
CRESCIMENTO POPULACIONAL ................136
PARTE II - INTÉRPRETES ......................................141
JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA.....142
IRINEU EVANGELISTA DE SOUSA .................162
ABOLICIONISTAS ...............................................172
ESCOLA DO RECIFE ...........................................179
2
POSITIVISTAS .....................................................192
EUCLIDES DA CUNHA.......................................202
EDUARDO PRADO ..............................................217
AFONSO CELSO ..................................................226
ALBERTO TORRES .............................................241
OLIVEIRA VIANNA ............................................254
FRANCISCO CAMPOS ........................................268
CASSIANO RICARDO .........................................279
MANOEL BOMFIM .............................................289
GILBERTO FREYRE ............................................303
MONTEIRO LOBATO..........................................314
CÂMARA CASCUDO ..........................................321
VILLA-LOBOS .....................................................326
STEFAN ZWEIG ...................................................333
GETÚLIO VARGAS .............................................347
CAIO PRADO JÚNIOR ........................................370
JOSUÉ DE CASTRO .............................................379
ALBERTO PASQUALINI ....................................387
ROBERTO SIMONSEN ........................................400
ASSESSORIA ECONÔMICA DO SEGUNDO
GOVERNO DE GETÚLIO VARGAS ..................410
ISEB - INSTITUTO SUPERIOR DE ESTUDOS
BRASILEIROS ......................................................420
3
ESG – ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA .........435
PE. FERNANDO BASTOS DE ÁVILA ...............451
MILTON SANTOS ................................................460
DARCY RIBEIRO .................................................468
CHICO XAVIER (PELO ESPÍRITO HUMBERTO
DE CAMPOS) ........................................................477
PARTE III – HISTÓRIA............................................482
O BRASIL DO PONTO DE VISTA DA
INDEPENDÊNCIA ................................................483
Apêndice 1: O Quinto Movimento – A questão nacional
como fio condutor da construção do Brasil ................543
Apêndice 2: Prefácio a 22 Intérpretes do Brasil (por
Diego Abreu) ..............................................................550
4
5
PREFÁCIO
A Escuridão e o Clarão
Diego Abreu1
Diferente do que muitos enganados e enganadores insinuam, a nossa superação do estatuto colonial não foi um mero acordo de luvas de pelica entre elites, mascarada por uma cerimônia pro forma às margens do Riacho do Ipiranga. Nossa epopeia de libertação foi uma grande façanha diplomática, política, militar e civilizacional brasileira, iniciada muito antes do Independência ou Morte e nunca concluída, pois a soberania e a independência não são troféus que se colocam numa estante, mas são divisas carregadas todo dia no campo de batalha.
Décadas antes de Pedro I vir ao mundo, brasileiros já
arrebatados
pelo
espírito
nacionalista
compunham poemas à bravura de índios guerreiros e à beleza de musas de pele cor de canela. Fidalgos descendentes das mais faustosas famílias europeias modificavam seus sobrenomes nobiliárquicos, adotando novos patronímicos, formados por termos e expressões cunhadas na língua em que os pios 1 Doutor em Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Professor Adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-mail:
diegocurciodeabreu@gmail.com
6
jesuítas ensinaram os tupis e tapuias a rezarem o primeiro Pater Noster. De igual modo, os anos que sucederam o nosso sete de setembro colocaram à prova a sabedoria, a bravura e a alma do povo brasileiro. Em muitos momentos, foi a sagacidade e o sentido de nacionalidade já presente em grande parte de nossa elite dirigente que segurou as rédeas do corcel de turbulências e ambições que amiúde perturbaram a unidade do nosso nascente Império.
Quando a temperança política faltou, foi a bravura dos brasileiros, liderada com maestria pela Espada dos Lima e Silva (pai e filho), que debelou as ameaças impostas contra nossa grande Nação. Há exatos 200 anos (escrevo estas linhas em março de 2023), às margens do Riacho Jenipapo no Piauí, um grupo de sertanejos praticamente desarmados vencia de maneira heroica as tropas portuguesas comandadas pelo general Fidié (veterano das Guerras Napoleônicas), dando um dos passos mais importantes para a Independência do norte do Brasil.
Tomando o Grito de nosso primeiro Imperador como efeméride símbolo de uma narrativa ainda à espera de um Camões, celebramos em 2022 o Bicentenário de nossa Independência política. Um momento de tamanha magnitude deveria inspirar no panorama político, intelectual e cultural brasileiro um misto de fervor e contemplação. De um lado, é justo e imperativo laurear a memória dos mártires e heróis de nossa libertação –
brasileiros que derramaram seu sangue e dedicaram 7
sua vida pela causa nacional. Do outro, o evento coloca em pauta a atualidade do debate em torno do sentido transcendental do sete de setembro, não apenas como uma data festiva, mas também como um programa político tão urgente quanto permanente.
Conquanto a grandeza da data devesse fermentar um ambiente de efervescência cultural e intelectual (aos moldes de 1922), não foi esse o cenário vislumbrado no Brasil em 2022 - tanto pela falta de talentos comparáveis aos nossos regionalistas e modernistas de antanho, quanto pela ausência total de espírito patriótico nas figuras de relevo em nosso ecossistema acadêmico hodierno. As pouquíssimas obras dedicadas a discutir o significado do Bicentenário da Independência se preocuparam exclusivamente em distorcer a história brasileira e enlamear a memória dos grandes homens e mulheres que a construíram, usando um cardápio heterogêneo de mentiras e empulhações para tanto. Nenhum debate foi proposto; apenas fel vira-lata foi derramado.
Contudo, mesmo o mais vil esforço de mistificação do significado histórico e político de 1822 não conseguiu ser tão danoso ao espírito nacional quanto a penumbra de esquecimento que se abateu na grande maioria dos circuitos intelectuais e culturais
de nosso país. Nenhuma mentira foi tão destrutiva quanto esse silêncio; nenhuma farsa foi tão deletéria quanto essa escuridão. Não deixa de ser tristemente sintomático que a discussão mais 8
acalorada travada na mídia nacional sobre os nossos 200 anos de Independência tenha tido como objeto os custos pecuniários para o traslado do coração de Pedro I ao Brasil.
Felizmente, em meio a esse cenário de profunda treva espiritual em que celebração do nosso Bicentenário foi mergulhada, preciosos esforços intelectuais, como este livro que ora prefacio, derramaram um pouco de luz em meio às sombras.
Na noite sem luar que se tornou o meio acadêmico e (in-)cultural brasileiro, obras como esta, tecida pelo jovem e prodigioso cientista político Felipe Quintas, reluzem como clarões de esperança.
Nacionalismo Brasileiro: Fundamentos, Intérpretes e História é um livro Brasileiro em sua alma, incorporando em seu espírito as maiores virtudes de nossa tradição intelectual. Temos, em primeiro lugar, uma obra de caráter barroco – no sentido filosófico e Ibérico do termo. Diferente das sistematizações frias e rígidas dos pensadores anglo-saxões, aqui nos deparamos com um quadro de ideias que sintetiza diferentes vetores, formando uma unidade rica e potente a partir de atributos e insumos
aparentemente
antagônicos.
Assim,
Quintas polimeriza em seu escrito erudição e atualidade, verve e lucidez, interpretação e proposição, passado e futuro, tendo como resultado a superação barroca desses contrastes. Como os oceanos de água doce da nossa Amazônia colossal, Nacionalismo Brasileiro é um grande rio de 9
saberes formado pelo desaguar de inúmeros afluentes de ideias, conceitos e propostas. Além disso, a obra em tela se mostra teluricamente ancorada na realidade histórica, política e social brasileira, se apropriando de maneira criativa e inteligente daquilo que as diferentes tradições de pensamento têm de melhor a oferecer, porém sem nunca abrir mão da sua brasilidade, tanto no aspecto literário, quanto no aspecto intelectual.
De uma forma didática e acessível, o escrito em lente condensa debates e reflexões acerca de uma miríade de conceitos, interrogações e problemas que perpassam a esfinge da nacionalidade brasileira, desde seus fundamentos civilizacionais até seus dilemas contemporâneos. Todo esse abrangente exercício intelectual é realizado de maneira inconfundível e saborosamente tropical.
Há momentos em que a pena do autor e dos grandes pensadores nacionais por ele visitados nos transporta para cenários arquetípicos da brasilidade.
É impossível passar os olhos pela teoria de Brasil de Câmara Cascudo e não se ver em uma varanda de Casa-Grande colonial no sertão do Seridó ou se deliciar com o bandeirantismo apaixonado de Cassiano Ricardo sem se imaginar em algum Peabiru em busca de diamantes em uma bandeira heroica.
Nacionalismo Brasileiro possui uma estrutura trinitária, com três partes que se complementam e retroalimentam. Em seu passeio pela história de 10
grandezas, pelos desafios do presente e pelo horizonte de possiblidades da civilização brasileira, Quintas compõe um quadro barroco da alma nacional, que nos permite olhar para o nosso país em uma perspectiva transcendental de eternidade.
Na primeira parte da obra, o autor expõe de maneira didática, porém densa, os pilares constitutivos da nacionalidade brasileira. Explicam-se as bases teóricas, deslindam-se as sutilezas conceituais e esclarecem-se confusões comuns.
Mais importante do que destacar traços formadores da brasilidade e da civilização construída pelos portugueses, índios, africanos e demais grupos assomados à brasilidade nos trópicos, Felipe nos transporta para um plano mais elevado de reflexão acerca do sentido da experiência de ser-no-mundo ( in-der-Welt-sein) como brasileiro. Os aspectos políticos, geopolíticos, econômicos e sociais destacados pelo pensador nos abrem a porta da imaginação para conceber nossa Nação em sua grandeza civilizacional. O Brasil que aqui nos é apresentado é muito mais que uma unidade política ou um construto histórico: é uma faceta única e original da presença humana; é uma forma específica do Homem estar no mundo.
Transitando com elegância por níveis diferentes de escopo e abstração, o autor emprega o arcabouço conceitual apresentado nos pródromos do livro na análise de desafios contemporâneos do nosso país, escrutinando-os não apenas à luz de questões 11
pragmáticas de momento, mas também a partir de uma altura civilizacional. De tal modo, Quintas não apenas discute problemas e propõe soluções, mas reflete sobre uma forma inerentemente brasileira de conceber e tratar agendas de relevo no cenário político e geopolítico hodierno. Indigenismo, ambientalismo, great reset, corrupção são alguns dos temas tocados pela pena do autor, que os discute
de
maneira
lúcida
e
propositiva,
apresentando um corolário de posições e ações a serem tomadas pelos nacionalistas no trato das questões levantadas. Temos, portanto, ao mesmo tempo, um estudo minucioso de esfinges de interesse nacional e um receituário generoso de possíveis soluções e caminhos para o deslinde dos enodamentos expostos.
A segunda parte da obra, que complementa e enriquece a primeira, é composta por uma sequência de artigos e ensaios organizados com o fito de discutir importantes interpretações de Brasil, cunhadas por grandes pensadores ou escolas de pensamento
nacional.
O
mosaico
de
pensadores/grupos contemplados pelo texto de Quintas é amplo e variado. Desde estadistas como o Patriarca da Independência José Bonifácio (que inaugura
a
sequência
de
ensaios)
até
empreendedores como o Barão de Mauá; de marxistas como Caio Prado Júnior a conservadores como Oliveira Vianna; de uma escola de pensamento congregada em torno de doutrinas, como a Escola Superior de Guerra, até movimentos 12
unidos em favor de uma causa política, como os abolicionistas. Ainda que a temática levantada pelo autor não tenha sido esgotada, a seleção representativa e eclética de teorias de Brasil torna a obra um guia valioso para leitores interessados em desbravar
as
macegas
sociais,
históricas,
econômicas, políticas e espirituais da nossa Nação.
Os ensaios organizados em sequência apresentam uma estrutura similar: faz-se um panorama biográfico
dos
autores/grupos
devassados,
apresenta-se um quadro histórico do contexto de produção intelectual dos pensadores, discutem-se os pontos principais de suas respectivas teorias de Brasil e, em alguns casos, comentam-se alguns aspectos da teoria que podem merecer algum tipo de reparo/problematização. Apesar da qualidade notável de todos os escritos, alguns capítulos merecem um destaque especial.
Um ensaio que se sobressai por sua originalidade e pela sua riqueza teórica é o texto dedicado ao grande Euclides da Cunha. Nele, Quintas debruça seus olhos sobre a Magnum Opus do nosso incomensurável sertanista, sua crônica jornalístico-literária da Campanha de Canudos. A Epopeia do jornalista-engenheiro pelos sertões baianos é resgatada como uma ferramenta intelectual de compreensão de problemas que, prementes nos arrebóis do século XIX, ainda se mostram presentes em nossos dias. Assim como outrora asseverado por Euclides, o homem do litoral ainda vive de 13
costas para o ventre do sertão brasileiro, afetando uma civilização artificial importada do Atlântico Norte e renegando a essencialidade telúrica do Brasil Profundo. O sertanejo segue sendo um forte, sovado e esmagado não apenas pela dureza da terra áspera
do
semiárido,
mas
também
pelo
subdesenvolvimento, que afasta de suas plagas os meios técnicos necessários para domar a acre geografia.
Contudo, a imersão do autor no pensamento de Euclides da Cunha transcende a genialidade de Os Sertões, atingindo outros veios bem menos conhecidos e explorados da pena euclidiana.
Comentando o ensaio O Primado do Pacífico, Quintas articula o projeto militar de criação de uma rota de travessia do continente até o Oceano Pacífico com a necessidade contemporânea de projetar o Brasil como grande motor da integração da América do Sul em sua hinterlândia, ainda hoje pouco antropizada e desenvolvida. Outro texto mencionado no ensaio foi o relato de viagem À
Margem da História, em que o grande sertanista contrasta a exuberância da paisagem amazônica com a miséria à qual seus poucos habitantes são expostos. Felipe alinhava as reflexões euclidianas acerca da submissão da região a um estado de vazio histórico
à
ainda
atual
desantropização
e
insuficiente presença brasileira na Amazônia, problemas já testemunhados por Euclides da Cunha há mais de um século atrás.
14
Outro ensaio que se destaca na obra tem as ideias dos pensadores e burocratas que compunham a Assessoria Econômica do Segundo Governo de Getúlio Vargas como cerne. Além da capacidade notável de síntese demonstrada pelo autor e da riqueza de dados e informações exibida, o texto merece uma atenção especial por sua argúcia em desbravar um pedaço da história político-intelectual brasileira injustamente olvidado. A Assessoria econômica montada por Vargas em seu segundo Governo contava com uma série de quadros importantes do funcionalismo público nacional, congregados pela liderança do baiano Rômulo Almeida. Contando com nomes de grande
envergadura como Jesus Soares Pereira, Ignácio Rangel e Cleanto de Paiva Leite, o grupo de assessoramento econômico de Vargas deixou um importante legado de instituições para o Brasil.
Capes, CNPq, Petrobrás, Eletrobrás foram apenas alguns dos instrumentos de construção nacional confeccionados, idealizados ou fundamentados pela equipe do Presidente.
Além de um legado institucional, os membros da Assessoria também teorizaram sobre a política econômica brasileira, propondo um modelo de desenvolvimento calcado na primazia do capital nacional e na emancipação enérgica do país. As ideias defendidas pelos assessores de Vargas formam um cabedal complexo de visões e entendimentos acerca da realidade nacional. Porém, mais do que ideólogos, os membros da Assessoria 15
de Vargas puseram seu pensamento a teste, cunhando instituições duradouras, cuja importância presente na nossa sociedade corrobora o caráter desbravador e industrioso da ação e do pensamento dos membros desse grupo de idealizadores e construtores da Nação brasileira. É uma pena que esse legado teórico-institucional seja ignorado de forma tão ubíqua pela quase totalidade da intelectualidade brasileira contemporânea, sendo o ensaio
aqui
iluminado
um
esforço
de
reconhecimento
e
reparação
de
semelhante
injustiça.
A terceira parte da obra consiste em um texto de caráter ensaístico-interpretativo em que alguns dos momentos mais importantes da construção da nacionalidade
independente
do
Brasil
são
retomados
e
esmiuçados.
Anunciando
seu
desiderato de pôr em tinta uma leitura histórica independentista da trajetória da nossa Nação, o autor se distingue de outras teorizações acerca da caminhada brasileira rumo à autonomia política, econômica e social, que vislumbraram esse processo à luz dos grilhões de dependência que encarceravam o país a interesses alienígenas. Em vez de olhar para os laços de dependência que submetem o Brasil e o tornam um país subjugado por outrem, Felipe escolhe olhar para o que torna o Brasil grande e altivo. Como assinalado por Quintas, o Brasil não alcançou sua maioridade nacional através de acordos de salão entre elites, mas a conquistou com o derramar de muito sangue, 16
através de décadas de luta contra o estatuto colonial, o qual, conquanto importante no berço da formação nacional brasileira, em meados do século XVIII, já havia se tornado uma força opressora e geradora de atraso em sua colônia mais promissora.
Expansão marítima lusitana, catequese jesuítica, afirmação nacional contra os batavos, dilatação territorial pelas botas dos bandeirantes, revoltas do século XVIII, ascensão brasileira à posição de Nação livre, Consolidação do Império, Abolição da escravidão, República Velha, revolução de 1930, desenvolvimentismo do século XX, queda dos militares e emergência da Nova República: todos esses eventos históricos entrelaçados são colocados em perspectiva pelo autor, nos brindando com um quadro de inteligibilidade sobre o processo de formação do nosso país ao longo de seus mais de cinco séculos de existência. Em sua leitura historiográfica, o autor conta os 523 anos de história do Brasil como uma Epopeia, sendo a nossa Nação a protagonista que assume as rédeas de seu destino. Tal visão em muito se diferencia das Tragédias de Brasil que permeiam as páginas de grande parte de nossa literatura sobre o tema –
que
pintam
as
franjas
constitutivas
da
nacionalidade como meros expectadores oprimidos por forças externas e pelos desígnios de Clio.
Em Nacionalismo Brasileiro, Felipe Quintas esquadrinha um convidativo roteiro de visitação do nosso país, retomando uma tradição (infelizmente 17
hoje esquecida) do nosso pensamento social de olhar para o Brasil com olhos de interesse e encantamento. Em um ano em que nossas classes política, intelectual e cultural se mostraram aquém do seu dever histórico de elevar a consciência nacional sobre o significado do Bicentenário da Independência, a obra aqui prefaciada emerge como um canal de diálogo com um Brasil de outrora, que ainda se olhava no espelho com respeito e admiração. Certamente, o livro em tela trata-se de uma estrela luminosa no meio de uma noite de trevas. Sozinho, tal obra não conseguirá vencer
a
penumbra
de
esquecimento
e
autoestranhamento que assombra nossa Nação. Mas que esse clarão sirva para iluminar outros brasileiros que também desejam colocar seus olhos e corações acima das sombras da escuridão.
18
INTRODUÇÃO: A URGÊNCIA, A
ATUALIDADE E A ESPECIFICIDADE
DO NACIONALISMO
O Brasil está em perigo. A divisão surda e cega entre os compatriotas, acionada por toda uma máquina de guerra psicológica dirigida de fora contra o Brasil, ameaça jogar irmãos contra irmãos, vizinhos contra vizinhos, colegas contra colegas, para que percamos o sentido de unidade e aceitemos a partilha dos despojos nacionais por interesses alheios ao que somos enquanto povo e Nação.
Dividir para conquistar: essa é a prática dos inimigos do Brasil. Como nunca antes em toda a nossa História, as forças imperialistas estrangeiras reunidas na OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), lideradas pelos Estados Unidos e aliadas a traidores internos conscientes ou inconscientes, tiveram tanta facilidade para se infiltrar em nossa Pátria, desvirtuar nosso povo e capturar nossos recursos. A inestimável riqueza brasileira, ignorada pela maioria dos nossos compatriotas, não a é pelos nossos inimigos de fora, que, tendo esgotado suas próprias matérias-primas ao longo dos últimos séculos, dedicam-se, agora, à partilha do Brasil, pretextando os mais diversos sofismas e falácias: a necessidade de 19
abertura econômica do Brasil ao exterior, a defesa do Ocidente judaico-cristão, a preservação da Amazônia, a agenda de Direitos Humanos. Todas essas pautas errôneas e perniciosas, transformadas em bandeiras pelas mais diversas forças políticas internas, são a senha para a ocupação territorial e cultural do Brasil pelos poderes financeiros e militares norte-atlânticos.
Trata-se de uma guerra de vida e morte pelo Brasil, que, longe de estar vencida pelo outro lado, ainda está em disputa. Somente o nacionalismo poderá salvar e redimir o Brasil, blindando-o da ação corrosiva incentivada por nossos inimigos. O
nacionalismo, enquanto defesa e valorização de tudo que for nacional, de tudo que for brasileiro, representa o eixo de força e de união capaz de tornar os brasileiros conscientes do que somos e do que temos, assim como do que é preciso fazermos para nos afirmarmos positivamente tanto para dentro quanto para fora. O Brasil não está sozinho, pois, na atual quadra histórica, o princípio da nacionalidade ganha mais força em todo o mundo, sobretudo no chamado Sul Global, como reação à intromissão deletéria dos banqueiros e generais da globalização na realidade orgânica dos mais diversos povos, inclusive dos países em que se radicam, mas, de forma ainda mais pungente, daqueles cujo desenvolvimento e fortalecimento nas últimas décadas desafiaram a sua hegemonia global, como os BRICS, bloco do qual o Brasil faz parte por inúmeras afinidades geopolíticas.
20
O nacionalismo permanece, portanto, na ordem do dia, contrariamente às expectativas dos que há décadas decretam a sua obsolescência e mesmo a sua morte. A época da globalização não significou o seu fim, pelo contrário, reforçou a sua importância, pois, em um mundo cada vez mais interconectado
por
cadeias
informacionais,
econômicas e tecnológicas, a afirmação da soberania nacional se tornou imprescindível para assegurar e projetar os interesses vitais dos povos, impedindo-os de se dissolverem na aldeia global
e se tornarem presas das plutocracias transnacionais que buscam, com a globalização, mundializar o alcance do seu poder. As nacionalidades, politicamente estruturadas em Estados-nação, constituem a barreira orgânica das sociedades contra a predação das oligarquias globais, ao mesmo tempo em que permitem aos povos se posicionar de forma ativa e altiva da História Universal. Somente pelo nacionalismo será o Brasil capaz de conhecer e proteger a si próprio, para que a nossa soberania signifique a garantia das possibilidades de um país melhor para todos nós.
Diferentemente das ideologias políticas, como o liberalismo, o marxismo e o fascismo, bem como das suas formas institucionais específicas, como o monarquismo e o republicanismo, o nacionalismo, enquanto
ideário
lastreado
no
sentimento
comunitário, não defende um setor ou um aspecto parcial da comunidade nacional, mas toda ela conjuntamente. O nacionalismo não é uma ideologia, mas, para ser efetivo, não pode se 21
reduzir a um sentimento vago e impreciso, mas deve se organizar como doutrina, um corpo teórico que permita discernir suas causas e fundamentos na vida cívica da Nação, para estabelecer corretamente os meios e as finalidades práticas da nacionalidade.
Desse modo, superando o reles empirismo, que é sempre a antessala do oportunismo, pode-se realmente compreender e saber defender a comunidade histórica de sentimentos e de destino que é a Nação, a qual confere a todo o povo sua feição
coletiva,
que
o
vincula
pelo
compartilhamento de todo um patrimônio comum: a língua, a memória, a cultura, o engenho, a criatividade, os símbolos, os ideais, as religiões, as tradições, os costumes, o solo, os recursos naturais.
Todos esses aspectos despertam no nacionalista uma verdadeira fascinação patriótica, o orgulho de saber que todas as grandezas e glórias do seu país lhe pertencem e que ele faz parte de tudo isso.
Quando pensamos no Brasil, é impossível não radiar de júbilo com tudo que o (nos) compõe e caracteriza: a língua pátria em suas inesgotáveis possibilidades e em suas variedades fonética e vocabular, a bravura dos homens e mulheres que ergueram e consolidaram o Brasil como uma das maiores nações do mundo, o sincretismo, a energia e a vitalidade de um povo que, constituindo uma civilização em si mesmo, é a síntese de várias civilizações, de maneira a fazer coexistir, na mesma unidade, as heranças ibérica, ameríndia, africana, itálica, árabe, germânica, nipônica e eslava, sem que nenhuma delas seja algo além do 22
que brasileiras, sumamente brasileiras, sem qualquer hifenização. Impossível não fremir com o deslumbre de tanta beleza e de tanta riqueza, do banquete estético e espiritual proporcionado por um país ao mesmo tempo continental e marítimo, planiço e altiplano, úmido e semiárido, de temperatura amena e solos férteis, Nação onde abundam, mais do que em nenhuma outra parte do globo, as águas e o sol, que se acasalam para dar origem ao milagre da vida. Brasil, país da vida e, por conseguinte, país do futuro. Como não gostar e não querer as coisas do Brasil, como não se sentir privilegiado por se saber herdeiro de tantos encantos e incumbido pelo destino de participar da conservação e preservação de todo esse tesouro comum que nos define e definirá nossos descendentes? Como não ver em tudo isso a marca da eternidade e da permanência do Brasil, superior às contradições e limitações circunstanciais que, longe de inviabilizarem a Nação, desafiam os compatriotas a buscarem soluções a partir do próprio material nacional que lhes pertence?
O nacionalismo, portanto, defende aquilo que é comum a todos, que une todos os compatriotas a despeito das suas diferenças. O nacionalismo não tem dono porque diz respeito ao Brasil como ele é, em toda a sua heterogeneidade e complexidade. O
nacionalismo se opõe a toda tentativa de jogar brasileiros contra brasileiros, de fraturar o País em clivagens étnicas, regionais e sociais. Brasileiros de todas as cores, regiões e classes são, acima de tudo, brasileiros, e o seu valor reside no seu caráter, 23
personalidade e contribuição para o País, não na sua origem, renda ou biologia. O nacionalismo dirige-se a todos os compatriotas que são e procuram ser úteis à sociedade, pois, enxerga em todos eles o cumprimento de funções solidárias e complementares na tarefa de realização do Brasil.
Não há nada mais antipatriótico e pernicioso do que atiçar ressentimentos coletivos e colocar em risco a unidade nacional. Um caboclo piauiense é tão brasileiro quanto um descendente de alemão de Santa Catarina, um fazendeiro goiano é tão brasileiro quanto um ambulante carioca, um operário mineiro é tão brasileiro quanto um empresário baiano, um advogado pernambucano é tão brasileiro quanto um agricultor acreano, um lojista paulista é tão brasileiro quanto um professor gaúcho, um assalariado fluminense é tão brasileiro quanto um profissional liberal brasiliense, um funcionário público capixaba é tão brasileiro quanto um garimpeiro de Roraima. Todos são brasileiros e devem ter seus legítimos interesses contemplados na organização política e econômica do País.
Seria absurdo imaginar que o nacionalismo possa se reduzir à direita ou à esquerda do espectro político, ou a uma determinada concepção ideológica, pois o maior sempre abarca o menor, mas o menor nunca pode conter o maior. As ideologias dividem os compatriotas em torno de questões menores e subordinadas, o nacionalismo os une em prol daquilo que todos têm e são em comum, das questões maiores e subordinantes.
24
Direita
e
esquerda,
em
particular,
são
posicionamentos particularmente nocivos, pois, nascidos da Revolução Francesa, de um contexto particular bastante caótico, pretendem
uma
universalidade que não podem ter, conduzem seus adeptos, inevitavelmente, ao facciosismo e ao niilismo característicos daquele momento histórico.
O nacionalismo não é de direita nem de esquerda, pois o Brasil não é linear e binário como essa dicotomia supõe. O nacionalismo se opõe, exatamente,
ao
cosmopolitismo,
independentemente
da
coloração
por
esse
assumida.
Contudo, o nacionalismo não ser propriedade de nenhum grupo específico não significa que qualquer
coisa
possa
ser
nacionalista.
O
nacionalismo é generalista, mas não arbitrário, pois possui uma especificidade doutrinária, isto é, concepções próprias e integradas de ser humano, de política, de economia e de tudo que diz respeito à organização nacional.
A defesa da soberania nacional, em particular, é questão de princípio e linha de corte, pois unifica e fortalece tudo que é brasileiro e separa o que é nacionalista do que não é. Não se pode chamar de nacionalista quem defende a desnacionalização dos diversos aspectos da realidade brasileira, sejam eles econômicos, sociais ou culturais, e a subalternidade do Brasil frente a potências imperialistas. Os diferentes interesses podem e devem encontrar guarida no nacionalismo, mas esses interesses 25
devem ser legítimos, e o critério de legitimidade é o compromisso com a unidade nacional e a autodeterminação do País em todas as suas esferas vitais. Não se pode contemporizar com quem defenda a entrega e a rendição do País a comandos externos e incite ódios, lutas fratricidas e a desmoralização dos símbolos e da história nacionais, seja em nome de utopias político-econômicas ou reparações históricas. Os vendilhões e os niilistas são inimigos da Pátria. A soberania é inegociável, porque somente em um País soberano, que tenha dentro de si os centros últimos e unificados de decisão, eles poderão se realizar a partir do vasto patrimônio comum. Sem soberania, nada mais é possível, pois quem não é dono da própria casa não tem espaço para iniciativas autônomas.
Dessa forma, o nacionalismo se diferencia das ideologias, possuindo um corpo doutrinário próprio.
Para o liberalismo, o indivíduo é anterior e prioritário à sociedade, e a política e a economia devem ser organizadas tendo em vista o máximo possível
de
liberdade
individual,
independentemente das consequências coletivas, vistas
como
resultantes de livres
acordos
individuais aos quais a política não deve se intrometer. Para o nacionalismo, de forma bem distinta, o indivíduo só existe enquanto ser social e membro comunitário, que encontra na Nação, anterior e maior do que ele, a sua razão de ser e de 26
existir. Para o liberalismo, o indivíduo se define pelo interesse pecuniário e a sociedade se organiza na forma de mercado, enquanto, para o nacionalismo, o ser humano existe a partir dos contextos e relações sociais em que vive, os quais não podem ser reduzidos à busca do lucro, sob pena de distorcer, fraturar e dissolver a Nação e os próprios seres humanos. Política e economia devem ser moldadas em bases nacionais e não individualistas e mercadológicas. Elas devem ter em vista, sobretudo, o Bem Comum e não a soma utilitária dos bens particulares. O nacionalismo não nega o indivíduo muito menos se opõe aos anseios individuais de livre expressão existencial, mas rejeita
o
individualismo
por
considerá-lo
inadequado e nocivo à coletividade e, inclusive, aos indivíduos, cujo aspecto social não pode ser negligenciado. A verdadeira liberdade é a social, que só pode existir dentro da Nação, a partir dos equilíbrios
e
contrapesos
comunitários
e
institucionais ao exercício do poder, não apenas estatal, mas, sobretudo, corporativo-econômico.
Para o marxismo, o fundamento ontológico e metafísico das sociedades é a sua forma de produção, e a sociedade é organizada em classes socioeconômicas contraditórias umas às outras, derivadas da posição de cada qual em relação aos meios de produção. A História é o resultado das lutas inevitáveis entre elas pelo controle das forças produtivas, e a ditadura do proletariado
, isto é, o regime político dos trabalhadores e para os trabalhadores, o ápice evolutivo da humanidade, 27
pois permite a verdadeira socialização da técnica e o maior desenvolvimento possível dela. Para o nacionalismo, muito diferentemente, a sociedade se define de modo não-materialista pela sua alma nacional, pela civilização que é ou a que pertence.
A sociedade é um organismo vivo, um compósito de múltiplas funções solidárias entre si, e a História realiza em maior ou menor grau as potencialidades civilizatórias de cada Nação de acordo com a capacidade das nacionalidades de conciliar e harmonizar as diferenças sociais, impedindo a predação de uma parte pela outra. O nacionalismo não é insensível ao apelo de justiça social que emana da denúncia marxista da exploração de classe, mas pretende realizá-la pelas vias da construção política de um Brasil brasileiro, onde todos tenham seu espaço, sem substituir uma dominação de classe por outra, sem tomar de ninguém aquilo que lhe pertence.
Da mesma forma, o nacionalismo rejeita o nazismo e o fascismo. Em primeiro lugar, o nacionalismo não
compartilha
do
totalitarismo
político
nazifascista, pois entende a política como subordinada à civilização brasileira, que contém todos os aspectos essenciais da nacionalidade, não necessariamente políticos. A política nacionalista é sempre um instrumento de realização da alma nacional, jamais um fim em si mesmo. Depois, as diferenças do nacionalismo para o nazismo são óbvias,
pois
esse
constitui
uma
doutrina
transnacional de supremacia racial da suposta raça ariana, enquanto o nacionalismo é uma doutrina 28
nacional que, no Brasil, defende o povo brasileiro, essencialmente mestiço e de matriz luso-ibérica, ameríndia e africana, que permitiu absorver e assimilar várias outras etnias, segundo um espírito sincrético absolutamente oposto ao nazismo. Do fascismo, o nacionalismo rejeita a concepção heroica e violenta de liderança, pois entende que os verdadeiros líderes encarnam, em seus respectivos momentos históricos, os valores e ideais superiores da nacionalidade, os princípios civilizatórios da Nação, sendo eles servidores exemplares da Nação e não seus mestres e pastores. Para o fascismo, o Líder está acima da Nação e pode exigir o sacrifício dela; para o nacionalismo, a Nação está acima do Líder, e esse somente o é na medida em que corresponde às necessidades reais da nacionalidade.
Para o nacionalismo, são secundárias as formas institucionais de exercício do poder, como democracia e ditadura, pois, além de não terem nenhum sentido independentemente dos objetivos e finalidades concretos, refletem, no mais das vezes, arranjos e compromissos provisórios, definidos pelo pragmatismo político, dadas as reais possibilidades circunstanciais. O mais importante é o grau de