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O Caçador Da Luz
O Caçador Da Luz
O Caçador Da Luz
E-book1.101 páginas14 horas

O Caçador Da Luz

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Sobre este e-book

O CAÇADOR DA LUZ Depois de muitos sacrifícios, inclusive da vida de muitos amigos, Hovor Vic e os Guerreiros da Luz conseguiram trazer novamente a harmonia para o Planeta Terra. Todavia, estes mesmos Guerreiros do qual fazia parte, precisavam subir um novo degrau de evolução interna. Hovor Vic não o quis e por isso optou pelo exílio espacial. Muito vagou pelo espaço sideral e então o ex-Guerreiro da Luz encontrou um lugar com as características que lhe atraíam: Akaldan, lar dos Estigmóides e dos curiosos Bills, dentre outros. Ali, Hovor é contratado para fazer o que sempre realizou de melhor em sua vida: Caçar Demônios! Nessa missão atípica, irá travar novas amizades fantásticas e complexas; colocará à prova seus ensinamentos mais secretos em prol de seus novos e fieis companheiros; hipnotizará Imperadores; embriagar-se-á com etill; fugirá dos Cominns; quebrará muitas cadeiras em lutas e o fio de sua espada especial decepará muitas cabeças malignas! Assim será a jornada do terráqueo mais encrenqueiro e diferente que o Planeta Akaldan já conheceu; entretanto, as amizades e os conflitos que gerará o empurrarão para uma das maiores batalhas de sua vida, afinal, caçar demônios não é tarefa para muitos e Hovor Vic sabe muito bem disso, pois é isso que ele faz com satisfação. O caçador de demônios pode ser considerado um Enviado por muitos, mas quando suas convicções parecem começar a se desestruturar, ele precisa deixar seus conflitos internos para enfrentar o maior de todos os Demônios: Dôminus, o Dominador, e sua missão pode ser a última nesta sua jornada vital. Um Planeta dividido; raças submissas; povos valentes e altaneiros; habitantes singelos e humildes; florestas e povos sagrados; mistérios e magia no ar; golpes, traições, humor, romance e muita caçada nesta história mística de aventura, honra e valor nos confins da Galáxia: O Caçador da Luz!
IdiomaPortuguês
Data de lançamento4 de nov. de 2020
O Caçador Da Luz

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    Pré-visualização do livro

    O Caçador Da Luz - Agustavo Caetano Dos Reis

    O

    CAÇADOR DA

    LUZ

    2

    MAPA GEOGRÁFICO DE AKALDAN

    3

    ROL DOS PRINCIPAIS PERSONAGENS

    Império de Tejas = Imperadores Djin-Moor e Ágni. SUL.

    - ZEESAR-MOOR - pai de Djin-Moor e de Carl-Moor.

    - GHAI-THOR – Major.

    - JHAN-HÉU - Capitão – Veterano amigo de Zeesar-Moor.

    - MANTIS - Místico-mor de Tejas.

    - KUNST – Conselheiro de Tejas.

    Império de Apas = Imperatriz Varuna. OESTE.

    - SANDAL-PHON - seu marido.

    - DHUG-PÁ – General-de-Guerra.

    - TEE-RAN – Sargento veterano.

    - TARO-TEE - Místico-mor de Apas.

    - SAMAN – Conselheiro de Apas.

    Império de Vayú = Imperador Paralda-III. LESTE.

    - GREGHOR – Marechal-de-Guerra.

    - MYLLAN – Capitão.

    - OMINON – Místico-mor de Vayú.

    - AYLEN – Conselheiro de Vayú.

    Império de Prithvi = Imperadores Gob e Kitíchi. NORTE.

    - ACTINO – Conselheiro de Prithvi.

    ALDEIA BILL – Situada nas imediações do Império de Prithvi.

    Principais personagens:

    PÍTON, o Xamã = Gnosbill

    DHARBILL = casado, 01 filho.

    LÍGEOBILL = Solteiro tem pais e 01 irmã, BILLDHARA; detentor da Sacola Xamânica.

    LIRBILL = Líder da aldeia dos bills.

    MARCIBILL = Mestre construtor dos bills.

    ESTUDBILL = Discípulo de Píton.

    GUERREIROS GNORS – Raça que serve aos exércitos dos Impérios.

    Principais personagens:

    GALADAR = Chefe dos Guerreiros junto ao Império Prithvi.

    GRANAR = Chefe de tropa, encarregado da missão de localizar Hovor.

    GIULAN= membro da tropa de Granar.

    GRILMOL = membro da tropa de Granar.

    GNÁS = membro da tropa de Granar.

    QUADRÚMANOS – Raça comerciante e técnica dotada de quatro braços.

    Principal personagem:

    QWARNACK – Dono de taberna.

    4

    O CAÇADOR DA LUZ

    Venho de um planetinha distante daqui. Um lugar que hoje é até habitável, mas houve um tempo em que isso não era possível e pessoas com minhas habilidades eram necessárias nos quatro cantos daquele mundo. Nosso trabalho era muito intenso e perigoso, etretanto, divertia-me muito com o que fazia. Mas, foi dito que quando nossa missão chegasse ao fim, todos nós teríamos de evoluir e abandonar nossa personalidade que somente tinha serventia para aquele tipo de atividade. Um dia finalmente conseguimos concluir nossa meta. Chegado o momento, no Círculo dos Nove Magos Brancos, não quis abandonar minha maneira de ser. Infelizmente, como não poderia conviver do modo como era em um lugar onde meus meios de vida já não mais se harmonizavam com as energias sublimes conseguidas com muito afinco, tive de optar: ou abandonava minha forte personalidade para galgar os degraus da evolução pessoal, ou seria condenado à involução. Para surpresa de todos, optei por uma terceira saída a qual não figurava na relação dos mentores daquela classe de seres: escolhi o exílio.

    Daí em diante, abandonei meu próprio lar. Rumei para o espaço infinito na certeza de que acharia um novo mundo onde minhas habilidades seriam necessárias.

    Meu nome é Hovor Vic. Minha atividade? Bem... sou caçador de demônios, e sem a menor modéstia, eu adoro o que faço!

    Hoje estou neste novo Planeta muito parecido com o meu em diversos aspectos; em alguns, muito mais avançado, em outros, ainda em estágio de crescimento. As pessoas aqui não são nada parecidas com as de meu mundo. A diferença é que se trata de um Planeta em franca expansão comercial em seu sistema, portanto, tolera-se as diversas raças que perambulam por aqui e ali, muito embora o brio dos seres autóctones ditos superiores se arrepie com esse tipo de abertura. Aqui se vivem numa mistura de era medieval terrestre com um espantoso e incrível desenvolvimento tecnológico. Tudo convivendo numa perfeita harmonia e simbiose. Cada um com sua crença, sua profissão de fé. Existe a independência da etnia, mas uma linguagem universal é utilizada pelos habitantes. Com minhas habilidades, facilmente me adaptei a seus ritos, línguas, formas e costumes. Infelizmente, a lei do mais forte ainda impera. O medo e o terror ainda são infundidos por aqueles que dominam a maior constituição planetária e os menos favorecidos pela sorte, saúde, ou inteligência, submetem-se ao pânico e à mediocridade, ou à simplicidade opcional de uma vida singela. Muitos lutam por sua independência, e aqueles que possuem força suficiente para se impor vencem, caso contrário, são aniquilados.

    Não bastasse tudo isso, surgiu nos últimos tempos um pavor que começa a se desfraldar neste mundo. Um pavor vindo do sobrenatural, Algo já distante da compreensão cética da maioria reinante; um pavor que vem na forma de demônios. É aí que surge minha especialidade. Aqui posso novamente dar plena vazão à minha capacidade destruidora, sem qualquer remorso. Sou um demolidor e me regozijo disto.

    Exatamente por essa postura ainda não tive condições de evoluir. E, no momento, nem o quero! O prazer, o qual sinto em destruir tais entidades, me enche de satisfação.

    Preenche um vazio que não me abandona... O desafio de encontrar uma nova criatura das trevas e poder aniquilá-la é por demais grande e por enquanto pleno.

    Chegará um dia em que terei que batalhar contra o maior de todos os demônios; um demônio que, por enquanto, sei ser muito mais forte que eu. Não o temo, pois nos últimos anos ele tem sido meu aliado. Onde quer que eu vá, ele sempre está lá. A condição para minha evolução em meu Planeta era exatamente esta: destruir essa última 5

    força devastadora. Não o quis. Por agora. Estou bem assim. Ainda existem lugares que precisam de mim neste estágio. E assim o é, por enquanto.

    Adquiri com o passar do tempo, uma fama especial nesta localidade. Sou considerado um mercenário da luz. Interessante essa posição. Vendo meus préstimos para combater em favor de quem pagar, todavia, o único preceito que exijo é que seja um combate contra as forças malignas. Sejam elas quais forem. Nunca encontrei adversário à minha altura. Alguns deram extremo trabalho, mas jamais fui derrotado em minha função.

    Assim sou eu. Satisfeito com meu trabalho, minha meta. Um homem duro, frio e rústico, que se satisfaz rompendo regras e normas de vez em quando. Meus sentimentos nunca são expostos. A não ser os sarcásticos. Vivo só e minhas necessidades são ínfimas.

    Em verdade, alimento-me apenas por diversão. Meu corpo foi moldado a adquirir dos fótons uma capacidade auto-regeneradora e auto-sustentadora que consegui através de um processo ritualístico elaborado pelos grandes iniciados da Ordem da Luz, ritual esse feito com o Gênio Estelar do Sol e o prana do Planeta; essa passagem quase custou minha vida.

    Adquiri, após isso, a perfeição física para um humano. Reflexos e força extraordinários e o curso de meu envelhecimento foi reduzido. Uso de certas armas apenas por uma questão de opinião, pois certos demônios são inatingíveis por espadas, tiros, ou descargas de energia; em última instância, tenho de recorrer à parte mística. Fui mestrado nessa área por uma questão óbvia.

    Portanto, sou pleno e seguro de mim mesmo. Entro e convivo onde bem entender e onde bem quiser. Nada foge a meus instintos e reflexos. Sou consciente e intuitivo, diplomático e plebeu. Minha índole se aproxima mais do povo simples e é onde me alojo atualmente. Sempre pronto a arrebentar as fuças de algum metido a engraçadinho ou valentão, apenas por diversão. E isto é o que não falta por aqui, e é assim que vou vivendo minha vida, sempre a espera de um novo confronto, do confronto do qual não posso fugir, esteja onde estiver no universo!

    6

    EIXO PLANETÁRIO DE AKALDAN

    7

    Índice dos Capítulos

    01 – O Encontro

    10

    02 - Combate contra os Agregados

    14

    03 – Mortificação

    18

    04 – Recepção

    22

    05 – Suplício

    30

    06 – Gnosbill, o Xamã

    33

    07 – Constatação

    41

    08 – Baque em Tejas

    43

    09 – A Viúva Guerreira

    46

    10 – Quando tomba um Bravo

    49

    11 – Descoberta

    54

    12 – Emboscada Mortal

    59

    13 – Funeral

    67

    14 – Vaticínio

    71

    15 – Nostalgia

    76

    16 – O Estigma do Mal

    83

    17 – Revelação

    87

    18 – Um Prisioneiro em Prithvi

    94

    19 – A Caça que vira Caçador

    102

    20 – Angustiosa Trégua - I

    106

    21 - Angustiosa Trégua - II

    108

    22 - Angustiosa Trégua - III

    113

    23 – A Viagem

    119

    24 – Ardil

    126

    25 – Abstenção

    133

    26 – Resgate

    137

    27 – Possessão

    144

    28 – A Destruição que vem da Luz

    154

    29 – Tensão na Sala de Estratégias

    159

    30 – O Primeiro Ritual

    166

    31 – Apoio em Vayú

    174

    32 – Da Luz as Trevas

    188

    33 – Escarmento

    194

    8

    34 – Provas de Valor

    205

    35 – Decisão Imperial

    220

    36 – Armadilhas Mentais

    227

    37 – A Distinção da Honra

    234

    38 – Lassos Imperiais

    240

    39 – Oposição

    246

    40 – Amarguras da Alma

    258

    41 – Núncio

    263

    42 – Luz Divina

    274

    43 – Reflexões

    290

    44 – Retiro

    296

    45 – Moção

    303

    46 – Intimidades

    313

    47 – Galhardia Fanada

    324

    48 – Reencontro

    333

    49 – Alianças

    340

    50 – O Tênue Véu do Terror

    355

    51 – Amarga Vitória

    366

    52 – A Encarnação do Mal

    380

    53 – O Guardião do Umbral

    389

    54 – Das Trevas a Luz

    400

    55 – Hamadríade, a Ninfa dos Bosques

    411

    56 – A Trindade

    420

    57 – O Ternário Superior

    434

    58 – O Prólogo do Epílogo

    448

    59 – O Final de uma Fuga

    452

    60 – Réquiem para uma Raça

    458

    Prógono para uma Raça

    467

    Glossário

    471

    9

    Capítulo Um

    Encontro

    O

    As duas pequenas e esquálidas criaturas caminhavam rápidas e com enorme tensão, pela estreita estrada margeada por enormes e frondosas árvores cujas raízes invadiam o pequeno trajeto. Seus pés esmagavam as folhas secas que recobriam o solo. Seus passos eram ligeiros e nervosos. A todo instante voltavam seu olhar para certificarem-se de que não haviam sido descobertos. Apertavam frequentemente um amuleto pendido em um cordão no pescoço de cada um em sinal de invocação de proteção. Estavam protegidos pelo poder da Sacola Xamânica, mas mesmo assim, sentiam-se em perigo. Logo a estrada terminava no vilarejo procurado. Um suspiro de gratificação lhes preencheu os pequenos e frágeis corpos. Olharam-se mutuamente esperançosos. Este deveria ser o local indicado por Píton.

    - Lígeobill, este deve ser o lugar que Píton profetizou...

    - Acho que é aqui que vamos encontrá-lo.

    Ambos pararam e ficaram olhando as imediações. Vasculhando em sinal de reconhecimento. Imaginando qual seria o próximo passo. As pequenas casas rupestres que iniciavam o vilarejo não escondiam ao longe a taberna onde se sabia que a mais terrível estirpe convivia.

    - Temos de ir até lá Dharbill.

    - Sim... mas tenho medo do que poderemos encontrar. Criaturas terríveis. A maioria dos seres deste Planeta não gostam muito de nós, os bills.

    - Você está com medo das criaturas ou do próprio Enviado?

    Dharbill emudeceu. Esfregou as pequenas mãos verdes de quatro longilíneos dedos nervosamente. Em seguida apertou novamente seu talismã.

    - Dizem que ele é muito forte.

    - Sim, duro e cruel também.

    - Como vamos convencê-lo a aceitar o trabalho?

    Um vento desconfortável soprou pelo caminho que vieram. Os dois bills tremeram aterrorizados e resolveram ingressar na vila imediatamente.

    A ruidosa taberna não ficava longe. Podia-se ver seu telhado sujo e embolorado de onde estavam.

    Ao passo que se aproximavam, iam ouvindo uma tremenda balbúrdia que partia de seu interior. Sinais de luta e gargalhada se mesclavam, preocupando ainda mais os despreparados bills. Não tinham escolha. Eram movidos pelo medo. E o medo que sentiam de entrar naquele antro efetivamente era menor do que o que estavam vivendo em seu povoado.

    A enorme construção de toras espessas e sobrepostas horizontalmente umas sobre as outras se agigantou quando chegaram às suas portas, as quais na verdade não existiam.

    O recinto deveria permanecer aberto intermitentemente. Uma fumaça estranha pairava no ambiente. Um odor pútrido empesteava o ar. Cadeiras voavam ao longe, perto do que seria um local próprio a alguma eventual apresentação de caráter duvidoso. Quatro gnors enormes e truculentos se espancavam mutuamente, ébrios do líquido étill (ver glossário), uma bebida destilada com determinados componentes químicos muito apreciada pelos marginais. No caso dos gnors, a quantia deveria ser suficiente para fazer com que seus 10

    vigorosos corpos entorpecessem e suas parcas mentes os impeliam à diversão através da luta.

    Os gnors eram em geral guerreiros de elite dos estigmóides, os que ali estavam em algazarra, pertenciam ao Império de Prithvi, uma enorme Fortaleza das imediações comandada pelo indiferente Imperador Gob e sua Imperatriz Kitíchi. Tal Império era neutro no Pacto contra o mal que assolava o Planeta. Cedo ou tarde teriam de decidirem sobre qual lado das facções tomariam, pois não havia lugar para meio termo na batalha que os assolavam. A questão era que os sinais prenunciavam que a guerra final se aproximava. E a balança imparcial da força estava pendendo para o lado de Dôminus, o terrível Dominador.

    Este era um dos motivos que trouxeram os pequenos bills até o vilarejo. Ao entrarem no salão, mudos pelo medo do que lhes poderia advir, inevitavelmente atraíram diversos olhares inescrupulosos para si. Nem todos estavam preocupados com os dois pequenos viajantes. Só os que possuíam uma índole mais cruel e insaciável, ou uma fome mais insaciável que a própria índole, eis que dentre muitos ali dentro, estavam alguns dos antropófagos cominns.

    Os bills podiam estar com muito medo, mas eram perspicazes, astutos e ágeis.

    Rapidamente vasculharam os recantos do recinto e viram ao longe, sozinho, um humano sentado em uma cadeira inclinada e apoiada na parede, com os braços cruzados sobre o peito, olhos fechados num sono profundo e sereno, com seus pés sobre a mesa que ostentava quatro pichéis vazios de étill. Parecia meditar no meio daquela baderna.

    Sob os olhares nada amistosos dos conviveres, os dois pequeninos se aproximaram.

    - É ele!

    - Definitivamente. A descrição confere. E, afinal de contas, é o único humano aqui dentro.

    - Senhor Hovor? – Tentou delicadamente Dharbill, em um tom de voz que quase se perdeu no meio do ruidoso salão.

    Olharam-se novamente.

    - Senhor Hovor?! – Insistiu um pouco mais alto a criaturinha.

    - Será que está morto? Nem respira! – Deduzia Lígeobill.

    - Não, morto não está. Posso perceber que pulsa vida em seu corpo. Certamente está embriagado de étill. – E apontou as garrafas.

    - Que tipo de efeito terá tal bebida em um corpo terráqueo?

    Com dois de seus quatro dedos, Lígeobill apertou levemente o bico de uma das botas do homem supostamente desacordado, entretanto, tal ato foi suficiente para desencadear um alerta do impávido e hipotético inconsciente.

    - Toque em mim novamente e não terá mais cabeça para coçar com essa mão suja!

    Lígeobill, como que tomado por um choque, afastou sua mão velozmente, chegando a estalar os dedos em seu próprio dorso.

    O sujeito não mexeu um músculo, permanecendo na mesma postura, como que se zombasse de tudo ali.

    - Dharbill, ele está acordado!

    Nisso, um quadrúmano de avental, o dono da taberna, aproximou-se dos dois amigos e os perquiriu.

    - Por que é que vocês não o deixam em paz? Se vieram até aqui para incomodar meus clientes, é melhor caírem fora!

    O tom de ameaça fez com que os pequenos bills se encolhessem próximos um ao outro.

    Ainda imóvel, o cliente interveio:

    11

    - Pode deixar, tio. Eu me entendo com esses perigosíssimos bills.

    Qwarnack,

    o

    quadrúmano,

    ergueu

    sua

    espessa

    sobrancelha,

    olhou

    ameaçadoramente para os minúsculos diante dele, enxugou duas das quatro mãos no avental de higiene duvidosa e se afastou resmungando.

    - Maldito terráqueo! Não sei por que é que me chama de tio. O que será que quer dizer isto? Por que será que o aturo até hoje? – E sorri contente consigo mesmo. – Hê, hê, hê, deve ser pelos seus créditos... (ver glossário).

    Erguendo a cabeça e semi-abrindo os olhos, Hovor Vic encara sem preocupação seus interpeladores, os pequeninos bills diante de si. Um deles trajava um par de calçado sem salto, cuja sola subia pelos lados e pela ponta do pé, onde se juntava a uma peça em

    U, costurada exteriormente, praticamente um mocassim indígena, e um calção de couro que era sustentado por uma alça ao redor de seu ombro e uma camisa alaranjada, com o amuleto pendido no pescoço; cabelos lisos, negros, curtos e grudentos, este era Dharbill; o outro possuía o mesmo tipo de camisa alaranjada de golas, mas usava calças de couro compridas e os comuns mocassins. Seus cabelos também eram negros, como de todos os bills, só que compridos. Sustentava uma sacola a qual Hovor não deu valor no momento e também tinha seu amuleto. Mas não parecia ser um Xamã. Este era Lígeobill. Ambos demonstravam o natural nervosismo em suas verdes faces com narizes finos e longas orelhas pontudas e peludas. Braços e pernas delgadas, mas também com muitos pêlos. O

    verde é a coloração natural de toda derme billiana. Não passam de um metro e meio.

    - O que vocês querem? Não veem que estou dormindo?

    - O senhor é o senhor Hovor, conhecido por Caçador, não é? – Tenta confirmar Dharbill.

    Uma expressão de enfado se estampa em seu semblante.

    - É claro que é ele, Dharbill! Senhor Hovor, viemos de nosso povoado até aqui para pedir que o senhor faça um trabalho para nós.

    Hovor retira os pés da mesa e abre bem os olhos demonstrando satisfação com a oferta.

    - Ora, ora. Então querem contratar meus serviços. E porventura sabem o que faço?

    Os bills se olham e balançam a cabeça juntos afirmativamente.

    - Muito bem. E quanto a vocês? Podem pagar pelos meus serviços?

    Dharbill esfrega suas mãos nervosas. Sabiam que ele perguntaria isto. E eles sabiam qual seria a resposta.

    - Senhor Hovor, - toma a palavra Lígeobill – não temos créditos para lhe pagar...

    - O quê!!? Não têm créditos para me pagar!? – Agita-se irritadamente fazendo com que a cadeira desincline. – Como se atrevem a virem me incomodar fazendo-me uma proposta de serviço e ainda me dizerem que não podem me pagar! Perderam o amor às suas pobres vidas? – E cerrou os punhos fazendo com que as juntas estalassem espremendo o olhar na direção das franzinas criaturas.

    Os bills se encolheram novamente. Mas, não fugiram como seria de se esperar.

    Suas orelhas pontudas tremiam.

    Hovor os encarou curiosamente.

    - Senhor Hovor. Não dissemos que não podemos lhe pagar, apenas não o podemos fazer com créditos.

    - Há sim? E como esperam me pagar, então?

    - Com nossa hospitalidade. Somos conhecidos por nossa boa acolhida, ótimas refeições, confortáveis acomodações, banhos quentes, frutas variadas em nossas plantações. É o que lhe oferecemos em troca.

    - Ótimas refeições? Banhos quentes? – O vigoroso humano ergueu-se de sua cadeira deixando à mostra sua compleição física avantajada e bem distribuída em seu 12

    metro e setenta e cinco. Não era tão alto como imaginavam, mas seus músculos rijos, torneados e opulentos despontavam firmes por sob a pele dourada pelos raios dos dois sóis do Planeta, músculos estes que marcavam a camisa nívea de mangas longas entreaberta a altura do peito, de onde os quatro ilhoses que ostentavam um cordão desamarrado deixavam à vista seus pêlos torácicos, negros como sua vasta cabeleira ondulada até os ombros. Um enorme medalhão áureo pendia de seu pescoço e em sua ponta uma estrela vazada: um pentalfa, confirmava a manipulação das forças místicas. A calça preta ficava justa em suas fortes pernas. Um cinturão de couro ao redor da cintura, preso por uma grande fivela, segurava uma bainha que, por sua vez, guardava em seu interior uma lâmina de aço de duplo fio. De suas botas partiam duas empunhaduras que revelavam dois punhais, um de cada lado externo do calçado. Pôde-se perceber, pendurada despreocupadamente na extremidade superior esquerda da cadeira, uma arma que vieram a saber bem depois, tratar-se de uma pistola de raios destrutores, um artefato bélico da Terra. Equipamentos estranhos para seu ramo, mas convenientes para o meio em que se encontrava.

    - Querem me pagar com isso? Bem se vê que não me conhecem. Não preciso dessas coisas. Se tivessem pelo menos um barril de étill, quem sabe... Vão embora e não me incomodem mais!

    Os dois pequenos bills tremeram novamente, mas não se moveram do lugar.

    Hovor já ia se sentando quando sua intuição o fez olhar com mais profundidade as duas criaturas diante de si. Silenciosamente constatou em seu interior que os dois bills não teriam jamais a petulância de desafiá-lo daquela forma. Nem os gnors daquela região o fariam. Aquilo não era coragem, tampouco desrespeito. Era pavor. Não de Hovor, mas de algo maior, algo que efetivamente os consternava e que fazia com que a integridade física daqueles dois se sujeitasse ao destino de convocar O Caçador.

    Hovor reconsiderou. Mas à sua maneira.

    - Pois bem. - Olhou ao redor, confirmando o nefasto ambiente em que se encontravam e que garantia ainda mais a certeza de que eles desafiaram a própria morte para lhe pedir ajuda e continuou. – Ultimamente estou precisando mesmo de uma boa acolhida. Talvez eu dispense o banho, mas uma cama confortável e firme viria bem neste momento.

    Afastou-se da mesa e colocando suas grossas mãos nas costas deles se dirigiu para a saída sem se preocupar com a devolução de parte do depósito que deixara ao proprietário daquela baiúca, fazendo com que os pequeninos bills mal acreditassem que aquele incrível homem havia aceitado tão fácil assim suas súplicas. Mas, assim havia profetizado Píton: ele aceitaria!

    13

    Capítulo Dois

    ombate contra os Agregados

    C

    Quando deixaram o local, as duas criaturinhas sentiram-se mais aliviadas, sobretudo pelo fato do ar puro revitalizar seus pulmões. Hovor mantinha-se sério. Iniciaram o trajeto pelo mesmo caminho que vieram, rumo à estrada da floresta.

    - Qual a distância até o vilarejo – Indagou Hovor.

    - Umas quatro distâncias aproximadamente... (ver glossário).

    - O quê? E acreditam que vou caminhando tudo isto até lá?

    - Bem, viemos a pé... – justificou Dharbill com seus diminutos ombros erguidos.

    Hovor olhou nas imediações da taberna e encontrou o que procurava. Estacionado num dos cantos achava-se um flutuador (ver glossário), certamente dos gnors. Um sorriso malicioso brotou nos lábios do Caçador.

    - Venham comigo, já temos um bom transporte.

    Os pequeninos seguiram a fortaleza humana e quando perceberam sua intenção ao se aproximar da nave e iniciar uma avaliação da mesma, tentaram desmotivar Hovor de seu intento.

    - Senhor Hovor! Não podemos furtar esta nave! – Argumentou enfaticamente Lígeobill.

    - Por favor, isto vai contra nossos princípios, não podemos agir contra... – Não teve tempo de concluir suas lamúrias e justificativas; fora arremessado dentro do veículo flutuante e caiu de encontro ao banco traseiro, enquanto que Dharbill, complacente, optou por entrar voluntariamente no carro.

    Em silêncio Hovor parecia se divertir com a atitude. Era como se algo novo estivesse ocorrendo para que sua vida voltasse outra vez a ter significado. Mesmo que fosse furtar um flutuador dos gnors e suportar toda gama de consequências advindas de tal gesto.

    Nos últimos meses esteve sempre envolto em encrencas e lutas banais em becos e tabernas apenas para erradicar o ócio. Agora lhe parecia que algo verdadeiramente emocionante estava por ocorrer. Algo para o qual fora talhado.

    Os pequenos bills encolheram-se no fundo de seus assentos, na tentativa fútil de se ocultar. Torciam para que Hovor saísse dali o mais breve possível, mas parecia que ele queria algo mais, parecia que ele queria mostrar aos gnors que estava lhes furtando algo precioso.

    Manobrou o veículo com extrema habilidade. Este se mantinha a aproximadamente dois metros do solo. Girou sobre seu próprio eixo e, para alegria da diminuta dupla, rumou velozmente em direção à floresta.

    - Que tipo de criatura está atormentado vosso vilarejo? – Perguntou Hovor rompendo um silêncio de horas. Algum salteador, um bandido, seres do mal, gnors rebeldes, capetas,...

    Dharbill e Lígeobill mantiveram-se mudos e apreensivos e nada responderam.

    Então o Caçador que já havia avaliado os perigosos contratanes e sua carga, fez outra pergunta complicada para eles.

    - Você não é um Xamã. Por que usa uma Sacola Xamânica? – Indagou a Lígeobill.

    Lígeobill, sentado no espaçoso banco traseiro, o qual comportava tranquilamente dois gnors, apertou a preciosa sacola contra si surpreso por um terráqueo saber do que se tratava aquela joia e respondeu:

    14

    - Píton nos concedeu esta sacola. Tenho absoluta certeza de que as capacidades xamânicas dele permitem fazer uso pleno da sacola.

    - Nunca vi o que tem dentro de uma, o que carrega nela?

    - Perdoe-nos, senhor Caçador, mas não podemos abri-la, exceto em extrema necessidade! – Alertou Dharbill.

    Conhecedor das forças místicas, Hovor respeitou em silêncio a vontade do pequenino. Sabia que os Xamãs não eram magos negros, portanto, não precisaria se preocupar com seus mistérios.

    - Pois bem, - voltou-se agora para Dharbill que estava sentado ao seu lado – ainda não me responderam: que tipo de criatura os atormenta?

    Como não obtivera uma resposta, Hovor para abruptamente o flutuador fazendo com que os dois bills caíssem de seus bancos.

    - Será possível que vocês têm tanto medo assim que sequer podem responder a essa pergunta? É apenas uma informação técnica!

    - Senhor Hovor,... o mal que nos acossa é tão terrível, que apenas sua menção o atrai. Tivemos de fugir escondidos pela força mística da Sacola Xamânica em busca do senhor, caso contrário seríamos pegos como os outros que tentaram antes.

    - Outros? Outros de vocês tentaram me contatar antes? E foram pegos? Mas por quem?

    - Um... demônio... – Quase sussurrou.

    - Ahá! Um demônio, então!

    - Sim, tristemente, sim.

    Manifestando nítida apreensão, Lígeobill suplica a Hovor:

    - Senhor Hovor, por favor, não devemos permanecer aqui parados. Seus asseclas podem aparecer a qualquer momento...

    Percebendo a verdade nas palavras do pequenino, Hovor volta a seguir viagem rumando pelos caminhos indicados pelos bills. Mas já pressentia que algo estranho pairava no ar, e não eram os gnors.

    Algum tempo depois, os bills, vencidos pela exaustão, adormeceram. Lígeobill dormia agarrado à Sacola Xamânica como se fizesse parte de seu corpo. Dharbill mantinha-se recostado no canto direito do veículo. Demonstravam um sono cansado, mas aviltado por visões e imagens nefastas.

    Um dos dois sóis que iluminavam o Planeta já havia se posto, restando apenas a pequena luminosidade do segundo, um pouco mais distante, o que gerava menos luz ao caminho ladeado por majestosas árvores, dentre as quais, algumas que chegavam a atingir quase centro e cinquenta metros de altura e aproximadamente noventa metros de circunferência, eram um exemplo colossal da diversidade da flora naquele Planeta.

    Apesar da alta velocidade que imprimia no possante veículo, ainda restava uma boa quantidade de trajeto até chegarem a caminhos mais tranquilos. A noite não era problema para Hovor, mas seus habitantes poderiam ser. Hovor, precavidamente, soltou a trava de segurança de sua arma presa num coldre magnético em sua coxa direita e estreitou a vista. Sua intuição o alertava. Então, abruptamente, um animal da floresta cruza o caminho dos viajantes fazendo com que o condutor realizasse uma brusca e inesperada manobra a qual fez com que o flutuador ficasse curvado num ângulo de 45 graus, com a base de magneto voltada para a floresta e sua lateral esquerda inclinada para o solo.

    Lígeobill foi arremessado de encontro ao encosto esquerdo do veículo, enquanto que Dharbill chocou-se com o corpo retesado de Hovor. Na mesma velocidade com que aplicou a viração, Hovor fez com que o veículo retornasse à sua posição original, deixando atrás de si um animal ileso e que sequer percebeu o que acabara de ocorrer. Os bills 15

    novamente foram arremessados para o lado oposto do veículo, ficando, ambos, de pernas para o ar.

    - Por Drisu!!

    - HÁÁÁÁÁ, estamos sendo atacados!!!

    Berraram os dois, surpreendidos, enquanto Hovor permanecia inabalável.

    Voltando a si, os dois, ainda agitados e de olhos arregalados, buscavam uma razão para o ocorrido.

    - Não se preocupem, ainda não fomos atacados, mas não facilitem, estou sentindo manifestações negras nas proximidades.

    Hovor tentava ir mais rápido, mas o trajeto não merecia a confiança de uma velocidade excessiva. Logo alcançaram um entroncamento que dividia a estrada em dois caminhos distintos.

    - E então rapazes, qual devo seguir?

    - Siga pelo da esquerda, senhor Hovor. – E apontou o sentido com seu dedinho fino, Dharbill.

    Quando ia retomar o caminho, criaturas esféricas, às dezenas, surgiram do meio da floresta à frente do trio, tomando conta do caminho. Saltavam e gritavam estridentemente; apenas possuíam uma cabeça avantajada com uma bocarra imensa deixando em evidência as presas afiadas; a cabeça possuía dois chifres curvados e era desprovida de pêlos e de corpo; partiam imediatamente da cabeça/tronco garras e pernas secas e uma cauda sacolejante; não passavam de pouco mais de meio metro e com um de envergadura, mas a ferocidade que possuíam não era brincadeira, o Caçador o sabia muito bem.

    De um salto com os pés no banco, Hovor atingiu o capô do flutuador fazendo-o de trampolim, arremessando-se ao alto. Num giro acrobático com o corpo, Hovor, em plena posição horizontal, saca de sua espada e de um dos punhais alojado na bota esquerda e com um sibilo cortante fatiou ainda no ar meia dúzia das criaturas, antes mesmo de Dharbill e Lígeobill tomarem consciência do que estava acontecendo.

    - Os asseclas!! – Identificou Lígeobill.

    - Por Drisu, estão nos atacando! – E agarrou seu amuleto de proteção, Dharbill.

    Em verdade o que os bills entendiam por asseclas, eram conhecidos por Hovor como agregados e eles tentavam atacar, mas Hovor os cortava e mutilava numa velocidade impressionante para seu porte físico.

    Lígeobill ameaçou abrir a sacola, mas foi impedido pelo prudente colega, fazendo-o ver que não haviam ido tão longe à busca de um defensor qualquer. Hovor era o homem indicado para a missão, e não seria um bando de agregados mandados pelo demônio que iriam obstaculizar seu caminho.

    Em frações de tempo, os vinte ou trinta agregados se encontravam picados no solo, seu sangue negro sujava as lâminas reluzentes de Hovor. Então, repentinamente, pula da mata uma última criatura e de surpresa rouba a Sacola das mãos de Lígeobill.

    - Não!! A Sacola não!

    Hovor corre e se projeta sobre o carro novamente. Sequer chega a tocá-lo desta feita. Num acrobático salto mortal executa em pleno movimento aéreo golpes fulminantes com sua espada a qual parecia fazer parte integrante de seu corpo, e, junto com a pequena criatura das trevas, agora desmembrada, toca o solo de frente para a traseira do veículo, em uma posição de guarda e defesa, com as pernas retesadas e flexionadas e com a espada repousando à altura de seus olhos, num gesto marcial de quem encerrava o combate. A Sacola Xamânica balançava pela alça no punhal sustentado pela mão esquerda estirada ao lado de seu corpo.

    - Impressionante... – admira-se Dharbill.

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    Com o rosto pétreo, Hovor caminha lentamente para o transporte e devolve, escorregando-a por sua lâmina, a Sacola para Lígeobill, ainda de boca aberta. Apanha algumas folhas do chão e com elas limpa suas armas e seu rosto. Guarda a espada em sua bainha, mas antes retira o cinturão dos quadris e reajanja-o às costas devolve a adaga em sua bota e verifica a outra; atos que demonstram nova conduta de alerta. Toma seu assento e voltando-se para os bills ironiza:

    - Isso é que vocês chamam de asseclas?

    - Sim, sim!

    - Ahã, não passam de agregados, isto sim. Acho que agora podemos seguir viagem sem novos incômodos.

    Os bills apenas anuem com suas cabeças sem nada a dizerem. O veículo zune novamente pelo caminho afora fazendo voar os pedaços atrás deles.

    Hovor vasculhou a floresta discretamente como se procurasse algo mais.

    17

    Capítulo Três

    ortificação

    M

    Já era alta madrugada quando os quatro gnors resolveram deixar a taberna. Ébrios de étill e arrebentados pelas lutas que fizeram durante a permanência no recinto, saíram cambaleantes e zonzos. Uns encostando-se aos outros. Deram duas voltas pela construção e, por fim, terminaram na entrada novamente. Um deles já ia iniciando a terceira volta quando, aquele que os liderava, num lapso de consciência, percebeu o que ocorria.

    - Esperem! – Ordenou com sua potente mão estendida. Chacoalhou a cabeça tentando desanuviar a confusão mental, já não rara na espécie, e constatou.

    - Onde está nosso flutuador?!

    Os outros três arregalaram mais os olhos e olharam ao redor, na tentativa patética de tentar localizar o veículo.

    - É, Granar, acho que fomos roubados... – E começou a rir desenfreadamente o idiota bêbado, mas por poucos milésimos de segundo. Um fortíssimo soco esmagou-lhe a língua por entre os enormes dentes arremessando-o de encontro à parede da taberna.

    - Que é isso Granar? Por que agrediu Gnás? – Indaga Grilmol, seu comandado.

    - Seus imbecis!! Não perceberam ainda a gravidade de nossa situação!!?

    Os outros três emudecem dando-se conta do que estava prestes a ocorrer.

    - Como vamos justificar a perda de um flutuador ao Imperador Gob? Ele não é um néscio. Vai descobrir de imediato que estávamos bebendo...

    - Estamos perdidos! – Chega a conclusão Grilmol. – Primeiro, por estarmos bebendo, o que é terminantemente proibido, e depois, por termos extraviado um equipamento tão precioso. O que será de nós? – Tremeu.

    - Uma agonizante e terrível morte nos aguarda. – Sentenciou Granar.

    A bebedeira parecia ter desaparecido. Teriam de vencer à pé a distância da vila até a Fortaleza Prithvi. Gob poderia ser um Imperador um tanto quanto indiferente, mas era demasiado severo com quem não cumprisse suas ordens e leis. Na região ele era soberano, todos o obedeciam, caso contrário, eram punidos de maneiras grotescas. E este era o motivo que fazia com que enormes gnors tremessem tanto enquanto voltavam para a Fortaleza.

    Depois de uma causticante caminhada, alcançaram os portais da majestosa Fortaleza. Talvez pudessem ter chegado um pouco antes, mas, certamente o terror que lhes assolava os fez reduzir o passo.

    - Alto lá! – Gritou o atalaia. – Quem se aproxima a este tempo? (Ver glossário).

    - Sou eu atalaia, Granar.

    Com um sinal, os controles da portentosa porta foram acionados e os hidráulicos fizeram com que ela, diferentemente das tradicionais, emergisse numa fresta no solo.

    - Granar?! O que houve? Por que estão à pé? Vocês não estavam na taberna da vila?

    - Cale a boca.

    E ingressaram os quatro guerreiros moídos física e psicologicamente.

    - O que vamos dizer para Gob, Granar?

    - Talvez se disséssemos que fomos roubados ele nos perdoaria, que acham?

    Outro soco fez com que Gnás beijasse o chão de pedras alinhadas.

    Desta vez Grilmol não socorreu o colega. Os gnors eram tidos como criaturas de parco intelecto, mas alguns suplantavam essa condição.

    18

    - Está tarde Granar, acha que seria melhor esperarmos a alvorada? – Consultou Giulan, que havia permanecido calado todo o trajeto.

    - Não sei, não consigo raciocinar direito. Não sei o que seria pior, incomodá-lo agora, ou prolongar nossa situação até amanhã. Do jeito que ele é terrível, é provável que pense que estivéssemos tentando ocultar o fato.

    E com um grunhido de raiva segurou com as duas mãos a própria cabeça e a chacoalhou violentamente, como que querendo tirar uma solução para a triste condição que vivenciavam do diminuto cérebro.

    - Não temos muita opção. O chefe da noite já deve ter sido informado pelo atalaia que nosso flutuador não chegou conosco. – Constatou desolado, Giulan.

    - É verdade, à esta altura já deve ter um fiscal no alojamento para nos indagar.

    - O último gnor que estragou um flutuador foi devorado por uma carângul... –

    recordou Gnás desnecessariamente.

    Todos lhe olharam com a mesma vontade fazendo com que se encolhesse todo.

    Antes mesmo de chegarem ao alojamento, puderam ouvir os ruidosos passos do chefe dos guerreiros gnors. Logo surge o imponente Galadar cercado por dois guerreiros devidamente armados.

    - Muito bem, seus inúteis. O que têm para me dizer?

    Os gnors também são conhecidos por não terem nenhum sentimento fraternal ou de companheirismo. Apenas lhes basta cuidar de si, e o que lhes interessa é estar bem, não importa a que preço.

    - Fomos roubados, Galadar... – murmurou Granar sem alternativa.

    - Ora, mas não era para dizer isto, seu animal! – Repreendeu Granar, o incorrigível Gnás.

    Granar, calmamente aproximou-se de um dos acompanhantes do chefe gnor e estendendo sua mão de três dedos fez-se entender ao mesmo com o referido gesto, e este lhe passou seu espesso sabre. Voltando-se para o trio, de inopino, desferiu um potente golpe que rachou ao meio o crânio de Gnás, o qual se estatelou inerte nas pedras sob seus pés.

    Granar ainda teve a pachorra de limpar a arma nos trajes do infeliz que agora não mais faria colocações inadequadas. Em seguida, devolveu-a ao guerreiro o qual permaneceu insensível, a exemplo dos demais.

    - Bem, um a menos para ser punido. O que aconteceu com suas armas?

    Os três se encolheram sem nada responder.

    - Já sei. Estavam no flutuador... Como se vangloriam de sua força e poder! Veremos agora como agem. Sigam-me. – Ordenou sem preocupação alguma, Galadar. – Amanhã os vassalos cuidam dessa sujeira. – Referindo-se ao corpo inerte e embebido em sangue no pavimento.

    Entretanto, o trio que agora restava, não foi encaminhado ao átrio do salão principal, mas sim para o calabouço.

    - Passarão a noite aqui. Não vou incomodar o descanso de Gob com três gnors incompetentes. Assim vocês terão também um pouco mais de tempo para imaginar qual será vosso destino.

    Enclausurando os três na limosa cela, o chefe gnor deu por encerrada a questão naquele momento, deixando no escuro três grandes guerreiros gnors mudos pelo silêncio do temor.

    Com o crepúsculo que não tardou muito, os três guerreiros foram encaminhados à presença terrível de Gob. No salão principal encontravam-se o Conselheiro Actino, alguns serviçais, a Imperatriz Kitíchi e, sentado em seu portentoso trono, no alto da escadaria, Gob.

    19

    Escoltados por guerreiros de elite e devidamente acompanhados pelo chefe guerreiro gnor, os três se apresentaram.

    - Fui informado de que, além de violarem minha lei de bebida, vocês foram privados de um veículo flutuador e de seus armamentos.

    - Imperador, fomos atacados traiçoeiramente por um grupo de...

    - Cale-se acéfalo! Acredita que não sei com quem estou lidando, grotesca criatura?

    Embriagaram-se e foram miseravelmente furtados!

    Gob estendeu uma taça que tinha em suas mãos e foi servido paradoxalmente na frente de todos de uma generosa porção de étill.

    Olhou para sua esposa que apreciava sadicamente o gesto e sorveu parte do líquido proibido.

    - Que faço com vocês? Guisado?! – Bradou fazendo com que os olhos dos inquiridos baixassem sem desculpas.

    Ergueu-se arquitetando um castigo ao trio, deixando sua capa envolver-se em seu corpo.

    Gob e Kitíchi, assim como o Conselheiro e a maioria dos habitantes do Planeta, pertenciam à raça dos estigmóides, seres muito parecidos com os humanos da Terra, um pouco mais altos e delgados, de olhos amendoados, com duplos orifícios faciais no lugar de narizes, e com estigmas corporais de nascença, o que caracterizava e distinguia o indivíduo; a coloração e forma são o orgulho de seu detentor. (Ver glossário).

    - Estou enfadado desse tipo de situação. O que sugere, minha cara? – E concedeu a oportunidade à sua esposa.

    Kitíchi levantou-se de seu assento, e, com ar de quem já sabia o que fazer, considerou.

    - Querido Gob, para alguém furtar quatro guerreiros gnors de elite, ou tem que ser muito inteligente, ou exatamente o contrário. E isto me instiga certa curiosidade. Quem seria estúpido o bastante ou teria tamanha coragem? Todos sabem que aquele tipo de flutuador pertence a nosso reinado, tanto que esses infelizes podem deixar os veículos ao léu que ninguém se atreve a tocá-los, pois os habitantes sabem das consequências. Em contrapartida, não é qualquer um que sabe manejar um flutuador, portanto, podemos excluir determinadas raças incapazes de pensar, mas não tolas o suficiente para mexer num equipamento tão conhecido.

    - Com razão, Kitíchi. Pelo que sei, poucos conhecem essa tecnologia. Os quadrúmanos, por excelência, uns ou outros nômades do espaço que por aqui aportam e, sem exceção, os estigmóides... será que algum desses reformistas igualitários teria a petulância de me furtar?

    - Difícil, meu senhor. – Entra no assunto Actino. – Todos sabem muito bem como o senhor governa.

    - Sim meu Conselheiro, mas outrora já tive alguns problemas com esses tipos.

    - Exatamente por isso é que lhe asseguro, nenhum reformista igualitário se arriscaria novamente a se intrometer em sua maneira de dirigir o Império.

    Um sorriso de satisfação surge graciosamente na face marcada de Gob, fazendo-o se recordar da forma nada fraternal com que cuidou tempos atrás de alguns ativistas.

    O Imperador desce os degraus e se dá ao luxo de se aproximar dos três gnors e com os punhos na cintura, os encara como um problema sem solução, que lhe toma o tempo.

    - Mas isto não me decifra a questão, só aumenta o dilema. O que faço com vocês?

    - Gob, - intervém solícita Kitíchi – a questão é simples de resolver. Designe os três mentecaptos para efetuarem uma busca. Devem encontrar os bens subtraídos e o ladrão.

    20

    Trazê-lo até nossa presença para que possamos saber quem é e com que audácia se atreveu! Aí poderemos atribuir um castigo exemplar.

    - Brilhante! Quem sabe assim poderão se dirimir da pena. Galadar, – e voltou-se para o chefe gnor – forneça aos três uma escolta especial, dê-lhes o equipamento que for necessário, assim não terão desculpas para não concluírem a missão. E lembrem-se, seus curtos de raciocínio, tragam o ladrão vivo, não precisa estar inteiro, mas o quero vivo.

    Vão!

    Os guerreiros se aglomeram e num cumprimento militar se afastam do salão.

    Entretanto, antes de saírem Gob dá o último alerta que descarta futuras conjeturas:

    - Se falharem, toda a escolta vai servir de alimento para a carângul.

    Já no pátio, após selecionar mais oito guerreiros devidamente armados e equipados, o chefe gnor dá os últimos conselhos aos três felizardos.

    - Têm muita sorte. A crueldade de Gob só é suplantada pelo sadismo de Kitíchi.

    Espero que vocês não estraguem a chance que tiveram e aproveitem a oportunidade para moralizar a tropa.

    Já dentro de novos flutuadores, Granar faz um convite a Galadar.

    - Não vem conosco para ter a honra de apresentar o ladrão a Gob, Galadar, há espaço em nosso flutuador.

    - Posso ser um ignóbil gnor, Granar, mas não sou tolo o suficiente para acreditar no sucesso de sua missão e por isso, não vou participar de seu castigo quando regressarem.

    E riu-se prazerosamente afastando-se do grupo, deixando os demais guerreiros que faziam a escolta um tanto quanto tensos, isto os que conseguiram compreender a ironia lançada pelo chefe deles.

    21

    Capítulo Quatro

    ecepção

    R

    Sentindo-se seguros, os pequenos bills acabaram por adormecer novamente durante o restante do trajeto, enquanto Hovor, com os sentidos alertas, concluiu a viagem. Então, depois que a floresta terminou e campos começaram e surgir aqui e ali, dando conta de povoação, Hovor resolveu despertar os contratantes.

    - Acordem. Acredito que estamos chegando.

    - Hummm. Lígeobill, acorde, a aldeia!

    - Hã?! Chegamos? Finalmente, o lar... – regozijou.

    - Siga em frente senhor Hovor, logo adiante já poderá enxergar a praça central e os habitantes; a este tempo já devem estar de pé.

    Mantendo o percurso, Hovor conduzia o flutuador para a entrada propriamente dita da aldeia dos bills, quando então, algo inesperado tornou a ocorrer. Uma enorme rede caiu do alto de duas grandes árvores sobre eles e fez com que a pequena nave tocasse o solo desviando o seu curso indo de encontro a uma grande rocha diante deles, à esquerda.

    Hovor só teve tempo de desligar o aparelho, fazendo com que o mesmo caísse inerte ao chão arrastando-se perigosamente enleado à rede.

    - Mas que espécie de recepção calorosa é essa? É assim que os bills recebem os visitantes! É essa a cordialidade que vocês me disseram ter? – Manifesta-se claramente indignado, Hovor.

    - Éhé...

    - É, é?!

    Com um sorriso constrangido, Dharbill tenta se reabilitar:

    - Perdoe-nos, senhor Hovor. Estávamos tão felizes com o regresso ao lar que acabamos por esquecer de alertá-lo de nossas defesas. É triste, mas hoje em ciclo (ver glossário) isto está sendo necessário.

    Em pouco tempo o veículo foi cercado por uma grande quantidade de bills. Eram pequenos e pacíficos, mas tinham a bravura conseguida pela união de todos. Seguravam facões, cutelos, pás, forcados, machados e outros instrumentos de trabalho que nem de longe poderiam exercer uma ameaça a alguém, ou algo, que efetivamente viesse a invadir o vilarejo.

    Enquanto Hovor se desvencilhava da rede, ouviu-se um deles:

    - Mas são Dharbill e Lígeobill!!

    - Verdade! São eles!! Eles voltaram! Eles conseguiram!

    E todos emocionados correram ao encontro dos irmãos de sangue ajudando-os a saírem da rede e acolhendo-os com fortes abraços e beijos. Lágrimas escorriam dos olhos de muitos e gritos de exultação e júbilo eram dados.

    - Avisem à Píton, nossos bravos venceram, eles conseguiram!

    Hovor, já livre das amarras da forte rede, apenas observava como eram queridos entre si os bills. Constatou que os que estavam ao longe, agora sabendo de quem se tratavam os intrusos com um flutuador, aproximavam-se felizes; eram os bills fêmeas e os petizes, todos muito entusiasmados e claramente saudosos.

    Uma delas atirou-se ao pescoço de Dharbill e o apertou contra si com muita emoção e um carinho incontido. Uma pequena criança bill o abraçou no joelho ao que Dharbill lhe ergueu e também o recepcionou com carinho e ternura. Um casal bill, mais idoso, recebia Lígeobill, acompanhado de uma outra fêmea um pouco mais jovem que ele, 22

    mas também muito feliz pela sua chegada. Hovor, apesar de toda sua estatura, parecia ter sido esquecido em meio a tanta congratulação, felicitações, gritos de viva e júbilo.

    Então, fora da roda, ouviu-se uma ordem de comando que partiu de um dos bills que fazia parte da recepção de Hovor, era mais maduro que os demais e tinha uma expressão mais firme e controlada, deveria ser o chefe da aldeia:

    - Vamos, dêem espaço para que Píton possa se aproximar! Vamos, vamos!

    Ao seu lado um bill de grande idade aproximava-se calma e serenamente. Os bills possuem a característica de envelhecer sem perda de melanina, o que faz com que seus pêlos permaneçam negros apesar da idade avançar. Apenas a pele e alguns sintomas comuns de senilidade se apresentam na raça.

    Trajando uma espécie de manto esmeralda com adereços em dourado o qual lhe cobria as mãos e ia até os pés que calçavam sandálias, aquele que foi apresentado como Píton, esticou seus finos braços e tocou os ombros dos dois Enviados e, em silêncio fez-se feliz pelo retorno dos irmãos. Em sua testa havia a marca do Santo Oito (ver glossário) que o caracterizava e o distinguia como um Xamã.

    Lígeobill ofereceu-lhe de volta o amuleto e a Sacola, mas o Xamã gentilmente a segurou junto dele novamente, dando crer que deveria ficar com ela ainda mais.

    O corredor aberto pelos pequeninos ia até Hovor, e este agora era a atenção de Píton.

    - Tenho certeza que saberá compreender a rudeza de nossa acolhida inicial, senhor Hovor Vic, ainda assim, peço que aceite nossas sinceras escusas pelo susto que passou.

    Hovor se impressionou. Píton conversava com ele em sua língua terráquea, essa, além de ser uma espantosa demonstração de conhecimento, era também um sinal de respeito e humildade e mais, sabia seu nome completo, uma arma nos mundos internos.

    Hovor poderia ser considerado um rebelde, um revolucionário, mas sempre foi respeitoso e sempre acatava os grandes sábios, mesmo não concordando com determinadas questões, ele sempre soube guardar o acato e a reverência que cabia, e foi nesse mesmo tom que se dirigiu ao Xamã.

    - É muito natural e compreensível, nobre Xamã. – E inclinou-se levemente em uma saudação tipicamente oriental de seu Planeta Terra.

    Os demais ao redor permaneceram calados e notoriamente ansiosos com o grande visitante que veio junto dos emissários, visitante este que fazia com que Píton conversasse em uma outra língua ante todos. Seria ele então o Enviado?

    - Sede bem vindo, terráqueo, sei de suas capacidades e habilidades; foi por tal que muitos sacrificaram suas vidas em sua busca.

    Hovor se impressionou com a informação de que vidas teriam sido perdidas na tentativa de achá-lo confirmando dramaticamente o que os pequeninos disseram.

    - O que posso eu fazer que um grande Xamã não o faria?

    - Nem tudo se soluciona com simples encantamentos, alguns punhados de ervas ou com visões, bravo Guerreiro da Luz.

    Guerreiro da Luz. Este termo tocou profundamente Hovor. Há muito e muito tempo ele foi chamado assim um dia: Guerreiro da Luz! Agora não passava de um mero mercenário que se alienava para cumprir com uma meta a qual lhe deveria ser sagrada.

    - Hoje não mais mereço tamanha honra, sábio Xamã. Agora vendo meus serviços para quem mais pagar. Voltei a ser um caçador! – Corrigiu o sábio, o terráqueo.

    - Não seja infantil, Enviado. Sei muito bem que não veio de tão longe até nós pelo que lhe foi ofertado. – E sorriu maliciosamente com ares proféticos.

    Hovor emudeceu, enquanto Píton voltou-se para seu povo, e novamente no dialeto bill, anunciou:

    23

    - Caríssimos amados! – E erguendo até onde pôde e aguentava, sustentou a pesada mão de Hovor. – Este é o Enviado. Este é O Caçador! Nossa esperança encontra-se amparada em seu sublime caráter e valores internos. Este, meus queridos, é um Guerreiro da Luz, e a ele confiamos nossa aldeia, nossas vidas, nosso futuro! Saúdem nosso convidado, meus valorosos irmãos, com o calor e alegria que é digna de nossa estirpe!

    Com um brado uníssono os bills reverberaram um grito de aclamação e cercando Hovor e Píton mostraram com grande alegria como um bill recebe seus convidados.

    Hovor continuava impressionado com a esperança que depositavam em sua pessoa. A responsabilidade que ia surgindo começou estranhamente a lhe incomodar.

    Em especial as palavras de valor proferidas pelo ancião. Não era um novato em seu trabalho, e já teve dias muito difíceis na Terra quando a guerra contra o mal que assolava seu mundo chegou ao ápice e os demônios usaram de todos os seus poderes em conjunto contra os Defensores da Paz Espiritual. Foi muito complicado e muitos que não se encontravam devidamente preparados internamente acabaram se tornando aliados das forças negras, inclusive amigos íntimos, escolhidos juntamente com Hovor para a sagrada missão de liberdade e que acabaram sendo fulminados por ele próprio. Coisas doídas que lhe calaram profundamente, coisas que se acumularam em seu íntimo e que culminaram em sua decisão.

    Hovor foi despertado de suas elucubrações quando a jovem irmã de Lígeobill aproximou-se e segurando em sua mão convidou:

    - Senhor Hovor, vamos até a praça, uma cerimônia em sua homenagem será realizada.

    A fêmea parecia bem madura, mas para os padrões de sua raça ainda era uma jovem moça. Os bills, assim como muitos naquele Planeta, possuíam uma longevidade muito extensa comparada com alguns seres de fora que visitavam o belo mundo.

    Assim como todos de sua raça, tinha os cabelos negros, mas, ao contrário dos machos, as fêmeas pareciam ser muito mais vaidosas e caprichosas consigo mesmas.

    Enquanto que eles não apresentavam certo zelo pela aparência, elas mantinham-se muito bem vestidas e alinhadas, os cabelos pareciam ter um tratamento muito especial com penteados elaborados, banhados e perfumados, ostentavam um brilho sem igual. Hovor sentiu vontade de acariciá-los para sentir a textura.

    - Diga-me, hã...

    - Billdhara! – Apresentou-se a irmã de Lígeobill.

    - Billdhara. – Hovor Vic demonstrava fluidez no dialeto Bill. - Como é que todos vocês sabem meu nome? Sempre procurei manter-me em anonimato desde que por aqui cheguei e, pelo que sei, os poucos serviços que prestei nunca foram tão extraordinários a ponto de me tornar tão conhecido assim.

    - Píton teve um agouro e nessa condição pôde ser informado do nome do Enviado, assim todos nós ficamos sabendo com antecedência que aquele que viria para nos salvar chamava-se Hovor Vic.

    - Essa história de salvar, o demônio que os atorment...

    - Schhhh!! – Billdhara o interrompeu rapidamente, com uma expressão de temor nos olhos, e alertou:

    - Não se deve falar nele! Somente a menção de seu nome pode atraí-lo!

    - É, já sei disso...

    Lígeobill aproxima-se e abraça sua irmã enquanto todos rumavam para a praça e inicia uma conversa saudosa e fraternal.

    Hovor começa a observar a ágil correria dos habitantes daquele vilarejo. Instantes seguintes chegam ao que concluiu ser a praça. Evidentemente deveria se localizar no 24

    centro da vila, um local onde todos deveriam se reunir para os grandes eventos. Muitas plantas silvestres bem cuidadas enfeitavam canteiros zelosamente construídos e que, à sua vez, adornavam a circunferência do local intercalando-se com pequeninos bancos que serviam para que os bills fizessem suas leituras, seus bordados, trocassem ideias, comemorassem o início e o fim das safras. Um grande rochedo esmeradamente lavrado de forma quadrangular com degraus na parte frontal deveria servir de oratório, o que logo se confirmou quando os entusiasmados bills subiam no mesmo para louvar e agradecer a vinda de Hovor ante a população.

    As casas de porte diminuto, à altura dos pequenos bills, se espalhavam ordenadamente ao redor da praça, como se a mesma fosse o marco inicial da vila. Uma grande mata foi reservada do lado oeste o que tornava o ambiente ainda mais gracioso. O

    pavimento era feito com partículas sinuosas de pedras, certamente do mesmo tipo de rocha que o parlatório, justapostas de maneira artesanal e, pelo que pôde observar, assim o era em todo vilarejo, com a diferença de desenho à medida que ingressava pelas ruelas das casas.

    Em pouquíssimo tempo mesas foram postas na praça e cobertas com grossas toalhas com lindos e caprichosos bordados e de um colorido vibrante onde predominava o verde e o vermelho o que fez com que Hovor inconscientemente se reportasse os bons tempos em que comemorava uma data especial em seu Planeta: o Natal.

    Fartos pratos foram debruçados sobre as mesas, vindos de todas as casas mais próximas da praça. Tortas, bolos, pães, sucos diversos, frutas, algumas verduras típicas, um verdadeiro banquete.

    O bill sério e sisudo subiu na rocha e tentando chamar a atenção dos demais dava ordens ao mesmo tempo em que tecia comentários de gratidão pela presença de Hovor.

    - Esse é o líder de vocês? – Indagou Hovor à Billdhara.

    - É. Um entusiasta e um pouco extremista. De bom coração e de grande valor.

    Poucos são os bills que possuem a coragem necessária para nos liderar. Assim é Lirbill.

    Como deve saber, não somos uma raça selvagem ou guerreira como os cominns ou os gnors; somos pacíficos por natureza e constituição. Nossa existência é servir uns aos outros com prazer e alegria. Nosso líder apenas nos serve para coordenar e ajudar a dirimir eventuais questões que possam surgir. Voltamo-nos para o cultivo de nossa própria subsistência. Somos vegetarianos e frutarianos por natureza. Cada um de nós possui sua atividade. Alguns costuram, outros fabricam nossos calçados, outros constroem nossas casas, outros nossa mobília e o Xamã cuida de nossa instrução, nossa espiritualidade e nossa saúde. Seus seguidores são os instrutores indiretos, eles são encarregados de nossa cultura. Píton pessoalmente nos atende mesmo só em situações mais necessárias, mas não é intangível como se fosse um deus; participa de nossa comunidade como todos: tem sua vida, suas necessidades e anelos como todos, a única diferença é que ele tem o dom.

    Diversas mesas foram emendadas umas às outras e dezenas de cadeirinhas foram postas ao redor. Alguns dos bills já ousavam a beliscar uma ou outra guloseima. Logo Hovor foi encaminhado por três ou quatro dos anfitriões para uma das mesas onde existia uma engenhosa cadeira preparada às pressas pelos construtores da vila a fim de que pudesse acomodar o gigante entre eles. Hovor riu-se da estrutura e então se apercebeu: como iria passar às noites num lugar em que as casas sequer podiam lhe receber?

    Olhou ao redor e encontrou Dharbill com sua esposa e filho e, como se encontrava incapacitado de sair de seu local, agora, rodeado por pequenos infantes, fez um gesto para que seu conhecido se aproximasse.

    - Espero que não se sinta incomodado com nossa improvisada cadeira, senhor Hovor, mas Marcibill e seus ajudantes a montaram às pressas para que pudesse sentir-se 25

    um pouco mais confortável em nossa recepção. A última que foi usada não apresentava condições adequadas. Amanhã será construída uma mais confortável.

    - Quanto a isto não há problemas, até parece que os encaixes foram previamente estudados, mas a questão é que não vejo como passar a noite por aqui. Não vou caber em nenhuma dessas casas!

    - Preocupação desnecessária, senhor Hovor. Não lhe dissemos que somos conhecidos por nossa hospitalidade? Bem, de vez em quando recebemos visitantes em nossa aldeia em busca de nossas plantas ou até mesmo de uma consulta com nosso Xamã. Alguns necessitam ficar alguns dias em nossa vila e para tal possuímos uma estrutura que se adapta aos diversos tipos e raças de nosso Planeta. Você verá. Desfrute de nossa humilde refeição.

    Demonstrando incredulidade, Hovor voltou-se ao cativante aroma que partia das mesas e quando ia apreciar umas das iguarias conteve-se ante um portentoso grito de Lirbill que insistia para que Píton subisse à rocha e dissesse algumas palavras antes do antepasto. Todos se acomodaram em seus lugares com muita alegria.

    Píton, um tanto contrariado, subiu ao parlatório acompanhado de um discípulo e, ante o entusiasmado líder dos bills, que fez com que todos guardassem silêncio para ouvir o que o Xamã tinha a dizer naquele momento importante, caminhou solene e despreocupado pela rocha.

    Assim que chegou ao local adequado, Píton, sem alterar sua expressão ou apresentar qualquer tipo de exultação distinta ou que pudesse arrancar comoções dos presentes, apenas disse:

    - Vamos comer logo antes que esfrie!! – E desceu mais rápido do que subiu, deixando estupefato Lirbill e fazendo com que todos explodissem em gargalhadas, contagiando o próprio Hovor, que não tendo outra opção sorriu ante a inusitada palestra balançando a cabeça.

    Durante o desfrute dos saborosos manjares, um ou outro membro da aldeia se aproximava de Hovor e o olhava feliz e detidamente e, pelo que pôde perceber, o cheiravam. Sim. Alguns, mais precisamente as pequeninas fêmeas, pareciam querer sentir o odor de seu corpo. O Caçador estranhou um pouco o fato, mas permanecia tranquilo e começava a demonstrar certa satisfação pelo local. Ali, tecnicamente, ninguém parecia ter problemas ou pendengas uns com os outros. Era um lugar onde todos buscavam ser felizes e o conseguiam ser.

    Hovor estava no canto de uma das mesas postas bem próxima do parlatório.

    Sentou-se ao seu lado o próprio Xamã e à ponta o líder dos bills que parecia um pouco mais contido, apesar de seus olhos estarem a todo o momento buscando organizar ou acertar algo que compreendesse em sua mente não estar de acordo. Os filhos corriam alegres de um lado para o outro pegando um doce aqui, um pãozinho ali, e alardeando o ambiente extenso com suas risadas e gritos de crianças.

    Então Hovor foi mais uma vez surpreendido por uma colocação de Lirbill:

    - Senhor Hovor, o senhor não se desfaz de suas armas nem para sentar-se à mesa?

    Acostumado à convivência de ambientes extremamente hostis e inconstantes, O

    Caçador jamais se afastou de suas armas, sempre prontas a serem usadas numa situação inesperada.

    Hovor olhou-se e apalpou a arma fixa em sua coxa e tomou consciência de que sequer havia se lembrado delas. Não que as teria deixado, mas percebeu que seus instintos não as procuraram desde que chegou à vila.

    Olhou para Píton que apenas sorriu calmamente enquanto continuava a saborear seu prato.

    26

    Hovor nunca havia se preocupado em um dia

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