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Eu gosto mesmo é da contradição da noite
Eu gosto mesmo é da contradição da noite
Eu gosto mesmo é da contradição da noite
E-book227 páginas3 horas

Eu gosto mesmo é da contradição da noite

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Sobre este e-book

SERÁ QUE É ASSIM QUE MINHA VIDA VAI ACABAR? TEM TANTA, TANTA, TANTA COISA QUE EU QUERO FAZER AINDA. POSSO NÃO TER GRANDES SONHOS, MAS SEI QUE QUERO VIVER MUITO, MUITO MAIS.

Emília sente muito. Sente tudo. Sente, principalmente, medo. Ela gosta da noite, da Lua, da Vivi e do Vini — mas não tanto quanto ele gosta dela, é claro. Ela também gosta de escrever tudo o que lhe passa pela cabeça em um quadro-branco em seu quarto. Mas não gosta de falar sobre aquilo que escreve, e menos ainda sobre o que sente. Seus segredos seus sentimentos mais íntimos são apenas dela e de mais ninguém... Principalmente quando o assunto é Daniel.

E então, a noite que sempre lhe foi tão amiga e acolhedora se torna um pesadelo sem fim. Um curto período de algumas horas a faz pensar muito e sentir ainda mais medo. Emília só quer ficar viva. E continuar gostando da noite, da Lua, da Vivi, do Vini... e do Dani. A garota quer ir à praia, beijar alguém que ela ama e aprender a falar sobre seus sentimentos...

Mas a única coisa que Emília pode fazer agora é dirigir. Dirigir por um caminho desconhecido em uma noite sem fim. Dirigir como se sua vida dependesse disso — pois ela, de fato, depende.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento6 de mai. de 2024
ISBN9786555664720
Eu gosto mesmo é da contradição da noite

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    Eu gosto mesmo é da contradição da noite - Fernanda de Castro Lima

    1.

    Todo novo dia começa na Noite e toda Noite morre em si mesma. Preciso viver no dia, mas é a Noite que me encanta. E nem estou falando das estrelas ou da lua, essas coisas que vêm à cabeça de todo mundo quando a gente fala Dela. Óbvio que essas posses da Noite são perfeitas, mas Ela é tão mais… A Noite acalma, inquieta, é som, silêncio, melancolia, euforia, descanso, agitação, companhia, solidão.

    Se você quer saber, prefiro as partes que remetem ao lado mais pálido do breu. A tranquilidade, o escuro, a quietude, o marasmo. Os invejosos diriam tédio, mas só porque não conhecem a liberdade que mora na mansidão.

    E por que esse discurso todo sobre a banalidade de anoitecer todo dia? Só para lembrar você que durante a Noite pode acontecer uma vida. Especialmente se você tem dezenove anos e está na festa de aniversário surpresa de uma das suas melhores amigas (mesmo quando sua vontade real é deitar na cama, assistir a uma boa série e comer um pacote grande de

    M&M

    ’s, sem nem saborear direito).

    Mas, se sua amiga aniversariante anda bem para baixo nos últimos tempos, todo esforço para vê-la melhor vale a pena.

    — Pessoal, pessoal! Todo mundo fica quieto. Acho que é ela. — Vitória sufoca o ímpeto de um grito, e o que sai é um sussurro.

    — Apaga a luz, apaga a luz! — Daniel pede.

    A porta abre e todo mundo grita:

    SURPRESA!

    Lua dá um salto para trás e um berro. É minha tarefa levar o bolo até ela. De repente todas as atenções se voltam para mim e eu odeio esse instante mais do que qualquer outro no universo. Apesar disso, caminho em direção à Luana, cantando parabéns, enquanto ela seca a beirada dos olhos.

    — Não esquece o pedido — eu falo, baixinho.

    Ela sorri e apaga as vinte velas cor-de-rosa, uma a uma, começando pelo lado esquerdo dela — não que isso importe ou vá fazer diferença em algum momento, mas é um detalhe bobo a que presto atenção.

    Sempre espero ansiosa a hora do parabéns (quando não sou eu que tenho de carregar o bolo). Mas nem é por causa da parte doce e gostosa, nada disso. É pelo ritual de apagar as velas. Preciso confessar para você que eu mesma nunca faço isso, evito ao máximo estar nessa posição de destaque — nem que, para isso, tenha de deixar o meu aniversário passar com a chama apagada. Mas, de verdade, acho fascinante o momento em que todo mundo se posiciona ao redor do aniversariante esperando o instante de vê-lo apagar as velas, como se ele ganhasse naquele dia uma força capaz de subjugar a do fogo.

    Gosto tanto disso que já pesquisei como surgiu esse costume. Tudo teria começado na Grécia, como uma homenagem a Ártemis, deusa da caça e da lua. O bolo redondo, coberto de velas, representava o astro em sua forma cheia. E os alemães, séculos depois, teriam inventado a história do pedido, realizado apenas se for mantido em segredo.

    A nossa homenagem à nossa Lua rende um discurso emocionado de agradecimento aos amigos que se reuniram para celebrar com ela. Luana anda bem sensível ultimamente. Foi legal nossa iniciativa de fazer uma surpresa para ela, mas nada que justifique tantas lágrimas assim. Luana fala da importância de ter amigos como Vitória, Daniel e eu, e de quanto não seria nada sem a gente. (Aliás, é bom eu já te contar que moro com Vivi, Lua e Dani. É importante para você começar a entender de fato quão próximos somos.)

    Apesar de preferir estar deitada comendo

    M&M

    ’s, estou feliz porque amo saber que meus amigos também estão felizes — é quase como se a minha alegria estivesse vinculada à deles. Gosto de vê-los sorrir, e é o que estou fazendo quando percebo que Daniel está me encarando. Não desmancho o meu sorriso, mas ele ganha outra intenção. Abaixo a minha cabeça, constrangida, só que, logo em seguida, meu olhar volta a procurar o dele. E o dele, o meu. Olhos nos olhos podem ativar simultaneamente as mesmas áreas do cérebro nas duas pessoas e acho isso incrível. Li uma vez que, quando há uma troca de olhares intensa, ocorre…, ocorre algo chamado contágio da pupila. As pupilas de ambos se contraem e se dilatam, totalmente sincronizadas, dando início a uma quase dança ocular. A sensação é de uma fusão entre os dois seres. Eu arriscaria dizer que é isso o que acontece comigo e com Dani. Estamos sempre buscando apoio um no outro, mesmo que à distância, mesmo em situações que não demandam tanto apoio assim. Quer dizer, hoje as coisas estão bem diferentes de meses atrás, quando o recebi na nossa porta, sem conseguir disfarçar a vergonha por ter reparado no zíper aberto do jeans dele, e na saliência no bolso direito.

    Antes que me julgue, preciso esclarecer algumas coisas a meu respeito:

    1. Não sou tarada.

    2. Sou observadora.

    Mas até hoje sinto um desconforto físico só de lembrar daquela observação. Dani fechou o zíper e, então, tirou uma gaita do bolso. Juro que quis morrer. E minha reação foi começar a tagarelar:

    — Sabia que um norte-americano criou o zíper em mil novecentos e pouquinho? — comentei, piorando tudo.

    — Ah, é?

    — Aham. Mas demorou mais de trinta anos pra virar uma coisa mais prática — eu estava falando mais rápido que o normal. — E ele foi usado primeiro num treco tipo… como chama aquele negócio em que a gente coloca moedas?

    — Porta-moedas?

    — É… Aham…

    — Olha só, que interessante. Mais de cem anos que o zíper existe e eu ainda tenho problema com ele. — Dani fez uma careta.

    — Podia ser pior. Antes do zíper, eram muitos, muitos botões.

    Ele riu.

    Não sou muito de dar esse tipo de fora, mas é que com o Daniel, sei lá… Eu já o conhecia de muitos anos porque nossas mães eram amigas, mas não nos víamos há um tempão. Eu estava muito desconfortável com aquela reaproximação forçada, não foi à toa que desembestei a falar sobre uma porcaria de um zíper. Claro que esse comportamento também pode ser justificado por determinadas características da minha personalidade:

    3. Sou bem tímida, a ponto de ser quase confundida com alguém antissocial quando saio do meu círculo de amizades.

    4. Por algum motivo desconhecido, tenho memória boa para guardar fatos curiosos e fundamentalmente inúteis (o que poderia fazer de mim uma pessoa interessante, se não fosse o item 3 desta lista - e outros ainda por vir)

    5. Faço listas (caso ainda não tenha percebido) e anoto tudo num quadro-branco que tenho pendurado no meu quarto. Ele me ajuda muito também quando preciso elaborar melhor o raciocínio na hora de tomar decisões.

    Ah, e é importante também você saber que…

    6. Eu sou a Emília, mas pode me chamar de Mili. Tenho dezenove anos, sou do

    ABC

    Paulista, mas me mudei para São Paulo para morar com Vitória e Luana e ficarmos perto da faculdade. E, por culpa da minha mãe, também passamos a dividir nossa casa há nove meses com um garoto que não sabe fechar um zíper. Mas que é incrível.

    Enquanto Dani guardava novamente a gaita no bolso, Luana se juntou a mim no portão, e Vitória colocou a cabeça para fora da janela:

    — Você não vai entrar?

    Daniel estava tenso. Dava para ver na expressão dele. O leve arqueamento das sobrancelhas, a boca entreaberta com os cantinhos puxados um pouco para trás, os ombros para dentro e a alternância de apoio do peso nas pernas o denunciaram. Eu não o culpo. À primeira vista as meninas são mesmo assustadoras. Não porque pareçam más, longe disso. Mas porque parecem fodonas. E são.

    Ele entrou carregando uma mala e um violão (ah, e a gaita no bolso). Vivi mostrou para ele o quarto onde iria ficar — e que era dela antes de ele chegar. Ela preferiu dividir o quarto com a Luana porque, aparentemente, sou mais difícil de conviver. A justificativa foi que durmo tarde demais e ela tem medo do meu quadro-branco. Vivi já sonhou que as minhas letras saíam dali e a amordaçavam por dias e dias, impedindo que se expressasse. E culpou especialmente o E, o M, o L e o A, que lhe taparam os olhos e a boca, não sei em que ordem. Confesso que já perdi bastante tempo elaborando algumas pequenas armadilhas para Vitória com o intuito de descobrir se esse sonho aconteceu de verdade ou se ela estava querendo me dizer alguma coisa nas entrelinhas porque…

    7. Minhas amigas acham que tenho opiniões contundentes demais e que tendo a me impor um pouquinho além da conta (acho que o E, o M, o L e o A não surgiram à toa, afinal. E, apesar do meu empenho, a investigação em relação ao sonho da Vitória até o momento é inconclusiva).

    Depois que deixou as coisas dele em seu novo quarto, Dani sentou-se na sala com a gente. Foi difícil para ele se soltar logo de cara. As meninas tentavam a todo custo estabelecer alguma coisa parecida com um diálogo, sem muito sucesso.

    — Você é de São Paulo mesmo? — Vitória perguntou.

    — Sou, mas moro… morava em Orlando.

    — Uau! Deve ser muito legal lá — Lua disse.

    — É, sim.

    — Por isso esse sotaque tão fofo. — Vitória sorriu.

    E a todo momento Daniel olhava para mim, como se pedisse socorro. (Como já contei, nos conhecíamos há bastante tempo, mas o que eu não sabia lá atrás era que ele seria o meu primeiro e, até hoje, único amor.)

    — Quer dizer que você vai ser bixo da Emília? — Vivi brincou. — Pega leve com o cara, hein, Mili!

    Sorri de maneira absolutamente forçada para deixar o mais óbvio possível que era um sorriso amarelo. E, enquanto elas estavam se esforçando horrores para serem simpáticas, Daniel começou a digitar no celular. Fiquei um pouco incomodada porque não queria fazer sala para um garoto que não via há séculos, ainda mais enquanto ele mexia no celular. Continuei apenas ouvindo a conversa nada fluida, mesmo com todo empenho de Vivi.

    — E você gosta de tocar o que nesse violão?

    — De tudo um pouco — ele respondeu, e olhou outra vez para mim.

    — Ah, legal.

    Sorrisos sem graça, respirações profundas e breves e silêncios incômodos. Vitória se levantou, dizendo que ia sair para almoçar com uma colega do trabalho — mais tarde descobriremos que essa amiga é, na verdade, o ex-professor dela, com quem está ficando. Não estou mentindo, é sério! (Ops, item sete [opiniões demais] dando as caras.)

    — Vou fazer o nosso tradicional macarrão de domingo. — Luana aproveitou a deixa para ir à cozinha.

    — E de terça, quinta e sábado — brinquei.

    Lua mostrou a língua e me deixou sozinha com nosso hóspede. Quer dizer, roommate.

    — Não sei nem como te agradecer — ele disse.

    — Magina. Na verdade, nem tem que agradecer nada. Minha mãe adorava a sua. Era o mínimo que ela podia fazer por vocês.

    — A minha também gostava muito da sua. Não parava de falar nela.

    — É… — falei, tentando encerrar aquela conversa.

    Não fico nada confortável quando o assunto é morte. Tenho pânico, horror, pavor de sequer pensar no tema. Mas acredito que uma coisa que eu faço bem e que deixa o Dani feliz é abordar a vida da mãe dele em vez da morte. Perguntar das histórias e tentar lembrar de situações de quando éramos crianças e ainda brincávamos juntos. Mas a verdade é que guardo apenas fragmentos bem pequenos desses momentos, porque ele e a família se mudaram para a Flórida quando Dani era bem novinho.

    A minha mãe é amiga de infância do Paulo — o pai do Dani. Quando o Paulo conheceu a Melanie, uma norte-americana que passava as férias aqui, ele se apaixonou por ela, e logo a apresentou para a minha mãe. Mel se mudou para o Brasil, casou com Paulo, o Dani nasceu e, quando ele tinha sete anos, ela quis voltar aos Estados Unidos. Fomos visitá-los apenas duas vezes — coisa de que minha mãe se arrepende demais. Na última vez que nos vimos, eu tinha doze anos e Daniel, treze.

    Dois motivos levaram o Dani a bater à nossa porta. O primeiro é porque ele não tinha nenhum amigo no Brasil e, em segundo lugar, eles estão quebrados e não têm condições de pagar um aluguel para Dani morar aqui em São Paulo para estudar. A avó do Dani, que foi contra a volta deles para o Brasil, os ajuda financeiramente desde que a filha morreu. Mel era jornalista e sua história foi interrompida durante a pandemia de covid. Muito triste, porque ela pegou a doença justamente por estar cobrindo a pandemia para o jornal em que trabalhava. Tomou o cuidado de ficar em um hotel enquanto estava na linha de frente, para não expor os familiares. O pai do Daniel é músico — aliás, um baita musicista, é o que dizem —, mas está sem dinheiro porque… porque no nosso país, infelizmente, artista é visto como vagabundo-que-não-gosta-de-trabalhar. E a cultura pouco importa para um montão de gente. Só que esse montão de gente se esquece de que a cultura é identidade. E quem somos nós sem nossa identidade, certo? Indigentes. E seremos esquecidos em valas comuns enquanto os vermes nos devoram. Na morte e na vida.

    Um pouco menos desconfortável de estar só na minha presença, Dani perguntou:

    — E você? O que conta da vida?

    — Ah, nada de mais. Estudando muito.

    — Só estudando?

    — Não é suficiente?

    — E o que vocês fazem pra se divertir?

    — Nesse departamento as meninas vão poder te ajudar mais.

    Dani ainda está me observando de canto de olho enquanto Luana abraça todos os convidados da festa. Ele sempre teve esse jeito de olhar, que atravessa a pupila, invade o nosso nervo ótico, acessa o encéfalo e tenta de todas as formas alcançar nossos pensamentos. Mas eu tenho uma notícia para você, Dani, meu amor: minha mente é criptografada. Mesmo assim, evito encará-lo, porque um sentimento ambíguo nascido no coração — veja só o atrevimento — vira e mexe tenta navegar pelo rio vermelho do meu corpo, e faz tudo para ancorar no cérebro e dominar o território. Mas ele é surpreendido por snipers altamente treinados e preparados para adversidades.

    Um copo descartável de origem desconhecida, com cerveja não tão gelada, aparece em minhas mãos e eu me pergunto: qual seria a reação desses soldados sob efeito de álcool? Nunca bebo, mas hoje pode ser o dia em que vou começar. Quer dizer, a Noite. Porque a Noite também é feita de começos.

    2.

    Brindamos à Lua e bebemos. Segurando os copos, nos envolvemos em um abraço coletivo.

    Já participei de dezesseis das vinte comemorações da Luana. A gente virou amiga graças e unicamente a ela — lembre-se do item três (ser tímida teria sido o primeiro ponto que eu destacaria na minha lista de adjetivos, no entanto, achei fundamental elencá-la de outra forma só para deixar bem claro que eu não tinha o menor interesse sexual pelo Daniel.)

    (Ou amoroso.)

    (Naquela época.)

    De volta ao mundo da Lua — desculpe a brincadeirinha boba, mas esse trocadilho é perfeito —, minha mãe nos contou que, na saída da escola, no primeiro dia em que nos vimos na vida, Luana falou para ela que seríamos amigas por todo o infinito e que eu iria

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