Encontre este podcast e muito mais

Podcasts são gratuitos sem a necessidade de assinatura. Também oferecemos e-books, audiolivros e muito mais por apenas $11.99/mês.

"A Cidade e as Serras", Capítulo X, de Eça de Queirós

"A Cidade e as Serras", Capítulo X, de Eça de Queirós

DeAudiolivros em português


"A Cidade e as Serras", Capítulo X, de Eça de Queirós

DeAudiolivros em português

notas:
Duração:
25 minutos
Lançados:
31 de mar. de 2021
Formato:
Episódio de podcast

Descrição

Décimo capítulo, em audiolivro, do romance “A Cidade e as Serras” de Eça de Queirós.
Apoiem-nos no Patreon (https://www.patreon.com/neolivros)
“A Cidade e as Serras” é um desenvolvimento do conto “Civilização”, cuja publicação em livro ocorreu em 1901, já depois da morte do autor. No romance é relatada a história de Jacinto, tendo como narrador José Fernandes, um amigo fraternal. Jacinto nasceu e viveu toda a sua vida num palácio dos Campos Elísios, em Paris. Apesar de rodeado de conhecimento, de tecnologia e de luxo, vive aborrecido e decide regressar a Tormes, na região do Douro.

TRANSCRIÇÃO

Numa dessas manhãs — justamente na véspera do meu regresso a Guiães —, o tempo, que andara pela serra tão alegre, num inalterado riso de luz rutilante, todo vestido de azul e ouro, fazendo poeira pelos caminhos, e alegrando toda a Natureza, desde os pássaros aos regatos, subitamente, com uma daquelas mudanças que tornam o seu temperamento tão semelhante ao do homem, apareceu triste, carrancudo, todo embrulhado no seu manto cinzento, com uma tristeza tão pesada e contagiosa que toda a serra entristeceu. E não houve mais pássaro que cantasse, e os arroios fugiram para debaixo das ervas, com um lento murmúrio de choro.
Quando Jacinto entrou no meu quarto, não resisti à malícia de o aterrar:
— Sudoeste! Gralhas a grasnar por todos esses soutos… Temos muita água, sr. D. Jacinto! Talvez duas semanas de água! E agora é que se vai saber quem é aqui o fino amador da Natureza, com esta chuva pegada, com vendaval, com a serra toda a escorrer!
O meu Príncipe caminhou para a janela com as mãos nas algibeiras:
— Com efeito! Está carregado. Já mandei abrir uma das malas de Paris e tirar um casacão impermeável… Não importa! Fica o arvoredo mais verde. E é bom que eu conheça Tormes nos seus hábitos de Inverno.
Mas como o Melchior lhe afiançara que «a chuvinha só viria para a tarde», Jacinto decidiu ir antes de almoço à Corujeira, onde o Silvério o esperava para decidirem da sorte de uns castanheiros, muito velhos, muito pitorescos, inteiramente interessantes, mas já roídos, e ameaçando desabar. E, confiando nas previsões do Melchior, partimos sem que Jacinto se vestisse à prova de água. Não andáramos porém meio caminho, quando, depois de um arrepio nas árvores, um negrume carregou, e, bruscamente, desabou sobre nós uma grossa chuva oblíqua, vergastada pelo vento, que nos deixou estonteados, agarrando os chapéus, enrodilhados na borrasca. Chamados por uma grande voz, que se esganiçava no vento, avistámos num campo mais alto, à beira de um alpendre, o Silvério, debaixo de um guarda-chuva vermelho, que acenava, nos indicava o trilho mais curto para aquele abrigo. E para lá rompemos, com a chuva a escorrer na cara, patinhando na lama, contorcidos, cambaleantes, atordoados no vendaval, que num instante alagara os campos, inchara os ribeiros, esboroava a terra dos socalcos, lançara num desespero todo o arvoredo, tornara a serra negra, bravamente agreste, hostil, inabitável.
Quando enfim, debaixo do vasto guarda-chuva com que o Silvério nos esperava à beira do campo, corremos para o alpendre, nos refugiámos naquele abrigo inesperado, a escorrer, a arquejar, o meu Príncipe, enxugando a face, enxugando o pescoço, murmurou, desfalecido:
— Apre! que ferocidade!
Parecia espantado daquela brusca, violenta cólera de uma serra tão amável e acolhedora, que em dois meses, inalteradamente, só lhe oferecera doçura e sombra, e suaves céus, e quietas ramagens, e murmúrios discretos de ribeirinhos mansos.
— Santo Deus! Vêm muitas vezes assim, estas borrascas?
Imediatamente o Silvério aterrou o meu Príncipe:
— Isto agora são brincadeiras de Verão, meu senhor! Mas há-de Vossa Excelência ver no Inverno, se Vossa Excelência se aguentar por cá! Então é cada temporal, que até parece que os montes estremecem!
E contou como fora também apanhado, quando ia para a Corujeira. Felizmente, logo de manhã, quando sentiu o ar carrancudo e as folhinhas dos choupos a tremer, se acautelara …
Lançados:
31 de mar. de 2021
Formato:
Episódio de podcast

Títulos nesta série (23)

Audiolivros em português de obras no domínio público. Os primeiros episódios incluem o conto “O Tesouro“ e capítulos de “A Cidade e as Serras”, ambos da autoria de Eça de Queirós.