Famílias edificadas no Senhor
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Famílias edificadas no Senhor - Padre Alexandre Alessio
Deus!
Introdução
Por que a família?
Entre as memórias que guardo com grande gratidão de minha infância, a maior delas é sem dúvida a da família. No meu tempo de criança, fui ensinado que família também dizia respeito aos avós, tios, primos e mesmo parentes distantes.
Lembro-me, com saudade, dos almoços de domingo na casa dos meus avós – o que até hoje se mantém. Lembro-me das festas de aniversário dos primos; das visitas que chegavam de longe e eram acolhidas; das rodas de conversa e histórias; do cheiro do café, do bolo e do pão... Como não sentir saudade dessas coisas, não por si mesmas, mas pelo que representam: carinho, aconchego, referencial... Sustento nos caminhos pela vida afora.
Mesmo em meio às dificuldades que também existiam: as discussões, brigas, crises e desentendimentos, a chegada da enfermidade, a dor da perda das pessoas queridas... Minha família também teve e tem problemas e dificuldades. Gente que vai à Igreja, e gente que não faz isso há muito tempo. Minha família é como qualquer outra família.
Dentro de minha casa me foram transmitidos os valores humanos e a fé – maravilhosos e inestimáveis dons que recebi. Isso não me faltou. Repito, não obstante tantas dificuldades... Mas o tempo foi passando, e as coisas iam também se ajeitando. Resolvidas umas dificuldades, outras, porém, iam chegando, e nunca, um só instante, se deixou de caminhar, de ter fé. Já no seminário, tudo o que eu vivera em casa, em família, me servia de referencial, de motivação, de segurança, e até hoje não existe coisa melhor que este aconchego do lar. Repito, não é uma família perfeita, para ninguém pensar que na vida do padre tudo é bem resolvido, mas é a família que Deus me deu. E o que eu sou vem dali. E por isso sou muito grato!
Em nossos dias a ideia de família resumiu-se muito ao núcleo pai, mãe e filho – quando não, em lugar dos filhos, o cachorro. Nada contra o animal de estimação, mas uma coisa não pode substituir a outra. A impressão que temos é que se enfraqueceu aquela que fora a força de inúmeras gerações e de grandes homens e mulheres da história. Parece que o caminho mais fácil não é seguir o curso da vida familiar, mas, na tentativa de felicidade, a todo custo buscar atalhos, e não mais comprometer-se com um projeto para toda a vida.
Já não se fala mais com tanta frequência que construir um lar é trabalho de artista, que é preciso vocação, que é exigente, que os frutos vão se colhendo no decurso da vida, e que esses frutos não são efêmeros, nem se esvaem com o tempo, mas são duradouros, sólidos, estáveis e oferecem aconchego, segurança e conforto, sobretudo nos momentos mais difíceis. Com a tentativa de justificar a todo custo o que é mal e nocivo para a família e apoiar e incitar aquilo que a enfraquece e corrói, na verdade estão tirando o chão de sob os próprios pés. Como, ao fim de uma vida, olhar para trás e constatar que nos faltou uma família?
Estão, de propósito, investindo na dissolução desta instituição tão humana quanto divina. Por isso urge que falemos sobre ela, que a defendamos, que a promovamos, que a transmitamos às futuras gerações tal e qual nos foi dada do coração de Deus. Hoje mais do que nunca.
***
Este livro, portanto, não pretende ser um manual de teologia da família, de teologia moral ou bíblica, embora esteja embasado fortemente nesses princípios. Nossa intenção é falar de família, das coisas de família, a fim de promovê-la e mostrar que não é algo surreal como muitos têm dito e trabalhado arduamente para introjetar nas futuras gerações. Não podemos deixar que nos roubem a família, grande dom de Deus a nós. Tudo isso nos assegura os ensinamentos da Igreja, que sempre sustentou e sustenta a família como projeto de Deus para nós.
Tentaremos também, não obstante toda fundamentação teológica, usar uma linguagem de fácil compreensão e trazer situações oriundas da prática pastoral de nossos tempos. Não pretendemos ser exaustivos em cada uma das questões tratadas, mas apenas propor reflexões, ajudar a iluminar as consciências e, assim, poder despertá-las para a família quanto a dom e responsabilidade.
Por isso, poderá fazer bom uso deste livro desde um casal de jovens que pretende se casar até casais que já estão casados há vários anos, e até mesmo casais que passam por um momento de crise. O texto servirá para líderes de pastoral familiar, para sacerdotes e religiosos. Enfim, para qualquer pessoa de boa vontade que queira entrar por completo na defesa e na promoção da família.
Trata-se, sem dúvida, de um livro escrito pensando nas famílias católicas; sobretudo quando toca questões relacionadas às práticas de fé, como a participação na Missa aos domingos, a catequese e o cultivo das devoções no lar. Todavia, sabemos bem que a doutrina católica – e o próprio nome já diz – é universal, ou seja, destinada a todo homem e mulher que abre seu coração para acolhê-la.
Para a fé cristã, o modelo original de família, porque também fundamentado na lei natural, é único: homem e mulher, unidos pelo sacramento do matrimônio, numa só carne, darão origem ao lar familiar, fazendo-o florescer em vida com os filhos que Deus lhes conceder. Por isso mesmo, muito do que aqui se falar e propor, sobretudo os exemplos tirados do cotidiano das famílias, diz respeito a todos – católicos ou não.
Em se tratando de defender e promover a família, não deve haver limites ou reservas, ainda que doutrinais ou teológicos, visto se tratar de algo fundamentalmente divino e não meramente humano. Embora a família se realize entre seres humanos, excede nossas competências, de tal modo que devemos nos colocar apenas como receptores e guardiões zelosos deste dom. Na verdade, aí se encontra a felicidade e a vida plena: guardar o que vem de Deus.
Desejo-lhe boa leitura, e que ao final, mesmo que você já ame a família enquanto projeto de Deus, possa amá-la ainda mais e tornar-se seu defensor nestes dias em que ela tanto necessita! Seja um apóstolo da família! E que também, a partir desta leitura, você perceba, ainda mais, que a fé faz toda a diferença.
Deus abençoe sua leitura!
A família agradece!
Uma orientação importante para a leitura
Meu irmão e minha irmã em Cristo Jesus
Pode ser que, dependendo da situação em que você se encontre consigo mesmo ou em relação à sua família, em um ou outro momento da leitura você venha a se sentir incomodado ou mesmo com raiva de algumas palavras aqui escritas e queira interromper a leitura, ou até mesmo deixar este livro de lado.
Acredite: este será um sinal forte de que a Palavra de Deus esteja pedindo entrada na sua vida e, por meio de você, na sua família. Por isso, caso venha a ter um sentimento que possa levá-lo a parar com a leitura, meu conselho para você é este: pare um pouco, respire fundo e pense com honestidade na verdade de tudo, no sentido que as palavras que o incomodaram têm para sua vida.
Logo em seguida, faça uma oração sincera ao Espírito Santo de Deus para que o ajude a compreender essas palavras de modo correto. E saiba: o modo correto é a sua salvação e a da sua família. Depois disso, dê uma chance para essa reflexão e para si mesmo. Prossiga até o fim, sempre com o Espírito Santo ao seu lado, como amigo e companheiro, como luz que ilumina.
Talvez ao fim você não seja mais a mesma pessoa. Talvez as coisas mudem para melhor. Eu acredito que Deus tem o melhor para você e sua família, jamais sem ela. Acredite você também. Tenha fé! Pois a fé faz toda a diferença!
Coragem! Deus está com você!
A fé faz toda a diferença!
Sobre a fé, a carta aos Hebreus nos dá a seguinte definição: A fé é a certeza daquilo que ainda se espera a demonstração de realidades que não se veem
(Hb 11,1). Nos dias de hoje, há quem facilmente busque e peça provas sobre a existência de Deus e ainda mais sobre a necessidade da fé. Já para uma pessoa de fé pode soar muito estranho e, por vezes, até incompreensível o fato de que há pessoas que não creem, que decidiram não acreditar em Deus.
Porém, estes tempos revelam, de um lado, a necessidade de provas que muitos trazem consigo. Alguns grupos cristãos, inclusive, vivem sua fé como se os milagres fossem um fim em si mesmos, ou seja, acabam por tratar Deus como uma espécie de gênio da lâmpada mágica, capaz de realizar todos os desejos. De outro lado, há pessoas que se recusam a crer porque, dizem elas, não encontram provas materiais e objetivas a respeito daquilo que não se vê, do que não passa pelos sentidos.
Trazendo essas constatações para o ambiente familiar, de fato, só poderemos perceber a diferença que faz a fé por meio do que ela realiza nessas pessoas de fé. Em outras palavras, a fé como realidade em si mesma independe do que fazem ou vivem as pessoas de fé, mas o que elas fazem ou vivem pode determinar a respeito da diferença que faz ter fé. Vamos procurar exemplificar o que dissemos até aqui.
Nós, padres, temos a oportunidade de lidar muito de perto com as diversas etapas na história das famílias: celebrações de matrimônio, o nascimento e o batizado dos filhos, o acompanhamento na catequese e nos demais sacramentos da iniciação, aconselhamentos e confissões, momentos de enfermidade e momentos de dor, como a perda dos entes queridos. Resumindo, podemos tocar tanto momentos de alegria quanto momentos de profunda dor.
De modo especial, os chamados momentos de dor nos mostram, de uma forma muito clara, a diferença que faz a fé. É algo muito complicado, por exemplo, ir à beira da cama de um enfermo que, embora tivesse o nome de católico, não vivera a sua fé durante a vida. Pior ainda quando participamos de um funeral de um integrante de uma família que claramente se vê não ter fé, embora se diga católica.
Os comportamentos são os mais adversos possíveis: desde doentes que fecham o coração e blasfemam abertamente até funerais realizados aos gritos, em meio a atitudes desesperadas, como se pairasse um profundo remorso em relação ao falecido. Há casos em que as pessoas estão ali como se nada estivesse acontecendo – bebendo, contando casos, dando altas gargalhadas –, comportamento impróprio para um funeral.
Ao visitar um enfermo à beira da morte, percebemos alguns arranjos entre os parentes e até mesmo desentendimentos por causa de herança. Não nos cabe o julgamento, mas também não podemos ignorar a constatação de algo um tanto quanto alheio à vida de fé de que tanto a Igreja, na sua sabedoria, nos fala pela Palavra de Deus.
Por outro lado, já visitei também inúmeros enfermos em situações bastante dolorosas, um verdadeiro sofrimento, e que ainda encontravam palavras para agradecer a Deus por tudo. Humanamente falando, seria uma contradição. Geralmente, em torno a estes enfermos, não é difícil encontrar pessoas que, embora também transpareçam o sofrimento, trazem o semblante sereno, confiante em algo que vai além da própria situação. E mesmo em velórios, onde se chora, se reza, se canta. Nota-se visivelmente a dor que a morte pode causar, mas também se percebe nitidamente que há algo a mais que dá forças e sustento aos enlutados. Nessas horas também podemos ver irmãos consolando-se e confortando-se diante da perda iminente do pai ou da mãe.
Em momentos como esses podemos ver claramente a diferença que faz a fé na família. A fé não isenta de sofrimentos, mas é capaz de dar sentido à vida mesmo nos momentos dolorosos e dramáticos da nossa existência, como é o caso da enfermidade e da morte.
Poderia, sem dúvida, citar outros momentos dramáticos da vida familiar, como o desemprego, a traição de um cônjuge, um filho no vício das drogas. Nos momentos de paz, saúde e prosperidade, muitas famílias testemunham a fidelidade a Deus ou são capazes de renegar a fé, deixando Deus para último plano.
A vida fala. E é através dos acontecimentos que vão costurando a nossa história que podemos perceber a diferença que faz a fé. Uma família de fé vive problemas e dificuldades como outra família qualquer. Ter fé não é sinônimo de ter vida fácil. Uma família cristã, além de todos os privilégios oriundos da vivência da fé, vive como qualquer outra família deste mundo e pode passar por diversas situações, como problemas de relacionamento, dificuldades econômicas, desafios profissionais, crises na vida familiar e conjugal, insucessos, turbulências, enfermidades, falecimento. Se a sua família é assim, bem-vindo à Terra! Bem-vindo à vida neste mundo! Você não está fora do lugar. Você está vivo. Dê glória a Deus por isso!
Se mesmo assim você ainda não se achar merecedor de tantas lutas e dificuldades na vida familiar, sobretudo na vida conjugal, há um versículo bíblico que resolverá todos os seus problemas em relação a isso. Ele é infalível para resolver principalmente os problemas conjugais: Penso que, em razão das angústias presentes, é vantajoso não se casar, é bom para o homem ficar assim, sem se casar
(1Cor 7,26). Se casar, prepare-se para enfrentar, um a um, os desafios e dificuldades próprios deste estado – como qualquer outro da vida humana. Ser padre também é desafiador. Portanto, para tudo nesta vida é preciso ter coragem. Se desejar viver em família, não há outro modo de viver senão abraçando tudo, inclusive as provas do dia a dia.
Guarde bem isto com você: uma família que não tem fé vive do jeito que acha que deve viver. Uma família que tem fé vive de acordo com a Palavra de Deus. A diferença começa a mostrar-se aí. Para uma família de fé as regras são outras, o estilo de vida é outro, as decisões são outras, logicamente as consequências serão outras. E jamais se ouviu de alguém que se propusesse a viver autenticamente a Palavra de Deus em família que, ao fim, fosse infeliz ou derrotado. Não, ao contrário, incontáveis testemunhos ao longo da história mostram que não há ambiente mais saudável, inclusive para formação das futuras gerações, que um lar autenticamente cristão. Basta se debruçar na história dos santos.
Perceba ainda, olhando para seu dia a dia, dentro e fora de casa. Uma pessoa que não tem fé pode facilmente dar sinais de desespero e acabar contaminando os que estão a sua volta. Já aquele que tem fé e a vive de modo autêntico é capaz de tranquilizar, confortar, consolar, apaziguar, reconciliar, pois leva consigo a paz. Tenho certeza de que, se parar para olhar ao seu redor, poderá encontrar vários outros testemunhos a esse respeito.
E a mesma Palavra de Deus dará a cartada final a respeito da fé: Sem a fé é impossível agradar a Deus
(Hb 11,6). Portanto, ter fé não se trata apenas de palavras ou ideias, e muito menos títulos e rótulos. Em outras palavras, apenas dizer-se católico não é garantia de verdadeiramente ser uma pessoa de fé. Há pessoas que se dizem católicas, mas vivem conforme as próprias convicções, muitas vezes frontalmente contrárias à verdadeira fé. A fé para ser autêntica precisa se traduzir na vida de modo que o testemunho confirme aquilo em que se crê. Resumindo: a fé mostra-se na vida, no dia a dia.
Características da família de fé
Sem dúvida nenhuma, muitas são as características de uma família que vive a fé. Porém, a capacidade que a fé tem de penetrar as realidades e o fato de as realidades poderem ser transformadas a partir disto apontam para determinadas características que se destacam em relação a outras. Gostaria de elencar aqui apenas três das que considero muito pertinentes para as famílias dos nossos tempos.
1. A família de fé rompe com a visão mundana
É importante deixar claro que visão mundana é tudo aquilo que está em total desacordo com os valores do Reino de Deus, é tudo aquilo que se contrapõe com veemência àquilo que Nosso Senhor revelou através de Sua vida, palavras e obras aos discípulos e ao que eles transmitiram sob a inspiração do Espírito Santo.
Quando falamos de visão, queremos expressar um modo de enxergar a vida e, a partir disso, delinear as próprias decisões e o próprio comportamento. Nesse caso, a visão mundana está em desacordo com o Evangelho da Salvação. O Evangelho é que proporciona a visão cristã da vida. Uma e outra visão, mundana ou cristã, trarão as consequências pertinentes ao modo pelo qual se escolhe enxergar a vida.
Em se tratando da família, diversos poderiam ser