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O Segundo Cu
O Segundo Cu
O Segundo Cu
E-book89 páginas1 hora

O Segundo Cu

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Sobre este e-book

Todos somos feitos de buracos. O segundo cu é um livro de 30 contos. Em cada texto, um buraco é explorado: uma casca de ferida é arrancada para dar acesso ao dedo. Será que você vai deixar o dedo encontrar o osso?
IdiomaPortuguês
Data de lançamento10 de nov. de 2021
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    O Segundo Cu - Natália Nodari

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    O SEGUNDO CU

    Natália Nodari

    A PARTE LÍQUIDA

    O bolo mofado

    Jogo do biscoito

    Marina

    Jiboia Africana

    Aurélia

    Via Láctea

    Doutores da Alegria

    Dança da piroca

    Relacionamento aberto

    Golfinho

    A PARTE MOLE

    Filhote

    Jorge

    João Ricardo

    A invenção do homem

    Trenzinho

    O irresistível Peixe-moça

    Velhas invisíveis

    Sonhos privados

    Madagascar

    Acne cística

    A PARTE DURA

    Poder real

    Vanish Poder O2

    Portugueses

    Vaca profana

    Galinhas de estimação

    Vegetariano

    Maria

    Um amor atrás do seu tempo

    Flor de porra

    Pai do ano

    A PARTE LÍQUIDA

    O bolo mofado

    Pedi um amor e ele me deu um bolo mofado. Eu pedi amor, disse.

    - Isso é amor.

    - Mas não vai me fazer mal?

    - Talvez.

    Olhei de novo e percebi uma larvinha de mosca saindo da cobertura.

    - Vai querer ou não? – Ele olhava a larva também.

    - Não sei. – A larvinha agora afundava cada vez mais no bolo.

    - Eu não vou ficar parado o dia todo aqui, sabe.

    Lembrei que não sabia cozinhar e levei o bolo para casa.

    Primeiro tentei tirar tudo que se movia na cobertura, mas era impossível . Me contentei em raspar o mofo, fechar os olhos e engolir uma garfada.

    Vomitei.

    Dormi com o estômago roncando e acordei com dor de barriga dos infernos. Não saí de casa nos próximos três dias: sem amor, não tinha vontade de tomar banho, nem de escovar os cabelos.

    Não queria olhar o céu e nem os olhos das pessoas. No quinto dia sem amor, não quis abrir as pálpebras, muito menos as janelas da casa.

    Prestes a perder as forças, olhei para a mesa e resolvi tentar de novo. O estômago reclamou, mas não devolveu. O intestino resolveu não opinar. Fui dormir indigesta e, ao mesmo tempo, aliviada. Pela manhã, as maquiagens do banheiro voltaram a fazer sentido. As roupas no chão pediram para serem penduradas.

    A maçaneta da porta pedia para ser girada, e eu obedeci.

    A cada passo, sentia o estômago revirar, mas também sentia que estava viva. Segui na rua disfarçando uns arrotos enquanto olhava as vitrines.

    À noite, resolvi encarar o bolo de novo.

    Ele não pareceu tão ruim quanto no dia anterior. Na verdade, olhando de lado, nem dava para ver a parte feia. Segui comendo o bolo, segui com o estômago revirado e, o mais importante, segui com vontade de entrar no ônibus e pagar minhas contas.

    Até que o bolo acabou.

    Preocupada, fui até ele pedir mais amor. O bolo que ele me entregou estava coberto de moscas.

    - Está fedendo demais. – comentei.

    - É o que eu tenho.

    Não consegui colocar sobre a mesa da sala, já que atraía mais moscas. Botei dentro do forno e cortei uma fatia: o cheiro era insuportável. Tampei o nariz, aproximei o garfo da boca, tentando não mastigar as moscas mortas. Sabendo que não poderia ficar sem amor e nem me livrar de todos os insetos, engoli. O estômago não roncou nem a garganta contraiu: já estavam habituados.

    Quando o amor acabou, ele me entregou um prato fundo.

    - Mas isso é vômito!

    - Eu chamo de amor.

    Entendi que era bolo vomitado e resolvi guardar na geladeira. No dia seguinte provei uma colherada antes de ir trabalhar, e, para a minha surpresa, eu já não sentia mais gosto de nada. Tomei outra

    colherada à noite, pra garantir que iria ter vontade de tomar banho e sair com meus amigos.

    No dia seguinte, tive um pouco de febre, mas segui dando umas colheradas.

    Dois dias depois, a cabeça doeu.

    A febre voltou.

    A garganta inchou.

    Sem conseguir engolir o amor, fechei as cortinas e esperei a morte bater. Quando ouvi o som da campainha, suspirei aliviada.

    Mas não era ela.

    Não era alguém que eu conhecesse. Tinha cabelos encaracolados e trazia um prato com uma espécie de massa branca. Leve, limpa: tinha cheiro de primavera.

    - Isso não é amor. - Eu disse.

    - É amor, sim. - Parecia surpreso.

    - Não, não é. - Eu ri.

    Os olhos dele encheram de lágrimas. Antes que eu pudesse mudar de ideia, levou a torta de creme embora.

    Talvez eu deva aprender a cozinhar sozinha.

    Jogo do biscoito

    – A gente pega uma dessas bolachas aí e coloca na mesa. Tem que gozar em cima dela. Entenderam? O último que gozar come.

    – Trakinas sabor porra!

    – Recheio especial. E aí, topam?

    O Marcos sempre tinha essas ideias de merda, sempre mesmo.

    Quando eu tinha cinco anos, ele me convenceu a colocar o pau naquele buraco que suga a água da piscina. Velho, que dor mais fodida. Eu devo ser o único cara do mundo que foi circuncidado por ter machucado o peru no sugador. Tá certo que ter escondido o machucado da minha mãe durante uma semana contribuiu pra isso, mas essa é outra história. Só sei que eu olhei pros caras e, quando vi, todos já estavam em volta da mesa berrando para eu pegar a bolacha. Tirei uma Trakinas do pacote e botei na mesa. O

    Marcos abriu ela ao meio daquele jeito que a gente faz quando é criança e quer comer o recheio antes.

    – Vamos criar uma multa pra quem perder.

    – Como assim?

    – Uma multa, velho. Pro cara não desistir de papar Então o Marcos sugeriu que o perdedor desse a bunda para o grupo e

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