O Segundo Cu
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O Segundo Cu - Natália Nodari
O SEGUNDO CU
Natália Nodari
A PARTE LÍQUIDA
O bolo mofado
Jogo do biscoito
Marina
Jiboia Africana
Aurélia
Via Láctea
Doutores da Alegria
Dança da piroca
Relacionamento aberto
Golfinho
A PARTE MOLE
Filhote
Jorge
João Ricardo
A invenção do homem
Trenzinho
O irresistível Peixe-moça
Velhas invisíveis
Sonhos privados
Madagascar
Acne cística
A PARTE DURA
Poder real
Vanish Poder O2
Portugueses
Vaca profana
Galinhas de estimação
Vegetariano
Maria
Um amor atrás do seu tempo
Flor de porra
Pai do ano
A PARTE LÍQUIDA
O bolo mofado
Pedi um amor e ele me deu um bolo mofado. Eu pedi amor
, disse.
- Isso é amor.
- Mas não vai me fazer mal?
- Talvez.
Olhei de novo e percebi uma larvinha de mosca saindo da cobertura.
- Vai querer ou não? – Ele olhava a larva também.
- Não sei. – A larvinha agora afundava cada vez mais no bolo.
- Eu não vou ficar parado o dia todo aqui, sabe.
Lembrei que não sabia cozinhar e levei o bolo para casa.
Primeiro tentei tirar tudo que se movia na cobertura, mas era impossível . Me contentei em raspar o mofo, fechar os olhos e engolir uma garfada.
Vomitei.
Dormi com o estômago roncando e acordei com dor de barriga dos infernos. Não saí de casa nos próximos três dias: sem amor, não tinha vontade de tomar banho, nem de escovar os cabelos.
Não queria olhar o céu e nem os olhos das pessoas. No quinto dia sem amor, não quis abrir as pálpebras, muito menos as janelas da casa.
Prestes a perder as forças, olhei para a mesa e resolvi tentar de novo. O estômago reclamou, mas não devolveu. O intestino resolveu não opinar. Fui dormir indigesta e, ao mesmo tempo, aliviada. Pela manhã, as maquiagens do banheiro voltaram a fazer sentido. As roupas no chão pediram para serem penduradas.
A maçaneta da porta pedia para ser girada, e eu obedeci.
A cada passo, sentia o estômago revirar, mas também sentia que estava viva. Segui na rua disfarçando uns arrotos enquanto olhava as vitrines.
À noite, resolvi encarar o bolo de novo.
Ele não pareceu tão ruim quanto no dia anterior. Na verdade, olhando de lado, nem dava para ver a parte feia. Segui comendo o bolo, segui com o estômago revirado e, o mais importante, segui com vontade de entrar no ônibus e pagar minhas contas.
Até que o bolo acabou.
Preocupada, fui até ele pedir mais amor. O bolo que ele me entregou estava coberto de moscas.
- Está fedendo demais. – comentei.
- É o que eu tenho.
Não consegui colocar sobre a mesa da sala, já que atraía mais moscas. Botei dentro do forno e cortei uma fatia: o cheiro era insuportável. Tampei o nariz, aproximei o garfo da boca, tentando não mastigar as moscas mortas. Sabendo que não poderia ficar sem amor e nem me livrar de todos os insetos, engoli. O estômago não roncou nem a garganta contraiu: já estavam habituados.
Quando o amor acabou, ele me entregou um prato fundo.
- Mas isso é vômito!
- Eu chamo de amor.
Entendi que era bolo vomitado e resolvi guardar na geladeira. No dia seguinte provei uma colherada antes de ir trabalhar, e, para a minha surpresa, eu já não sentia mais gosto de nada. Tomei outra
colherada à noite, pra garantir que iria ter vontade de tomar banho e sair com meus amigos.
No dia seguinte, tive um pouco de febre, mas segui dando umas colheradas.
Dois dias depois, a cabeça doeu.
A febre voltou.
A garganta inchou.
Sem conseguir engolir o amor, fechei as cortinas e esperei a morte bater. Quando ouvi o som da campainha, suspirei aliviada.
Mas não era ela.
Não era alguém que eu conhecesse. Tinha cabelos encaracolados e trazia um prato com uma espécie de massa branca. Leve, limpa: tinha cheiro de primavera.
- Isso não é amor. - Eu disse.
- É amor, sim. - Parecia surpreso.
- Não, não é. - Eu ri.
Os olhos dele encheram de lágrimas. Antes que eu pudesse mudar de ideia, levou a torta de creme embora.
Talvez eu deva aprender a cozinhar sozinha.
Jogo do biscoito
– A gente pega uma dessas bolachas aí e coloca na mesa. Tem que gozar em cima dela. Entenderam? O último que gozar come.
– Trakinas sabor porra!
– Recheio especial. E aí, topam?
O Marcos sempre tinha essas ideias de merda, sempre mesmo.
Quando eu tinha cinco anos, ele me convenceu a colocar o pau naquele buraco que suga a água da piscina. Velho, que dor mais fodida. Eu devo ser o único cara do mundo que foi circuncidado por ter machucado o peru no sugador. Tá certo que ter escondido o machucado da minha mãe durante uma semana contribuiu pra isso, mas essa é outra história. Só sei que eu olhei pros caras e, quando vi, todos já estavam em volta da mesa berrando para eu pegar a bolacha. Tirei uma Trakinas do pacote e botei na mesa. O
Marcos abriu ela ao meio daquele jeito que a gente faz quando é criança e quer comer o recheio antes.
– Vamos criar uma multa pra quem perder.
– Como assim?
– Uma multa, velho. Pro cara não desistir de papar Então o Marcos sugeriu que o perdedor desse a bunda para o grupo e