Aquele que fala contigo
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Aquele que fala contigo - Rogerinha Moreira
Introdução
É o momento de se perguntar: "Será que consigo
vê-Lo?,
Será que O tenho escutado?"
Aquele que fala contigo é um itinerário para um aprendizado de escuta da voz de Deus presente em nossa vida. O livro mostra as várias formas que Deus utiliza para se comunicar conosco em nosso cotidiano. Escutar a voz de Deus é uma ferramenta muito importante para nossa direção espiritual e em nosso processo de amadurecimento. Não quero, aqui, ensinar princípios e teorias, mas sim experiências próprias, resultantes de uma caminhada com Deus.
A inspiração deste livro nasceu de um estudo bíblico realizado a partir do retiro popular de Dom Alberto Taveira. Este estudo me levou a perceber que, ao longo da minha caminhada, Deus foi curando minha cegueira espiritual e me mostrando que Ele sempre falou comigo, de uma forma ou de outra.
A experiência da cura do cego e o seu encontro pessoal com Jesus – o que ocasionou a sua conversão e mudança de vida – narrados no evangelho de São João, repercutiram de forma diferente em meu íntimo, naquela manhã de oração. Meditando esta palavra, percebi o quanto Deus agiu em minha vida e na vida de muitas pessoas.
Não quero, de forma alguma, levá-lo a acreditar que fui privilegiada em ouvir Deus falando comigo em alguns momentos; ao contrário, quero lhe mostrar que talvez Deus tenha falado com você muitas vezes, mas infelizmente você não percebeu que se tratava da Sua voz.
Este livro, na verdade, pretende nos levar a ter a consciência de que Deus está vivo no meio de nós, em todos os nossos dias, como Ele mesmo nos prometeu. Deus não nos abandona. Ele se revela nos acontecimentos da nossa vida, nas pessoas, nas tribulações, nas enfermidades e nos momentos de grande sofrimento.
Deus não se cala – e nunca se calou –, Ele apenas se expressa conosco de forma diferente. Porém, ainda vivemos uma cegueira muito grande e, pior ainda, uma surdez espiritual, que não nos permitem vê-Lo, percebê-Lo e ouvi-Lo.
Ao ler as Sagradas Escrituras, me deparei com o fato de que Jesus não apenas curou muitos cegos, mas também surdos-mudos e coxos. Talvez este seja o grande diagnóstico espiritual do nosso povo: somos surdos-mudos, cegos e coxos. Todos nós temos muita dificuldade de perceber Deus falando conosco. É o momento de se perguntar: Será que consigo vê-Lo?
, Será que O tenho escutado?
, Tenho conseguido me expressar e falar com Deus?
, Tenho dado passos em sua direção?
.
Nosso encontro pessoal com Jesus é um marco em nossa vida, porém não deve ser o único momento em que percebemos que Ele está falando conosco. Não podemos parar por aí, outros encontros acontecerão, nos quais Jesus realizará muito mais em cada um de nós. Deus continuará a nos falar pelo resto de nossa vida. Ele não se cansa de se aproximar de nós e de vir ao nosso encontro.
Mergulhe na leitura deste livro e peça a graça da cura de sua cegueira. Que, ao final, você esteja bem mais aberto a ouvir a voz de Deus, pois, ao ouvi-Lo, você crescerá em sua caminhada de fé. Ao perceber que Ele fala com você, terá um desejo maior de ouvi-Lo cada vez mais, de aprofundar e afinar sua escuta.
Descobrir o sentido do sofrimento que me cega
O homem que faz milagres se torna devedor a Deus, mas no sofrimento Deus se torna devedor ao homem
(São João Crisóstomo)
Já partilhei que a inspiração deste livro nasceu de um estudo bíblico, e é justamente com ele que vamos inaugurar esta escola de escuta de Deus.
Trago aqui a narração do Evangelho de São João:
Jesus ia passando, quando viu um cego de nascença. Os seus discípulos lhe perguntaram: Rabi, quem pecou para que ele nascesse cego, ele ou seus pais?
Jesus respondeu: Nem ele, nem seus pais pecaram, mas é uma ocasião para que se manifestem nele as obras de Deus. É preciso que façamos as obras daquele que me enviou, enquanto é dia. Vem a noite, quando ninguém poderá trabalhar. Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo
. Dito isso, cuspiu no chão, fez lama com saliva e aplicou-a nos olhos do cego. Disse-lhe então: Vai lavar-te na piscina de Siloé
(que quer dizer: Enviado). O cego foi, lavou-se e voltou enxergando (Jo 9,1-7).
Aquele cego havia passado anos sem enxergar. Estava ali abandonado, sem vida nem esperança. Desde que nascera, não havia visto a luz do dia. A cegueira ou outra enfermidade qualquer, naquela época, era considerada um pecado, uma maldição ou coisa semelhante.
Jesus, no entanto, enxergava a enfermidade de outra forma: como uma ocasião para que se manifestassem as obras de Deus. Primeiramente, Ele tira todo o peso de pecado e de maldição que estavam sobre a vida daquele cego. Jesus nos mostra o outro sentido da doença e do sofrimento. Ele nos leva a ver a enfermidade, o sofrimento, como porta para a manifestação poderosa de Deus.
Jesus nos traz a graça de percebermos que até mesmo a enfermidade e a tribulação trazem uma graça, um sinal de Deus, uma visita. É difícil para nós entendermos isso. Como uma pessoa que nasceu com uma deficiência física pode trazer em si uma graça, um sinal de Deus? Em um tempo em que as pessoas correm para obter curas e milagres, como aceitar que a enfermidade pode trazer uma bênção?
Infelizmente, a visão de uma pessoa enferma é embaçada pela dor. A enfermidade cega e nos leva a crer que Deus não é amor e que não merecíamos sofrer.
É preciso abrir os olhos e o coração para podermos perceber que existe uma bênção no sofrimento e na enfermidade, e que ainda não se manifestou em nós a obra que Ele deseja realizar. Todo sofrimento tem um sentido à luz do Senhor.
A Carta Apostólica de São João Paulo II Salvifici Doloris, que fala do sentido cristão do sofrimento humano, nos indica que este deve servir à conversão:
O sofrimento deve servir à conversão, isto é, à reconstrução do bem no sujeito, que pode reconhecer a misericórdia divina neste chamamento à penitência. A penitência tem como finalidade superar o mal que, sob diversas formas, se encontra latente no homem, e consolidar o bem, tanto no mesmo homem, como nas relações com os outros e, sobretudo, com Deus.¹
Se o sofrimento e a tribulação nos advêm, é necessário olhá-los com misericórdia e deixar a mão do oleiro trabalhar em nós. Devemos oferecê-los a Cristo como Ele fez por nós.
Por muitas vezes, a mão do oleiro foi providencial em nossa vida. Mudou-nos profundamente, deu-nos nova visão. Ela agiu na hora e da forma correta, porém não conseguimos enxergar tudo o que Deus estava realizando.
Será que não posso agir convosco, casa de Israel, da forma como fez esse oleiro? – Oráculo do Senhor. Pois como barro na mão do oleiro, assim estais vós em minha mão, casa de Israel
(Jr 18,6).
Deus não pode agir em nossa vida como bem entende? Não confiamos Nele? Não acreditamos que Ele quer o nosso bem? Por que não se entregar totalmente em Suas mãos? Será que a mão do oleiro não está agindo sobre sua vida neste momento? De início, pode ser que você veja dor e sofrimento, mas não faz ideia da obra que Deus está completando em sua vida.
A carta de São Paulo aos Romanos nos atesta: Eu penso que os sofrimentos do tempo presente não têm proporção com a glória que há de ser revelada em nós
(Rm 8,18).
Nesta concepção, sofrer significa tornar-se particularmente receptivo, particularmente aberto à ação das forças salvíficas de Deus, oferecidas em Cristo à humanidade. Nele, Deus confirmou que quer operar de um modo especial por meio do sofrimento, que é a fraqueza e o despojamento do homem; e ainda, que é precisamente nesta fraqueza e neste despojamento que Ele quer manifestar o seu poder.²
Não tenhamos dúvidas de que o sofrimento significa Deus falando conosco. Por ele podemos sentir Deus agindo e manifestando Seu poder em nós. Deus, com Sua mão de oleiro, está, de alguma maneira, nos moldando e nos dando a forma que Ele deseja. Deus nos fala na dor.
François Van Thuan era um arcebispo católico que, por volta do ano de 1976, foi preso e passou nove anos no cárcere. Lá ele escreveu: Olhe para a Cruz e encontrará a solução para todos os problemas que o atormentam
.³
Em seus anos de prisão, ele não perdeu sua fé. Chegava a celebrar a Eucaristia às escondidas, com apenas algumas gotas de vinho sobre a palma da mão. Na prisão era proibido falar do Evangelho, porém sua vida era o testemunho de alguém que vivia a Boa Nova.
A vida de François Van Thuan em seu tempo na prisão e seu testemunho de fidelidade a Deus preenchem os corações de esperança. É célebre um de seus escritos, chamado Testemunhas da esperança.
No seu testemunho percebemos alguém que passou por inúmeros sofrimentos, sem nunca desviar seu olhar de Deus; ao contrário, a cada dia na prisão, a mão do oleiro foi formando nele um grande homem. Seu testemunho e suas palavras são de um homem provado na dor que exala o perfume de Cristo. Deus tinha um propósito para Van Thuan naquela prisão. Deus o escolhera para uma missão.
Quando o Senhor concede a alguém a graça de sofrer, faz-lhe um bem maior do que se lhe desse o poder de ressuscitar os mortos. Isto porque o homem que faz milagres se torna devedor a Deus, mas no sofrimento Deus se torna devedor ao homem
(São João Crisóstomo)⁴.
Havia um sentido também para aquele homem cego. Deus tinha um propósito. Deus sabia o momento. Aquela enfermidade foi a porta para uma cura muito maior, com a qual jamais aquele cego havia sonhado. Ele enxergaria muito mais. Ele veria o que muitos, mesmo não sendo cegos, não enxergavam. O sofrimento trouxe um sentido novo para sua vida.
Quantos já experimentaram Deus de forma maravilhosa em um momento de dor. O sofrimento foi uma grande porta para ouvir Deus em sua vida. Deus já falou com você na dor?
A cura do cego
Dito isso, cuspiu no chão, fez lama com saliva e aplicou-lhe nos olhos do cego. Disse-lhe então: ‘Vai, lava-te na piscina de Siloé’ (que quer dizer: Enviado). O cego foi, lavou-se e voltou enxergando (Jo 9,6-7).
Em um encontro extraordinário, Jesus curou aquele homem que não enxergava. A cura física aconteceu. Note que aquele cego, no primeiro instante, foi curado pelo Senhor. Entretanto, vamos perceber que a sua cura não havia acontecido por inteiro, havia uma cegueira muito maior presente na vida daquele homem. Era necessário um novo encontro com o Senhor para que ele descobrisse Aquele que lhe falava.
Ele voltou a enxergar, mas ainda não conhecia Jesus, porque a cura maior estava por acontecer. O seu encontro com Jesus e o reconhecimento Daquele que falava com ele ainda não haviam acontecido.
O cego sabia que havia sido curado fisicamente. Sabia que algo extraordinário tinha acontecido, que alguém muito especial havia passado em sua vida, mas não sabia quem era. Ele não conhecia o autor da cura.
Ainda lhe faltava descobrir o autor do grande amor que o havia curado. Jesus sabia disso e esperava o momento de curar