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Raízes Britânicas da Psicanálise: Stuart Mill, Hughlings Jackson e a Metodologia Freudiana
Raízes Britânicas da Psicanálise: Stuart Mill, Hughlings Jackson e a Metodologia Freudiana
Raízes Britânicas da Psicanálise: Stuart Mill, Hughlings Jackson e a Metodologia Freudiana
E-book433 páginas5 horas

Raízes Britânicas da Psicanálise: Stuart Mill, Hughlings Jackson e a Metodologia Freudiana

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Sobre este e-book

A opinião predominante entre os estudos sobre os fundamentos da psicanálise é a de que suas origens encontram-se em solo alemão, como nas filosofias de Schopenhauer e de Nietzsche, além do romantismo de Goethe e outros. O próprio Freud oferece indicações a esse respeito em algumas de suas obras, de modo que a psicanálise parece mesmo ter sido em boa parte erigida a partir de uma tradição germânica. Há, porém, na obra inicial de Freud, referências importantes a autores ingleses, como ao filósofo John Stuart Mill e ao neurologista John Hughlings Jackson. A análise do contexto conceitual em que essas referências são empregadas e o estudo comparativo de alguns dos textos desses autores revelam que certas prescrições metodológicas e hipóteses científicas de origem britânica teriam sido apropriadas por Freud e entrado na constituição da psicanálise, encontrando-se presentes nos fundamentos de sua obra madura. A explicitação das raízes britânicas da psicanálise auxilia-nos assim a melhor compreender seu estatuto como disciplina cientíca nova, mas sobretudo apresenta-a como uma herdeira não apenas da Au lärung e do Romantismo, mas igualmente da tradição de pensamento científico-naturalista.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento25 de jun. de 2019
ISBN9788546216260
Raízes Britânicas da Psicanálise: Stuart Mill, Hughlings Jackson e a Metodologia Freudiana

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    Raízes Britânicas da Psicanálise - Helio Honda

    1882.

    INTRODUÇÃO

    No prefácio à sua coletânea de ensaios dedicada à investigação das origens da psicanálise, Aufbruch nach inner Afrika [Partida para a África interior],²⁶ Bernd Nitzschke mostra como expressões e imagens oriundas da literatura de cabeceira do jovem Freud reaparecem de forma metafórica em suas elaborações posteriores, encontrando-se presentes em descrições de problemas chave da teoria edificada na maturidade. Trata-se dos relatos de viajantes pelo interior da África, desbravadores que ambicionavam entre outras coisas alcançar a nascente do rio Nilo. Seriam oriundas dessa literatura do século dezenove certas metáforas utilizadas por Freud em suas reflexões clínicas iniciais para descrever, por exemplo, o que acreditou ser a descoberta do mecanismo psíquico presente na gênese da histeria – "[...] uma cabeceira do Nilo²⁷ –; ou a opinião mais tardia acerca da sexualidade feminina – [...] um continente escuro para a psicologia".²⁸

    De certa forma inspirados em Nitzschke, buscamos neste livro averiguar o alcance de certas opiniões presentes nas correspondências de Freud, como as constantes dos textos em epígrafe. Elas sugerem um forte interesse por parte do jovem autor em relação à tradição de pensamento britânica e a influência que esta teria exercido sobre sua formação acadêmica, o que nos auxiliaria a compreender o sentido das referências freudianas a alguns autores britânicos em obras importantes do período de constituição da psicanálise. Pela importância dessas opiniões para a nossa discussão, vale reproduzi-las. Em carta enviada a Eduard Silberstein, datada de 09 de setembro de 1875, quando contava com apenas 19 anos de idade, o jovem Freud apresenta o seguinte relato sobre sua viagem a Inglaterra: "[...] o conhecimento que travei com obras científicas inglesas vão me levar, em meus estudos, a ficar sempre do lado dos ingleses, que agora dispõem em mim de um preconceito altamente favorável [...]".²⁹ Opinião análoga, sobre seu interesse por autores britânicos e a importância deles para a sua formação, pode ser lida em outra carta, datada de 16 de agosto de 1882, enviada à sua então noiva Martha Bernays. Nesta carta Freud relembra sua viagem realizada sete anos antes à Inglaterra, mencionada na carta acima a Silberstein, relata as impressões favoráveis sobre o povo britânico e a influência decisiva que essa experiência teria exercido em sua vida, e confidencia: Eu recorro novamente à história do país insular, às obras dos homens que foram meus verdadeiros mestres, todos ingleses e escoceses [...].³⁰

    Nosso interesse por essa linha de investigação decorre não apenas de nossa crença na força das paixões da juventude, mas também da compreensão da natureza do tema e do objeto do saber construído por Freud, as ressonâncias no intelecto e na moral dos desejos e anseios mais prementes, oriundos das profundezas mais recônditas da história individual. Sobre esse plano de fundo, o recorte apresentado neste livro gira em torno dos fundamentos metodológicos e epistemológicos da psicanálise freudiana, pautado na análise de alguns dos textos do período de formação do pensamento psicanalítico de Freud. Em termos mais específicos, trata-se de tentar mostrar que nos fundamentos da metodologia freudiana³¹ podem encontrar-se ideias oriundas da tradição britânica, particularmente as do filósofo John Stuart Mill e as do neurologista John Hughlings Jackson.

    Propósito à primeira vista inusitado, se se leva em conta que a relação entre Freud e Mill, de modo restrito, ou mesmo entre Freud e a tradição britânica, de maneira mais ampla, sempre foi negligenciada quando não recusada pela maioria dos estudiosos da psicanálise. Basta lançar mão, nesse aspecto, do texto talvez mais acessível e conhecido sobre o assunto entre o público nacional, Introdução à epistemologia freudiana, de Paul-Laurent Assoun, publicado em 1981 na França e traduzido logo a seguir para o português, em 1983. Nessa obra, a pretensão do autor é bastante ampla:

    Nosso objetivo é [...] detectar a identidade freudiana, tomada em sua idiossincrasia histórica, teórica e pragmática, investigando suas origens, seus fundamentos e suas finalidades. Partimos, pois, do seguinte fato elementar: a reivindicação, por Freud, da psicanálise como saber. Ora, todo saber possui suas regras de funcionamento próprias e seus referentes específicos, operando na constituição e na produção desse saber. Basta compreendermos o que são essas regras e esses referentes e como funcionam, esboçando, em sua terra natal e em sua linguagem de origem, essa identidade epistêmica freudiana condicionando a posição de todo discurso relativo a Freud.³²

    Em acordo a esses objetivos, as duas partes que compõem a obra de Assoun são dedicadas à explicitação dos referentes identificados pelo autor – na terra natal de Freud – como determinantes na constituição da metapsicologia freudiana, a saber, os modelos que chama brückeniano, herbartiano e helmholtziano. Especificamente sobre o que considera a raiz epistemológica da psicanálise freudiana, escreve ele a propósito da obra de Ernst Mach, intitulada Erkenntnis und Irrtum [Conhecimento e erro], de 1905, cujo conteúdo consiste de cursos sobre psicologia do conhecimento e lógica da investigação, ministrados na Universidade de Viena no semestre de inverno de 1895-1896:

    Há nela não somente parentesco, o que seria banal levando-se em conta a perspectiva cientificista comum, mas verdadeiramente repetição, até mesmo literal. É nessa obra, não resta dúvida, que Freud vai buscar uma parte considerável de seu pequeno capital epistemológico [...].³³

    A opinião de Assoun é compartilhada por Thomas Szasz, que em sua Introduction à versão em inglês do livro de Mach, The Analysis of Sensations [A análise das sensações], das 26 páginas que compõem a introdução, o autor dedica 12 à seção sobre Mach and Psychoanalysis [Mach e a psicanálise].³⁴

    Mas Assoun estende o alcance de sua opinião:

    Cremos que esse elemento genealógico deverá adquirir todo o seu sentido no empreendimento, que precisa ser levado a cabo, de uma investigação global dos princípios e da lógica da metapsicologia freudiana. A filiação a Mach deve adquirir, nessa perspectiva, todo o seu sentido de revelador da identidade epistêmica freudiana, tal como ela se construiu historicamente [...]. Se fica salva a paternidade freudiana, pelo menos ela tem que tolerar o apadrinhamento machiano.³⁵

    Muito antes de Assoun e Szasz, porém, Maria Dorer em Historische Grundlagen der Psychoanalyse [Fundamentos históricos da psicanálise], publicado em 1932, já teria inaugurado os estudos na direção da explicitação do que seriam algumas das raízes germânicas da psicanálise freudiana. Para Dorer, em especial por intermédio de um de seus professores na Universidade de Viena, o psiquiatra Theodor Meynert, as ideias de Herbart teriam chegado até Freud e entrado na constituição da psicanálise. Escreve Dorer:

    O resultado mais importante da pesquisa sobre os fundamentos históricos concretos da psicanálise, agora tornados claros, pode, por conseguinte, ser antecipado de maneira breve dizendo que entre a psicologia de Freud e a de Herbart existe, de fato, uma relação concreta, real.³⁶

    Em trabalho posterior, intitulado Vor Freud, philosophiegeschichtliche Voraussetzungen der Psychoanalyse [Antes de Freud, pressupostos histórico-filosóficos da psicanálise], de 1991, Wilhelm Hemecker defende tese na mesma direção da de Dorer. Mas além de apresentar fontes germânicas secundárias como Goethe e Feuerbach, esse autor busca corrigir a tese de Dorer, mostrando que o legado de Herbart não teria chegado a Freud pela mediação de Meynert, mas diretamente dos manuais de psicologia adotados no ensino médio e utilizados por Freud em sua juventude.

    Ora, existe, no entanto – o que não diminui a importância da influência de Theodor Meynert, em cuja seção psiquiátrica Freud foi efetivo ao longo de quase meio ano e cuja obra e personalidade já o teriam impressionado na época de estudante – um encontro anterior, direto, de Freud com o Herbartianismo: durante seus dois anos de aulas de filosofia nos dois últimos anos de ginásio foram adotados, na escola frequentada por Freud, dois manuais do rigoroso herbartiano Gustav Adolph Lindner (1828-1887), um dos quais era mesmo um minucioso compêndio de psicologia empírica.³⁷

    Esses seriam alguns exemplos que talvez sirvam de indicadores sobre a direção de interpretação que parece a predominante entre os estudiosos dos fundamentos da psicanálise, segundo os quais os pressupostos filosóficos e epistemológicos operantes na obra de Freud deveriam ser buscados no ideário germânico, seja na ciência, na filosofia ou mesmo na literatura alemãs.

    Apesar disso, talvez porque menos acessível e conhecida, há autores cujas opiniões vêm ao encontro de nossos objetivos, pois consideram que para melhor compreender os fundamentos da psicanálise faz-se igualmente necessário levar em conta as influências intelectuais estrangeiras ao solo germânico, a saber, aquelas exercidas por pensadores britânicos sobre a formação de Freud e a constituição da psicanálise.

    Entre esses autores, Siegfried Bernfeld, por exemplo, em artigo intitulado Freuds wissenschaftliche Anfänge [Iniciações científicas de Freud], publicado em 1949, parece ter sido um dos primeiros a assinalar a pertinência da relação entre Freud e a tradição britânica, quando escreve: A influência da filosofia, literatura e teoria política inglesas sobre o pensamento de Freud é um tema interessante que merece um estudo específico.³⁸ Três anos mais tarde em carta enviada a A. Ansbacher, datada de 26 de maio de 1952, Bernfeld volta a referir-se à mesma relação, mas agora considerando a influência exercida especificamente por Stuart Mill sobre Freud:

    Nos primeiros anos ele [Freud] fora fortemente influenciado pelo movimento inglês, em particular por John Stuart Mill. [...]. Muito cedo ele leu historiadores ingleses de cunho positivista como Buckle. De uma ou de outra forma, portanto, o positivismo foi, sem dúvida, também a sua maneira natural de pensar.³⁹

    Sobre a relação de Freud com as ideias do filósofo britânico, encontramos Andrew Watson,⁴⁰ que em um curto artigo publicado em 1958 intitulado Freud the translator: some contacts with philosophy [Freud o tradutor: alguns contatos com a filosofia] considera explicitamente a pertinência dessa relação, sugerindo que ele pode ter lido An examination of Sir William Hamilton’s Philosophy [Um exame da filosofia de Sir William Hamilton] de Stuart Mill.⁴¹

    Em estudo específico sobre as origens da teoria psicanalítica, Peter Amacher⁴² em Freud’s neurological educations and its influence on psychoanalytic theory [A educação neurológica de Freud e sua influência sobre a teoria psicanalítica], publicado em 1965, encontramos uma discussão mais aprofundada sobre o assunto. Amacher não se refere, porém, diretamente à relação entre Freud e Stuart Mill, senão à relação entre as ideias de alguns de seus professores da Universidade de Viena, em particular as de Meynert, com a filosofia inglesa, representada pelo pai de John Stuart, James Mill.

    Até onde pudemos verificar quando da realização deste estudo, exceto alguns raros autores estrangeiros, Gabbi Jr. parece ser um dos únicos em nosso meio que se interessou pelas origens britânicas da psicanálise, e por diversas vezes sugeriu a pertinência da relação entre Freud e Mill. Em Freud: racionalidade, sentido e referência, por exemplo, obra publicada em 1994, ao considerar as opiniões de alguns autores que se detém ante o mero reconhecimento da relação entre Freud e Mill, não avançando em sua explicitação, questiona o autor: A investigação não vai além da pura constatação. Seria receio de que Freud fosse empirista e tivesse tido acesso ao idealismo alemão por meio da sua crítica inglesa? Não sabemos.⁴³ Já em Notas críticas sobre Entwurf einer Psychologie [Notas críticas sobre Projeto de uma psicologia],⁴⁴ obra publicada em 1995, em seus comentários críticos ao texto freudiano de 1895 o autor busca apresentar algumas contribuições ao esclarecimento de uma possível relação entre Freud e o empirismo inglês. Essa intenção é reapresentada e claramente delimitada pelo autor em Notas a Projeto de uma Psicologia: as origens utilitaristas da psicanálise,⁴⁵ de 2003, ao esclarecer que um dos objetivos do ensaio consiste justamente em explicitar elementos em favor da relação entre Freud e Mill. Escreve o autor:

    Uma parte de nossos esforços é dedicada a mostrar que, no interior da filosofia utilitarista, Stuart Mill parece ter sido o filósofo em quem Freud se inspirou. Assim, os argumentos a favor desta tese são extraídos do exame conceitual de Entwurf e do contexto em que foi escrito. Eles são de natureza variada. Alguns são bastante diretos, Freud parece ter Mill diante de si.⁴⁶

    Apesar da opinião predominante no meio psicanalítico sobre as origens germânicas da psicanálise freudiana, o comentário acima de Gabbi Jr. mostra não apenas que leituras distintas são possíveis, mas revela mais do que isso igualmente a necessidade de aprofundar tais investigações alternativas. Com isso talvez possamos contribuir para o enriquecimento do debate e lançar alguma luz sobre questões ainda pouco claras que permeiam os estudos sobre as origens da psicanálise.

    Com efeito, além de propormo-nos neste livro a explicitar novos dados históricos e epistemológicos que contribuam para o esclarecimento da relação entre Freud e Mill, já defendida por Gabbi Jr., Bernfeld e outros, um de nossos esforços paralelos ao longo desses estudos consistiu em tentar reconstruir o provável itinerário seguido pelas ideias do filósofo britânico, a fim de identificar alguns dos canais pelos quais elas teriam alcançado o círculo científico no qual se formava o jovem Freud. Os resultados dessa reconstrução possibilitaram-nos um vislumbre sobre o modo como certas concepções de Mill podem ter se apresentado no interior de hipóteses das mais gerais com que trabalhavam alguns dos fisiólogos e neurologistas mentores de Freud na Universidade Viena. A consideração dessa reconstrução pareceu-nos importante uma vez que talvez devido a carência de elementos históricos desse tipo, se não foi favorecida a interpretação quase unânime entre os estudos sobre fundamentos da psicanálise que inserem suas origens quase exclusivamente no campo do ideário germânico, retardou significativamente o interesse pelo estudo da matriz filosófico-epistemológica que se apresenta no horizonte deste livro.

    Ao propor uma tal amplitude na circunscrição do objeto e pôr em primeiro plano a discussão da metodologia freudiana, além de novos pontos de convergência entre Freud e Mill, foi possível verificar a forte influência exercida por outro autor britânico sobre a constituição da psicanálise, fazendo saltar à vista a convergência entre algumas ideias de Freud com as do neurologista inglês John Hughlings Jackson. Como Mill, Jackson é diretamente citado por Freud em sua monografia de 1891, Zur Auffassung der Aphasien [Sobre a concepção das afasias], dedicada ao exame crítico das teorias vigentes sobre as afasias e a proposição de uma concepção alternativa.⁴⁷ Diferentemente de Mill, porém, Jackson volta a ser citado por Freud em algumas de suas obras posteriores, sendo algumas das ideias nucleares da psicanálise freudiana calcadas em certas proposições do neurologista britânico, como tentaremos mostrar.

    Por outro lado, comparado às fontes sobre a relação entre Freud e Mill, a carência de estudos sobre Freud e Huglings Jackson é ainda maior. Até onde pudemos verificar, encontramos Wolfgang Leuschner, que em texto de introdução à segunda edição alemã do texto freudiano sobre as afasias, publicado 100 anos depois do original, em 1992, considera Jackson como um dos grandes profetas da psicanálise. Nas palavras do autor: Eu acho que se pode de fato com muito mais direito do que a vários outros designar Jackson, que na época muitos neurologistas tinham por louco, como um dos grandes ‘profetas’ da psicanálise.⁴⁸

    Mais recentemente, Oliver Sachs em artigo original de 1998 intitulado A outra estrada: Freud como neurologista, discutiu brevemente as apropriações e ampliações de certas ideias de Jackson feitas por Freud no texto sobre as afasias. Este autor, aliás, chega a propor o que pode ser entendido como um de nossos objetivos neste livro. Em seus termos:

    Seria de grande interesse saber exatamente como e quando Freud descobriu o trabalho do neurologista inglês Hughlings Jackson, que, de maneira muito silenciosa, obstinada e persistente, vinha desenvolvendo uma visão evolutiva do sistema nervoso sem se deixar impressionar pelo frenesi localizacionista que o cercava.⁴⁹

    Com base nessa breve contextualização e como prolegômenos a estudos mais aprofundados sobre o tema, os objetivos do presente livro são bem limitados: a partir da discussão da relação entre algumas das ideias de Stuart Mill, Jughlings Jackson e Freud visamos oferecer pistas adicionais às já conhecidas de outros autores sobre a importância de se considerar o horizonte filosófico e científico britânicos, cuja apreciação parece-nos imprescindível para uma compreensão mais justa das origens e dos fundamentos da psicanálise.

    * * *

    A fim de delimitar na obra freudiana os contornos da discussão que se seguirá, convém esclarecer nessas considerações introdutórias alguns aspectos do percurso realizado na construção do problema de nosso interesse, que gira mais especificamente em torno dos fundamentos do que denominamos metodologia freudiana. O ponto de partida encontra-se na constatação de que em certas passagens dos textos considerados pré-psicanalíticos de Freud, em especial naqueles relacionados a Charcot e à nosografia das neuroses, transparecia uma forte preocupação metodológica. Nossa estratégia baseia-se um pouco na maneira freudiana de proceder, isto é, centramos nossos esforços no sentido de identificar no conteúdo manifesto dos textos elementos indicativos do interesse metodológico de Freud, para num segundo momento articular entre si esses indícios e esboçar um desenho de ideias minimamente coerente, que possibilitasse orientar o trabalho de busca e explicitação das motivações tácitas que lhe confeririam sentido, os pressupostos epistemológicos e filosóficos presentes em seus alicerces.

    Embora notória entre os comentadores da obra freudiana a opinião de que o encontro com Charcot e suas ideias sobre a histeria teria constituído um momento de guinada na carreira de Freud,⁵⁰ nossa atenção foi orientada no sentido de destacar o conteúdo metodológico dessa experiência. Verificamos que no encontro com Charcot e suas ideias, entre outras inspirações, encontra-se o ponto de partida da atividade de inovação nosográfica de Freud, que resultaria na proposição de novos quadros de perturbações psíquicas, cujos resultados foram tornados públicos em textos publicados por volta de

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