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Para além de freud - "uma cultura do extermínio"?
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E-book153 páginas2 horas

Para além de freud - "uma cultura do extermínio"?

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Sobre este e-book

A agitação geopolítica internacional e os conflitos armados que a humanidade vem atravessando há anos proporcionam a ocasião para esta reflexão sobre a teoria de Freud acerca da "Guerra e da Morte". Baseada no mito da horda primitiva, da morte do pai e da dívida comum, a sociedade, segundo o fundador da psicanálise, está organizada em torno da proibição do assassinato e do incesto. A guerra, ao suspender as proibições, proporciona à pulsão de morte um espaço e um tempo de potência. Freud teoriza assim as bases do que poderíamos chamar de uma cultura do assassinato. Com a Primeira Guerra Mundial, na qual seus filhos estavam engajados, ele percebeu que uma transformação estava se operando por meio da guerra total, industrial e informacional.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de jan. de 2016
ISBN9788547302153
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    Para além de freud - "uma cultura do extermínio"? - Jean Bernard Paturet

    Editora Appris Ltda.

    1ª Edição – Copyright© 2016 dos autores

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.

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    Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO PSI

    Prólogo

    A paz, na verdade, não é a simples ausência de guerra, ela é uma virtude que se origina na força da alma, pois a obediência é uma vontade constante de fazer aquilo que, de acordo com o direito comum da cidade, deve ser feito

    Spinoza. Tratado Político, V, §4

    Eh! qual é o homem que é insensato a ponto de preferir a guerra à paz; na paz, os filhos fecham os olhos de seus pais; na guerra, são os pais que enterram seus filhos, escreve o historiador grego Heródoto¹. A guerra inverte a ordem das gerações e da transmissão, a ordem algo natural, ordem esta que só poderá ser pressuposta. Fazer reinar a harmonia sobre o conflito, preferir a ordem à desordem, privilegiar a forma sobre a força, seria este o desejo da humanidade segundo as palavras que Heródoto coloca na boca de Creso, vencido e prisioneiro, ao responder a Ciro, que não compreende porque Creso lhe aponta uma arma.

    Mas enfim, quiseram os deuses que as coisas fossem assim. Se agi desta maneira, afirma Creso, foi uma consequência da sua boa sorte e do meu triste destino; o deus dos Gregos foi a causa ao me encorajar a entrar na batalha².

    A defesa de Creso diante de seu vencedor consiste em justificar a loucura e em atribuir a responsabilidade aos deuses que conduzem seus propósitos secretos utilizando os homens através da Até³, a loucura guerreira incontrolável e a fascinação imperiosa pela glória. Os homens são, portanto, joguetes das intrigas engendradas pelas potências celestes. A guerra teria então como única causa a loucura ou a desorientação ou ainda a cegueira da alma, e a paz seria o fruto de uma decisão ou de um presente dos deuses. Assim o é nas Eumênidas⁴ de Ésquilo, em que a razão pacificadora encarnada por Atena Nice, a Vitoriosa, reconcilia os Eríneos e o povo de Atenas A paz para a felicidade dos seus lares foi hoje concedida ao povo de Pallas, e assim se forma o acordo da Parca com Zeus cujo olho tudo vê.

    O sonho de Heródoto, retomado por Raymond Aron, que deixou gravado na sua espada de acadêmico: Nenhum homem é louco o bastante para preferir a guerra à paz, foi comprometido ao longo da história e questionado pela psicanálise que eleva as miragens do eu e desvenda os semblantes da vida social. A descoberta freudiana do sujeito do inconsciente dá origem a outro cenário em que a posição da interpretação e da compreensão das produções significativas, das obras e das ações humanas assume outro sentido. A psicanálise vem questionar este fantasma utópico de uma harmonia social possível em que reinaria, sem partilha, a ausência de diferença, de onde a morte seria evacuada e a guerra seria banida, onde o homem, protegido da culpa e imunizado contra os efeitos do inconsciente, viveria de acordo com a natureza, com ele mesmo e com os outros... As utopias, desde o século XVI, são, na verdade, a expressão deste mundo perfeito em que a felicidade repousa na paz e na ataraxia social, no mundo do mesmo, da similaridade, do idêntico, da ausência de alteridade, a sociedade sem diversidade, de língua transparente, poderia por fim expandir seu império infinito. Mas as utopias, o não-lugar, como indica a etimologia, são sonhos, talvez felizmente, nunca concretizados …

    As neuroses são por sua vez, para Freud, a expressão de um mal estar no sujeito que poderiam esclarecer o mal estar na civilização. As sociedades humanas nunca alcançaram uma harmonia que finalmente tornasse o homem feliz. As patologias individuais, assim como as dores coletivas e mais particularmente as guerras, mostram que isto é impossível. Como muitos outros pensadores, Freud conseguiu, durante algum tempo e com toda a probabilidade, imaginar, ao menos para os países europeus e ocidentais, que nenhuma guerra viria novamente despedaçar sua história por conta das relações culturais e do reconhecimento dos valores humanistas em comum. Mas logo esta ilusão caiu por terra com os discursos nocivos dos protagonistas da primeira guerra mundial e com os conflitos selvagens e monstruosos dos campos de batalha em todos os fronts do mundo.

    Dentro desta lógica e em plena guerra, enquanto seus filhos lutavam no front, Freud publica o texto Reflexões para os tempos de guerra e morte ⁵(1915). Dois ensaios foram reunidos neste título: o primeiro, A desilusão causada pela guerra, escrito em abril de 1915; o segundo, Nós e a Morte, é a versão adaptada de uma conferência proferida na sede vienense da associação judia B’nai B’rith da qual Freud era membro.

    Alguns anos mais tarde, em 1931, Freud retoma sua reflexão sobre a guerra, em uma troca de cartas com Einstein. O Comitê Permanente de Letras e Artes da Sociedade das Nações havia solicitado à sua Comissão internacional que se estimulasse uma troca de correspondência entre intelectuais, sobre questões que se adequassem aos interesses comuns da SDN. Albert Einstein que militava ativamente em favor da paz nesta época, foi considerado para participar. Ele sugeriu uma troca com Freud. Os dois senhores se encontraram em Berlim em 1 926. As duas cartas de Einstein e de Freud formaram o segundo tomo da Correspondência. Uma estranha coincidência e ironia da história, uma vez que o texto seria publicado simultaneamente em alemão e em francês pela SDN sob o título Warum Krieg? Por que a guerra⁶?, em 1933 em Paris, enquanto em Berlim os nazistas assumiam o poder …

    Freud, em sua resposta a Einstein, se dá conta que é impossível uma paz definitiva em um mundo harmonioso e pacífico, por conta dos desejos de permanência, de contenção, de competição e coação e, na melhor das hipóteses, de canalização dos processos coletivos de sublimação que cada civilização tem. Todo o trabalho freudiano consiste, portanto, em compreender como ocorre, entre os seres humanos, uma cultura do assassinato -nós descendemos de uma linhagem infinitamente longa de assassinos que tinham no sangue o gozo de assassinar, como talvez nós mesmos ainda o tenhamos ⁷- fundada na dinâmica dos desejos e com o risco permanente do retorno daquilo que foi recalcado

    Para tanto, esta leitura freudiana seria suficiente para entender algumas experiências próprias da humanidade desde o início de sua história: massacres sistemáticos, genocídios organizados por Estados, carnificinas atrozes contra a humanidade, torturas intoleráveis contra povos, raças, religiões, orientações sexuais etc.? Em uma palavra, aquilo que chamaremos de uma cultura do extermínio. Como compreender estas manifestações de crimes metódicos e coletivos, sem taxá-las de maneira rápida e simplista com as noções de loucura coletiva ou de psicose de massa, como o faz Einstein⁸, reduzindo assim um fenômeno social a uma patologia individual multiplicada pelo grupo?

    Certamente o conceito de identificação é central para compreender a submissão ao chefe, para entender o desejo de fazer parte como no corpo místico ou no corpo de exército, relação imaginária em que os atos são feitos em nome de Deus, da Pátria, ou de uma autoridade qualquer. A Psicologia das massas e análise do eu⁹ mostrou a fascinação que o chefe ou o grande homem exerce sobre o eu e como funciona a crença infalível do amor. O poder e principalmente o poder absoluto mantêm sua eficácia através desta reverência crédula que ele inevitavelmente desperta. A crença, assim como o estado amoroso, tem em comum a idealização do objeto amado, tão bem descrito por Stendhal através da metáfora da cristalização¹⁰. Não surpreende, portanto, que a crença do amor em relação ao detentor do poder seja repleta de ilusões e de recusa da realidade associada. Mas esta abordagem, por mais fundamental que seja, é suficiente para compreender o assassinato pelo Estado e a cultura do extermínio?

    Os povos primitivos, diz Freud¹¹, se reconciliam com o inimigo morto e o assassino costumava praticar atos expiatórios sob forma principalmente de restrição sexual. O guerreiro nunca se eximia de seu ato e guardava luto por seu inimigo. Porque este último não era apenas um corpo, mas um ser cuja morte fazia aumentar seu poder e com o qual ele deveria se reconciliar. O homem moderno perdeu esta dimensão de reconhecimento. Vale apenas o desempenho militar sob sua forma quantitativa, uma vez que se trata de contar os mortos, e também os mortos civis como simples danos colaterais. A guerra moderna, sobretudo para os Estados Ocidentais, se tornou um trabalho de alta tecnologia e os soldados dos exércitos contemporâneos fazem o seu trabalho, cumprem metas ou a sua missão sem ódio nem cólera, seus acertos são cirúrgicos em um inimigo distante e invisível, indiferenciável. Auxiliados pelos seus computadores, eles vivem uma guerra descorporizada em que a morte não é trocada entre os combatentes…

    A pós-modernidade e a potência industrial, financeira e técnica se inclina irremediável, dissimulada e progressivamente rumo à cultura

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