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O Chiste e sua Relação com o Inconsciente
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O Chiste e sua Relação com o Inconsciente
E-book301 páginas8 horas

O Chiste e sua Relação com o Inconsciente

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Sobre este e-book

A obra: Os Chistes e Sua Relação com o Inconsciente foi publicada por Sigmund Freud em 1905 e analisa o humor do ponto de vista psíquico. Freud demonstra que os chistes (piadas) têm a mesma função e origem que os sintomas neuróticos, os sonhos e os atos falhos. Ou seja, o chiste é também uma forma de expressão do inconsciente. Assim, as piadas, principalmente as tendenciosas, serviriam como uma forma de liberar determinados pensamentos inibidos. Também as manifestações de preconceito, cada vez mais reprimidas na sociedade, encontrariam nos chistes uma forma indireta de serem trazidas a tona. Como todos textos de Freud, Os Chistes e sua Relação com o Inconsciente aborda um tema plenamente atual, afinal de contas, a essência do homem não se modificou, apenas se tornou mais conhecida e vigiada.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento10 de abr. de 2019
ISBN9788583862949
O Chiste e sua Relação com o Inconsciente

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    O Chiste e sua Relação com o Inconsciente - Sigmund Freud

    cover.jpg

    Sigmund Freud

    O CHISTE E SUA RELAÇÃO COM O INCONSCIENTE

    Do original alemão:

    DER WITZUNO SEINE BEZIEHUNG ZUM UNBEWUSSTEN.

    1a Edição

    img1.jpg

    ISBN: 9788583862949

    2019

    PREFÁCIO

    Prezado leitor

    A importância que Sigmund Freud atribuía aos chistes era antiga, remonta aos primórdios de seus estudos da psicanálise. Em cartas dessa época ele fala de seu interesse pelos chistes – piadas – e confessa que colecionava uma série delas sobre judeus. Ele também costumava temperar suas inquietações fundamentais com o relato de chistes.

    Em 1905, publicou o livro O Chiste e sua Relação com o Inconsciente, no qual tentava desvendar o que é o riso do ponto de vista psíquico, além dos motivos inconscientes para os chistes tendenciosos e preconceituosos.

    Uma boa e prazerosa leitura.

    LeBooks

    Os poetas e os filósofos descobriram o inconsciente antes de mim. O que eu descobri foi o método científico que nos permite estudar o inconsciente.

    S. Freud

    APRESENTAÇÃO

    Sobre o autor:

    img2.jpg

    Sigmund Freud (1856-1939) foi um médico neurologista e importante psicólogo austríaco. É considerado o pai da psicanálise e ainda um forte influenciador da Psicologia Social contemporânea.

    Batizado Sigismund Schlomo Freud, nasceu em Freiberg, na Morávia, então pertencente ao Império Austríaco, no dia 6 de maio de 1856. Filho de Jacob Freud, pequeno comerciante e de Amalie Nathanson, de origem judaica, foi o primogênito de sete irmãos. Aos quatro anos de idade, sua família muda-se para Viena, onde os judeus tinham melhor aceitação social e melhores perspectivas econômicas.

    Formação

    Desde pequeno mostrou-se brilhante aluno. Aos 17 anos, ingressou na Universidade de Viena, no curso de Medicina. Durante os anos de faculdade, deixou-se fascinar pelas pesquisas realizadas no laboratório fisiológico dirigido pelo Dr. E. W. von Brucke. De 1876 a 1882, trabalhou com esse especialista e depois no Instituto de Anatomia sob a orientação de H. Maynert. Concluiu o curso em 1881 e resolveu tornar-se um clínico especializado em neurologia.

    Durante alguns anos, Freud trabalhou em uma clínica neurológica para crianças, onde se destacou por ter descoberto um tipo de paralisia cerebral que mais tarde passou a ser conhecida pelo seu nome. Em 1884 entrou em contato com o médico Josef Breuer que havia curado sintomas graves de histeria através do sono hipnótico, onde o paciente conseguia se recordar das circunstâncias que deram origem à sua moléstia. Chamado de método catártico constituiu o ponto de partida da psicanálise.

    Em 1885, Freud obteve o mestrado em neuropatologia. Nesse mesmo ano ganhou uma bolsa para um período de especialização em Paris, com o neurologista francês J. M. Charcot. De volta a Viena, continuou suas experiências com Breuer. Publicou, junto com Breuer, Estudos sobre a Histeria (1895), que marcou o início de suas investigações psicanalíticas.

    Complexo de Édipo

    Em 1897, Freud passou a estudar a natureza sexual dos traumas infantis causadores das neuroses e começou a delinear a teoria do Complexo de Édipo, segundo o qual seria parte da estrutura mental dos homens o amor físico pela mãe. Nesse mesmo ano, já observava a importância dos sonhos na psicanálise. Em 1900 publica A Interpretação dos Sonhos, a primeira obra psicanalítica propriamente dita.

    Pai da Psicanálise

    Em pouco tempo, Freud conseguiu dar um passo decisivo e original que abriu perspectivas para o desenvolvimento da psicanálise ao abandonar a hipnose, substituindo-a pelo método das livres associações, passando então a penetrar nas regiões mais obscuras do inconsciente, sendo o primeiro a descobrir o instrumento capaz de atingi-lo e explorá-lo em sua essência.

    Durante dez anos, Freud trabalhou sozinho no desenvolvimento da psicanálise. Em 1906, a ele juntou-se Adler, Jung, Jones e Stekel, que em 1908 se reuniram no primeiro Congresso Internacional de Psicanálise, em Salzburg. O primeiro sinal de aceitação da Psicanálise no meio acadêmico surgiu em 1909, quando foi convidado a dar conferências nos EUA, na Clark University, em Worcester.

    Em 1910, por ocasião do segundo congresso internacional de psicanálise, realizado em Nuremberg, o grupo fundou a Associação Psicanalítica Internacional, que consagrou os psicanalistas em vários países. Entre 1911 e 1913, Freud foi vítima de hostilidades, principalmente dos próprios cientistas, que, indignados com as novas ideias, tudo fizeram para desmoralizá-lo. Adler, Jung e toda a chamada escola de Zurique separaram-se de Freud.

    Final de vida

    Em 1923, já doente, Freud passou pela primeira cirurgia para retirar um tumor no palato. Passou a ter dificuldades para falar, sentia dores e desconforto. Seus últimos anos de vida coincidiram com a expansão do nazismo na Europa. Em 1938, quando os nazistas tomaram Viena, Freud, de origem judia, teve seus bens confiscados e sua biblioteca queimada. Foi obrigado a se refugiar em Londres, após um pagamento de resgate, onde passou os últimos dias de sua vida.

    Sigmund Freud morreu em Londres, Inglaterra, no dia 23 de setembro de 1939.

    Alguns conceitos desenvolvidos por Freud: inconsciente, conflito psíquico, recalque, complexo de Édipo, sexualidade infantil e pulsão de morte.

    Principais obras

    Freud escreveu um grande número de livros importantes, entre eles: A Psicopatologia da Vida Cotidiana (1901), O mal-estar na civilização (1929), Totem e Tabu (1913), A interpretação dos sonhos (1899), O Ego e o Id (1923), Civilização e seus descontentes (1930), entre outros.

    Neles, o Pai da Psicanálise (assim conhecido por ter inventado o termo psicanálise para seu método de tratar as doenças mentais) responsabilizava a repressão da sociedade daquela época, que não permitia a vivência de alguns sentimentos, considerando-os errados do ponto de vista social, moral e religioso.

    Em suas obras, Freud defende que a sexualidade é um dos sentimentos sociais reprimidos mais importantes. Naquela época essa afirmação gerou um grande escândalo na sociedade, entretanto, não demorou muito para que outros psicólogos aderissem à ideia de Freud. Alguns deles foram: Carl Jung, Reich, Rank .

    O Chiste e sua Relação com o Incosciente

    A Obra Os Chistes e Sua Relação com o Inconsciente foi publicada por Freud em 1905.

    Como já diz o título, o livro trata da análise psicanalítica do humor. Utilizando o espírito metódico característico, Freud analisa a técnica por trás das piadas. A partir dessa análise ele conclui que elas têm a mesma função e origem que os sintomas neuróticos, os sonhos e os atos falhos. Ou seja, o chiste é também uma forma de expressão do inconsciente. As piadas, principalmente as tendenciosas, serviriam como uma forma de liberar determinados pensamentos inibidos.

    Inicialmente Freud analisa estilos de estrutura dos chistes, como aqueles baseados na fusão ou na modificação de palavras. Ele compreendeu que as intenções de cada um são elementos importantes para determinar qual estilo ou forma de chistes essa pessoa utilizará.

    Freud se preocupa ainda em diferenciar as piadas tendenciosas e as inocentes, ressaltando que o chiste inocente é quase sempre responsável apenas pelo riso moderado, ocasionado principalmente pelo seu conteúdo intelectual. Enquanto o chiste tendencioso é aquele capaz de provocar uma explosão de riso. Esse fato, observável empiricamente, teria sido o que demonstrou ao autor a impossibilidade de deixar de lado em sua pesquisa o chiste tendencioso.

    O autor coloca ainda que como os dois tipos de piadas possuem a mesma técnica, o que tornaria o chiste tendencioso irresistível seria que, por conta de seu objetivo, ele poderia possuir fontes de prazer das quais as piadas inocentes não poderiam acessar.

    Quando se refere às piadas tendenciosas, quer dizer apenas que ela possuem uma tendência ou um objetivo específico. Enquanto a graça das piadas inócuas ou inocentes se encontra em sua técnica, a das tendenciosas deriva tanto da técnica quando do conteúdo expresso por ela. Seu objetivo último é o de satisfação de desejos inconscientes.

    Para Freud, as piadas tendenciosas seriam uma forma de nos esquivarmos de nossas inibições para expressar nossas pulsões ou nossos conteúdos mentais inconscientes. Nesse sentido, elas são utilizadas para que expressemos tudo aquilo que não poderia se tornar consciente por outros meios. Trata-se do mesmo mecanismo que ocorre nos sonhos, também estudado por ele.

    Assuntos de cunho sexual, por exemplo, que não costumam ser tratados abertamente com pessoas pouco próximas, podem ser trazidos a tona por meio dos chistes. Basta perceber como as piadas que utilizam esse tipo de conteúdo provocam riso. Também as manifestações de preconceito, cada vez mais reprimidas na sociedade, encontrariam nos chistes uma forma indireta de serem trazidas a tona.

    O CHISTE E SUA RELAÇÃO COM O INCONSCIENTE

    Sumário

    A. PARTE ANALÍTICA

    I - INTRODUÇÃO

    II - A TÉCNICA DOS CHISTES

    III - OS PROPÓSITOS DOS CHISTES

    B. PARTE SINTÉTICA

    IV - O MECANISMO DO PRAZER E A PSICOGÊNESE DOS CHISTES

    V - OS MOTIVOS DOS CHISTES

    VI - A RELAÇÃO DOS CHISTES COM OS SONHOS E O INCONSCIENTE

    VII - OS CHISTES E AS ESPÉCIES DO CÔMICO

    A. PARTE ANALÍTICA

    I - INTRODUÇÃO

    Alguém que tenha tido, em alguma época, a oportunidade de investigar na literatura da estética e da psicologia a luz que estas podem lançar sobre a natureza dos chistes, e sobre a posição por eles ocupada, deverá provavelmente admitir que os chistes não vêm recebendo tanta atenção filosófica quanto merecem, em vista do papel que desempenham na nossa vida mental. Pode-se nomear somente um pequeno número de pensadores que de fato se aprofundaram nos problemas dos chistes. No entanto, dentre aqueles que discutiram o chiste estão nomes famosos como os do novelista Jean Paul (Richter) e dos filósofos Theodor Vischer, Kuno Fischer e Theodor Lipps. Mas mesmo nesses escritores o tema dos chistes fica em segundo plano, estando o interesse principal da investigação voltado para o problema, mais amplo e mais atraente, da comicidade.

    A primeira impressão que se tem, a partir dessa literatura é a de que seria inteiramente impraticável tratar dos chistes fora do contexto do cômico.

    Segundo Theodor Lipps, o chiste é a comicidade inteiramente subjetiva, isto é, a comicidade que nós produzimos, que adere à nossa conduta enquanto tal e perante a qual nós nos comportamos sempre como sujeito superior, jamais como objeto — nem mesmo como objeto voluntário.

    É elucidativa, quanto a isso, a observação de que o chiste seria, em geral, toda evocação consciente e habilidosa à comicidade, seja a comicidade da observação, seja da situação.

    Fischer (1889) ilustra a relação dos chistes com o cômico lançando mão da caricatura, que, em sua abordagem, ele situa entre ambos. A comicidade interessa-se pelo feio, em qualquer uma de suas manifestações: ‘Se [o que é feito] for ocultado, deve ser descoberto à luz da maneira cômica de olhar as coisas; se é pouco notado, escassamente notado afinal, deve ser apresentado e tornado óbvio, de modo que permaneça claro, aberto à luz do dia… Desta maneira, nasce a caricatura’. ‘Todo nosso universo espiritual, o reino intelectual de nossos pensamentos e ideias, não se desdobra ante a mirada da observação externa, nem pode ser diretamente imaginado de maneira vívida e visível. Além do mais, contém suas inibições, fraquezas e deformidades - uma riqueza de contrastes ridículos e cômicos. A fim de enfatizar estes e torná-los acessíveis à consideração estética, é necessário uma força capaz não simplesmente de imaginar os objetos diretamente mas antes de lançar luz sobre essas imagens, clarificando-as: uma força que possa iluminar pensamentos. A única força dessa ordem é o juízo. Um chiste é um juízo que produz contraste cômico; participa já, tacitamente, da caricatura, mas apenas no juízo assume sua forma peculiar e a livre esfera de seu desdobramento.’

    Veremos que a característica distintiva do chiste na classe do cômico é, segundo Lipps, a ação, o comportamento ativo do sujeito, embora, para Fischer, consista na relação do chiste com seu objeto ou seja, a ocultada fealdade do universo dos pensamentos. É impossível testar a validade dessas definições do chiste - na verdade, dificilmente elas são inteligíveis -, a não ser que as consideremos no contexto de onde foram extraídas. Seria, portanto, necessário percorrer as abordagens do cômico feitas por esses autores antes que possamos aprender com eles sobre o chiste. Outras passagens, entretanto, mostram-nos que estes mesmos autores são capazes de descrever as características essenciais, e geralmente válidas, do chiste sem considerar qualquer conexão sua com o cômico.

    A caracterização que mais parece satisfazer ao próprio Fischer é a seguinte: ‘Um chiste é um juízo lúdico. Por meio de uma ilustração desse princípio, proporcionou uma analogia: ‘exatamente como a liberdade estética consiste na contemplação lúdica das coisas’. Em outra parte a atitude estética é caracterizada pela condição de que nada solicitamos ao objeto; em especial, não lhe pedimos nenhuma satisfação de nossas necessidades sérias, contentando-nos, antes, com o prazer de contemplá-las. A atitude estética é lúdica, em contraste com o trabalho. ‘Seria possível que da liberdade estética brotasse uma espécie de juízo liberado de suas usuais regras e regulações, ao qual, devido a sua origem, eu chamarei juízo lúdico’, e está contido nesse conceito o principal determinante, senão a fórmula total, que resolverá nosso problema. ‘A liberdade produz chistes e os chistes produzem liberdade’, escreveu Jean Paul. ‘Fazer chistes é simplesmente jogar com as ideias’.

    Uma apreciada definição do chiste considera-o a habilidade de encontrar similaridades entre coisas dessemelhantes, isto é, descobrir similaridades escondidas. Jean Paul expressou esse próprio pensamento em forma de chiste: ‘O chiste é o padre disfarçado que casa a todo casal’. Fischer [1846-57, 1, 422] avança esta definição: Ele (o padre) dá preferência ao matrimônio de casais cuja união os parentes abominam’. Fischer objeta, entretanto, que há chistes em que não se cogita de comparar, em que, portanto, não se cogita de encontrar similaridades. Divergindo ligeiramente de Jean Paul, define o chiste como a habilidade de fundir, com surpreendente rapidez, várias ideias, de fato diversas umas das outras tanto em seu conteúdo interno, como no nexo com aquilo a que pertencem. Fischer, novamente, acentua o fato de que em largo número de juízos chistosos encontram-se diferenças, antes que similaridades, e Lipps indica que estas definições se relacionam à habilidade própria do piadista e não aos chistes que ele faz.

    Outras ideias, mais ou menos inter-relacionadas, que têm emergido para a definição ou a descrição dos chistes, são as seguintes: ‘um contraste de ideias’, ‘sentido no nonsense’, ‘desconcerto e esclarecimento’.

    Definições como a de Kraepelin enfatizam como fator principal o contraste de ideias. Um chiste é ‘a conexão ou a ligação arbitrária, através de uma associação verbal, de duas ideias, que de algum modo contrastam entre si’. Um crítico como Lipps não tem dificuldades em demonstrar a total impropriedade dessa fórmula; mas ele próprio não exclui o fator de contraste, deslocando-o simplesmente para uma outra parte. ‘O contraste persiste, mas não o contraste entre as ideias relacionadas às palavras, mas um contraste ou contradição entre o sentido e a falta de sentido das palavras.’ (Lipps, 1898, 87.) Através de exemplos demonstra como se deve entender isso. ‘Um contraste só assoma porque… atribuímos às palavras um significado que, entretanto, não podemos garantir-lhes.’

    Se esse ponto for mais desenvolvido, o contraste entre ‘sentido e nonsense‘ torna-se significante. ‘Aquilo que, em certo momento, pareceu-nos ter um significado, verificamos agora que é completamente destituído de sentido. Eis o que, nesse caso, constitui o processo cômico… Um comentário aparece-nos como um chiste se lhe atribuímos uma significância dotada de necessidade psicológica, e tão logo tenhamos feito isso, de novo o refutamos. Essa significância pode querer dizer várias coisas. Atribuímos sentido a um comentário e sabemos que logicamente ele não pode ter nenhum. Descobrimos nele uma verdade, fato impossível de acordo com as leis da experiência ou com nossos hábitos gerais de pensamento. Concedemos-lhe consequências lógicas ou psicológicas, que ultrapassam seu verdadeiro conteúdo, apenas para negar tais consequências tão logo tenhamos reconhecido claramente a natureza do comentário. Em todos os casos, o processo psicológico que o comentário chistoso nos provoca, e sobre o qual repousa o processo cômico, consiste na imediata transição dessa atribuição de sentido, dessa descoberta da verdade, dessa concessão de consequências, à consciência ou impressão de relativa nulidade.’

    Por mais penetrante que essa análise possa parecer, pode-se levantar aqui a questão de saber se o contraste entre o significativo e a falta de sentido, contraste sobre o qual se diz que o sentimento do cômico repousa, também contribui para a definição do conceito de chiste na medida em que este difira do conceito de cômico.

    O fator de ‘desconcerto e esclarecimento’ leva-nos também a aprofundar o problema da relação entre o chiste e o cômico. Kant fala-nos que o cômico em geral tem a notável característica de ser capaz de enganar-nos apenas por um instante. Heymans (1896) explica como é que o efeito de um chiste se manifesta, o desconcerto sendo sucedido pelo esclarecimento. Ilustra sua teoria através de um brilhante chiste de Heine, que faz um de seus personagens, Hirsch-Hyacinth, o pobre agente de loteria, vangloriar-se de que o grande Barão Rothschild o tenha tratado bem como a um seu igual: bastante ‘familionariamente’.

    Aqui a palavra veículo desse chiste parece, a princípio, estar erradamente construída, ser algo ininteligível, incompreensível, enigmático. Em decorrência, desconcerta. O efeito cômico é produzido pela solução desse desconcerto através da compreensão da palavra. Lipps (1898, 45) acrescenta que o primeiro estágio do esclarecimento - que a palavra desconcertante signifique isto ou aquilo - é seguido de um segundo estágio, no qual percebemos que a palavra sem sentido que nos havia ‘confundido’, nos mostra então o sentido verdadeiro. É apenas esse segundo esclarecimento, essa descoberta de que uma palavra sem sentido, conforme o uso linguístico normal, é a responsável por todo o processo - essa solução do problema no nada -, é apenas esse segundo esclarecimento que produz o efeito cômico.

    Se alguma dessas duas concepções nos parece lançar um pouco mais de luz sobre a questão, a discussão do desconcerto e esclarecimento leva-nos para mais perto de uma descoberta particular. Pois se o efeito cômico do ‘familionariamente’ de Heine depende da interpretação dessa palavra aparentemente sem sentido, o chiste deve, sem dúvida, ser atribuído à formação da palavra e às características da palavra assim formada.

    Uma outra peculiaridade dos chistes, pouco ou nada relacionada com o que até aqui já consideramos, é reconhecida por todas as autoridades sobre o assunto. A ‘brevidade é o corpo e a alma do chiste, sua própria essência’, diz Jean Paul (1804, parte II, parágrafo 42), modificando simplesmente o que o velho tagarela Polonius diz no Hamlet (II, 2), de Shakespeare:

    ‘Therefore, since brevity is the soul of wit

     And tediousness the limbs and outward flourisher

    I will be brief.’

    [Porque a brevidade é a alma do chiste,

    E a prolixidade, o corpo e ornamento externo,

    Serei breve]

    Nessa conexão, a abordagem por Lipps (1898, 90) da brevidade dos chistes é significativa: ‘Um chiste diz o que tem a dizer, nem sempre em poucas palavras, mas sempre em palavras poucas demais, isto é, em palavras que são insuficientes do ponto de vista da estrita lógica ou dos modos usuais de pensamento e de expressão. Pode-se mesmo dizer tudo o que se tem a dizer nada dizendo’.

    Já sabemos, pela conexão dos chistes com a caricatura, que eles ‘devem apresentar alguma coisa ocultada ou escondida’ (Fischer, 1889, 51). Uma vez mais enfatizo esse determinante, porque ele tem também mais a ver com a natureza dos chistes do que com a parte cômica destes.

    Estou bem alerta para o fato de que os fragmentários segmentos extraídos dos trabalhos desses escritores sobre os chistes não lhes podem fazer justiça. Devido às dificuldades ante uma exposição inequivocamente correta de cursos de pensamento tão complicados e sutis, não posso poupar aos investigadores curiosos a tarefa de obter das fontes originais a informação que desejarem. Não estou, entretanto, certo de que possam ficar inteiramente satisfeitos. Os critérios e as características dos chistes apresentados por esses autores, e acima coligidos - a atividade, a relação com o conteúdo de nossos pensamentos, a característica do juízo lúdico, a conjugação de coisas dissimilares, as ideias contrastantes, o ‘sentido no nonsense‘, a sucessão de desconcerto e esclarecimento, a revelação do que estava escondido, e a peculiar brevidade de chiste -, tudo isso, é verdade, parece-nos à primeira vista tão estritamente adequado e tão facilmente confirmável pelos exemplos, que não podemos correr qualquer risco de subestimar tais concepções. Mas elas são disjecta membra que gostaríamos de ver combinados em um todo orgânico. Uma vez que todos sejam expressos, não contribuem para nosso conhecimento dos chistes mais que um conjunto de anedotas para a descrição da personalidade de alguém cuja biografia temos o direito de solicitar.

    Não penetramos absolutamente nas conexões presumivelmente existentes entre os determinantes separados: o que teria, por exemplo, a brevidade do chiste a ver com sua característica de ser um juízo lúdico. Necessitamos que, além disso, nos digam se um chiste deve satisfazer a todos esses determinantes para que seja propriamente um chiste, ou se precisa satisfazer apenas a alguns, nesse caso sendo necessário especificar quais podem ser substituídos por outros e quais são indispensáveis. Desejaríamos também agrupar e classificar os chistes de acordo com suas características consideradas essenciais. A classificação que encontramos na literatura descansa, por um lado, nos recursos técnicos empregados (trocadilhos ou jogos de palavras) e, por outro lado, no uso que se faz deles no discurso (e.g. chistes usados com o objetivo de caricatura, de caracterização, ou de afronta).

    Não devemos, pois, achar dificuldades em indicar os objetivos de qualquer nova tentativa de lançar luz sobre os chistes. Para poder contar com algum êxito, teremos, ou que abordar o trabalho a partir de novos ângulos, ou esforçar-nos por penetrá-lo ainda mais através de aumentada atenção e aprofundado interesse. Podemos pelo menos decidir que não fracassaremos quanto ao último aspecto. É impressionante que as autoridades se deem por satisfeitas com os propósitos de suas investigações, considerando um número tão pequeno de chistes reconhecidos como tais, utilizando além do mais os mesmos exemplos analisados por seus predecessores. Não devemos esquivar-nos ao dever de analisar os mesmos casos que já serviram às clássicas investigações sobre os chistes. Mas temos, além disso, a intenção de voltar-nos sobre novo material, visando a uma fundamentação mais ampla para nossas conclusões.

    É, pois, natural que escolhamos como assunto de nossa investigação exemplos de chistes que nos tenham impressionado mais no curso de nossas vidas e que nos tenham feito rir mais intensamente.

    Valerá tanto trabalho o tema dos chistes? Pode haver, creio eu, dúvida quanto a isso. Deixando de lado os motivos pessoais que me fazem desejar conseguir uma penetração dos problemas dos chistes, os quais virão à luz no curso destes estudos, posso apelar para o fato de que há íntima conexão entre todos os eventos mentais, fato

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