Os paradoxos deônticos e as practições de Castañeda
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Os paradoxos deônticos e as practições de Castañeda - Toni Cézar P. F. Barros
11).
Capítulo 1
Sobre a possibilidade de uma lógica deôntica
O objetivo deste capítulo consiste em mostrar que é possível uma lógica deôntica, seguindo os argumentos de Castañeda. O capítulo divise-se em duas partes: na primeira, apresentamos as noções conceituais de Castañeda sobre noema, practição, proposição e norma e, na segunda, expomos sua tese sobre a implicação imperativa.
1.1 - Introdução
Uma das questões mais basilares sobre a lógica deôntica refere-se à sua legitimidade. Assim, a pergunta que historicamente se estabeleceu foi a seguinte: será possível detectar princípios lógicos entre enunciados imperativos e enunciados normativos? Tal questão foi esboçada e intensamente discutida no século passado³ e foi chamada por Ross (1941) de dilema de Jörgensen
. O nome do dilema refere-se ao filósofo danês Jörgen Jörgensen (1894-1969) que, em 1938, escreveu uma conferência com o título Imperatives and Logic
⁴, na qual apresenta o problema das relações lógicas entre imperativos. Jörgensen enuncia o problema como se segue:
Frases imperativas não são capazes de serem nem verdadeiras nem falsas. Portanto, segundo o critério positivista lógico de testabilidade do significado, elas devem ser consideradas isentas de significado. Porém, apesar disso, elas são capazes de serem bem compreendidas ou mal compreendidas e também parecem ser capazes de funcionar como premissas assim como conclusões em inferências lógicas. (Jörgensen, 1938, p.289)
Se, por um lado, entendermos que a noção de inferência lógica está ligada à noção de preservação da verdade, então elas (frases imperativas) não podem ser tratadas logicamente, já que elas não possuem valor de verdade. Contudo, há vários exemplos de relações implicacionais entre imperativos ou entre imperativos e proposições. O próprio Jörgensen apresenta o seguinte exemplo:
E, contudo, preciso admitir que parece ser igualmente evidente que inferências nas quais pelo menos uma premissa e a conclusão são frases imperativas podem ser formuladas. Por exemplo:
(Idem, Ibidem, p.290)
O exemplo de Jörgensen não é um caso isolado na literatura deôntica. Outros autores também propuseram raciocínios envolvendo imperativos e proposições. Vale notar, porém, que o problema apontado por Jörgensen (1938), e também por Ross (1941), diz respeito às relações entre imperativos e proposições. Ao que parece, a tendência naquele período era a de ver uma proximidade conceitual entre imperativos e normas. Nesse sentido, Bulygin e Mendonça comentam que os estudos pioneiros sobre lógica deôntica se deram em um momento que era opinión generalizada que las normas, siendo imperativos disfrazados, carecen de valores de verdad y que, por lo tanto, no guardan relaciones lógicas entre si
(BULYGIN & MENDONÇA, 2005, p.23)⁵.
Voltemos ao dilema. Parece bastante natural mesclarmos imperativos, normas e proposições em nossos raciocínios cotidianos. O exemplo da promessa de Jörgensen acima envolve o que poderíamos chamar de sentenças declarativas e sentenças imperativas ou simplesmente proposições e imperativos. Entretanto, é possível pensarmos em casos em que, além de proposições e imperativos, também usamos normas. Por exemplo, suponha que precisemos ir ao aeroporto buscar alguém de outro país, o qual não conhece com clareza todas as leis do Brasil (nem os brasileiros conhecem todas as leis daqui). Quando a referida pessoa entra no carro nos vemos obrigados a dizer algo como: No Brasil devemos usar o cinto de segurança ao dirigir e nós vamos fazer uma viagem, portanto, coloque o cinto. Neste caso, o raciocínio parece conter uma norma No Brasil devemos usar cinto de segurança ao dirigir; uma proposição Nós vamos fazer uma viagem; e um imperativo Fulano, coloque o cinto.
Dito isto, iremos tratar no tópico abaixo tanto a distinção entre imperativos e normas quanto entre imperativos e proposições. No capítulo seguinte, que diz respeito indiretamente ao dilema de Jörgensen, apresentaremos as razões de Castañeda para assumir a tese da implicação imperativa⁶.
1.2 - Conceitos elementares do pensamento de Castañeda
1.2.1 - Noemas
Castañeda no Thinking and Doing (1975) assume a distinção filosófica tradicional entre razão (ou pensamento) prática e razão (ou pensamento) teórica. O pensamento teórico, diz ele, caracteriza-se por tentar dizer como as coisas são e, por isso, é expresso de modo descritivo (CASTAÑEDA, 1975, p. 36). Porém, sua investigação interessa-se pelo pensamento prático, o qual envolve uma complexidade de conteúdos. Tais conteúdos podem ser: decisões, mandatos, imperativos, conselhos, pedidos, intenções, normas, súplicas, desejos, ordens, declarações etc. No livro The Structure of Morality (1974) todos estes conteúdos são organizados em seis tipos: proposições, mandatos, prescrições, intenções, practições, juízos deônticos
⁷ (Idem, 1974, p.70). Exatamente a estes conteúdos do pensamento prático e do pensamento teórico Castañeda chama de noemas⁸:
Assim, noemas práticos são:
1. Proposições ou enunciados factuais e teóricos
2. Comandos, ordens, pedidos de conselhos, pedidos, petições, súplicas
3. Decisões, resoluções e intenções
4. Enunciados que formulam: obrigações, deveres, requerimentos, dever de, obrigação de, interdições, proibições, erros, permissões ou direitos⁹. (Idem, Ibidem, p.29)
No final das contas, os noemas práticos podem ser reduzidos a dois¹⁰: proposições e practições. Este último é um marco do pensamento de Castañeda e é fundamental para todo o seu sistema filosófico. Trataremos deste conceito em detalhes à