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A Raça como Tecnologia de Governo
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A Raça como Tecnologia de Governo
E-book161 páginas1 hora

A Raça como Tecnologia de Governo

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Sobre este e-book

Esta obra, proposta através de uma metodologia qualitativa, parte de um diagnóstico do presente, apresentando o expansionismo penal e o encarceramento em massa como tecnologias de governo que são criadas ou implementadas através do discurso da superioridade de raças até chegar no seu extremo, que é a política de morte. Partindo de um estado de exceção, onde as decisões são tomadas fora da legalidade, o poder estatal se manifesta como o poder de decidir quem deve viver ou morrer. Nesse sentido, utiliza-se o pensamento de Achille Mbembe para pensar as implicações entre uma necropolítica e um racismo de estado. Para Mbembe, que se propõe a refletir sobre esta injunção e articulação entre um poder sobre a vida e uma política de morte – necropolítica, a noção de biopoder de Foucault não é suficiente para explicar as formas contemporâneas de submissão da vida ao poder de morte. As reflexões filosóficas que embasam esse ensaio oferecem subsídio para pensar nas práticas de racismo no Brasil, que perpassam desde a intolerância religiosa à criminalização e encarceramento da população negra, à sua ostensiva eliminação. É preciso compreender para além dos números cortantes das estatísticas como o racismo se institui como ordem e naturalização, perpetuando uma lógica de eliminação do outro pela morte. Visando explicitar a epistemologia que sustenta essa narrativa, o presente trabalho abordará o conceito de colonialidade e suas manifestações no poder e saber, demonstrando que a prática estabelecida parte de um pensamento ocidental de dominação que se funda na raça enquanto parâmetro definidor de dominação ou subjugação, pois, cria no negro um simulacro que representa perigo e ameaça. Para tanto, serão usadas leituras de Achille Mbembe e Frantz Fanon sobre raça, racismo e a linha da humanidade que define a zona do ser e a do não-ser, que inferioriza e nega a condição de sujeito de direito do indivíduo definido como pertencente dessa zona. Ao ter sua condição de sujeito de direito negada e sua própria humanidade questionada, as violências praticadas contra esse povo passa a ser permitida e fomentada. Por fim, discutido sobre como a teoria de Direitos Humanos eurocêntrica estabelecida não se adequa a realidade periférica e não chega à população negra senão na condição de instrumento repressor.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento27 de jan. de 2021
ISBN9786558777090
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    A Raça como Tecnologia de Governo - Ramon Andrade dos Santos

    Bibliografia

    1. INTRODUÇÃO ¹

    Os discursos que fomentam a morte, tais como bandido bom, é bandido morto crescem consideravelmente numa conjuntura político-social que questiona o papel e importância dos direitos humanos. O que a intolerância e a morte naturalizada têm em comum é que, em grande medida, são voltadas para o mesmo alvo: a população negra. Dessa maneira, evidencia-se um problema para ser analisado: há relação entre a marginalização, o encarceramento em massa e a morte da população negra, ditas como ações, ou tecnologias de Estado, e uma ideologia de dominação baseada na racialidade?

    Este texto parte das leituras de Michel Foucault e Achille Mbembe para pensar as implicações entre uma necropolítica (MBEMBE, 2018) e um racismo de estado (FOUCAULT, 2002) perceptíveis nas estatísticas do sistema carcerário e no mapeamento da violência.

    Durante o texto pretende-se demonstrar que a construção dessa narrativa política de dominação tem a racialidade como fator importante, para tanto, serão analisadas três hipóteses durante o trabalho, com a intenção de afirma-las ou negá-las ao final do texto, são elas: a) as tecnologias de governo, especificamente o expansionismo penal, o encarceramento em massa e a necropolítica, introjetam submissão nos indivíduos; b) a raça está presente enquanto ideologia, pois, os negros são os alvos preferenciais; c) a raça está presente enquanto tecnologia pois a ideologia de dominação transcende o campo do imaginário e se instrumentaliza em medidas impostas pelo Estado.

    Dessa maneira, o objetivo geral desse trabalho é correlacionar o fato de negros serem mais presos e mais mortos é uma prática de dominação implementada por um Estado racista, que fundamenta sua imposição na construção colonial da figura do negro como inimigo.

    Em termos metodológicos, essa pesquisa será de cunho bibliográfico. A fim de buscar fundamentação teórica para essa construção bem como para analisar o atual estado do debate sobre o tema, fez-se busca no catálogo de dissertações e teses da CAPES através das seguintes palavras-chave: racismo de estado; expansionismo penal; necropolítica; colonialidade do saber e colonialidade do poder.

    A partir dos primeiros trabalhos encontrados e estudados, outros por eles citados foram buscados e analisados, todos os trabalhos usados neste texto possuem sua respectiva referência ao fim. Do mesmo modo, serviram de base fundamental para esse trabalho os estudos de Fanon, Mbembe, Grosfoguel e Quijano.

    Fez-se também pesquisa documental, esta terá caráter subsidiário. Foram analisados especialmente o Atlas da Violência do ano de 2018, Banco Nacional de Monitoramento de Prisões 2. 0 também de 2018. Outros anuários, mapas da violência e estudos sobre o perfil dos encarcerados também contribuíram para o desenvolvimento do referencial teórico e para a análise dos dados coletados na presente pesquisa. Neste ponto, a pesquisa também se utilizará do debate em jornais, de artigos e rankings internacionais para uma compreensão mais abrangente da temática. O levantamento deverá sistematizar dados que explicitem como os negros são os alvos preferenciais nesses dados oficiais que pretendem analisar o sistema carcerário e de mortes registradas.

    Assim, o texto é dividido em três tópicos. No capítulo primeiro, demonstra-se o aumento da repressão estatal. Trabalha-se com essa ideia de racismo de Estado no que diz respeito ao expansionismo penal, encarceramento em massa e necropolítica, lançando suspeita sobre a naturalização do aprisionamento e morte dos negros.

    Mostrando como é estratégico que o discurso normativo e positivo de que contra toda esta ordem hostil e perigosa, é preciso defender a sociedade (FOUCAULT, 1999). Uma defesa que se faz, nada menos, do que com uma economia das mortes, uma lógica de distribuição de quem deve morrer. No caso brasileiro, as estatísticas de intolerância e morte apontam para a raça negra como um elemento de evidência daqueles a quem o signo da morte, quer social quer biológica, deve atingir.

    Percebe-se então que o negro é tido como um estanho nos espaços públicos, devendo ser retirado de alguma maneira. Isso ocorre, pois, pela noção de que o negro não pertence, mas vive e incomoda um mundo que é do branco. Neste sentido, será abordado a noção de um mundo pertencente ao branco e as tecnologias de poder por eles usadas para manter essa ordem, firmando essa ideia nos conceitos de colonialidade do poder e do saber.

    O capitulo segundo, fazendo da raça uma categoria de análise, discute o porquê de os negros serem os alvos de políticas excludentes e até mortais, uma vez que abordará a concepção da criação do negro enquanto um simulacro que, paradoxalmente, representa ao mesmo tempo a imagem de um perigo que precisa ser difundida e conhecida nos espaços públicos e, em seguida, esquecida e invisibilizada nos sistemas prisionais, ou, em casos extremos, mas atuais, vidas matáveis.

    Por fim, discute-se no capítulo a ideia de que há uma objetificação do ser subjugado, portanto, identidade é algo que lhe é atribuído pelo poder dominante. Dessa maneira, a concepção de quem é negro, ou seja, de quem pode ser marginalizado e até morto é sujeita a variação de acordo com as necessidades momentâneas. Discutindo a noção de devir negro no mundo, será problematizada a ideia de que a raça é determinada somente pelo caráter biológico ou se pode ser atribuída através a realidade social do indivíduo. Isto é, se ele ou não marginalizado e, portanto, se pode ou não ser alvo do racismo de Estado.

    O terceiro abordará como a teoria eurocêntrica de Direitos Humanos não se aplica a realidade periférica senão quando em ações repressivas. Será discutido como toda essa construção com pretensão universalista não aborda o tema raça e como contribuem como para a elaboração de uma a política e de um direito que legitimam toda uma estrutura de subjugação.

    Neste sentido, o texto pretende lançar luz sobre o fato de que, considerando a forma como uma política de morte contra os negros se instalou nas práticas de governo impossibilita uma prática de direitos humanos efetiva. Como discurso, se não enfrenta o que aqui está sendo lançado, permanece como uma dimensão de controle sobre as formas de emancipação e enfrentamento da exploração, exclusão e extermínio.

    Justifica-se essa pesquisa como necessária pois há nos dados oficiais crescente pessoas negras vítimas do sistema racial no qual as políticas criminais se pautam, desde ao grande encarceramento até o extermínio provocados por agentes do Estado. Há, também, pouco enfrentamento a essas questões e uma temida naturalização desses pontos. Portanto, problematizar o porquê as políticas implementadas possuem caráter seletivo se apresenta como pertinente para o momento atual.


    1 O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001

    Todo Camburão Tem Um Pouco de Navio Negreiro

    O Rappa

    Tudo começou quando a gente conversava Naquela esquina ali De frente àquela praça Veio os homens E nos pararam Documento por favor Então a gente apresentou Mas eles não paravam Qual é negão? qual é negão? O que que tá pegando? Qual é negão? qual é negão?

    É mole de ver Que em qualquer dura O tempo passa mais lento pro negão Quem segurava com força a chibata Agora usa farda Engatilha a macaca Escolhe sempre o primeiro Negro pra passar na revista Pra passar na revista

    Todo camburão tem um pouco de navio negreiro Todo camburão tem um pouco de navio negreiro

    É mole de ver Que para o negro Mesmo a aids possui hierarquia Na África a doença corre solta E a imprensa mundial Dispensa poucas linhas Comparado, comparado Ao que faz com qualquer Figurinha do cinema Comparado, comparado Ao que faz com qualquer Figurinha do cinema Ou das colunas sociais

    Todo camburão tem um pouco de navio negreiro Todo camburão tem um pouco de navio negreiro

    2. DIAGNÓSTICO DO PRESENTE: EXPLORAÇÃO, EXCLUSÃO E EXTERMÍNIO DO NEGRO

    Este capítulo se propõe a demonstrar como o Estado proporciona um estado de guerra racial permanente e velado pelo discurso da democracia racial.

    Na vida em coletividade, as relações de poder se exibem como relações de força, no qual algumas possuem mais intensidade por estarem alinhadas com a força política. Neste sentido, propõe-se a problematizar o fato de a força afirmada com mais veemência, que é a política, está fundada no discurso de raça.

    Dessa maneira, discutirá: a) quais as tecnologias de governo, isto é, as medidas adotadas pelo Estado para a sustentação da guerra de raças e a subjugação da população negra, analisando a partir da perspectiva do expansionismo penal e encarceramento em massa; b) analisar como o Estado consegue naturalizar a política de morte a partir da compreensão de necropolítica, elaborada por Mbembe (2018), fortalecida pela noção de Estado de Exceção.

    2.1 - EXPANSIONISMO PENAL E ENCARCERAMENTO EM MASSA DA POPULAÇÃO NEGRA

    Nos últimos anos houve um endurecimento nas estratégias político-criminais no Brasil. Essas medidas se mostram pragmáticas e poucos originais, mas muito violentas, tais como o avanço da elaboração de leis que permitem condenações mais severas e o crescente encarceramento em massa, essa nova dinâmica difunde o conhecido discurso da lei e ordem (ARGÜELLO, 2005, p. 1). Tratando-se de uma alternativa repressora e simbólica² que fortalece o mal que se pretende curar.

    Fazendo uma pequena contextualização histórica, em meados dos anos setenta, o previdenciarismo penal³, modelo que vigorou no pós-guerra, começou a perder sua força em função de ataques as suas bases ideológicas e suas finalidades práticas. Pouco tempo depois houve uma mudança radical nas premissas penais, que gerou um instável ciclo de mudanças que dura até os dias de hoje.

    Uma enxurrada de publicações norte-americanas criticava pesadamente o previdenciarismo penal e seu modelo de tratamento individualizado. A primeira e mais radical destas publicações foi o relatório do Partido Trabalhista do American Friends Service Commitee - intitulado Struggle for Justice – que veio a lume em 1971. Este relatório declarava peremptoriamente que o "modelo de tratamento individualizado, ideal perseguido pelos reformistas nos últimos cem anos, é teoricamente falho, sistematicamente discriminatório em sua administração e incompatível com alguns dos nossos conceitos mais básicos de justiça. (COMMITEE, 1971, p. 12)

    Discutindo sobre o tema, Katie Argüello expõe que um dos exemplos que podem melhor retratar o crescimento

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