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Catequese com adultos e catecumenato: História e proposta
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Catequese com adultos e catecumenato: História e proposta
E-book403 páginas3 horas

Catequese com adultos e catecumenato: História e proposta

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Sobre este e-book

Neste livro, Irmão Nery, fsc, apresenta os elementos básicos do catecumenato ao longo da história, como uma das iniciativas mais ricas da Igreja, sobretudo nos séculos III e V, para o processo de iniciação cristã dos adultos. O autor verifica como o catecumenato desapareceu, sendo substituído pelo catecismo, e oferece, à Igreja no Brasil, argumentos e motivações para o restabelecimento do catecumenato, como solicitou o Concílio Vaticano II, como um itinerário privilegiado para a formação dos discípulos missionários de Jesus Cristo e para a renovação dos fiéis que participam de momentos eclesiais, mas que podem crescer significativamente em sua adesão pessoal a Jesus Cristo, em seu compromisso com a comunidade eclesial e com a missão de transformar evangelicamente a família, a Igreja e a sociedade nesta mudança civilizacional que estamos vivendo.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento29 de mar. de 2021
ISBN9786555622331
Catequese com adultos e catecumenato: História e proposta

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    Catequese com adultos e catecumenato - Israel José Nery

    CATEQUESE COM ADULTOS E CATECUMENATO

    HISTÓRIA E PROPOSTA

    Sumário

    Capa

    Folha de Rosto

    Abertura

    Capítulo 1

    Catequese com adultos, uma urgência

    Capítulo 2

    Afinal, o que é mesmo catequese?

    Capítulo 3

    Catequese e catequistas

    Capítulo 4

    Quanto aos que desejam ser cristãos

    Capítulo 5

    O surgimento do catecumenato

    Capítulo 6

    Evolução do catecumenato nos começos do cristianismo

    Capítulo 7

    A organização e consolidação do catecumenato

    Capítulo 8

    Riquezas teológicas e pastorais do catecumenato

    Capítulo 9

    Decadência do catecumenato

    Capítulo 10

    Itinerário Catecumenal e vida consagrada

    Capítulo 11

    Sobrou algo do Intinerário Catecumenal?

    Capítulo 12

    Os catecismos na colonização da América Latina

    Capítulo 13

    Catequese de adultos e catecumenato no século XX

    Capítulo 14

    O Concílio Vaticano II e a renovação da catequese

    Capítulo 15

    A América Latina depois do Concílio Vaticano II

    Capítulo 16

    Catequese no Brasil Colônia

    Capítulo 17

    Catequese no Brasil nos séculos XIX e XX

    Capítulo 18

    Catequese no Brasil à luz do Concílio Vaticano II

    Capítulo 19

    A guinada do Documento Catequese renovada

    Capítulo 20

    O protagonismo dos leigos e leigas

    Capítulo 21

    Converter os próprios católicos?

    Capítulo 22

    Tempos e etapas do Itinerário Catecumenal

    Capítulo 23

    Iniciação cristã e Iniciação à Vida Cristã

    Capítulo 24

    A inspiração catecumenal

    Capítulo 25

    O clamor dos adultos católicos

    Capítulo 26

    Algumas conclusões, mas a tarefa continua

    Bibliografia básica

    Coleção

    Ficha Catalográfica

    Notas

    Landmarks

    Cover

    Title Page

    Providenciem, os Senhores Bispos, o restabelecimento da instituição do catecumenato de adultos e que seja adaptada

    (Decreto conciliar Christus Dominus, 14, de 28 de outubro de 1965).

    Restaure-se o catecumenato de adultos, dividido em diversas etapas, introduzindo o uso de acordo com o parecer do Ordinário do lugar. Dessa maneira, o tempo do catecumenato, estabelecido para a conveniente instrução, poderá ser santificado com os sagrados ritos a serem celebrados em tempos sucessivos

    (Constituição conciliar Sacrosanctum Concilium, 64, de 4 de dezembro de 1963).

    Abertura

    C

    atequese com Adultos. Este tema foi tratado, no Brasil, com especial ênfase, nos anos de 1999 a 2005, tendo como seu ponto forte a Segunda Semana Brasileira de Catequese, em 2001. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), por meio de seu Setor de Catequese, publicou vários importantes textos sobre o assunto: Com adultos, catequese adulta (Estudos nº 80), Itinerário da fé na catequese com adultos (Estudos nº 82), Segunda Semana Brasileira de Catequese (Estudos nº 84), Catequistas para a catequese com adultos: processo formativo (Estudos nº 94).

    Este livro. Para colaborar com a reflexão sobre o tema, escrevi, na época, Catequese com adultos e catecumenato: história e proposta, que a Paulus publicou. Trata-se de um estudo que leva em conta a recomendação do Concílio Vaticano II, quanto a trazer para o mundo contemporâneo, mas de modo adaptado e renovado, a rica experiência do itinerário catecumenal com adultos, dos séculos III ao V. Tal período áureo do processo evangelizador e catequético da história da Igreja é, e continuará sendo, uma referência-chave para a renovação da catequese e de toda a ação evangelizadora e pastoral da Igreja, em todos os tempos, particularmente no que se refere aos adultos. Depois de várias edições, senti que uma revisão atualizada de minha pesquisa se fazia necessária.

    O RICA e a Catequese. Recordemos ainda que, em 1972, a Sé Apostólica publicou, em atenção à recomendação do Concílio Vaticano II (1962-1965), o Ritual de Iniciação Cristã (RICA), que propõe os passos e etapas do Itinerário Catecumenal para a iniciação e a catequese com adultos, no que se refere à liturgia. Uma nova edição desse Ritual foi disponibilizada no Brasil, em 2001. É verdade que se trata de um Ritual, portanto, litúrgico, mas que exige, de per se, a catequese para bem vivenciar esse itinerário. Iniciativas foram tomadas, mas há ainda muito a se fazer.

    Paulo VI. Dez anos depois do encerramento do Concílio, em 1975, o Papa São Paulo VI, na sua Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi (A evangelização no mundo contemporâneo)[1] recordou a missão primordial da Igreja, a evangelização (o anúncio primeiro, o querigma). Como escreveu São Paulo: Anunciar o Evangelho não é título de glória para mim; é, antes, uma necessidade que se me impõe. Ai de mim, se eu não anunciar o Evangelho (1Cor 9,16). O Papa afirma: Evangelizar constitui, de fato, a graça e a vocação própria da Igreja, a sua mais profunda identidade (EN 14), e esclarece: Evangelizar, para a Igreja, é levar a Boa-Nova a todas as parcelas da humanidade, em qualquer meio e latitude e, pelo seu influxo, transformá-las a partir de dentro e tornar nova a própria humanidade: ‘Eis que faço de novo todas as coisas’ (Ap 21,5). E ele conclui: Não haverá, porém, nunca evangelização verdadeira se o nome, a doutrina, a vida, as promessas, o Reino, o mistério de Jesus de Nazaré, Filho de Deus, não forem anunciados (cf. EN, 18 e 22).

    E o Papa comenta com ênfase:

    No entanto, não haverá humanidade nova, se não houver em primeiro lugar homens novos, pela novidade do Batismo e da vida segundo o Evangelho. A finalidade da evangelização, portanto, é precisamente esta mudança interior. E, se fosse necessário traduzir isso em breves termos, o mais exato seria dizer que a Igreja evangeliza quando, unicamente firmada na potência divina da mensagem que proclama, ela procura converter, ao mesmo tempo, a consciência pessoal e coletiva dos homens, a atividade em que eles se aplicam, a vida e o meio concreto que lhes são próprios (EN 18).

    E quando fala em catequese, Paulo VI deixa claro que:

    Sem minimamente negligenciar, seja em que aspecto for, a formação religiosa das crianças, verifica-se que as condições do mundo atual tornam cada vez mais urgente a catequese, sob a forma de um catecumenato, para numerosos jovens e adultos que, tocados pela graça, descobrem pouco a pouco o rosto de Cristo e experimentam a necessidade de a ele se entregar (EN 44).

    O Papa São João Paulo II, por sua vez, em 1980, na sua Exortação Apostólica pós-sinodal Catechesi Tradendae - CT (A catequese hoje) traça as grandes orientações para a renovação da catequese em toda a Igreja e coloca em evidência, no nº 43, a prioridade e a importância da catequese de adultos:

    A catequese dos adultos é a principal forma de catequese, porque se dirige a pessoas que têm as maiores responsabilidades e capacidade para viver a mensagem cristã na sua forma plenamente desenvolvida. Efetivamente, a comunidade cristã nunca poderá pôr em prática uma catequese permanente sem a participação direta e experimentada dos adultos, quer sejam eles os destinatários, quer os promotores da atividade catequética.

    O mundo em que os jovens são chamados a viver e testemunhar a fé, que a catequese intenta aprofundar e consolidar neles, é um mundo governado pelos adultos; a fé destes, portanto, tem de ser continuamente esclarecida, estimulada e renovada, a fim de impregnar as realidades temporais deste mundo, pelo qual eles são os responsáveis. Assim, para ser eficaz, a catequese tem de ser permanente. Seria em vão, se parasse no começo da maturidade, uma vez que ela se demonstra não menos necessária para adultos, embora sob outra forma, obviamente.

    Os Adultos no Documento Catequese renovada. No Brasil, em 1983, como uma aplicação da Catechesi Tradendae em nosso contexto, a CNBB, no seu Documento 26, Catequese renovada: orientações e conteúdo, ao convocar a todos para a renovação da catequese, enfatizou, no seu número 130, a prioridade da catequese de adultos ou, como se prefere hoje, catequese com adultos ou iniciação cristã com adultos, e expõe as razões para essa opção:

    É na direção dos adultos que a evangelização e a catequese devem orientar seus melhores agentes. São os adultos os que assumem mais diretamente, na sociedade e na Igreja, as instâncias decisórias e mais favorecem ou dificultam a vida comunitária, a justiça e a fraternidade. Urge que os adultos façam uma opção mais decisiva e coerente pelo Senhor e sua causa, ultrapassando a fé individualista, intimista e desencarnada.

    Os adultos, num processo de aprofundamento e vivência da fé em comunidade, criarão, sem dúvida, condições fundamentais para a educação da fé das crianças e dos jovens, na família, na escola, nos meios de comunicação social e na própria comunidade eclesial.

    Iniciação à Vida Cristã. O mundo e a Igreja, porém, passam por muitas mudanças, tema este refletido pelo Setor de Catequese da CNBB, cuja síntese foi publicada na Coleção Estudos da CNBB, nº 73: Catequese para um mundo em mudança. Diante de tantas e tão díspares propostas, a fé e as convicções cristãs são bombardeadas de todos os jeitos. O Documento de Aparecida, emanado da V Conferência Episcopal da América Latina e Caribe, em 2007, traça um panorama da crise de fé de muitos fiéis e conclama a Igreja a um renovado trabalho evangelizador dos próprios católicos, para que retomem e aprofundem seu encontro pessoal com Deus, sua conversão, seu engajamento na Igreja e na missão.

    Os peritos em catequese consideraram, então, que o Itinerário Catecumenal, retomado e adaptado, como pedia o Concílio, viria reforçar a missão da catequese, particularmente em relação aos adultos. O assunto tornou-se o tema central da Terceira Semana Brasileira de Catequese (3ª SBC), em outubro de 2009, mobilizando o Brasil inteiro nesse sentido, com apoio no Estudos nº 97, publicado em 2009 pela CNBB, intitulado Iniciação à Vida Cristã: um processo de inspiração catecumenal.

    Insistência do CELAM e da CNBB. A aceitação desse Estudo nº 97 foi tão grande, que chegaram à CNBB muitos pedidos para que ele fosse retomado em uma Assembleia Geral, a fim de ser transformado em documento oficial. Contudo, o lançamento do documento A alegria de iniciar discípulos missionários na mudança de época, em 2015, do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), trouxe um novo estímulo para tal tarefa. Depois de dois anos de elaboração, bem participada, a CNBB aprovou, em sua Assembleia Geral, em 2017, e publicou o Documento 107, intitulado Iniciação à Vida Cristã: itinerário para formar discípulos missionários.

    Em busca de um novo paradigma para a catequese. Tudo isso, e muito mais, requer, evidentemente, um novo paradigma para a catequese a serviço da Iniciação à Vida Cristã de adultos e de todos os demais sujeitos da catequese. O fundamental e urgente é formar discípulos missionários livres, conscientes, esclarecidos, generosos e coerentes. Um panorama, mesmo que resumido, do que permaneceu daquele Itinerário Catecumenal e catequético dos séculos III ao V, ao longo da história da Igreja e do que se tem realizado em muitos países, nestes últimos anos, é de grande utilidade para a renovação da catequese com adultos hoje. É esse um dos objetivos deste livro.

    A formação dos membros da Igreja. Além de retomar, como uma introdução ao tema, o significado de catequese, catequista e catecúmeno no Novo Testamento, este livro expõe, na sua primeira parte, a rica experiência do catecumenato que existiu nos primeiros séculos do cristianismo, sobretudo nos séculos III e V, para todos os que se sentiam interpelados à adesão a Jesus Cristo com os demais christifideles (seguidores de Jesus). Este estudo leva em conta, em seguida, o que, ao longo da história da Igreja, permaneceu do catecumenato e dá particular atenção à proposta do Concílio Vaticano II, quando solicita o restabelecimento do Itinerário Catecumenal, mas de modo adaptado às atuais circunstâncias.

    Este livro revela, também, que a vida religiosa é uma das instâncias da Igreja que conserva traços de processo catecumenal, durante o tempo de postulantado, noviciado e juniorado, que constituem o período da formação inicial dos religiosos e das religiosas, os christifideles consecrati (seguidores de Jesus no estilo da Vida Consagrada). Podemos dizer também que algo desse processo existe na preparação ao presbiterado, os christifideles ministri ordenati (seguidores de Jesus como ministros ordenados), por meio do seminário, mas com menos intensidade, devido à exagerada ênfase na formação acadêmica, sem a decidida e necessária atenção à formação humana e cristã dos seminaristas.

    A pergunta que permanece, obviamente, refere-se aos fiéis leigos(as) – os christifideles laici. Durante séculos, eles ficaram sem a rica experiência do catecumenato como noviciado para ser cristão. Em grande parte, isso aconteceu e ainda acontece devido ao predomínio do clericalismo, que manteve e mantém os leigos e leigas na ignorância e sem cidadania na Igreja católica. Ainda permanece a crença de que continuamos na cristandade, isto é, com a família e a sociedade católica, nas quais, pelo simples fato de nascer neste contexto, a pessoa, a partir do batismo, já é considerada adulta na fé, sem precisar estudar nem participar nos destinos da Igreja, nem na sua missão no mundo

    A proposta da CNBB. A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), por meio de sua Dimensão Bíblico-Catequética, vem estimulando, desde o ano 2000, sobretudo, a partir da Segunda Semana Brasileira de Catequese (2ª SBC), realizada em 2001, uma ampla reflexão sobre o tema Com adultos, catequese adulta, com o lema Crescer rumo à maturidade em Cristo. É oportuno que, nessa dinâmica de prioridade à catequese com adultos, visitemos a experiência do catecumenato na história da Igreja, particularmente dos primeiros séculos do cristianismo, e a experiência dos esforços para seu restabelecimento nestes últimos anos, tirando lições para hoje.

    Catecumenato e Caminho Neocatecumenal. É importante, desde o começo desta reflexão, deixar claro que este livro não se refere, a não ser muito de leve, ao movimento Caminho Neocatecumenal, iniciado na Espanha, em 1964, por Kiko Argüello e Carmen Hernández. Esse movimento, aliás, em muitos lugares, vem criando dificuldades para o restabelecimento do Itinerário Catecumenal na Igreja, como o solicita o Concílio Vaticano II. Aqui tratamos do catecumenato como patrimônio da Igreja toda, e não de algo restrito a um movimento.

    Um serviço. Este livro é apenas um texto-base, um esboço, um ponto de partida para estimular pesquisa, reflexão, experiências. É um serviço à causa da catequese de Iniciação à Vida Cristã com adultos. Oferece um apoio para a nossa caminhada de Igreja, que é continuamente estimulada em sua renovação pelo Papa Francisco, tendo como referência a comunidade eclesial primitiva apresentada nos Atos dos Apóstolos e nas cartas dos apóstolos. A retomada do catecumenato, com as devidas adaptações, constitui uma importante mediação para impulsionar a maturidade de todos os fiéis na fé e a tão desejada e necessária renovação inculturada de nossa Igreja, nos embates da mudança civilizatória na qual estamos mergulhados.

    Irmão Israel José Nery, fsc

    São Paulo, 15 de maio de 2019.

    Capítulo 1

    Catequese com adultos,

    uma urgência

    L

    eigos bem preparados. Diante da urgência, na Igreja, de leigos e leigas comprometidos(as) como evangelizadores(as), profetas no coração da comunidade eclesial e da sociedade, o Papa São Paulo VI escreveu na EN, 70:

    Os leigos, a quem a sua vocação específica coloca no meio do mundo e à frente de tarefas as mais variadas na ordem temporal, devem também eles, através disso mesmo, atuar uma singular forma de evangelização. A sua primeira e imediata tarefa não é a instituição eclesial e o desenvolvimento da comunidade eclesial, pois esse é o papel específico dos Pastores, mas sim pôr em prática todas as possibilidades cristãs e evangélicas escondidas, mas já presentes e operantes, nas coisas do mundo.

    O campo próprio da sua atividade evangelizadora é o mesmo mundo vasto e complicado da política, da realidade social e da economia, como também o da cultura, das ciências e das artes, da vida internacional, dos mass media e, ainda, outras realidades abertas para a evangelização, como o amor, a família, a educação das crianças e dos adolescentes, o trabalho profissional e o sofrimento.

    Quanto mais leigos houver impregnados do Evangelho, responsáveis em relação a tais realidades e comprometidos claramente em relação a elas, competentes para promovê-las e conscientes de que é necessário fazer desabrochar a sua capacidade cristã, muitas vezes escondida e asfixiada, tanto mais essas realidades, sem nada perder ou sacrificar do próprio coeficiente humano, mas patenteando uma dimensão transcendente para o além, não raro desconhecida, encontrar-se-ão a serviço da edificação do Reino de Deus e, por conseguinte, da salvação em Jesus Cristo.

    Fiéis leigos(as). Os christifideles laici saeculares (fiéis leigos e leigas, discípulos e missionários de Jesus no dia a dia do mundo), que, portanto, vivem no meio do mundo, ou século, e são chamados a evangelizar a partir das realidades deste mundo e inseridos nas mesmas, constituem 98% da Igreja católica. No entanto, ficaram e ainda estão, em sua quase totalidade, na condição de massa sem voz e sem vez, sem uma oportunidade séria de um processo catecumenal de conversão e engajamento, como privilegiadamente têm os religiosos e os presbíteros e, a partir de uns cem anos para cá, alguns poucos movimentos de leigos e leigas. Os caminhos mais comuns dos leigos e das leigas, ao longo dos séculos, foram o da acomodação ao infantilismo religioso, mantido pelo clericalismo reinante, e o de um derivado dessa situação, o devocionismo.

    Hoje, devido aos desafios cada vez mais fortes do mundo contemporâneo e com os estímulos que recebem, os leigos e as leigas procuram, cada vez mais, uma formação cristã mais prolongada e profunda. Enfrentam, no entanto, sérias dificuldades, entre as quais estão, principalmente, falta de tempo, falta de recursos financeiros e a falta de instituições compatíveis com a condição específica de leigos(as). Isso porque, em geral, o que a eles se oferece é ainda marcado pelo jeito clerical de formação teológica, pastoral e espiritual, muito teórico, intelectual, acadêmico, sem incidência na vida concreta e sem a dimensão querigmática, evangelizadora.

    Fé cristã. Mas o que nos importa é saber que, desde Pentecostes, a fé, como adesão pessoal a Jesus Cristo, é o elemento central da conversão de quem se apresenta para segui-lo, na Igreja. Trata-se, porém, de uma fé que não se contenta em crer em Deus Criador (no caso dos pagãos) ou no Deus dos pais (no caso dos judeus), mas de crer no Deus de Jesus Cristo (cf. 1Ts 1,9-10).

    Além disso, é preciso deixar bem claro que o catecumenato e, com ele, a catequese só começam mesmo depois que a Igreja reconhece que a pessoa que a procura está convertida. Não há batismo sem primeiramente haver aceitação de Jesus Cristo e conversão. A catequese catecumenal é, portanto, um processo posterior à evangelização, ao anúncio primeiro (querigma), que estimula ao encontro pessoal e intransferível com Jesus Cristo e, consequentemente, o conduz à conversão e ao seguimento de Jesus. Os passos seguintes nunca mais terão fim, pois a pessoa vai querer conhecer mais e mais Jesus Cristo, viver como ele viveu e amar como ele amou.

    O chamado a seguir Jesus não é para ficar intimamente com ele, no sentido de torná-lo um ponto de chegada, um ídolo em função de interesses pessoais ou grupais ou da Igreja; um milagreiro obediente a ser explorado, até mesmo com lugar e hora marcada, e que, intimidado, obedece cegamente ao berreiro de pseudopastores que mandam nele, como bem lhes entender. O próprio Jesus foi preciso e direto ao dizer que ele mesmo não é o ponto de chegada, e sim o Pai: Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai a não ser por mim! (Jo 14,6).

    E o seguimento de Jesus, também, não é para explorar o Pai. É para cooperar com Jesus, o seu Filho Unigênito, na extensão do Reinado desse mesmo Pai Amoroso, no coração das pessoas, nas relações humanas, na sociedade, na defesa e promoção do planeta Terra e na opção preferencial pelos pobres e mais necessitados, aguardando a plenitude deste Reino, na Vida eterna feliz. A finalidade da fé adulta não é buscar, primeira e principalmente, a própria salvação eterna, mas a glória do Pai e do Filho e do Espírito Santo, por meio do serviço gratuito e amoroso aos irmãos e irmãs e à entrega de si para a causa do Reino de Deus. É esse o sentido primordial do amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo (cf. Mt 22,34-40) e, mais ainda, como Jesus nos amou: Nisto todos saberão que vós sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros como eu vos tenho amado (Jo 13, 34-35).

    Missão do leigo no mundo. Os leigos e leigas são chamados a testemunhar sua fé, com heroísmo, num mundo gerador de exclusão, insatisfação e desrespeito à pessoa humana e à natureza. Cabe aos cristãos um forte compromisso político, por meio de uma postura profética crítica diante de tudo o que vai contra o Reino de Deus, propondo os valores desse Reino e promovendo o que é compatível com o Reino. Nesse sentido, a opção preferencial pelos pobres não se limita à indispensável ação assistencial de socorrer o necessitado, mas precisa ir às causas da pobreza. Ora, isso implica forçosamente o engajamento, em nome da fé, na luta contra uma economia da exclusão, contra a cultura do descarte, contra a globalização da indiferença, contra o fetichismo do dinheiro e a especulação financeira, contra a desigualdade que gera violência; não ao pessimismo estéril, não ao mundanismo espiritual, não à guerra do dia a dia, na qual o outro precisa ser humilhado, esmagado, destruído.[2]

    A iniciativa dos leigos e leigas. Como nossa Igreja, apesar do Concílio (1962-1965) e das renovadoras Conferências Episcopais Latino-americanas (Medellín-68, Puebla-79, Santo Domingo-92, Aparecida-2007), continua fortemente clerical, é muito importante que os próprios fiéis leigos e leigas tomem a iniciativa de realizarem a sua formação inicial e permanente. O Estudo da CNBB, de 2017, intitulado Cristãos leigos e leigas na Igreja e na sociedade: sal da terra e luz do mundo (CNBB, Estudo nº 107), diz que:

    Cada organização laical assume a formação de seus membros como tarefa primordial, o que exige empenho de todos para que ela se realize. Sem uma formação permanente, contínua e consistente, o sujeito eclesial corre o risco de estagnar-se em sua caminhada eclesial. A formação de sujeito eclesial (cf. DA, n. 497, a), que implica amadurecimento contínuo da consciência, da liberdade e da capacidade de exercer o discipulado e a missão no mundo, deve ser, também, um compromisso e uma paixão das comunidades eclesiais.

    Participação dos leigos e leigas na renovação da Igreja. Esse processo de catequese permanente conseguirá conscientizar os cristãos leigos e leigas como membros efetivos da Igreja:

    ▶ a participar consciente, ativa e frutuosamente dos processos de planejamento, decisão e execução da vida eclesial e da ação pastoral, por meio das assembleias paroquiais, diocesanas, regionais e nacionais, e dos conselhos pastorais, econômico-administrativos, missionário e outros (Cf. Estudos nº 107, 274, b);

    ▶ a efetivar um processo de participação dos vários sujeitos eclesiais, em particular dos cristãos leigos e leigas em âmbito nacional, contribuindo para a consciência e o testemunho de comunhão como Igreja, tornando regulares as Assembleias Nacionais dos Organismos do Povo de Deus (cf. Doc. 105, 274, c);

    ▶ a reconhecer, diz o Doc. 105, 274, d, a dignidade da mulher e sua indispensável contribuição na Igreja e na sociedade (cf. CFL 49), ampliando sua presença, particularmente na formação e nos espaços decisórios (cf. EG 103), no seu ser configurado a Cristo, como sacerdotisa, profetiza e rainha (CFL 51);[3]

    ▶ a incentivar e acompanhar a presença e a ação dos cristãos leigos e leigas na participação social e política: semanas sociais, grito dos excluídos, conselhos paritários de direitos e de políticas públicas, sindicatos, processos políticos e outros (cf. Doc. 105, 274, e);

    ▶ é preciso, também, aprofundar a questão dos ministérios leigos etc. (cf. Doc. 105, 274, f), mas que não sejam apenas ad intra ecclesiae (para dentro da Igreja), mas sobretudo ad extra ecclesiae, para a transformação evangélica da sociedade.

    Iniciativas. É óbvio que, ao longo da história da Igreja, houve iniciativas dignas de nota no desejo de ajudar os leigos e leigas a viverem, celebrarem a sua fé e a operacionalizarem no dia a dia. Assim, apenas como exemplo, uma parte dos leigos e das leigas encontrou espaço à sombra de ordens e congregações religiosas, criando e dinamizando a chamada Ordem Terceira, fruto do zelo de São Francisco de Assis, as confrarias e irmandades, que implicavam um mínimo de iniciação para se poder assumir os ideais e costumes de tais entidades. Outra parte, com mais autonomia, organizou-se, de modo similar aos religiosos, em instituições como os Congregados Marianos, originados no começo da congregação dos jesuítas, no séc. XVI e, ainda, como os vicentinos, com Frederico Ozanan, no séc. XIX. Na primeira metade do séc. XX, os leigos e as leigas tiveram na Ação Católica uma histórica oportunidade catecumenal, infelizmente destruída, no caso do Brasil, na década de 1960, por falhas dos leigos, da hierarquia da Igreja e pela perseguição da ditadura militar.

    O laicato no século XX. Observando o que aconteceu no laicato em nossa Igreja ao longo do século XX, particularmente depois do Concílio Vaticano II (1962-1965), e depois da Ação Católica, percebe-se, na iniciativa de diversos movimentos de leigos e leigas, alguns pequenos sinais do Catecumenato de Iniciação, no processo que utilizam para o ingresso de membros em suas fileiras. No pós-Concílio Vaticano II, a dimensão comunitária do seguimento de Jesus teve um forte impulso. Mas a paróquia territorial tradicional, de estilo feudal, pouco fez para adaptar-se e criar laços de comunidade. Muitos leigos e leigas conseguiram um pouco dessa ligação, comprometendo-se em algumas pastorais, grupos e serviços paroquiais que, no mais das vezes, assumem um papel de auxílio ao clero, portanto, sem suficiente autonomia e, sobretudo, sem suficiente mística, dando muito espaço à devoção.

    Uma parte da multidão de leigos e leigas, com tanta variedade de dons, carismas, tendências e gostos, sentindo necessidade de sinais de pertença, encontrou, nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), o caminho bíblico para transformar a Igreja toda, a partir do paradigma da comunidade primitiva, no ideal proposto pelos Atos dos Apóstolos. As CEBs, felizmente, não se transformaram em uma estrutura a mais na Igreja, algo à parte, mas em um sinal para a Igreja toda ser comunidade cristã cálida, participativa e comprometida. As CEBs são, sem dúvida, um lugar privilegiado onde acontece, de fato, um processo de evangelização, catequese, celebração, comunidade, compromisso evangélico social, que o esforço pelo restabelecimento do catecumenato não pode ignorar (cf. CNBB, Documento 16: Catequese Renovada, toda a quarta parte).

    Outra parte da multidão de fiéis foi se aglutinando em movimentos, os mais variados, com grande oferta de possibilidades, organizados ao redor de uma devoção, de um dom, de um serviço, de uma situação, um carisma, um apostolado, um(a) fundador(a). Esses movimentos oferecem, de modo mais próximo e cálido, a experiência da comunidade de fé, esperança e amor, oportunidades de estudo meditativo da Sagrada Escritura e chances de engajamento apostólico, além de uma mística. E todos esses movimentos têm, ao seu estilo, um processo catecumenal de iniciação, algo mínimo, para os que neles ingressam. Podemos afirmar que os movimentos estão, a seu modo, imitando as congregações religiosas.

    A hierarquia eclesiástica, assim como aceita a pluralidade, intercomplementaridade e reciprocidade das diversas ordens, congregações, institutos de Vida Consagrada, demorou, mas passou a compreender, acolher, estimular e assessorar a multiforme modalidade que os leigos e as leigas estão encontrando para deixar de ser massa amorfa, que ocupa formalmente as igrejas aos domingos e, também, a multidão de católicos de nome, católicos afastados, católicos esporádicos, católicos ecléticos, católicos de celebrações de caráter preponderantemente social... O perigo de ser grupos fechados, rivalizando uns com outros, de não se inserir na vida da Igreja local e de adotar certos ranços de fundamentalismo, devocionismo, exageros em algumas áreas da vida cristã em detrimento do todo, é muito concreto e vem trazendo fortes preocupações em alguns setores da Igreja em relação a alguns movimentos e novas comunidades e congregações religiosas.

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