Imitação de Cristo: Uma vida de virtudes e renúncia
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Sobre este e-book
Escrito há mais de 600 anos pelo monge Tomás de Kempis, Imitação de Cristo foi o livro cristão mais traduzido do mundo, exceto a Bíblia, e mesmo com forte influência católica romana tem seu valor reconhecido pelas diversas vertentes do cristianismo.
Esta obra-prima sobre espiritualidade tem cada palavra embebida nas Escrituras e no relacionamento intenso e pessoal com Jesus que todo cristão almeja e, sobretudo, necessita.
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Imitação de Cristo - Tomás de Kempis
TOMÁS DE KEMPIS
IMITAÇÃO
DE
CRISTO
DE IMITATIONE CHRISTI
UMA VIDA DE
VIRTUDES E RENÚNCIA
SÃO PAULO, 2021
De imitatione Christi
Imitação de Cristo
Copyright © 2021 by Novo Século Editora Ltda.
EDITOR: Luiz Vasconcelos
COORDENAÇÃO EDITORIAL: Silvia Segóvia
TRADUÇÃO: Darlei Pinheiro da Mota
PREPARAÇÃO DE TEXTO: Deborah Stafussi
REVISÃO: Alexandra Resende | Silvia Segóvia
CAPA: Luis Antonio Contin Junior
PROJ. GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO:: Rebeca Lacerda
DESENVOLVIMENTO DE EBOOK: Loope Editora | www.loope.com.br
Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), em vigor desde 1º de janeiro de 2009.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Angélica Ilacqua CRB-8/7057
Kempis, Tomás de, 1380-1471
Imitação de Cristo / Tomás de Kempis; tradução de Darlei Pinheiro da Mota -- Barueri, SP : Novo Século Editora, 2020.
Edição bilíngue Português-Latim
ISBN 978-65-5561-244-8
Título original: De imitatione Christi
1. Jesus Cristo - Meditações 2. Jesus Cristo - - Obras anteriores a 1800 3. Vida cristã I. Título II. Mota, Darlei Pinheiro da
20-4550 CDD 242.72
Índice para catálogo sistemático:
1. Jesus Cristo - Meditações 242.72
logo Novo Século
GRUPO NOVO SÉCULO EDITORA LTDA.
Alameda Araguaia, 2190 – Bloco A – 11º andar – Conjunto 1111
CEP 06455-000 – Alphaville Industrial, Barueri – SP – Brasil
Tel.: (11) 3699-7107 | Fax: (11) 3699-7323
www.gruponovoseculo.com.br | atendimento@novoseculo.com.br
Imagem da coroa de espinhosSUMÁRIO
Edição bilíngue português-latim
Capa
Folha de Rosto
Créditos
Imitação de Cristo
Primeiro livro | Avisos úteis para a vida espiritual
Da imitação de Cristo e desprezo de todas as vaidades do mundo
O sentir de si mesmo do humilde
Da verdade dos ensinamentos
Da prudência nas ações
Da leitura das Sagradas Escrituras
Das afeições desordenadas
Como devemos fugir à vã esperança e presunção
Como se deve evitar a excessiva familiaridade
Da submissão e obediência
Como se devem evitar as conversas supérfluas
Do zelo e da paz em desfrutar
Da conveniência das adversidades
Como se há de resistir às tentações
Como se deve afastar o juízo temerário
Das obras feitas com caridade
Do sofrer os defeitos dos outros
Da vida religiosa
Dos exemplos dos Santos Padres
Das práticas do bom religioso
Do amor ao silêncio e à solidão
Da aflição do coração
Da miséria e consideração humana
Da meditação da morte
Das penas e do juízo dos pecadores
Do zelo reparador de toda a nossa vida
Segundo livro | Admoestações à vida interior
Da vida interior
Da humilde sujeição
Do homem santo e pacífico
Da mente pura e da simples intenção
Da consideração de si mesmo
Da reta consciência e alegria
Do amor de cristo sobre todas as coisas
Da contínua amizade com Jesus
De toda consolação e privação
Da gratidão pelo favor divino
Quão poucos são os que amam a cruz de Jesus
Da verdadeira vereda para a santa cruz
Terceiro livro | Do afago interior
Do diálogo amigo de Cristo com a alma fiel
Que, sem algazarra de dizeres, a realidade fala dentro de nós
Como as palavras de Deus precisam ser escutadas com humildade e como muitos não pensam nelas
Que devemos caminhar com Deus em humildade e verdade
Das formidáveis realizações do amor divino
Da prova do amor verdadeiro
Como se há de esconder a graça sob a guarda dos homens
Da vã estima de si próprio perante os olhos do Pai
Tudo deve ser referido a Deus como ao final propósito
Como é afável servir a Deus renegando o mundo
Como devemos examinar e ponderar os anseios do coração
Da escola da calma e luta contra as iniquidades
Da singela sujeição e obediência, a exemplo de Jesus Cristo
Que devem se apreciar os sublimes juízos de Deus, para não nos esvanecermos na abundância
A maneira pela qual cada um deve se portar e dialogar em seus anseios
Que se há de buscar, somente em Deus, a verdadeira consolação
Que todo o nosso zelo devemos atribuir a Deus
Como, a exemplo de Cristo, se hão de padecer com igualdade de vontade as pobrezas terrenas
Do padecimento das injúrias e o que é aceito como justo e paciente
Da admissão da própria fraqueza, e das misérias desta vida
De que forma deve ser o repouso em Deus antes de todos os dons e bens
Da rememoração das inumeráveis maravilhas de Deus
Das quatro coisas que geram grande paz
A curiosidade sobre a vida alheia deve ser evitada
No que se firma a preciosa paz de espírito e o aproveitamento real
Da liberdade de espírito, em excelência, na qual chega antes pela singela oração do que pela erudição
A forma em que o amor-próprio afasta em mais elevada instância do bem máximo
Contra as ferinas línguas
Como devemos invocar a Deus e glorificá-lo no momento da tribulação
Como se há de rogar a ajuda divina e depositar confiança para recuperar a graça
Do menosprezar de todo homem para que o Criador se consiga encontrar
Do renegar de si mesmo e abandono da cobiça
Da instabilidade do espírito e a final intenção que se há de prestar a Deus
Como Deus é certo e bom em todas as coisas, e antes de tudo, ao que o ama
Como contra a tentação não há segurança, nesse viver não há paz
Contra os julgamentos dos homens
Da plena e casta renúncia de si mesmo para a obtenção da plenitude de espírito
Do afável agir externo e do clamar a Deus nas assolações
Que o homem não seja aflitO em seus assuntos
Que o homem por si mesmo nada tem de bom e de nada se pode gloriar
Do desprezar de toda glória terrena
De modo a não se buscar a paz nos homens
Contra a vã ciência do século
Que não se deve ter afeto com assuntos externos
Como é simples falhar com as palavras e por que se não deve dar crédito a todos
A fé que devemos ter no Senhor quando recebemos palavras afrontosas
O suportar das coisas dolorosas
Das aflições dessa vida e do dia da eternidade
As recompensas prometidas e o anseio pela vida eterna
Como o homem aflito se deve entregar nas mãos de Deus
O exercício dos singelos labores quando os mais complexos são inviáveis
Como o homem é digno de castigo e não de consolação
Da graça de Deus que não tem parte com os que amam as coisas mundanas
Acerca da graça e da natureza
DA queda da natureza e da eficácia da graça divina
Como devemos renunciar a nós mesmos e pela cruz seguir a Cristo
Que não se desanime o homem quando tropeçar em alguma falha
Não devemos inquirir as coisas mais sublimes e os secretos juízos de Deus
Somente em Deus devemos confiar e depositar a nossa esperança
Quarto livro | Da asseveração do altar
A fiel exortação para a Santa Comunhão
A voz de Cristo
A reverência necessária para receber a Cristo
A voz do discípulo
O amor e a bondade de Deus contidas nesse Sacramento
A voz do discípulo
O proveito da frequente comunhão
A voz do discípulo
Dos bons frutos colhidos aos que comungam com devoção
A voz do discípulo
Da dignidade do sacro Sacramento e da diligência sacerdotal
A voz do amado
Do questionamento inerente ao exercício antes da comunhão
A voz do discípulo
O examinar da própria mente e a intenção de correção
A voz do amado
DA oblação de Cristo na cruz e da própria resignação
A voz do amado
Sobre como devemos nos oferecer a Deus por completo
A voz do discípulo
Porque não se pode abandonar a comunhão por leves razões
A voz do amado
Sobre a necessária Sagrada Escritura e o corpo de Cristo
A voz do discípulo
Devemos nos preparar, com cautela, para a Sagrada Comunhão
A voz do amado
Que a alma devota aspire união com Cristo no Sacramento
A voz do discípulo
O ardente querer dos devotos de receber o Corpo de Cristo
A voz do discípulo
A graça da fidelidade se alcança pela humildade e renegação de si mesmo
A voz do amado
Como devemos lançar as nossas necessidades sobre Cristo e rogar a sua graça
A voz do discípulo
Do sublime amor e veemente desejo de receber a Cristo
A voz do discípulo
Que o homem não busque o Sacramento com curiosidade, mas sim sendo um singelo imitador de Cristo
A voz do amado
Notas do tradutor
De Imitatione Christi
Liber Primus | Admonitiones ad spiritualem vitam
De imitatione Christi et contemptu mundi omniumque eius vanitatum
De humili scire sui ipsius
De doctrina veritatis
De prudentia in agendis
De lectione scripturarum
De inordinatis affectibus
De vana spe et elatione fugienda
De cavenda nimia familiaritate
De obedientia et subjectione
De superfluitate verborum
De pace quaerenda, et zelo proficiendi
De utilitate adversitatis
De resistendis tentationibus
De temerario judicio vitando
De operibus ex charitate factis
De sufferentia defectuum aliorum
De monastica vita
De exemplo Sanctorum Patrum
De exercitiis boni Religiosi
De amore solitudinis et silentii
De compunctione cordis
De conditione humanae miseriae
De meditatione mortis
De judicio et poenis peccatorum
De ferventi emendatione totius vitae
Liber Secundus | Admonitiones ad interna trahentes
Incipit liber de interna conversationes
De submissione, Praelati regimine
De bono pacifico homine
De pura mente et simplici intentione
De propria consideratione
De laetitia bonae conscientiae
De amore Jesu super omnia
De familiari amicitia Jesu
De carentia omnis solatii
De gratitudine progratia Dei
De paucitate amatorum crucis
De regia via sanctae crucis
Liber Tertius | De interna consolatione
Incipit liber de interna consolatine
Quod veritas intus loquitur sine strepitu
Quod verba Dei sunt audienda cum humilitate
Quod in humilitate et veritate coram Deo est conversandum
De mirabili affectu divini amoris
De probatione veri amatoris
De occultanda gratia sub humilitatis custodia
De vili exstimatione sui ipsius in oculis Dei
Quod omnia ad Deum sicut ad finem ultimum sunt referenda
Quod spreto mundo dulce est servire Deo
Quod desideria cordis examinanda sunt et moderanda
De informatione patientiae, et luctamine adversus concupiscentias
De obedientia humili subditi, ad exemplum Jesu Christi
De judiciis Dei occultis considerandis, ne extollamur in bonis
Qualiter standum sit ad dicendum in omni re desiderabili
Quod verum solatium in solo Deo est quaerendum
Quod omnis sollicitudo in Deo ponenda est
Quod temporales miseriae Christi exemplo aequanimiter sunt ferendae
De tolerantia injuriarum, et quis verus patiens perhibetur
De confessione propriae infirmitatis, et hujus vitae miseriis
Quod in Deo super omnia bona et dona requiescendum est
De recordatione multiplicium beneficiorum Dei
De 4. or. magnam importantibus pacem.
De evitatione curiosae inquisitionis super alterius vita
In quibus firma pax cordis, et verus profectus consistit
De eminentia liberae mentis quam supplex oratio magis meretur quam lectio.
Quod privatus amor a summo bono maxime retardat
Contra linguas obtrectatorum
Qualiter instante tribulatione Deus invocandus est
De divino auxilio petendo, et confidentia recuperandae gratiae
De neglectu omnis creaturae, ut Creator possit inveniri
De abnegatione sui ipsius et abdicatione omnis cupiditatis
De instabilitate cordis et de intentione finali ad Deum habenda
Quod amanti sapit Deus super omnia et in omnibus
Quod non est securitas a tentatione in hac vita
Contra hominum vana judicia
De pura et integra resignatione cordis ad obtinendam sui libertatem.
De bono regimine in externis, et recursu ad Deum in periculis
Quod non sit importunus in negociis
Quod homo nihil boni ex se habet, et de nullo gloriari debet
De contemtu omnis honoris temporalis
Quod pax non est ponenda in hominibus
Contra vanam, et saecularem scientiam
De non attrahendo res exteriores
Quod omnibus non est credendum, et de facili lapsu verborum
De confidentia in Deo habenda, quando insurgunt verborum jacula
Quod omnia gravia pro aeterna vita sunt toleranda
De die aeternitatis, et hujus vitae angustiis
De desiderio aeternae vitae, et quanta sint certantibus praemia promissa
Qualiter homo defolatus debet se in manus Dei offerre
Quod humilibus insistendum est operibus, cum deficitur a summis
Quod homo non reputet se consolatione dignum, sed magis verberibus dignum
De gratia quae non miscetur terrena sapientibus
De diversis motibus naturae et gratiae
De corruptione naturae, et efficacia gratiae divinae
Quod nosmetipsos abnegare et Christum imitari debemus per crucem
Quod homo non sit nimis dejectus, quando labitur in aliquos defectus
De altioribus rebus et occultis Dei judiciis non scrutandis
Quod omnis spes et fiducia in solo Deo et figenda
Liber Quartus | De devota exhortatione ad sacram Corporis Christi communionem
Vox Christi dicit.
Cum quanta devotione Christus sit suscipiendus
Quod magna charitas et bonitas Dei in Sacramento exhibetur homini.
Quod utile est saepe communicare
Quod multa bona praestantur devote communicantibus
De dignitate Sacramenti, et statu Sacerdotali
Interrogatio de exercitio ante communionem
De discussione propriae conscientiae et emendationis proposito
De oblatione Christi in Cruce, et propria resignatione
Quod nos et omnia nostra Deo debemus offerre, et pro omnibus orare
Quod sacra Communio de facili non est reliquenda.
Quod Corpus Christi, et sacra Scriptura sunt animae fideli necessaria
Quod magna diligentia se debeat communicaturus Christo praeparare
Quod toto corde anima devota Christi unionem in Sacramento affectare debet
De quorumdam devotorum ardenti desiderio ad Corpus Christi
Quod gratia devotionis humilitate, et sui ipsius abnegatine acquiritur
Quod necessitates nostras Christo aperire debemus et ejus gratiam postulare
De ardenti amore, et desiderio vehementi suscipiendi Christum
Quod homo non sit curiosus scrutator Sacramenti, sed humilis imitator Christi, subdendo sensum suum sacrae fidei
Colofão
IMITAÇÃO
DE
CRISTO
Imagem da coroa de espinhosPRIMEIRO LIVRO
Avisos úteis para a vida espiritual
1.
DA IMITAÇÃO DE CRISTO E DESPREZO DE TODAS AS VAIDADES DO MUNDO
1. Aquele que me segue não anda na escuridão , diz o Senhor (Jo 8,12). Essas são as palavras de Cristo, pelas quais nós somos acautelados a imitar sua vida e suas práticas, se verdadeiramente desejarmos ser iluminados e libertos de toda cegueira de coração. Seja, pois, o nosso principal afã meditar a respeito da vida de Jesus Cristo.
2. A doutrina de Cristo é mais esplêndida do que a de qualquer um dos santos, e quem tiver seu espírito terá nela um maná escondido. Todavia, embora muitos ouçam o Evangelho com frequência, sentem nele pouco prazer: é que tais não detêm o espírito de Cristo. Aquele que quiser compreender e provar plenamente as palavras de Cristo, deve procurar conformar toda a sua vida.
3. O que lhe adianta dialogar sabiamente acerca da Santíssima Trindade se não és humilde, desencantando, dessa forma, a essa mesma Trindade? Na verdade, não são palavras sublimadas que fazem o homem ser justo; mas é a vida de virtude que o torna agradável a Deus. Prefiro possuir a contrição no interior de minha alma a saber defini-la. Se soubesses toda a Bíblia de cor e as filosofias de todos os filósofos, de que lhe adiantaria tudo isso sem a caridade e a bondade de Deus? Vaidade das vaidades, e tudo é vaidade (Ecl 1,2), senão amar a Deus e somente a ele servir. O supremo conhecimento é este: pelo desprezo ao mundo inclinar-se ao reino dos céus.
4. Então é vaidade procurar riquezas perecedoras e ter confiança nelas. Vaidade também é querer honras e almejar posição elevada. Vaidade ir atrás dos apetites da carne e querer aquilo pelo que mais tarde será severamente castigado. Vaidade desejar longa vida e, todavia, descuidar-se de que ela seja boa. Vaidade só atender à vida de agora sem ter cuidado para com a futura. Vaidade amar o que passa tão velozmente e não visar, afoito, a felicidade que dura para sempre.
5. Lembra-te a criança do provérbio: Os olhos não se fartam de ver, nem os ouvidos de ouvir (Ecl 1,8). Portanto, busca desapegar o teu coração do amor às coisas tangíveis e afeiçoá-lo às intangíveis: porquanto aqueles que satisfazem seus desejos sensuais mancham a consciência e extraviam-se da graça de Deus.
2.
O SENTIR DE SI MESMO DO HUMILDE
1. Todo homem tem um desejo inato de conhecer; porém, de que aproveitará a ciência, não tendo o temor a Deus? De certo, é melhor o humilde camponês que serve a Deus do que o filósofo altivo observador do curso dos astros, mas que se descuida de si próprio. Aquele que se entende bem se despreza e não se alegra em louvores terrenos. Se eu conhecesse quanto há no mundo, porém não tivesse a caridade, de que me adiantaria isso perante Deus, que julgar-me-á segundo minhas obras?
2. Nega o descontrolado desejo de conhecer, porquanto nele há grande distração e ilusão. Os cultos gostam de ser notados e taxados de sábios. Muitas coisas há no conhecimento que pouco ou nada servem à alma. E mui insensato é aquele que de outras coisas se ocupa e não das que ferem a sua salvação. Não satisfazem os muitos ditos à alma, mas uma palavra boa alivia o espírito e uma consciência singela sucede grande confiança em Deus.
3. Quanto mais e melhor entenderes, tanto mais ferozmente serás julgado, se com isso não viveres mais em retidão. Pois não te desvaneças com qualquer gnose ou saber que recebeste. Se te parece que sabes e compreendes bem muitas coisas, lembra-te que é muito mais o que não sabes. Não te presumas de alto saber (Rm 11,20); antes, confessa o teu desconhecimento. De que forma tu desejas a alguém te preferir, no instante que se acham muitos mais doutos do que tu e mais enveredados na lei? Se queres saber e conhecer coisa útil, deseja ser desconhecido e taxado por nada.
4. Melhor e mais servil do que o estudo de se conhecer plenamente e aborrecer-se a si mesmo não há. Ter-se como nada e pensar sempre bem e a favor dos outros é prova de enorme sabedoria e perfeição. Ainda que vejas alguém pecar publicamente ou ter faltas graves, nem por isso te deves achar-te melhor, pois não sabes quanto tempo poderás manter-se no bem. Todos nós somos fracos, mas a ninguém deve considerar mais fraco que a ti mesmo.
3.
DA VERDADE DOS ENSINAMENTOS
1. Bem-aventurado é aquele cuja verdade por si mesma propaga, não por imagens e vozes que se vão, mas como é em si. Nosso achar e nossos juízos, por diversas vezes, nos surrupiam e pouco alcançam. De que adianta a sutil especulação acerca das questões misteriosas e sombrias, por qual ignorância não seremos julgados? Grande loucura é desfazermos as coisas úteis e necessárias, dando-nos, com avidez, às curiosas e fatais. Temos olhos para não ver (Sl 113,13).
2. Que se nos têm dos gêneros e das raças dos filósofos? Aquele a quem fala o Verbo eterno se desembaraça de inúmeras questões. Desse Verbo único advêm todas as coisas e todas o proclamam; e esse é o princípio que também nos diz (Jo 8,25). Sem ele não há compreensão nem reto juízo. Quem encontra tudo neste único, e todas as coisas a ele refere e nele tudo vê, logra ter o coração firme e manter-se-á em paz com Deus. Oh, Deus de verdade, fazei-me um convosco na eterna caridade! Enfada-me, muitas vezes, ler e escutar tantas coisas; pois em vós encontro tudo quanto quero e almejo. Aquietem-se todos os doutores, sejam incapazes de falar todas as criaturas em vossa presença; falai-me vós só.
3. Quanto mais singelo for cada um e mais humilde de coração, tanto mais sublimes coisas saberá sem esforço, porque de cima recebe a luz da inteligência. O espírito puro, singelo e reto não se distrai em meio às múltiplas ocupações porque tudo faz para a honra de Deus, sem pensar em nada de seu próprio querer. O que mais te detém e perturba do que os carinhos imortificados do teu coração? O homem bom e de piedade ordena primeiro no seu âmago os fazeres exteriores; nem mesmo estes o destroçam aos impulsos de qualquer inclinação viciosa, a não ser a que a imputa ao arbítrio da plena razão. Que mais rude batalha haverá do que achar vitória sobre si mesmo? Este deveria ser nosso empenho: derrotarmo-nos a nós mesmos, tornarmo-nos mais fortes, a cada dia, e progredirmos em retidão.
4. A inteira perfeição, nesta vida, é misturada pela imperfeição, e todas as nossas luzes são amalgamadas de sombras. O humilde conhecimento de si próprio é a vereda mais correta para Deus do que as profundas pesquisas da ciência. Não é detestável a ciência ou qualquer outro saber das coisas, porquanto é boa em si e ordenada por Deus; porém, sempre devemos prediletar-lhe a boa consciência e a vida valorosa. Entretanto, muitos estudam mais para conhecer que para viver bem; por isso erram frequentemente e pouco ou nenhum labor colhem.
5. Ah! Se se empenhasse tamanha diligência em extirpar vícios e implantar graças como em ventilar questionamentos, não existiriam tantos males e atrocidades no povo, nem tanto desleixo nos claustros. Todavia, no dia do juízo não se nos será perguntado o que lemos, mas o que fizemos; nem quão astutamente temos falado, mas quão retamente temos vivido. Dize-me: onde estão agora aqueles, todos, senhores e doutores que bem conheceste, quando viviam e vingavam nas escolas? Já outros têm suas prebendas, e nem conheço se porventura deles se conhece. Hoje, ninguém deles fala. Entretanto, em vida pareciam de alguma coisa valer.
6. Oh! Como passa veloz a glória do mundo! Oxalá a sua vida corresponda à sua gnose; porquanto, em vista disso terão lido e estudado com labor. Quantos, neste mundo, desatentos da obra de Deus, se desviam por uma ciência vã! E porque antes desejam ser grandes que humildes, se esvaecem em seus pensares (Rm 1,21). Em verdade, grande é quem a seus olhos tem-se pequeno e percebe em nada as maiores honras. De certo, prudente é aquele que considera como lodo o que é coisa terrena, para ganhar a Cristo (Fl 3,8). E verdadeiramente prudente se faz aquele que segue a vontade de Deus e abre mão do seu próprio querer.
4.
DA PRUDÊNCIA NAS AÇÕES
1. Não se há de dar glória a toda palavra nem a qualquer achar, porém, de forma cautelosa e natural se deve, diante de Deus, ponderar as coisas. Mas, ai! Que mais facilmente cremos e falamos dos outros o mal que o bem, tal é a nossa fraqueza. As almas impecáveis, porém, não dão crédito fraudulentamente em qualquer dado que se lhes conta, pois sabem a fraqueza do ser humano, inclinada ao mal e propícia de pecar por palavras.
2. Grande saber é não ser antecipado nas ações, nem aferrado com obstinação à sua própria opinião; sabedoria é também não crer em tudo que nos falam, nem anunciar logo a outros o que ouvimos ou temos suspeita.
3. Aceite o conselho de um homem sábio e gnóstico, e procure antes ser ensinado por outrem, melhor que tu, que seguir teu próprio juízo. A vida virtuosa faz o homem sábio diante de Deus e entendido em muitas situações. Quanto mais singelo for cada um em si, e mais inclinado a Deus, tanto mais prudente será e pleno em tudo.
5.
DA LEITURA DAS SAGRADAS ESCRITURAS
1. Nas Santas Escrituras devemos buscar a verdade, e não a eloquência. Todo livro sagrado precisa ser lido com o mesmo espírito que o inspirou. Nas Escrituras, devemos antes almejar nosso proveito ao que se faz sutil na linguagem. Tão formosa nos deve ser a leitura dos livros piedosos e singelos, como a dos profundos e sublimes. Não te mova a avidez do autor, se é ou não de vastos conhecimentos literários; pelo contrário, lê com pura paixão, com a verdade. Não te atentes em saber quem o disse; mas considera o que foi dito.
2. Os homens passam, mas a verdade do Senhor dura para sempre (Sl 116,2). Sem acepção de pessoa e de várias formas, nos diz Deus. Muitas vezes nosso entusiasmo nos emaranha na leitura das Escrituras, porque buscamos compreender e discutir o que se devia suceder humildemente. Se desejas tirar proveito, lê com humildade, fé e simplicidade. Sem nunca cuidar do renome de letrado. Pergunta por boa vontade e ouve quieto as palavras dos santos; não te aborreçam os juízos dos mais vividos, porque eles não falam fora da razão.
6.
DAS AFEIÇÕES DESORDENADAS
1. Todas as vezes que o homem almeja algo desordenadamente, torna-se logo inquieto. O soberbo e o avarento jamais descansam; o pobre e o humilde de espírito, no entanto, vivem em muita paz. O homem que não é perfeitamente mortificado é facilmente tentado e derrotado, até mesmo nas coisas simples e insignificantes. Ainda um tanto carnal e propenso à sensualidade, só a muito custo o homem espiritual poderá desamarrar-se de todos os desejos carnais. Daí a sua constante tristeza e fácil irritação, quando deles se desvia ou quando alguém vai contra si.
2. Porém, se conquista o que desejava, sente logo o remorso da consciência, porque sanou sua paixão, que de nada vale para chegar na paz que ansiava. Pois, em resistir às paixões se acha a real paz do coração, e não em segui-las. Portanto, não há paz no coração do homem terreno, mas somente no daquele que é fervoroso e espiritual.
7.
COMO DEVEMOS FUGIR À VÃ ESPERANÇA E PRESUNÇÃO
1. Insensato é aquele que deposita sua esperança nos homens ou nas criaturas. Ao servir a outrem por Jesus Cristo não tenhas vergonha em ser tido como coitado neste mundo. Não confies em ti mesmo, mas deposita em Deus tua esperança. Faze de tua parte o que lhe for possível, e Deus ajudará tua boa conduta. Não confies em tua gnose, nem na sagacidade de qualquer ser vivo, mas antes no favor de Deus, que ajuda os humildes e derruba os presunçosos.
2. Se tens riquezas, não te vanglories delas, nem dos amigos, por serem prestigiados; ao contrário, em Deus, que tudo dá, além de tudo, almeja dar-se a si próprio. Não te desvaneças com a formosura ou airosidade de teu corpo, que com pequena doença se contrita e desfigura. Não te orgulhes de tua facilidade ou de teu talento, para que não aborreças a Deus, de quem é todo bem inato que tiveres.
3. Não te digas melhor que os outros para não seres tido pior por Deus, que sabe tudo que há no homem. Não te ensoberbeças pelas boas ações, porque os juízos dos homens são outros dos de Deus, a quem não raro não agrada o que aos homens apraz. Pensa que ainda melhores são os outros se em ti houver algum bem para que dessa forma te conservares na humildade. Nenhum mal te acontecerá se te imputarem inferior a todos; porém, muito se a qualquer homem te preferires. De paz contínua goza o humilde; no coração do soberbo, porém, prevalecem iras e inveja sem conta.
8.
COMO SE DEVE EVITAR A EXCESSIVA FAMILIARIDADE
1. Não abras teu coração a qualquer pessoa (Eclo 8,22), mas trata de teus negócios com o sábio e fiel a Deus. Com mancebos e estranhos pouco converses. Não lisonjeies os ricos, nem busques estar muito na presença dos poderosos. Busca a companhia dos mansos e simples, dos devotos e morigerados, e trata com eles de assuntos que edificam. Não tenhas afinidade com mulher nenhuma; encomenda a Deus todas as que são virtuosas em geral. Procura afinidade com Deus e seus anjos apenas, e foge de seres conhecidos dos homens.
2. Caridade se deve ter para com todos; porém não convém ter com todos a afinidade. Com frequência sucede gozar de boa fama da pessoa desconhecida que, na sua presença, aborrece aos olhos dos que a veem. Às vezes julgamos agradar aos outros com a nossa intimidade, porém, antes os aborrecemos com as falhas que em nós vão notando.
9.
DA SUBMISSÃO E OBEDIÊNCIA
1. Coisa grande é viver em retidão, sob o norte de um superior, e não dispor do próprio querer. Muito mais seguro é obedecer que mandar. Muitos obedecem mais por necessidade do que por vontade: por isso penam e facilmente murmuram. Esses não terão a liberdade de espírito enquanto não se inclinarem de todo o coração, por amor a Deus. Anda por onde tiveres vontade: não encontrarás descanso senão na humilde sujeição e retidão ao superior. Mudanças a muitos têm iludido pela imaginação dos lugares.
2. De certo, cada qual gosta de seguir seu próprio juízo e mais se inclina àqueles que aplaudem a sua opinião. Entretanto, às vezes cumpre-nos renunciar ao nosso parecer por amor da paz se Deus está conosco. Quem é tão sábio que possa saber tudo completamente? Não confies demasiadamente em teu próprio julgamento; mas ouça também, de boa mente, ao dos demais. Se o teu parecer for correto, e o deixares, por amor de Deus, para acompanhares o de outrem, muito lucrarás com isso.
3. Com isso, muitas vezes ouvi dizer que é mais seguro ouvir e seguir conselho que dá-lo. É bem possível que seja certo o parecer de cada um: porém, não ceder aos outros, quando a razão ou as circunstâncias o requerem, é sinal de obstinação e soberba.
10.
COMO SE DEVEM EVITAR AS CONVERSAS SUPÉRFLUAS
1. Quanto puderes, evita o bulício dos homens, porque muito nos assombram os negócios mundanos ainda quando feitos com reta intenção; pois de modo bem veloz somos manchados e cativos da vaidade. Quisera eu ter aquietado muitas vezes e não ter discutido com os homens. Por que razão, porém, nos atraem ditos e diálogos, se raras vezes voltamos ao silêncio sem perda da consciência? Gostamos tanto de falar porque pretendemos ser consolados uns pelos outros e almejamos aliviar o coração flagelado por preocupações diversas com essas conversações. E ordinariamente temos prazer em falar e imaginar, ora nas coisas que muito queremos e gostamos, ora nas que nos aborrecem.
2. Mas, ai! Muitas vezes é em vão e sem causa, pois essa consolação exterior é muito prejudicial à consolação interior e divina. Portanto, cumpre vigiar e orar para que não decorra o tempo ociosamente.