A Predestinação Dos Santos
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A Predestinação Dos Santos - Santo Agostinho
Santo Agostinho
A
Predestinação
dos
Santos
Tradutor: Souza Campos, E. L. de
Teodoro Editor
Niterói – Rio de Janeiro – Brasil
2018
A Predestinação dos Santos
Santo Agostinho
Introdução
Os partidários dos semi-pelagianos na Gália tinham como chefe o célebre Jean Cassien, fundador da Abadia de São Vítor em Marselha. São Próspero de Aquitânia, ilustre discípulo de Santo Agostinho na graça, recolhido temporariamente em Marselha, era todo dia testemunha triste das lutas mantidas pelos mais importantes personagens da Gália contra a doutrina do bispo de Hipona. Numa carta¹ que ele remete para este último, ele o coloca a par do que se passava ao redor dele e lhe suplica que venha ajudar a verdade desconhecida. Ele até mesmo cita o grande bispo de Arles como um dos adversários. Outro laico vem unir sua fraca voz à voz de São Próspero; foi Hilário, monge de Siracusa, que sublinha com mais precisão ainda do que São Próspero, os diversos pontos sobre os quais os semi-pelagianos da Gália se afastam da doutrina de Santo Agostinho. É então sob o pedido destes dois caros filhos que Santo Agostinho compôs estes dois novos livros: um sobre a Predestinação dos Santos e outro sobre o Dom da Perseverança.
No primeiro destes dois livros, o Doutor reúne as provas mais importantes, tiradas das Escrituras, para estabelecer que a fé é um dom de Deus e não da obra, da vontade humana; ele conta seu erro com relação a este assunto do ano de 394 até o ano de 397, época de seus livros para Simpliciano e cita sua reconsideração sobre este ponto. Ele fala de uma vocação que se faz de acordo com o decreto da vontade de Deus; vocação que não é comum a todos os chamados, mas que é particular aos predestinados; ele caracteriza a diferença entre a predestinação e a graça; uma é a preparação da graça nos conselhos de Deus, a outra é o dom atual que ele nos concede. Não se poderia ler estes dois livros sem um respeito particular e um tipo de emoção religiosa, pois são as duas últimas obras que Santo Agostinho concluiu.
Capítulo I – Santo Agostinho atende ao pedido que lhe é feito.
1. Conhecemos estas palavras de São Paulo aos Filipenses: Tornar a escrever-vos as mesmas recomendações, a mim por certo não me é penoso, e a vós vos é conveniente². No entanto, escrevendo sobre isso aos Gálatas e observando que ele já tinha feito o bastante por eles, pelo ministério de sua palavra, o mesmo apóstolo lhes disse: De ora em diante ninguém me moleste; ou, como se lê em outros textos: Que ninguém me cause novos problemas³.
Do meu lado, não tenho palavras para descrever a dor que sinto, ao ver a economia da graça sempre atacada, apesar do número e da evidência dos oráculos divinos que provam tão bem sua gratuidade absoluta, pois a graça não é mais uma graça se ela for dada por causa e na proporção de nosso méritos. No entanto, irmãos bem-amados, Próspero e Hilário, o zelo e a caridade com os quais protestam contra esses erros que já fizeram tantas vítimas; o desejo tão ansioso que demonstram de receber de mim uma nova obra, depois de tantos livros e cartas que compus sobre esta matéria; tudo isso me inspira uma afeição por vocês que eu não posso descrever e, portanto, não posso ousar dizer que os amo como devo. Eis por que não posso me recusar a responder a vocês e tratar __ não com vocês, mas por vocês __ de um assunto que me parecia já esgotado.
2. Em minhas cartas eu creio ver esse irmãos pelos quais vocês manifestam um zelo tão louvável, a fim de desenganá-los sobre esta sentença poética: Cada um é, em si mesmo, sua própria esperança⁴ e de lhes poupar dessa condenação bem menos poética e mais profética: Maldito seja aquele que coloca no homem sua esperança⁵; parece-me então que devo tratá-los como o apóstolo tratou aqueles a quem disse: Nós, mais aperfeiçoados que somos, ponhamos nisto o nosso afeto; e se tendes outro sentir, sobre isto Deus vos há de esclarecer. Com efeito, a predestinação dos santos é para eles uma matéria inteiramente ignorada e, no entanto, se eles têm sobre este ponto qualquer outro sentimento, Deus lhes revelará o que eles devem acreditar, munidos que são de luzes que já lhes foram dadas. Eis o porquê destas palavras: Se tendes outro sentir, sobre isto Deus vos há de esclarecer e, em seguida, Contudo, seja qual for o grau a que chegamos, o que importa é prosseguir decididamente⁶.
Ora, esse irmãos, que recebem de vocês uma santa e afetuosa solicitude, chegaram a acreditar com a Igreja de Jesus Cristo na transmissão do pecado do primeiro ser humano ao gênero humano inteiro e, para apagar essa mácula, na aplicação em cada um da justiça do segundo Adão. Eles confessam igualmente que a vontade dos seres humanos é prevista pela graça de Deus e que ninguém pode ser suficiente para si mesmo, seja para começar, seja para completar uma boa obra. Todas essa verdades que eles proclamam são os pontos que os separam do erro dos pelagianos. Se então eles caminham à luz dessas verdades; se eles rogam Àquele que dá a inteligência __ suposto que eles se enganam sobre a predestinação __ o próprio Deus lhes revelará no que eles devem crer. De nossa parte, manifestemos a eles o testemunho de nossa afeição e o ministério de nossa palavra, com o objetivo __ na medida em que Deus nos conceda sua graça __ de lhes oferecer com este livro os ensinamentos mais convenientes e mais úteis. Sabemos nós se Deus não resolveu se servir de nossa insignificância para operar neles esses preciosos resultados? Seremos muito felizes em servi-los na livre caridade de Jesus Cristo.
Capítulo II – A fé é um dom de Deus.
3. Primeiro devemos provar que a fé que nos faz cristãos é um dom de Deus; que possamos fazê-lo de uma maneira mais vitoriosa ainda do que nós já fizemos em tão grandes e numerosos volumes. Antes de tudo eu devo refutar aqueles que pretendem que os oráculos divinos citados por nós em apoio à nossa tese só provam uma coisa: