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Fascismo: uma breve introdução
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E-book216 páginas2 horas

Fascismo: uma breve introdução

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Sobre este e-book

O que é o fascismo? Ele é revolucionário ou reacionário? Pode ser ambos? Sua definição é certamente difícil. Como podemos entender uma ideologia que atrai tanto grupos violentos quanto intelectuais? Que clama por um retorno à tradição, mas que ao mesmo tempo mantém um fascínio pela tecnologia? Que prega a violência em nome de uma sociedade ordenada? Fascismo: uma breve introdução desvenda os paradoxos de um dos fenômenos mais importantes do mundo moderno. Traça suas origens na crise intelectual, política e social do final do século XIX, sua ascensão após a Primeira Guerra Mundial, incluindo os regimes na Itália e Alemanha, e as fortunas de movimentos fascistas "fracassados" na Europa Oriental, Espanha e nas Américas. A obra também considera o fascismo na cultura, o novo interesse pela pesquisa transnacional e o progresso da extrema direita desde 2002.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento2 de fev. de 2022
ISBN9786525225845
Fascismo: uma breve introdução

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    Fascismo - Kevin Passmore

    CAPÍTULO 1 - A QUE NÃO É A: O QUE É O FASCISMO?

    23 de março de 1919

    Apenas algumas dezenas de homens e algumas poucas mulheres participaram da reunião no salão com vista para a Piazza San Sepolcro em Milão, até então notável apenas por sua igreja do século XI. Benito Mussolini havia convocado os participantes para inaugurar o Fasci di Combattimento (Grupos de Combatentes), um dos muitos pequenos grupos de veteranos que usavam o selo fasci. A última coisa que eles estavam pensando era sobre o fundamento de uma ideologia, quem dirá uma definição teórica.

    Mussolini, na época com 35 anos, era um ex-socialista e veterano de guerra. Filho de um ferreiro de uma cidade pequena, vinha recentemente cultivando uma imagem superior, raspando seu bigode e vestindo camisas de colarinho. No entanto, sua única fonte de renda aparente era como editor de um jornal decadente, Il Popolo d’Italia (O Povo Italiano), que era insuficiente para manter sua esposa e três filhos, sua amante e seu gosto por esgrima, duelos e carros velozes. Ele já era um homem que vivia da política e estava adquirindo o gosto de viver em grande estilo pela política.

    Isso era lamentável, pois em 1919 Mussolini não tinha um lugar óbvio no cenário político. Ele havia saído do Partido Socialista porque o mesmo se opunha à intervenção italiana na Grande Guerra, e tinha se unido a sindicalistas (revolucionários), nacionalistas, e membros do partido liberal que governava (que eram conservadores, para os padrões modernos), no movimento a favor da guerra. Além da questão da guerra, os chamados intervencionistas tinham pouco em comum. Alguns viam a intervenção como uma forma de provocar a revolução, embora não estivesse claro o que seria essa revolução. Outros alegavam que a guerra iria regenerar a burguesia ou fornecer apoio popular para o regime existente. Alguns simplesmente desejavam superar os rivais no parlamento. Durante a guerra, o jornalismo patriótico de Mussolini tinha sido útil ao governo por causa de sua suposta influência entre os trabalhadores. Agora ele estava isolado dos socialistas, mas não tinha perdido a esperança de recuperar seu apelo entre eles; suas reivindicações pela revolução alienaram a direita, e ele enfrentou a concorrência de líderes intervencionistas mais prestigiados, como o poeta Gabriele d’Annunzio. Mussolini e seus aliados tinham um interesse óbvio em perpetuar o espírito de guerra e em fazer negócios usando a condição de veteranos.

    O termo fascis possuía, em potencial, o amplo apelo de que precisavam. Literalmente, significava um conjunto de hastes firmemente amarradas, às vezes usadas como cabo para um machado. Seu primeiro uso político, feito pelos socialistas camponeses sicilianos na década de 1890, deu à palavra um ar de radicalismo popular que confortava os ex-esquerdistas entre os intervencionistas. Ao mesmo tempo, agradava os liberais e os nacionalistas porque, na Roma antiga, simbolizava a autoridade. Em 1919, os intervencionistas monopolizaram o uso do rótulo fasci.

    Em seu discurso na Piazza San Sepolcro, Mussolini evitou formular um programa ou manifesto. Ele simplesmente endossou ideias que poderiam ser de um sindicato nacionalista, sem concordar com seus pontos específicos – afinal, ele estava se reunindo em uma sala emprestada por uma associação local de empregadores. O que ficou conhecido como o Manifesto de 1919 foi elaborado algumas semanas depois. Ele combinava nacionalismo com republicanismo, anticlericalismo, sufrágio feminino e reforma social, algumas dessas características os Fascistas em breve abandonariam. Os Fascistas rejeitavam os dogmas e as ideologias.

    Em dois anos, o Fascismo havia se tornado um movimento de massas, mas não havia deixado claro seu significado. Suas formações paramilitares atacaram organizações socialistas e católicas e minorias eslavas ao mesmo tempo em que condenavam o capitalismo. Mussolini reprovava veementemente a corrupção política romana, mas negociou um acordo com políticos estabelecidos, graças aos quais, em 22 de outubro de 1922, ele se tornou primeiro-ministro à frente de uma coalizão Fascista-Liberal.

    Em 1926, Mussolini começou a estabelecer uma ditadura total. Ele fez declarações programáticas enquanto intelectuais como Giovanni Gentile sistematizavam as ideias fascistas. O regime implementou políticas práticas. Certamente não faltava ideologia ao fascismo, mas sua natureza nunca foi determinada. O regime mudou com o tempo e os ativistas não concordavam sobre questões que iam desde o papel da mulher e dos sindicatos na sociedade até a relação entre partido e Estado, e a natureza de uma literatura nacional.

    A incerteza sobre o significado do fascismo não o impediu de ganhar aplausos fora da Itália. O fascismo estava se tornando um dos grandes movimentos políticos do século XX. Na década de 1930, muitas pessoas veriam a luta entre o fascismo e o antifascismo como a principal questão da política nacional e internacional. Logo em 1925, pelo menos 45 grupos em vários países se denominavam fascistas, encorajados pelos esforços do regime italiano em espalhar sua influência. Mas esses movimentos não foram simples cópias. Eles eram tão homogêneos quanto o original; enfatizavam alguns aspectos do que viam na Itália e ignoravam ou confundiam outros; combinavam as influências italianas com outras estrangeiras e com suas próprias tradições. Alguns movimentos que aos nossos olhos parecem semelhantes ao Fascismo rejeitaram o rótulo.

    A ascensão do nazismo na Alemanha complicou ainda mais as coisas. Hitler estava entre os muitos entusiastas do fascismo, e os partidários e inimigos do nazismo às vezes se referiam a ele como fascista. No entanto, o nazismo era tão difícil de definir quanto o Fascismo e incluía elementos, tais como o antissemitismo radical, que não tinham sido característicos do Fascismo. O sucesso de Hitler de certa forma ofuscou a reputação internacional de Mussolini; o Fascismo começou a recorrer ao nazismo e os movimentos estrangeiros transferiram sua lealdade para este último, enfatizando o antissemitismo e o nacional-socialismo.

    Depois de 1945, o fascismo caiu em descrédito, mas seu legado continuou a estruturar o cenário político. Os governos da Rússia, Grã-Bretanha e Estados Unidos conseguiram legitimidade com seu papel na derrota do fascismo, enquanto os regimes francês, italiano e alemão reivindicavam a descendência da Resistência. Fascismo passou a ser um termo ofensivo. Não é surpreendente que aqueles que simulam o fascismo raramente tenham sido politicamente relevantes. Nos anos 1990, surgiram movimentos que foram vistos por muitos de seus oponentes como uma atualização do fascismo, mas os grupos em questão quase sempre rejeitaram o rótulo.

    Definições e teorias do fascismo

    Como podemos compreender uma ideologia que apela aos skinheads e aos intelectuais; prega a revolução enquanto se alia aos conservadores; adota um estilo machista, mas atrai muitas mulheres; clama por um retorno à tradição, mas é fascinado pela tecnologia; idealiza o povo, mas despreza a sociedade de massa, e defende tanto a violência quanto a ordem? O fascismo, como diz Ortega y Gasset, é sempre um A que não é A.

    A maneira convencional de resolver esses problemas é estabelecer uma definição precisa (muitas vezes chamada de modelo ou tipologia). Esta definição pretende encapsular as características mais importantes do fascismo e identificar movimentos como fascistas ou não, mesmo que eles próprios não tenham usado o termo. É enganosamente simples listar as características do fascismo (ver quadro 1):

    Quadro 1

    A coluna A lista termos que aparecem frequentemente em definições acadêmicas e que os próprios fascistas poderiam ter reconhecido. À primeira vista, eles são suficientemente não controversos para que se possa acusar qualquer um que hoje defenda três ou mais deles de exibir tendências fascistas. No entanto, uma análise séria revela problemas. Um movimento deve exibir todas essas características para ser fascista, ou apenas algumas delas? Se a resposta for algumas, então quais?

    Os termos individuais da definição também são problemáticos. Por exemplo, aqueles que se diziam fascistas não eram objetivamente nacionalistas. Pelo contrário, eles queriam excluir, prender ou matar muitas pessoas que faziam parte da nação. Mussolini às vezes invocava um fascismo universal internacional, enquanto na Europa ocupada, os colaboradores aspiravam a um lugar em uma Nova Ordem dominada pela Alemanha. Na Alsácia, os simpatizantes nazistas defendiam o regionalismo em vez do nacionalismo. Pode parecer óbvio que todos os fascistas queriam a ditadura e um governo de partido único, mas havia muito conflito entre Estado e partido nos regimes Fascista e nazista, enquanto alguns sindicalistas italianos queriam um Estado pequeno. Mesmo quando os fascistas concordavam em algo, como o corporativismo, eles não conseguiam chegar a um acordo sobre o que isso envolvia. E existem diferenças óbvias entre o Fascismo e o nazismo no que diz respeito ao antissemitismo.

    Dadas essas dificuldades, alguns argumentam que o fascismo fica mais bem definido em relação ao que ele se opõe. E, no entanto, nem todos os fascistas se opuseram ao comunismo, por exemplo, pelas mesmas razões. Além disso, os fascistas se esforçaram simultaneamente para aprender com o comunismo e usar seus métodos. Outros argumentam que uma definição eficaz faria mais do que simplesmente listar características do fascismo. Eles nos aconselham que alguns aspectos são mais fundamentais do que outros, pois eles explicam as causas e a dinâmica do fascismo. É aí que entram as definições na coluna da direita – definições acadêmicas que os protagonistas talvez não teriam utilizado e, possivelmente, rejeitariam furiosamente. Deixando de lado por enquanto o significado dessas definições, observe apenas que existem quase tantas definições de fascismo quanto estudiosos do assunto e que eles não entram em acordo sobre qual delas está correta. Na minha opinião, a abordagem da definição sofre de problemas intrínsecos.

    No restante deste capítulo, revisarei algumas das principais formas pelas quais o fascismo foi definido. Como há tantas maneiras de fazer isso, vou simplificar. Agruparei as teorias de acordo com o quão fundamental é para elas o lado conservador ou o lado radical do fascismo. Eu fiz isso para demonstrar que o debate sobre o fascismo representa uma continuação dos conflitos da própria era do fascismo. Nos anos entreguerras, a esquerda entendia que estava comprometida com uma luta de antifascistas progressistas contra o fascismo reacionário e seus aliados conservadores; enquanto a direita moderada e o centro rebatiam que o verdadeiro conflito era entre democratas e extremistas revolucionários-totalitários de esquerda e direita. A desvantagem para os estudiosos de continuar estas lutas é que os riscos políticos endurecem o conceito de fascismo, ao passo que, na prática, ele era incerto e contestado. Esse endurecimento pode levar os estudiosos a confundir sua própria definição com a definição. Na verdade, veremos que ainda que cada teoria diga alguma coisa, nenhuma representa a única forma de entender o fascismo. Na realidade, cada definição designa arbitrariamente alguns aspectos do fascismo como primários e outros como secundários. Concluirei o capítulo sugerindo uma abordagem alternativa.

    Abordagens marxistas

    Em sua forma mais simples, o marxismo pressupõe que a sociedade moderna está dividida em duas classes fundamentais: a burguesia, ou os capitalistas, que possuem os meios de produção (ferramentas, fábricas), e as classes trabalhadoras, ou proletariado, que não possuem os meios de produção e, portanto, precisam trabalhar por salários. Capitalistas e proletários lutam pela propriedade dos meios de produção e controle sobre o Estado. Entre estas duas grandes classes estão a pequena burguesia, incluindo comerciantes autônomos, pequenos negócios, camponeses e trabalhadores de colarinho branco. A pequena burguesia não sabe se deve estar ao lado do capital ou dos trabalhadores, pois é proprietária de bens produtivos, mas é explorada pelas grandes empresas.

    As abordagens marxistas sobre o fascismo enfatizam seus vínculos com o capitalismo e a pequena burguesia. A primeira definição influente foi a da Internacional Comunista de 1935, que afirmou o fascismo no poder é uma ditadura declarada e terrorista com os elementos mais reacionários, mais machistas e mais imperialistas do capitalismo financeiro. A Internacional alegava que à medida que o sentimento revolucionário do proletariado se intensificasse, os capitalistas usariam o terror para defender seus bens.

    Entretanto, a crise do capitalismo era tão grave que a ditadura convencional foi insuficiente, e então os capitalistas usaram o movimento fascista para destruir o socialismo. Segundo a Internacional, este movimento de massa recrutava pessoas da pequena burguesia. Apesar de a pequena burguesia ter ressentimentos reais contra o grande capital, os fascistas conseguiram convencê-la de que seu interesse residia na defesa da propriedade contra o socialismo. Uma vez que o Fascismo estava no poder e o movimento trabalhista estava destruído, os capitalistas não precisavam mais do partido fascista dos pequenos burgueses, e por isso ele foi suprimido ou marginalizado.

    Os marxistas não aprovaram unanimemente a definição da Internacional. Primeiro nas décadas de 1960 e 1970, alguns sentiram que a pequena burguesia desempenhou um papel mais independente do que a Internacional havia admitido e, em certa medida, se opôs aos interesses capitalistas. Em segundo lugar, e mais recentemente, alguns historiadores anexaram o conceito de governamentalidade. Desenvolvida pelo grande filósofo e historiador francês Michel Foucault, a governamentalidade tem como objetivo compreender a forma com a qual os governos modernos produzem o tipo de cidadãos que eles precisam através de técnicas de governo que podem ser testemunhadas em escolas, locais de trabalho, hospitais, sistemas de assistência social, tribunais etc. No início do século XX, os projetos em questão eram geralmente eugênicos, e foram concebidos para melhorar a qualidade e quantidade da raça, confinando ou eliminando os fracos, e através da expansão imperial. Ao salientar que esses programas proporcionaram trabalhadores dóceis e eficientes e mães de futuros trabalhadores, os marxistas (ou ex-marxistas) poderiam explorar novas pesquisas sem abandonar o cerne de sua argumentação.

    O ponto forte da abordagem marxista é relacionar o fascismo com as lutas sociais do início do século XX, e entender o fascismo como ação social e não apenas como ideias abstratas. Ela ilumina a relação entre fascismo e capitalismo, e mostra que o discurso revolucionário dos fascistas poderia significar algo mais conservador na prática. Os marxistas revelam os diversos motivos materiais que atraíram grupos sociais para o fascismo, fossem eles de camponeses da Planície do Pó ou de artesãos da Renânia.

    Os marxistas estão certos quando dizem que muitos capitalistas estavam encantados com a destruição da esquerda pelos fascistas. No entanto, não é grande coisa afirmar

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