O Infantil e o Desenho: Uma Leitura sobre as Infâncias
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O Infantil e o Desenho - Silvia Eugenia Molina
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO MULTIDISCIPLINARIDADES EM SAÚDE E HUMANIDADES
Dedico este livro a todos aqueles que nomearei em Agradecimentos, porquanto a presença deles em mim influenciou esta produção. Ainda, a todos aqueles que continuarão colaborando de diversas maneiras nas minhas produções, entre eles meu amigo Ricardo, leitor crítico da minha produção, fervoroso incentivador de projetos.
AGRADECIMENTOS
Quero agradecer a Estephania, que me possibilitou participar da vivência de um filho em constituição, experiência estremecedora, que nos confronta com o verdadeiro temor à fragilidade da condição humana, com a necessidade de agir, cuidando e protegendo, apesar das dúvidas, pois estamos perante aquele que precisa receber de nós o que ele necessita
, apesar de nós. Experiência tão intensa e singular que quase não existem palavras suficientes para defini-la. Também a ela agradeço o genro que me deu: Ignacio. Ademais, quero expressar meu agradecimento a Ivo, seu pai, e a seus irmãos, Renata, Frederico e Juliana.
Agradeço aos meus pais, Sara e Julio, e às famílias, van Haezevelde e Molina, das quais provenho, as significativas vivências, fundamentos de minha pessoa, sem me esquecer de citar os espaços geográficos nos quais passei os anos de infância e adolescência (nas planícies de Lucas Norte e em Villaguay, província de Entre Ríos, Argentina) e sua gente, com a qual entendi o imenso valor de viver em pequenas comunidades e em contato direto com a natureza. Cito também Córdoba, Argentina, cidade onde tive minha formação acadêmica, tendo a oportunidade de iniciar minha formação profissional e na vida, para além do resguardo da proteção familiar.
Ao meu irmão, in memoriam, a quem agradeço a parte de familiares que me legou, minha cunhada, meus sobrinhos, assim como meus sobrinhos-netos.
Também desejo expressar meu agradecimento ao meu país de adoção, Brasil, onde fui muito bem recepcionada. No Brasil, além de ter tido a oportunidade de retomar a minha vida profissional, tive a chance de fazer amizades, meus atuais resguardos afetivos.
Ao meu amigo, Héctor Carlos Collado, constante incentivador da produção deste livro.
Agradeço aos bebês, às pequenas crianças, e às crianças e a seus pais que tanto me ensinaram e continuam a ensinar. Aos meus pacientes adultos. Aos meus supervisionandos. Com todos eles tive, e continuo tendo, a estimulante alegria de trabalhar.
Aos colegas do grupo de estudo O Infantil e o Desenho
, que, durante 23 anos, têm formado parte dos nossos encontros de trabalho, sempre instigantes, graças ao aporte das diversas experiências clínicas de todos os envolvidos. Agradeço também aos meus colegas de equipe de trabalho, com os quais, durante esses últimos 43 anos, fomos construindo um estilo de trabalho em equipe, assim como uma modalidade de pensar, de intervir e de transmitir a clínica inter e transdisciplinar dos problemas do desenvolvimento na infância e na adolescência. Afirmando meu reconhecimento a todos os que, durante todas essas décadas, formaram parte e que hoje não estão mais, pois houve tempos nos quais o trabalho em comum foi possível.
E, em especial, a Paulo César D’Ávila Brandão, in memoriam, uma das poucas pessoas cujo desaparecimento continua sendo insubstituível.
A Neli Ziger, minha secretária, que durante os últimos 25 anos tem me prestado uma colaboração indispensável para o andamento da minha vida profissional.
Silvia Eugenia Molina
PREFÁCIO
Esta obra contempla uma série de artigos elaborados por Silvia Eugenia Molina, a partir de sua experiência de mais de 50 anos na clínica com bebês, pequenas crianças e crianças. Trabalho sustentado pela Psicanálise, calcado na interdisciplina e com o traço da originalidade, próprio da autora. O leitor encontrará neste volume o efeito da trajetória clínica, de estudos, supervisões, reuniões de equipe e interlocuções advindas dessa interface e conta, ainda, com autores convidados como Angela Gonzalez, Cláudia Trevisan e Gerson Pinho, integrantes do Centro Lydia Coriat, outras vozes que se articulam como subsídio para compreender este livro que nasce.
A autora propõe uma trama conceitual desenvolvida fio a fio, tessitura delicada que, generosamente, vai construindo acerca daquilo que se trata a constituição subjetiva de um bebê. A partir da transmissão parental, traduz os processos envolvidos na possibilidade de um bebê vir a ser um sujeito
, levando em conta suas complexidades. Articula a transmissão inconsciente do lado dos pais e a importância da referência à cultura. Trabalha os efeitos do laço, quando sustentado pelo saber inconsciente e atravessado pelo desejo dos pais, permitindo que o conhecimento, expressão simbólica nas produções da criança, seja referido ao estatuto humano
e não do lado da mera repetição, como um autômato. A autora traz em sua produção a subjetivação enquanto desafio, pois dependerá dela o que virá a posteriori, sem deixar de apontar para a possibilidade de se fazer registro psíquico também a partir do que não tem cura, sustentando vias psíquicas a partir das marcas reais e fantasmáticas e não do lado de um recobrimento.
Este livro também nos possibilita encontrar a autora, além de sua clínica com bebês, crianças e adultos, na sua condição de leitora do inconsciente. Presenteia-nos, transformando em livro, sua aguçada escuta do inconsciente, presente em sua disponibilidade e abertura para aprender com as crianças e seus pais, transmitindo a psicanálise, que se reatualiza na trama transferencial. Silvia faz-nos testemunhas dos efeitos da leitura desta trama e nos possibilita encontrar a atualização de conceitos, levando em conta o arcabouço psicanalítico teórico-clínico já produzido, mas construindo uma práxis singular, atravessada pela fineza de uma escuta e construção de uma clínica própria. A generosidade da autora está no seu ato de transmissão, presente em todo o livro desde os agradecimentos, em que traz seu enlace com os sujeitos a partir das histórias que os envolvem, o que marca um rigor com a ética com a qual conduz sua escuta. Deixar-se conduzir por ess posição de escuta, trabalha na transmissão como o fio de Ariadne
no mito do Labirinto de Creta: aí está a Ética, justamente a partir do dito da criança citado no início: Dê à criança aquilo que ela necessita
. Isso não se faz sem consequências: implica colocar-se numa posição que tome ao pé da letra o que está nesse apelo que a autora testemunhou naquele momento.
Quem conhece a autora sabe que sua história é um exemplo sobre a importância das experiências vividas na infância por meio do convívio direto com a natureza e a liberdade do brincar sustentado pela família e atravessado pelas diversas transmissões recebidas, inicialmente por aqueles que exerceram as funções materna e paterna, estendendo-se no decorrer do caminhar da infância pelas transmissões dos demais familiares na convivência próxima, como também de sua comunidade, na qual seus laços fundantes se estabelecem. No caso de Silvia, deram-se em Villaguay, província de Entre Rios - Argentina. Um sujeito é o resultado de sua história, sua base é estruturada na infância alicerçada por sua parentalidade, temperada pela cultura a qual pertence. Conhecer outras culturas e modos de viver só enriquece aquele que tem uma estrutura subjetiva com capacidade de absorver as diversidades que a vida pode nos apresentar.
Anelise Prestes Lieberknecht
Carolina Gubert Viola. Deborah Nagel Pinho
Flavia de Toledo Oliveira Lucas
Gerson Smiech Pinho
Hanelore Herberts
Heloisa Maria Cattani Oliveira (in memoriam)
Inajara Erthal
Ivone Montenegro Alves
Ivy de Souza Dias
Leila Lima Ferreira Andrade
Marcella Haick Mallard
Mariana Kraemer Betts
Maria Cristina Solé
Marjorie Loh
Melissa de Fatima Pires
Rejane Fraga Farias
Rosane Maria França Nicolau
Simone Mädke Brenner
Soraya Abdalla Mhamed Maihub Manara
Susana Lodetti
Tamara Pellizzari Ferrari
Tatiana Kuerten de Matos
Viviane Scherer Ellwanger
Dê à criança o que ela necessita!
(Apelo de uma criança durante a produção de uma sessão, na presença dos seus pais).
Sumário
INTRODUÇÃO 17
1
ALGUMAS QUESTÕES ESTRUTURAIS SOBRE OS BEBÊS 19
1.1 O QUE PROMOVE A INCLUSÃO DOS BEBÊS E DAS CRIANÇAS
NO SOCIAL? 19
1.2 DESENVOLVIMENTO NO LAÇO PARENTAL: POR UMA PERSPECTIVA INTER E TRANSDISCIPLINAR 21
1.2.1 A lógica das funções parentais 22
1.2.2 Outros representantes da cultura 23
1.2.3 A posição da criança 23
1.2.4 Condicionantes da cultura 24
1.2.5 Lesões reais e fantasmáticas 24
1.3 A PRESENÇA ESTRUTURANTE DAS FUNÇÕES PARENTAIS NO MOMENTO DA MATRIZ SIMBÓLICA 30
1.4 O SINTOMA DO BEBÊ E A LEITURA DO BEBÊ DO FANTASMA MATERNO, PARENTAL, FAMILIAR E DO SINTOMA SOCIAL 41
1.5 AS FUNÇÕES PARENTAIS FACILITANDO A CONSTITUIÇÃO DO DOMÍNIO IMAGINÁRIO DO CORPO NO MOMENTO DO ESTÁDIO
DO ESPELHO 46
2
AINDA SOBRE AS ESTRUTURAS COGNITIVAS 55
2.1 A CONSTRUÇÃO DAS ESTRUTURAS COGNITIVAS E A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO 55
2.2 O DESENVOLVIMENTO DO BEBÊ NO LAÇO PARENTAL, UMA INTERPRETAÇÃO INTER E TRANSDISCIPLINAR 62
3
ALGUMAS QUESTÕES ESTRUTURAIS SOBRE A PEQUENA CRIANÇA 69
3.1 A PEQUENA CRIANÇA, OS HÁBITOS DE INDEPENDÊNCIA PESSOAL, AS CASTRAÇÕES E AS TEORIAS SEXUAIS INFANTIS 69
3.2 TEORIA SEXUAL INFANTIL 77
3.3 TEORIA SEXUAL INFANTIL, AINDA 86
3.4 HÁBITOS DE INDEPENDÊNCIA CORPORAL: OS ENCONTROS NAS CIRCUNSTÂNCIAS DA ALIMENTAÇÃO. A CENA DA AMAMENTAÇÃO E
A FORMAÇÃO DOS HÁBITOS DE INDEPENDÊNCIA PESSOAL ٩٤
3.5 OS HÁBITOS DE INDEPENDÊNCIA CORPORAL: O ADORMECER E
O SONO 101
3.6 A VESTIMENTA NA ORGANIZAÇÃO DOS HÁBITOS DE INDEPENDÊNCIA PESSOAL E NOS DESENHOS, UMA LEITURA POSSÍVEL 111
3.7 CONTROLE ESFINCTERIANO 123
4
ALGUMAS QUESTÕES SOBRE A CRIANÇA 141
4.1 O OUTRO DO PRIMEIRO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL 141
4.2 A IMPORTÂNCIA DO DESENHO INFANTIL PARA OS EDUCADORES E SUA FUNÇÃO PARA AS CRIANÇAS 147
4.3 MATERIAIS E RECURSOS PARA SEREM INTRODUZIDOS NAS SESSÕES COM CRIANÇAS PEQUENAS OU QUE APRESENTEM FALHAS NA ESTRUTURAÇÃO DA IMAGEM INCONSCIENTE E DO ESQUEMA CORPORAL 152
4.4 A CONSTÂNCIA DA SIGNIFICAÇÃO DO USO DAS CORES POR PARTE DAS PEQUENAS CRIANÇAS 158
5
UMA LEITURA SOBRE A ADOÇÃO 163
5.1 ADOÇÃO: AVENTURA OU DESVENTURA? 163
REFERÊNCIAS 171
AUTORES COLABORADORES 173
INTRODUÇÃO
Este livro parte de uma série de artigos que documentam minha vivência na clínica de bebês e crianças pequenas, onde se deu a possibilidade de ir construindo uma escuta do inconsciente das crianças e de seus pais. Há mais de quatro décadas sou constantemente inquirida/questionada por pais, professores, colegas psicopedagogos, fisioterapeutas, estimuladores precoces, musicoterapeutas, psicólogos, fonoaudiólogos, educadores físicos, assim como por outros profissionais engajados na subjetivação, que nós, humanos, temos como desafio. Nestas páginas, respondo às perguntas mais frequentes acerca, exatamente, dos processos de subjetivação do bebê, da pequena criança e da criança.
Da perspectiva interdisciplinar, com a qual o meu trabalho se alinha, tem-se o entendimento de que diversos e diferentes olhares são necessários para pensar a constituição do sujeito e de seu desenvolvimento, em uma travessia onde uma área é capaz de escutar o discurso da outra, ultrapassando uma visão organicista, que, ainda hoje, persiste no ensino dos saberes que se ocupam da estruturação orgânica e psíquica do ser humano. Os pressupostos teóricos que sustentam a clínica psicanalítica são, também, colocados em cena junto aos recortes de casos que apresento. Evidencio os trânsitos em que se fundam as Teorias Sexuais Infantis (TSI), considerando a singularidade com que se estabelecem os primeiros laços entre a mãe, ou quem exerce a função materna, e o bebê. Aprofundo-me nas funções parentais porque a elas cabe a responsabilidade inaugural da inclusão do bebê em um determinado lugar simbólico, tanto no espaço da família como no espaço público do social e da cultura. E, ainda, o trabalho que a criança tem de fazer para se inserir na cultura e percorrer a lógica que as funções parentais lhe propõem, processo que conhecemos como desenvolvimento
.
Boa leitura.
1
ALGUMAS QUESTÕES ESTRUTURAIS SOBRE OS BEBÊS
1.1 O QUE PROMOVE A INCLUSÃO DOS BEBÊS E DAS CRIANÇAS NO SOCIAL?
Compreender, inserir, implicar são sinônimos da palavra inclusão. Inserir refere-se ao ato de implantar em um lugar-comum, no caso aquele que é comum à comunidade da qual se torna parte. Portanto, formar parte dessa estrutura cultural constitui o requisito primeiro e único capaz de gerar as condições psíquicas para que o sistema perceptivo funcione de maneira a dar conta das diferenças subjetivas e cognitivas que formam a complexidade da cultura.
Essa condição psíquica está atrelada à possibilidade de o bebê vir a ser um sujeito. O que implica a dupla condição de estar incluído em um núcleo comum, porém, também, conseguir ir construindo traços de singularidade. Configuração subjetiva possível quando essa estrutura for eficientemente inscrita no psiquismo do bebê. E essa inscrição vai depender do trabalho subjetivo prazeroso dos pais para transmitir essa modalidade de laço parental, familiar e social, além de estar atrelada ao trabalho subjetivo prazeroso do filho para se apropriar desses dons sociais recebidos por transmissão.
Só assim o sujeito armará a disponibilidade e a permeabilidade para se dispor a percorrer a difícil trajetória pelas diferenças, a fim de, desse modo, entendê-las, conseguindo se beneficiar delas, já que a prova que o sujeito tem de dar conta é a de se haver com o sofrimento ocasionado pelo trânsito pelas sucessivas castrações, mas sem adoecer. Benefício que, além de aumentar o sentimento de si mesmo e o de pertinência ao laço social, funciona como disparador da possibilidade de iniciar a formulação das Teorias Sexuais Infantis (TSI).
E, como são constituídas as TSI? A formulação das TSI é motivada pela vigência das duas leis organizadoras da cultura, a proibição de não matar e a proibição do incesto, e o seu não cumprimento custará punições. O cumprimento da interdição do incesto direcionar-se-á à conquista de outro objeto amoroso possível (trânsito do familiar ao social), situando mais um momento da constituição da identidade sexual na feminilidade ou na masculinidade, além de indicar a transcendência, por meio dos filhos, na responsabilidade dos atos — e dessa experiência tão arrebatadoramente pessoal com as leis éticas e morais surgirão as referências socializadas para valorizar e administrar as relações familiares e sociais, conseguindo dar conta dos conflitos psíquicos em posição ativa. Assim sendo, elas funcionam como um organizador e um orientador da subjetividade.
Ressalta-se que esse processo tem também o papel de substituir uma parte da libido pela atividade da pulsão de investigação.
Toda a transmissão é primeiramente uma transmissão do saber inconsciente, saber que constitui o alicerce imprescindível para conseguir conhecer e aprender, pois não existe razão de conhecer sem saber para que (projeto simbólico). E, exatamente, esse para que
começará a ser constituído pelo bebê por meio das teorias sexuais infantis. Assim, por estas, o bebê conseguirá ir compreendendo a extensão possível, a compreensão do seu projeto simbólico. Narrativas cujo resultado será a diferenciação entre saber e conhecimento. Referenciais fundamentais para a inclusão parental, familiar e social, além de educacional. Pois a capacidade produtiva jamais pode ser separada da interpretativa, já que um ser somente produtivo em nada se diferencia de um ser do especular, um robô. De tal modo, o conhecimento torna-se um instrumento simbólico, instrumento que permite construir o conhecimento da realidade com condições para transformá-la. O fato de estar, desde o começo da vida, situado nas referências espaçotemporais tem efeito também sobre a memória, pois o