Onde Está Meu Deus?: Uma Reflexão Sobre o Livro de Jó

De Werlen L. Silva

O livro de Werlen L. Silva, Onde está meu Deus?, é uma reflexão que se aproxima do livro de Jó, a partir do tema do sofrimento, da ética e da fé. O livro de Jó é um dos escritos mais célebres do Antigo Testamento, todavia, desconhecido. Trata-se de uma reflexão atual que aborda temas sensíveis à vida quotidiana, entretanto, não é fácil de ser compreendido, sobretudo se lido superficialmente. É comum ouvir que Jó é paciente, mas essa afirmação se torna insustentável quando o livro é visitado com mais profundidade, por isso é preciso ler Jó com os ouvidos e o coração livres de teorias preconcebidas, para ouvir e sentir o que o texto revela. Ao ler esse livro, o leitor é convidado a escutar a voz de Jó que, tenazmente, enfrenta o sofrimento e se defende das insinuações de seus amigos sem titubear em suas convicções ético-teológicas. Defende sua integridade e fé aguerridamente por saber que jamais agiu por interesse, mas a partir da justiça. Ele, que se intitula como o "pai dos pobres" (29,16), a partir de sua experiência de sofrimento, desvelará os caminhos da ética e da fé abnegativa para quem almeja a paz consigo e com Deus.

• Idioma: Português
• Editora: Editora Dialética
• Data de lançamento: 24 de ago. de 2021
• ISBN: 9786525206035

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CAPÍTULO 1 - POR QUE FALAR DE JÓ

Nu saí do ventre de minha mãe, nu para lá hei de voltar. YHWH deu, YHWH tirou. Bendito seja o nome de YHWH! (Jó 1,21)

Por que falar de Jó, no contexto hodierno, num mundo assolado pelo sofrimento e pela contaminação do coronavírus e da abjeta doença da Covid 19, que tem vitimado milhões de pessoas diariamente ²⁴. Para que falar de Jó, um personagem desconfortável para os judeus e cristãos? Jó é um livro desafiador, fascinante e intrigante, que perturba a consciência de quem se depara com o livro ²⁵.

Este livro tornou conhecida a reação do ser humano mediante a dor e o sofrimento, bem como, pela incompreensão dos seus amigos, Elifaz, Bildad e Sofar, que vieram para consolá-lo e de sua esposa que fala como uma tola: "Vais persistir na tua integridade? Amaldiçoa a Deus e morre" (2,9). Mas Jó, apesar das decepções, permanece firme na fé e na esperança em YHWH.

O livro é universalmente considerado como uma das obras-primas da literatura mundial²⁶, porquanto a experiência de Jó é universal e não apenas judaica, uma vez que o autor do livro elabora o texto em forma de diálogo poético o que possibilita as discussões de diferentes temas, como: sofrimento dos inocentes, o tema dos pobres; temas psicológicos e as temáticas teológicas. Sobre isso, em concreto, o livro discute o caso e o problema de Jó. O caso é discutido ao levantar o questionamento sobre o destino existencial, ou seja, a pobreza e o sofrimento das pessoas que caíram na desgraça social, passando de rico a pobre, a exemplo de Jó. O seu problema, por outro lado, diz respeito, à questão do sofrimento do inocente e à ação de Deus frente a esse problema²⁷.

O livro foi escrito em dois estilos literários: a prosa e a poética. Esses dois estilos evidenciam a tensão estilística, teológica e sócio-históricas²⁸. A organização interna do livro revela uma trama literária complexa, porém bem articulada, onde diversas vozes teológicas ecoam fortemente em todas as páginas e, nessa polifonia, cada uma das vozes pode ser ouvida individualmente, de modo que, o leitor identifica facilmente o sujeito de cada discurso e seu pensamento teológico.

No plano estrutural, o livro se divide em três partes²⁹: O prólogo que compreende os capítulos 1,1–2,13 e o epílogo, menor bloco do livro, composto pela perícope 42,7-17. Os dois blocos redigidos em prosa, ou seja, é a parte narrativa do livro e funciona como a moldura externa da seção dos diálogos poéticos, ou parte discursiva do livro, que é composta pelos capítulos 3,1–42,6, ocupando o centro do livro³⁰.

Sobre o contexto histórico do livro existe desacordo, porém a maioria dos teólogos concordam em datá-lo entre os séculos V e II a.C, no pós-exílio. Os argumentos que corroboram essa tese são: em primeiro lugar, a presença do substantivo hassatan / o satã precedido do artigo, característica tardia na tradição bíblica do AT. Essa característica aparece pela primeira vez no livro do profeta Zacarias 3,1-2³¹. A segunda razão é o argumento de que o autor de Jó se inspirou no livro do profeta Jeremias, especialmente em Jeremias 20,14-18, texto paralelo com Jó 3,3-10. O terceiro argumento é de que o autor de Jó se baseia no monoteísmo desenvolvido pela profecia de Isaías (40–55) que é um texto exílico³². Os argumentos que corroboram essa teoria é que o livro de Jó desenvolve a temática do sofrimento do justo³³, que está presente no AT somente após o exílio, quando aparece a teologia do servo de