Para meu amigo branco
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Para meu amigo branco - Manoel Soares
Nem sei se ainda é assim, mas lá na década de 1990, quando a turma da escola fazia amigo secreto, havia uma troca de bilhetes. Como a brincadeira se chama amigo secreto (e não inimigo secreto) o que eu esperava receber da pessoa que, por sorteio, me coube como amiga, no final daquele ano de 1992, época em que cursava a oitava série do antigo primário (hoje ensino fundamental), eram mensagens agradáveis. Porém, um dos bilhetes que recebi dizia algo do tipo: "Por que você não passa um condicionador neste cabelo feio?’’ Imagine o impacto dessa pergunta para uma adolescente que, até aquele momento, tinha passado boa parte da vida com dificuldade em aceitar seu cabelo crespo, que chegou a alisar, e que entrava em pânico ao aventar a possibilidade de ir à escola com um penteado diferente, por medo de ser ridicularizada. Isso tudo apesar de fazer parte de uma família em que a autoestima afrodescendente era assunto frequente das conversas.
Cheguei até a pensar que o bilhetinho era obra de algum desafeto, mas não, ele foi escrito mesmo pelo meu amigo secreto
, que confirmou a autoria, no dia da troca de presentes. Detalhe importante: não me lembro qual foi o presente que ele me deu, mas o bilhete jamais será esquecido por mim.
E quem era o tal amigo? Vou chamá-lo aqui de B.F. Ele era considerado o mais inteligente da turma. Neto de alemães, B.F. não sentia o menor constrangimento ao declarar que o avô era um racista que jamais aceitaria que seu neto se relacionasse com uma mulher negra. E ninguém, ao ouvir essa declaração, inclusive eu, filha de pais ligados ao movimento negro, era capaz de questioná-lo.
Nunca mais vi B.F. na vida. Será que tem filhos ou sobrinhos? Será que continuou reproduzindo o racismo que aprendeu com o avô? Será que ele se reconhece racista? Gostaria de saber onde está B.F. para lhe entregar um exemplar do livro Para meu amigo branco, do jornalista Manoel Soares. Nesta obra, Manoel posiciona o canhão de luz sobre nossos amigos e amigas de pele clara
para ajudar a matar o racista que há dentro do coração de muitas dessas pessoas. Com consciência da envergadura de tal objetivo, o autor ressalta que a maior dificuldade é localizar onde se enraíza o racismo que, como ele escreve, fica ali discreto, sorrateiro, sob camadas de piadas, brincadeiras e afetos tortos que constituem nossos comportamentos mais cotidianos. O livro não pretende criar um sentimento de culpa nas pessoas brancas, mas de responsabilidade, ressaltando que assim como o negro discriminado foi uma vítima do processo, a pessoa que hoje ostenta um comportamento racista não nasceu assim. Ela aprendeu esse padrão de comportamento racista, ou seja, ela também é uma vítima do racismo.
E a arma que Manoel escolheu para botar fogo no racista que há dentro de muita gente é o afeto. Não afeto meloso, romantizado, mas o afeto do jogo aberto, que levanta questionamentos, faz pensar, derruba crenças limitantes. E são várias as perguntas: Você se lembra da primeira vez que viu uma pessoa negra?
; Qual foi a primeira pessoa negra que começou a interagir com você?
; Você se lembra do papel social que ela ocupava?
; Quando você ingressou na escola, consegue lembrar se havia pessoas negras no contexto em que estudava?
; As pessoas negras eram bem posicionadas dentro da sociedade escolar ou ocupavam lugares subalternos, como a ‘tia da merenda’, o porteiro, a faxineira ou mesmo aquele coleguinha discriminado?
Enfim, é com afeto no coração e com perguntas objetivas que Manoel conduz o leitor branco a questionar-se até que ponto, embora não conscientemente, teve ou continua tendo uma postura racista que, mesmo não intencional, tanto mal pode causar às vítimas de racismo: as que trazem na pele essa marca e possuem a estranha mania de ter fé na vida. Afinal, como sintetizou a escritora Conceição Evaristo: eles combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer.
Boa leitura!
Prefácio. Eliane diasQuando li as palavras que formam o título deste livro, gelei.
E por que gelei?
Senti um frio na barriga porque elas chegam em um momento em que a mola do entendimento entre Pretos (assim mesmo, maiúsculo) e Brancos está esticada.
Os Pretos... Sobre o certo ser preto ou negro, não há um consenso. Ainda estamos estudando, cada um fala como se sente melhor, mas Achille Mbembe, filósofo camaronês, com respaldo do Movimento Negro Unificado, defende a ressignificação para Preto. Em Crítica da razão negra, Mbembe explica que o conceito de escravo tende a se fundir com o de negro até se tornarem uma coisa só
. No entanto, há um grupo de filósofos que vão na linha de que devemos ter orgulho de sermos negros e a mantém.
Os Pretos já não querem mais falar, já não querem mais explicar o que é e o que não é racismo ou o que é ou não ser racista; meio que pensam já sofri demais com isso, deixem que errem e paguem pelos seus erros.
Seguindo a linha da proposta de Para meu amigo branco, serei mais clara na mensagem. Por muito tempo, a relação com o racismo estrutural e com o racismo sociopático foi tolerada pelos negros, às vezes com tristeza, outras, com raiva, outras, ignorando e seguindo a vida. Os negros mantinham essa mola tensionada e sofriam calados ou falavam para seus pares, num lamento sem fim.
Uma hora a mola encontrará um ponto de equilíbrio, mas hoje está bem esticada e os Pretos não querem dialogar, falar exaustivamente sobre o assunto com os brancos, pois já estão com ranço do tema, que é tão importante ser falado para ser entendido, compreendido.
Eu, há algum tempo, não via mais negros querendo entender não negros, querendo explicar que o racismo faz mal ao próprio racista.
Então me deparo com esta reflexão de paz (gelei), de empatia e estudo que fala delicadamente sobre o racismo, sem abrir mão de mostrar a violência que causa aos negros.
O não negro entenderá com certa facilidade que, como afirma Manoel Soares, há que se fazer um movimento de ‘higiene pessoal’ — moral, cultural, histórica, social
; mas calma, meu Amigo Preto: é necessária esta higiene, pois estamos no maior país da América Latina, que possui a maior população de negros fora do continente africano,