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Dora, Dorinha Ou Doralice?
Dora, Dorinha Ou Doralice?
Dora, Dorinha Ou Doralice?
E-book277 páginas4 horas

Dora, Dorinha Ou Doralice?

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Sobre este e-book

Dora Dorinha ou Doralice? —Temos que batizar e registrar a menina. Além de pagã, nem nome a coitadinha tem! Dona Marta, a avó, engoliu o café fresquinho preocupada. —Isso é pecado! A menina já tem mais de três anos e vocês não tomam uma decisão. Se acontecer alguma coisa com esta criança, não digam que não avisei! É pecado não batizar! Deus castiga e o diabo leva, Cruz Credo! Dona Marta batia na boca arrependida da besteira que disse. —Eu acho tão bonito Dora. —falou Raimundo com o melhor dos sorrisos. —Aí todo mundo vai chamar de Dorinha. Não quero! Não gosto de apelidos. —retrucou Clara irritada como sempre. —E o que tem isso? Todo mundo tem apelido! Dorinha... É a carinha dela. —Se a filha fosse minha eu batizava de Doralice. Afirmou Dona Marta com ares misteriosos. —Mamãe, sabe que a senhora me deu uma grande ideia? A bonequinha do papai vai se chamar Dora Dorinha Doralice. Assim, ninguém fica chateado. Eu vou chama-la de Dorinha... Aqui começa a mais fascinante história de uma mulher que desenvolveu três personalidades distintas para fugir das forças do mal. Sem saber, Dorinha carrega um carma de seus antepassados e sua origem é cheia de magia, mistérios nunca dantes revelados. A menina possui a maldição da Santa que carrega no seu primeiro nome e que lhe confere uma personalidade criativa, inteligente e segura. Dorinha é a pessoa que todos amam. É generosa e de boa índole, mas marcada pelas dores insuportáveis físicas, espirituais e torturada pela incompreensão dos que a rodeiam. Mas, Doralice é um nome impronunciável. Doralice é perseguida pelas forças do mundo obscuro deste sua concepção e nascimento. É travada uma batalha espiritual que deixa o leitor completamente entregue sem reservas a esta obra.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento18 de nov. de 2015
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    Dora, Dorinha Ou Doralice? - Maria Dudah Senne

    Dora, Dorinha ou Doralice?

    Maria Dudah Senne

    1ª Edição

    Novembro – 2015

    Capa: Maria Dudah Senne

    Diagramação: Asè Editorial

    e-ISBN: 978-85-68841-50-1

    Copyright 2015 © por Maria Dudah Senne

    Todos os direitos são reservados de acordo com as Normas de Leis e das

    Convenções Internacionais. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou

    reproduzida sob quaisquer meios existentes sem autorização por escrito do

    autor.

    Para

    Meu marido, Minha família.

    Meus amigos.

    Companhia AmadodoDito de Teatro.

    Para Deus e o Mundo.

    Outras obras de Maria dudah Senne:

    Louca de Pedra, Doida Varrida

    Promessa pro santo errado 

    Publicado pela editora www.biblioteca24horas.com à venda no site da editora ou

    www.livrariacultura.com.br

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    Dora, Dorinha ou Doralice?

    Maria Dudah Senne

    Mistério, Magia, Suspense.

    O Infinito e o Recomeço

    — Ela não reage! — afirmou a médica tirando as luvas e lavando as mãos com sabão.

    — A pressão e a temperatura estão muito baixas. Falou a residente, já entrando no elevador a caminho da lanchonete.

    — E essa hemorragia? – a médica engolindo o café. — A paciente está com os elementos vitais funcionando como se não tivesse absolutamente nada, mas continua em coma, segundos depois, o pulso desaparece. Cada dia uma coisa desconhecida nos desafia, cada minuto uma reação inesperada, e nenhuma doença conhecida detectamos. Ainda estamos na idade da pedra apesar de toda a tecnologia que nos cerca.

    — A senhora está exausta doutora, precisa descansar. — Não quero perder esta paciente que não tem câncer; não é tuberculosa; não teve infarto; derrame, pneumonia... Eu não sei o que está matando esta mulher!

    — O médico que honra seu juramento, não quer perder um paciente. Com o tempo, verá que não somos Deuses. —  Argumentou o médico que ia assumir o plantão.

      Aquelas vozes ficaram cada vez mais distantes. Um zumbido estranho tomava conta do ar. A viagem por um túnel escuro em uma velocidade insuportável provocava uma enorme confusão em sua mente. Já ouviu falar deste túnel. O cérebro produzia alucinações. Um buraco negro enorme e gelado. Ela não estava com medo. Só o frio era incômodo. A viagem parecia não ter fim, mas aos poucos, seu corpo foi se estabilizando em um lugar exótico. Um espaço deslumbrante. A terra acabava ali, e se desse mais um passo, já estaria no mundo de cores lindas, é verdade, mas com uma definição vangoguiana: de perto, borradas; de longe, perfeitas. Detestava lugares altos, mas agora via com clareza um abismo, um caos à sua frente. Estava no limite de três mundos. Sentou-se e observou atônita, o misterioso fim do infinito.

    Setembro de 1957

      O calor estava insuportável especialmente naquela tarde de setembro no sertão, no agreste, nas praias do Ceará. Existe uma pequena diferença entre o inverno e o verão: quando chove, coisa rara, é inverno. Os corpos expelem um suor salgado, a pressão cai e a preguiça toma conta das pessoas. Obviamente o comércio fecha suas portas às 11 horas para que todos possam tirar uma sesta depois do almoço, porque ninguém é de ferro. A comida forte, o hábito de acordar com as galinhas, a pele queimada, o trabalho pesado, o envelhecimento precoce e o modo de viver da população, são características que transformam a vida neste paraíso, em algo absolutamente peculiar. O povo é trabalhador, acolhedor e alegre. A duras penas tentam levar uma vida pacata, já que o sangue quente, o pavio curto e a macheza dominam os nervos por qualquer motivo torpe. O mundo é dos fortes.   

      Raimundo deu a última retocada nos cabelos com brilhantina olhando-se no caco de espelho atrás da porta do quarto. Estava eufórico e ao mesmo tempo, nervoso. Apressou Clara sua mulher, pois a viagem seria longa, o sol já estava rachando e as horas passavam depressa. A velha camioneta verde com boleia e carroceria de madeira seguia sacolejando pela beira mar, saindo de Fortaleza com destino ao sertão. A civilização foi ficando para trás. A estrada comprida cortava vales, rios quase secos, caatingas, carnaubais e plantações de algodão. De vez em quando, ovelhas, vacas magras, um jumento aqui outro ali, atravessavam a estrada de terra batida a procura de alimento. Raimundo guiava pensando o quanto esta viagem mudaria a vida do casal. Será que estava tomando a atitude certa? Tarde demais. O jovem de 24 anos era branco de bochechas vermelhas, cabelos claros, olhos cor de mel, estatura mediana e sorriso aberto. Vestia camisa e calça de linho branco bem passadas, que depois, amassava por igual nas pernas, pois isto era a moda. Era muito vaidoso. Gostava dos sapatos bem engraxados, o cabelo brilhando e a roupa impecável. Desde criança era responsável e trabalhador. Ficou órfão de pai aos 17 anos, seu pior infortúnio, e assumiu a direção da família ao lado de sua mãe Marta. Como sucessor natural de seu pai, por ser o primogênito, a última palavra era dele e toda a estrutura familiar e suas ordens eram obedecidas rigorosamente pelos treze irmãos menores. Ao seu lado, Clara estava também em profundo estado de reflexão. Parecia uma estátua de pedra. As sobrancelhas finas e arqueadas, o vestido de tecido mole drapeado disfarçava seu porte autoritário. Estavam casados há cinco anos aos trancos e barrancos, já que ela morria de ciúmes do marido e ainda não engravidara. Talvez por estas razões, foi perdendo a suavidade, culpando-se por não conseguir as únicas bênçãos que toda mulher deseja: encher a casa de filhos e segurar o marido. Apesar de jovem e bela, a esposa de Raimundo devorava as pessoas com seus olhares rancorosos, outras vezes, insensíveis. Quase nunca sorria. Uma mulher forte, personalidade agressiva, o rosto largo, nariz de ponta arredondada, olhos amarelos como os de um felino, cabelo ondulado solto pelos ombros de uma tonalidade cobre e tão magra que parecia mais alta que o marido. Estava predestinada a ser uma árvore seca, como aquela figueira que não dava frutos e Jesus mandou cortar. Destino cruel! Quem sabe ela, como a figueira improdutiva, deveria morrer também. Depois de duas horas de viagem, entraram numa trilha estreita de terra íngreme e perigosa sem uma viva alma por perto. O carro balançava mais que uma gangorra naquele fim de mundo cheio de ossadas dos animais que morreram de fome e sede, de chão quente, rachado e empoeirado, mas finalmente chegaram ao Juá. Estacionaram na frente da casa de Adoniz, pai de Clara. A varanda cheia de redes penduradas, ovelhas e cabras vagando pelos cômodos comendo roupas e o que encontravam pela frente, eram os únicos sinais de que existia vida naquela região. O pai de Clara quebrou o clima de vazio e solidão que tomava conta do casal.

      Adoniz era moreno, alto, cabelos negros, expressão rude e pele maltratada. Quando surgiu na varanda, sorriu. Parecia que estava desconfortável com a visita da filha.

    — Como vai seu Adoniz? — Raimundo estendeu a mão amistosamente.

    — Vocês fizeram boa viagem? Perguntou com um sorriso amarelo de mascar fumo de rolo.

    — Sua benção papai. Clara parecia entediada.

    — Deus te abençoe filha, sejam bem-vindos. O calor está de amargar. Vocês já almoçaram? Estou fazendo uma galinha à cabidela.

    — Não. Respondeu Raimundo. Eu queria chegar logo e resolver tudo, porque a camionete está falhando e não podemos voltar muito tarde. Já pensou se esse calhambeque me deixa na mão?

    — Não. Respondeu Raimundo. Eu queria chegar logo e resolver tudo, porque a camionete está falhando e não podemos voltar muito tarde. Já pensou se esse calhambeque me deixa na mão? — Onde está a menina, papai? — perguntou Clara desviando-se das cabras.

    — Na rede do quarto dos fundos. — Respondeu Sabia era um homem de caráter, meio índio, meio branco e tão inteligente que aprendeu a ler e escrever sozinho. Foi um grande plantador de carnaúba e algodão. Morava no Juá desde que se entendia por gente. Casou-se a primeira vez aos 19 anos com Ana. Uma moça carola que conheceu na serra dos Papagaios, perto da sua casa. Mas, a esposa era fria, beata demais e não tirava a camisola nem para brincar de casinha com o marido. Apesar de ser um sertanejo bonito, conquistador, disputado pelas moças solteiras da região, e herdeiro da maior fazenda das redondezas, casou-se com a moça errada, e por uma questão de honra teve que se conformar com seu destino. Apesar dos pesares, Ana lhe deu quatro filhos: Clara, Sula, Jurandir e Juraci. Deus sabe o que faz: a pobre Ana vivia amargurada, porque ao invés de ser freira, era obrigada a esburacar a camisola para que seu marido enfiasse aquela coisa grossa que doía ardido, e ainda ficava sem respirar o máximo que podia para não sentir o cheiro do bafo dele fungando em cima dela. Passava a maior parte do tempo tentado se esconder, fingindo que era invisível, para que o marido dormisse logo e não recomeçasse a tortura. Nem as mãos brancas e geladas de Ana; nem seu olhar fantasmagórico; nem decepção que teve com a jovem esposa, acalmara o furor sexual de Adoniz. Propositadamente, Ana passou a dormir no chão, com a cabeça na pedra, para se redimir do pecado abominável de ser mulher. Não se alimentava, nem falava com ninguém. Pegou tuberculose e foi definhando aos poucos, agradecendo a Santa Rita pelo milagre de não ter que abrir as pernas de novo, nem passar por aquele constrangimento, até morrer cuspindo sangue e sorrindo vermelho. Ela queria morrer! Não era esse seu sonho de menina. Mas o pai obrigou-a a casar-se e ainda escolheu o melhor partido da região. Por sua vez, o belo jovem não resistiu àquela pele branquinha, aquele cabelo dourado até a cintura e aquela cara de santa. O que o destino reservou para Adoniz só ele poderia enfrentar. Sua musa errática era um enigma indecifrável. Uma mulher imprevisível que não demonstrava felicidade nem mesmo quando botava um filho no mundo. Depois da morte da esposa continuou trabalhando duro na plantação, cuidando das cabras, bacurins, cavalos e criando os quatro filhos pequenos em pleno sertão completamente sozinho e desamparado. O tempo resolve. O tempo cura. Depois de tantos anos viúvo, a filha Sula, conheceu um motorista de praça na procissão de S. Francisco do Canindé e casou-se com apenas dezesseis anos. Jurandir e Juraci, ainda raquíticos, foram morar em Russas com um parente distante para trabalharem na feira de animais. E Clara, a filha mais velha, foi morar com a irmã e o cunhado na cidade para tentar encontrar um marido também. Apesar do humor instável, Clara precisava de um marido que a amparasse. Seis meses depois de chegar a Fortaleza, para a sorte de todos, a enigmática Clara encontrou Raimundo o mais paciente de todos os maridos. Adoniz estava mais sozinho do que nunca naquela fazenda trabalhosa que nenhum dos filhos se interessava em cuidar. Resolveu vender a maior parte das terras que estavam improdutivas. Aproveitou o fim da temporada de corte e secagem das folhas de carnaúba e foi para a cidade passar a temporada da entre safra, gastar o dinheiro das terras e visitar as filhas. Em tempos instáveis, passar uns meses em Fortaleza significava um banho de civilização. Lia os jornais, ouvia rádio, conversava com os novos amigos que arranjou, aprendeu a fazer jogo do bicho e conheceu Rosário. Ficou desnorteado com tanta beleza! Ele sentia uma fraqueza sexual por mulheres de pele branca, cabelos longos e aspecto frágil. Rosário era perfeita! O problema mais grave é que a menina tinha apenas quinze anos e trabalhava no circo com os pais. Era a moça mais linda que seus olhos já viram. Passou a assistir todas as apresentações do circo que estava instalado no bairro onde suas filhas moravam. O coração disparava quando a bela Rosário surgia no picadeiro iluminado segurando uma pequena sombrinha vermelha equilibrando-se no arame, só de maiô de lantejoulas com franjinhas. As pernas de fora, cinturinha de pilão, peitos empinados, sorriso aberto... E que pernas! Os quadris fartos tinham um molejo especial, um rebolado hipnótico que fazia os homens da plateia assistirem o espetáculo várias vezes. Os peitinhos duros apontando para o céu, o frescor da juventude, onde começa a malícia do desejo e finge-se a inocência do pecado. Uma beleza cheirosa e repleta de alegria, que sorria com todos os dentes. Não era beata como sua primeira mulher. Apesar de ser casado e sacramentado no papel e na igreja, nunca viu as pernas, nem os quadris, nem um suspiro de prazer da falecida Ana. Rosário era uma armadilha do destino ousada e corajosa. Trabalhar no circo, tão novinha e exposta aos olhares maliciosos dos homens cheios de desejo, das mulheres roxas de inveja e das bruacas furiosas de preconceito, não poderia ser uma vida fácil de administrar e ainda manter a honra. Para completar, ela também morava no circo. Sendo uma pessoa sem endereço, sem pátria, uma nômade como os ciganos, livre como os pássaros, seria muito difícil ter uma estabilidade, um bom casamento que garantisse seu futuro. Claro que estes povos livres casavam-se entre os seus para manter as tradições e etnias. Será que ninguém nunca abandonou o circo porque se apaixonou por um pobre mortal? Adoniz perdeu o controle e a compostura quando a viu de pertinho pela primeira vez e percebeu que sua musa usava maquiagem, como as estrelas de cinema. Aquela paixão incontrolável lhe deu coragem para contratar o locutor da radiador do circo e da quermesse para divulgar seus sentimentos usando o pseudônimo de sertanejo apaixonado. Pagava pelo menos dez mensagens de amor por dia para a moça, e dedicava músicas do Altemar Dutra, Orlando Silva Maísa e Nelson Gonçalves que falavam dos românticos apaixonados. Claro que despertou em Rosário um frisson especial. Nunca um homem gastara tanto dinheiro mandando flores e presentes para uma garota que só pelo fato de andar no arame, já era famosa. Agora a cidade inteira sabia que ela tinha um pretendente rico e poderoso. Os pais de Rosário acharam a atitude inteligente e até apoiavam o pretendente misterioso, visto que, esta divulgação inesperada ajudou a lotar o circo até nas seções extras. No fundo acreditavam que estavam encaminhando a filha para um casamento seguro, pois a vida no circo não era nada fácil. Andavam pelas estradas sem eira nem beira, tentando fugir do subjugo do preconceito. Temiam pelo futuro da filha que imaginavam ser uma moça frágil demais para enfrentar o mundo cada vez mais perigoso. Mas cadê o homem que nunca se identificava para esclarecer a situação? O mistério alimentava a curiosidade da cidade inteira e a bilheteria do circo. A história de amor foi se espalhando e sem saber, Adoniz e Rosário eram protagonistas de um conto de fadas para as moças casadoiras da região, que roíam as unhas de tanta inveja da desavergonhada do circo. Mas a verdade é que gostariam de serem livres e sedutoras como ela. Todas queriam viver um amor platônico e misterioso como o dela. Queriam ouvir mensagens com seus nomes na radiadora com a mesma frequência que Rosário recebia. Afinal, o que ela tinha melhor do que as outras? Só porque se exibia no circo com as vergonhas de fora e ainda sendo menor de idade? Coisas de artista! Todos são sem vergonhas! Todos vagabundos! – comentavam as vizinhas debruçadas nas janelas. Enquanto isso, Rosário inteligente e viajada, tomou a atitude de responder ao seu príncipe encantado através de pequenos bilhetes que entregava ao mesmo locutor, tentando uma maneira de saber a verdade. Mas, o sujeito havia sido especialmente contratado por Adoniz para dizer o milagre sem mencionar o santo. Afinal, ganhava um bom dinheiro extra e muita audiência para ser cupido, portanto, não revelaria a identidade da sua mina de ouro nem sob tortura. Quando Rosário interrogou o intermediário, o rapaz disfarçou dizendo que não conhecia o sertanejo apaixonado. O homem enviava bilhetes, flores, as músicas escolhidas, e o pagamento por mensageiros diferentes. Então, já acuado com tantas perguntas, o jeito foi prometer que continuaria a enviar as respostas secretas dela sem cobrar nada a mais por isso. Até que um dia, Adoniz não resistiu quando recebeu o centésimo bilhete da amada cheirando a alfazema e cheio de beijos de batom vermelho desejando conhecê-lo. O tempo que Adoniz dispunha para permanecer na cidade estava se esgotando. Era necessário retomar sua vida no sertão. Então, respirou fundo para criar coragem e seguiu Rosário até a igreja, como fazia todos os dias. Só que desta vez, foi mais ousado: segurou seu braço quando ela seguia pelas ruas desertas, os atalhos para chegar ao circo. Estava receoso que a moça achasse que ele era velho demais para ela, e não teria coragem de contar que era viúvo com quatro filhos criados. Mas de que adiantava ficar se escondendo? Apresentou-se como o homem mais encantador do mundo caprichando nos beijos mais gostosos que sabia dar, e Rosário caiu de amores por ele. Aliás, a moça já estava enfeitiçada com a preparação, a sedução que Adoniz soube manter com maestria por cinco longos meses. Ela passou a viver para o momento que o encontrasse. Sonhava com isso todas as noites e ia a igreja rezar para que seu amado aparecesse diante dos seus olhos e lhe pedisse em casamento. Temia que seus pais não permitissem a união quando conhecessem Adoniz. Ele era muito mais velho e Rosário desconfiava que ele fosse casado. Decidiu não contar a ninguém e namorar às escondidas, atrás da igreja, na sombra das árvores. Usava uma roupa discreta, sem maquiagem, e um lenço cobrindo os cabelos para não ser notada, já que era uma celebridade. Aquela esfregação sem fim no meio do matagal, em cima dos cajueiros e mangueiras, criou uma situação insuportável. Sua pele branquinha e macia ficava toda vermelha de tanto roçar na barba espessa de Adoniz. O pior era o medo de ser flagrada, e seus pais proibirem o namoro. Quando chegava no circo, corria para sua barraca para tomar um banho rezando para que a compressa de água fria suavizasse as marcas da paixão proibida. Um dia, enlouquecido de desejo, Adoniz convidou Rosário depois da apresentação no circo para fugir e casarse com ele. Ela irremediavelmente apaixonada aceitou e os dois, como nos romances do cinema, correram para o trem com a roupa do corpo. Adoniz levou-a para a velha e maltratada fazenda tratandoa como uma rainha e prometendo-lhe amor eterno. Tudo era perfeito demais! Por amor, Rosário deixou sua vida sem olhar para trás: família, sucesso, viagens e amigos. Foi criada para o mundo, como dizia seu pai que trabalhava como domador de leões desde os dezoito anos. Sua mãe também apoiaria a decisão da filha de se casar e deixar o circo. Mas não como concubina, nem quenga, nem com homem casado. Só se fosse esposa de aliança no dedo, pois apesar de serem artistas, mal falados e descriminados, não eram bandoleiros. Rosário era moça bem criada, pura, letrada e disputada pelos melhores partidos. A rotina crua começou a deteriorar a mais bela fantasia da artista. Habituada a um mundo festivo, movimentado, cheio de aventuras e aplausos, a jovem passou a odiar o sertão calorento, longe da brisa do mar, a monotonia e o isolamento em que vivia. Tentou encontrar algum prazer em nadar nua nas águas salobras do rio que nem correnteza tinha, imaginando-se observada e desejada como no circo. Montou um arame no quintal para ensaiar seu número com a sobrinha, que foi devidamente substituída por uma palma de carnaúba. Era a imagem de uma esfinge fora do tempo olhando a caatinga, a rotina das cabras, a paisagem árida, a terra queimada, completamente perdida e entediada naquele deserto sem fim. Rezava para que seu amado apeasse o cavalo e mesmo suado, montasse nela como o touro brabo monta na vaca. Só por esta razão é que não fugia dali para sempre. Estava completamente entregue a esta paixão que queimava a pele. Pedia ao marido para ir com ele para a plantação, pois seria uma distração ver o povo trabalhar ou quem sabe, ajudaria também.

    Mas Adoniz sabia a preciosidade que tinha em casa e resolveu não arriscar. Os peões nunca botaram os olhos numa moça como aquela toda maquiada, novinha e ainda faceira como ela só. Não! Aqueles peitinhos espetando a blusinha decotada poderiam lhe causar sérios problemas. E depois, cabeça vazia é a morada do diabo. Tratou logo de embuchar a mulher que não tinha o que fazer, e de repente, começou a ter um filho atrás do outro. Assim, manteria Rosário ocupada, sem pensar em besteiras enquanto ele trabalhava duro no corte da carnaúba. O corpo da bela Rosário mudou com tamanha rapidez que nem ela se deu conta. Adeus banhos, sonhos e devaneios no rio barrento. Só cuidava de fraldas, mamadeiras e de amenizar o choro de crianças dia e noite. Não havia tempo, nem vontade de se enfeitar com rouge ou batom. O sertão não possuía nenhum atrativo para Rosário por mais que ela se esforçasse. Vivia isolada ouvindo as cigarras, limpando a sujeira das cabras, de crianças remelentas choronas, famintas e barrigudas. O marido trabalhava o dia inteiro e ela ficava sozinha naquele casarão com a obrigação das tarefas domésticas que odiava. Os sete filhos vivos formavam uma escadinha: Joaz, Ruth, Bete, Berilo, Ester, Raquel, um que morreu, e por fim, a menina que ainda não tinha nome. Quando ia dormir completamente esgotada com dois filhos pendurados nos peitos, lá vinha o marido fungando no seu cangote, com o pau mais duro que um cabo de vassoura. Montava em cima dela cheio de tesão e nunca perguntou se ela queria ou não ser devorada com tanta ganância. Cada vez que Adoniz subia as paredes de desejo, era o suficiente para engravidá-la de novo, enquanto

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