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A Ciência Dos Espiritos
A Ciência Dos Espiritos
A Ciência Dos Espiritos
E-book310 páginas7 horas

A Ciência Dos Espiritos

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Sobre este e-book

Este estudo está dividido em três partes: na primeira parte, sob o título Espíritos reais, trata de Deus e do homem reunidos e idealizados na pessoa de Jesus Cristo; na segunda parte, sob o título de Espíritos hipotéticos, fala dos anjos, dos demônios e das almas desencarnadas, segundo as doutrinas cabalísticas e mágicas; na terceira parte, consagrada aos pretensos espíritos ou fantasmas, aborda as evocações e aprecia os fenômenos e as doutrinas espíritas.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento23 de mai. de 2016
A Ciência Dos Espiritos

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    A Ciência Dos Espiritos - Tetragrama

    BIOGRAFIA

    ELIPHAS LEVI

    O abade francês Alphonse Louis Constant, conhecido nos meios ocultistas como Eliphas Levi Zahed (tradução hebraica de seu nome), é considerado por muitos, o mais importante ocultista do século XIX. Eliphas nasceu no dia 8 de fevereiro de 1810 em Paris, filho do sapateiro Jean Joseph Constant e da dona de casa Jeanne-Agnès Beaupurt. Possuía uma irmã, Paulina-Louise, quatro anos mais velha.

    Quando pequeno Levi possuía grande aptidão para o desenho. Mesmo assim, seus pais o encaminharam para o ensinamento religioso aos 10 anos, quando ingressou no presbitério da Igreja de Saint-Louis em L'Île, onde aprendeu catecismo com o abade Hubault. Aos 15 anos, devido ao seu brilhantismo e dedicação ao sacerdócio, foi encaminhado ao seminário de Saint-Nicolas du Chardonnet, e começou a se aprofundar nos estudos linguísticos de forma tão notável que logo lia a Bíblia em sua versão original. Em 1830, foi cursar filosofia no seminário de Issy. Mais tarde, ingressou em Saint-Sulpice para estudar teologia.

    Após terminar o curso de teologia, Eliphas ascendeu na hierarquia da Igreja e foi aceito nas ordens maiores, ordenando-se subdiácono. Começou a lecionar em um colégio para moças e, seguindo com dedicação a carreira eclesiástica e seus estudos religiosos, escreveu uma peça bíblica chamada Nimrod, e vários poemas religiosos que projetaram sua imagem dentro da Igreja.

    Entretanto, o jovem Alphonse sentiu o peso de tantos anos de reclusão e ascetismo. Conheceu uma jovem, pobre, tímida e retraída que os outros padres haviam se recusado a atender e preparar para a comunhão. Eliphas não só aceitou a tarefa, como prometeu tratá-la como filha. A menina, que se chamava Adele Allenbach, de uma beleza pura e cândida, pareceu a Eliphas ser a imagem da própria Virgem Maria. Essa beleza juvenil correspondeu para ele a uma iniciação à vida, pois a amou ternamente como se fosse uma deusa, marcando para sempre em sua vida.

    Eliphas foi ordenado diácono, em 1835, mas no ano seguinte, quando estava para atingir o cargo de sacerdote, confessou ao seu superior o que havia sentido com relação à jovem, anos antes. Desse momento em diante, as portas da carreira eclesiástica se fecharam brutalmente para ele, o que lhe causou uma grande consternação e abalou sua visão de Deus e do mundo religioso.

    Aos 26 anos, Eliphas saiu do seminário e começou uma nova jornada em sua vida. Sua mãe, ao saber de sua saída, suicidou-se. E isso, somado ao fato de que muitos boatos que começaram a circular, diziam que havia sido expulso do seminário pelo seu envolvimento com uma jovem, o deixou muito abalado.

    Sem experiência do mundo, Eliphas teve muitas dificuldades para encontrar um emprego, principalmente pelos boatos que denegriam sua imagem. Assim, percorreu grande parte da França, trabalhando algum tempo num circo e, em Paris, como pintor e jornalista, atividades que o levaram a conhecer um grande número de intelectuais e estudiosos. Com seu amigo Henri-Alphonse Esquirros, fundou uma revista denominada As Belas Mulheres de Paris, na qual aplicava-se como desenhista e pintor e Esquirros como redator.

    Em 1839, Eliphas dirige-se a um local no qual entraria em contato com o oculto e as leituras consideradas proibidas e perigosas para os cristãos, descobrindo que não havia perdido a inclinação para a vida mística e religiosa. Na cidade de Solesmes, havia um convento dirigido por um abade que não seguia as regras oficiais da Igreja e que tinha em seu acervo de documentos, grande quantidade de livros e textos gnósticos, muitos deles ligados à magia e aos seres de outros planos. Assim, Eliphas, estimulado pelos acontecimentos em sua vida, mergulha nessas leituras, procurando entender as relações entre Deus, o homem, o pecado e o Inferno. Lia os mais diversos autores em busca das respostas e, lendo livros da Senhora Guyon, chega à conclusões que mudariam a sua maneira de pensar dali em diante, como ele próprio chegou a descrever: A vida e os escritos dessa mulher sublime, abriram-me as portas de inúmeros mistérios que ainda não tinha podido penetrar; a doutrina do puro amor e da obediência passiva de Deus desgostaram-me inteiramente da ideia do inferno e do livre arbítrio; vi Deus como o ser único, no qual deveria absorver-se toda personalidade humana. Vi desvanecer o fantasma do mal e bradei: um crime não pode ser punido eternamente; o mal seria Deus se fosse infinito!.

    Partiu, então, de Solesmes com uma profunda paz no coração. Não acreditava mais no inferno! Já sem se fixar em emprego algum, Levi começou a escrever e divulgar suas descobertas místicas, que iam diretamente contra as ideias oficiais da Igreja. Também entrou em contato com os escritos do místico sueco Emmanuel Swedenborg (1688 – 1772), que Levi dizia serem capazes de conduzir o neófito pelo Caminho Real, embora não contivessem a Verdadeira Verdade.

    Após publicar sua Bíblia da Liberdade, Levi foi preso, acusado de profanar o santuário da religião, de atentar contra as bases da sociedade, de propagar o ódio e a insubordinação, e teve de pagar uma multa considerável para a época.

    Em 1845, já influenciado por grandes magos da Idade Média, como Guillaume Postel, Raymond Lulle e Henry Cornelius Agrippa, Levi escreve sua primeira obra ocultista, chamada O livro das Lágrimas ou O Cristo Consolador.

    No ano seguinte Eliphas se casa com Marie-Noémie Cadiot. Matrimônio esse, que acabou sendo um verdadeiro suplício para ele. Influenciado pela esposa, Levi chegou a escrever panfletos políticos incitando o povo contra o governo e a ordem vigente. Foi condenado a um ano de prisão e ao pagamento de mil francos de multa, acusado de estimular o povo ao ódio e ao desprezo do governo imperial; cumpriu seis meses da pena, graças à interferência de Noémie junto ao governo.

    No ano de 1847, nasce a filha de Levi. Menina de saúde frágil que por várias vezes, esteve próxima da morte. Numa dessas ocasiões, Eliphas usou seu conhecimento dos sacramentos e das artes mágicas e reviveu a menina, numa cerimônia semelhante ao batismo cristão. Mas, em 1854, a menina não mais resiste às constantes debilitações e falece, para desespero do pai. Essa perda o marcou profundamente e influenciou para que seu casamento não durasse muito.

    Eliphas chegou a fundar um clube político, em 1848, mas no ano seguinte abandonou-o, para dedicar-se exclusivamente ao Ocultismo.

    A Consolidação do Grande Mestre

    Embora saibamos que os estudos ocultistas de Eliphas começaram no mosteiro, a data de sua iniciação, propriamente dita, ainda é duvidosa. Sabe-se que ele colaborou e foi amigo do iniciador do famoso mago Papus. No entanto, tudo indica que o ocultista polonês Hoene Wronski, tenha sido o introdutor de Eliphas no Caminho. Inclusive, Wronski ao falecer em 1853, em Paris, deixou setenta manuscritos catalogados por sua esposa, à Eliphas Levi, havendo outros que foram doados à Biblioteca Nacional de Paris.

    No ano seguinte a morte de Wronski, Levi foi para Londres, onde teve contato com vários ocultistas que queriam ver os prodígios e milagres que ele era capaz de realizar. Ao que parece, esses praticantes viam na magia mais um objeto de curiosidade, do que um caminho de auto-realização. Isso fez com que Eliphas rapidamente se afastasse deles, isolando-se no estudo da Alta Cabala, fato que acabou abrindo ainda mais sua percepção mágica.

    Eliphas encontrou, nesse período, um Grande Adepto (uma pessoa que atingiu um dos Grandes Graus dentro das Ordens da Senda Real e da realização divina), que se tornaria seu grande amigo: Edward Bulwer Lytton. Os dois Mestres teriam trocado informações iniciáticas sobre as sociedades ocultistas, das quais certamente eram os grandes expoentes. Inclusive, consta que teriam realizado trabalhos espirituais em conjunto, indo desde invocações a contatos com seres de outras esferas de realidade. As anotações desses trabalhos foram parar nas mãos de Papus, e publicadas posteriormente. Nesse material, existem registros sobre três visões de Levi e Lytton: de São João, de Jesus e de Apolônio de Tiana (na qual Apolônio é descrito como um velho). Nessas invocações e visões, teriam entrado em contato com forças que lhes revelaram os mistérios dos Sete Selos do Apocalipse, possibilitando a compreensão da Cabala Mágica; conheceram eventos futuros sobre a vida de ambos e sobre a humanidade; conheceram a Magia Celeste; também fora-lhes dito sobre as chaves dos milagres e de todos os prodígios mágicos; e, parte mais difícil da busca mágica, como manter e honrar os saberes conquistados na Senda e na Busca pelo Real Caminho.

    Em 1855, Eliphas começou a publicar a Revista Filosófica e Religiosa, sendo que vários artigos da mesma, seriam posteriormente utilizados em seu livro A Chave dos Grandes Mistérios. Nesse mesmo ano, publica sua obra mais conhecida: Dogma e Ritual da Alta Magia, desvendando as várias faces do saber mágico. Publica também, o poema Calígula, retratando na personagem, o imperador Napoleão. Desse modo, é preso imediatamente, sendo solto após algum tempo.

    Em 1859, publicou História da Magia, em que relata o desenvolvimento mágico ao longo da história, e que compõe, com os dois livros anteriores, o conjunto de livros ocultistas tidos como uma bíblia, por todos os que vieram a estudá-los.

    Eliphas estava sempre cercado por grande número de amigos e discípulos, todos eles com conhecimentos profundos; muitos estavam ligados às várias linhas mágicas e sociedades esotéricas que existiam na Europa do século 19, a maioria deles, compondo a elite cultural parisiense da época. Mesmo assim, ainda que tendo acesso a todo o luxo que desejasse, Eliphas manteve uma vida bem simples, mantendo sempre o seu espírito em um estado de paz e quietude. Sempre tomava cuidado com o que comia e bebia, evitando os extremos de calor e frio, e vivia numa casa fresca e arejada. Também se dedicava a exercícios moderados para manter o corpo forte. Aos que adoeciam e o procuravam, sempre recomendava remédios naturais e um estilo de vida como o que levava: simples e dedicado.

    Em 1862, publicou aquela que, segundo ele próprio, era sua obra mais elaborada: Fábulas e Símbolos. Consta que o livro não contou apenas com a erudição de Levi, mas que ele estava inspirado por forças maiores, como se as ideias simplesmente nascessem, e a própria Vontade Divina agisse, movendo suas mãos. Ele se sentia em extrema comunhão com a Luz que envolvia seu trabalho.

    O Destino Selado

    Seu trabalho ficou cada vez mais conhecido e não havia quem não quisesse conhecer Eliphas. Entretanto, quando tudo transcorria calmamente, uma visita mudou sua a pacata vida.

    Era um rapaz bem vestido, com um sorriso sarcástico e que, em tom jocoso, cumprimentou Eliphas formalmente, entrando na casa como se fosse sua própria. Assustado, Eliphas procurou descobrir quem era aquele rapaz. O jovem disse que, embora não o conhecesse, ele sabia tudo sobre sua vida, tanto seu passado quanto seu futuro, e continuou, dizendo: Sua vida está regulada pela lei inexorável dos números. Sois o homem do Pentagrama e os anos terminados pelo número cinco sempre vos foram fatais. Olhai para traz e julgai: em 1815 vossa vida moral começou, pois vossas recordações não vão além, em 1825 ingressastes no seminário e entrastes na liberdade de consciência; em 1845 publicastes A Mãe de Deus, vosso primeiro ensaio de síntese religiosa, e rompestes com o clero; em 1855 vós vos tornastes livre, abandonado que fostes por uma mulher que vos absorvia e vos submetia ao binário. Notais que se houvésseis continuado juntos, ela vos teria anulado completamente ou teríeis perdido a razão. Partistes em seguida para a Inglaterra; ora, o que é a Inglaterra? Ela é o Iod da Europa atual; fostes temperar-vos no princípio viril e ativo. Lá vistes Apolônio, triste, barbeado e atormentado como estavas naquele período. Mas esse Apolônio, que vistes era vós mesmo; ele saiu de vós, entrou em vós e em vós permanece. Vós o revereis neste ano de 1865, mais bonito, radioso e triunfante. O fim natural de vossa vida está marcado (salvo acidente) para o ano de 1875; mas se não morrerdes neste ano, vivereis até 1885.

    Após isso, riu-se e incitou Levi com ambições e alusões à sua grande capacidade mágica e erudição. Além disso, durante todo o tempo, mostrou desprezo pela figura de Cristo e ainda disse:Vós negastes minha existência, chamo-me Deus. Os imbecis denominam-me Satã. Para o vulgo chamo-me Juliano Capella. Meu envelope humano tem vinte e um anos; ele nasceu em Bordéus; tem pais italianos.

    O estranho visitante, então partiu, e jamais os biógrafos de Eliphas Levi encontraram qualquer traço do mesmo. O ano de 1865, como ele tinha predito, foi triunfal para Eliphas, pois a publicação de sua Ciência dos Espíritos trouxe-lhe enorme reputação entre os ocultistas de seu tempo.

    Da vida para a História

    Em 31 de maio de 1875, como o visitante daquele dia havia profetizado, Eliphas Levi falece. Sua morte transcorreu sem agitações. Com coragem e resignação, ele se manteve calmo, pois sabia que sua missão havia sido realizada, tanto no que diz respeito a realizações externas como espirituais. Deixou poucos bens materiais, já que sempre viveu humildemente. Em seu testamento, deixou apenas manuscritos e algumas obras de arte em nome de pessoas próximas, e também algo para a caridade.

    Eliphas Levi não foi só um grande ocultista, mas um grande homem. Não se dedicou apenas a descobrir e desenvolver suas habilidades mágicas; seus feitos não eram o objetivo do caminho verdadeiro, mas uma consequência; o efeito das experiências de contato com o Deus que sempre habitou em seu coração. Eliphas procurava a conexão com o saber maior; queria desenvolver seu espírito para que ele rompesse a prisão do dualismo e superasse o universo das ilusões e das aparências. Seus livros são chaves que ajudam os iniciados a abrir portas, descobrindo a sabedoria dos mais diversos planos de existências. Através de seus estudos pode-se compreender a verdadeira Kabbalah, a qual permite entender o mecanismo da vida e da criação nos mais diversos planos de existência.

    Acima de tudo, Eliphas demostrou ser um exemplo, de como se devem portar os grandes mestres ocultistas, agindo com humildade, calma e sabedoria; permitindo que sua aura permeie o ambiente e transmita a Luz em todas as direções. Deixando para a humanidade, como sua grande e maior obra, a própria vida.

    PRIMEIRA PARTE A CIÊNCIA DOS ESPÍRITOS

    INTRODUÇÃO

    Deus ou o espírito criador, que a ciência é forçada a admitir como primeira causa;Deus que é a hipótese necessária na qual se ligam todas as certezas;O homem ou o espírito criado cuja vida aparente começa e termina, mas cujo pensamento é imortal;O mediador ou o espírito do Cristo homem sobre-humano pelo pensamento, Deus humanizado pelo trabalho e pela dor:Tal é o tríplice objeto da ciência dos espíritos. O homem, nada podendo conceber acima de si mesmo, idealiza-se para conceber Deus. O Cristo, por seus sublimes pensamentos e suas admiráveis virtudes, realizou esse ideal. É, pois, em Jesus Cristo que se deve estudar Deus, e como o mediador é também o protótipo e o modelo da humanidade, é ainda nele que se deve estudar o homem considerado exclusivamente sob o ponto de vista do espírito. A ciência dos espíritos se resume pois, inteiramente, na ciência de Jesus Cristo. Os anjos e os demônios são seres puramente hipotéticos ou lendários; pertencem à poesia e não poderiam pertencer à ciência. Contentemo-nos com os homens, estudemos Jesus Cristo e procuremos Deus. Quanto menos definimos Deus, mais somos forçados a acreditar nele. Negar o Deus indefinido e desconhecido, princípio existente e inteligente do ser e da inteligência, é afirmar temerariamente a mais vaga e a mais absurda de todas as negações; também Proudhon, essa contradição encarnada, pôde dizer com razão que o ateísmo é um dogma negativo e constitui a mais ridícula de todas as crenças:a crença irreligiosa. Mas um Deus definido é necessariamente um Deus finito, e todas as religiões pretensamente reveladas de uma maneira positiva e particular desabam logo que a razão as toca; não há senão uma religião, e Vítor Hugo disse bem quando bradou: Protesto em nome da religião contra todas as religiões. Se Deus tivesse autorizado somente Moisés, não teria permitido Jesus. Se tivesse autorizado somente Jesus, não teria permitido Maomé. Não pode aí haver senão uma lei divina, mashá, nesse baixo mundo, uma multidão de juízes e uma grande multidão de advogados que tentam rebater incessantemente, apesar de seus perpétuos desabamentos, a Babeldas contradições humanas. Pascal, esse ateu tão religioso, esse cético supersticioso que duvidava de tudo em presença da lógica inexorável dos números e que acreditava no deus dos Jansenistas baseando-se num amuleto, Pascal, que, contra a sua própria vontade, não era católico porque queria ser excessivamente católico, não teve medo de afirmar que é mais garantido acreditar nos dogmas da Igreja Romana, a única a ameaçar com o inferno aqueles que não aderem a esses dogmas, como se uma ameaça não-humana fosse uma razão e como se, em matéria de fé, fosse legítimo que o medo superasse a confiança.

    Produzir trevas para aumentar o medo, redobrar a obscuridade dos mistérios, exigir a obediência cega, é a magia negra das religiões; é o segredo dos sacerdócios ambiciosos que querem substituir a divindade pelo sacerdote, a própria religião pelo templo e as virtudes pelas práticas. Esse foi o crime dos Magos que pereceram por uma reação fatal: esse foi o crime dos sacerdotes hebreus, contra os quais Jesus veio protestar, e que crucificaram Jesus. O quê?! O céu nos imporia uma lei rigorosa, sancionada por suplícios eternos, e não deixaria claro e evidente para todos a própria promulgação dessa lei! Como?! A verdade, ou antes, o livro fechado que a contém seria o quinhão exclusivo de alguns fanáticos inexoráveis, e a humanidade quase inteira seria abandonada às oscilações do erro e à fatalidade de uma maldição infinita! Só é maldito aquele que pode acreditar nisso. O Deus que ele adora assemelha-se a esses monstruosos ídolos do México, cujos lábios eram incessantemente umedecidos com corações sangrando. Uma religião exclusiva não é uma religião católica. Católica quer dizer universal. Apoderar-se das forças fatais e dirigi-las para fazer delas a alavanca da inteligência, esse é o grande segredo da magia. Apelar às paixões mais cegas e ilimitadas em seu impulso, submetê-las a uma obediência de escravo, é criar a onipotência. Desse modo, colocar o espírito sob o império do sonho, exaltar ao infinito a cobiça e o medo por meio de promessas e ameaças que serão tomadas por sobrenaturais porque serão contra a natureza, fazer um exército da imensa multidão de cabeças fracas e de corações lassos que se tornarão generosos por interesse ou por temor, e com esse exército conquistar o mundo: eis o grande sonho sacerdotal e todo o segredo político dos pontífices da magia negra. Ao contrário, esclarecer os ignorantes, libertar as vontades, libertar os homens do medo e dirigi-los pelo amor, tornar acessíveis a todos a verdade e a justiça, impor à fé apenas as hipóteses necessárias à razão, e conduzir assim todos os povos a um Dogma único, simples, consolador e civilizador: essa é a realidade divina, e foi isso que o Evangelho deu ao mundo. O Evangelho é o espírito de Jesus, e esse espírito é divino. Eis nossa profissão de fé claramente formulada sobre a divindade de Jesus Cristo. Minhas palavras são espírito e vida, disse esse revelador sublime; nada disso se refere à carne. O Evangelho é a história de seu espírito. Não é a crônica de sua carne. Homem pela carne, Deus pelo espírito. Ele morreu e ressuscitou. Se viverdes de meu espírito, disse a seus Apóstolos, vossa carne será minha carne e vosso sangue será meu sangue, e essas coisas tão eminentemente espirituais, materializadas pela estupidez dos teólogos bárbaros, deram-nos hóstias sangrentas e comunhões antropofágicas. É chegado o tempo de não mais confundir o espírito com a carne. A ciência dos espíritos é o discernimento do espírito, e quando o espírito de Jesus Cristo. for compreendido, esse espírito que a Igreja chama e adora sob os nomes de espírito de ciência, espírito de inteligência, espírito de força, espírito de iniciativa ou de conselho, e, por conseguinte, espírito de liberdade, quando esse espírito, repetindo, for compreendido, já não se pedirão oráculos ao sono, à catalepsia, ao sonambulismo ou às mesas giratórias. A ciência dos espíritos tem por base o conhecimento do espírito de Jesus Cristo, que é a mais alta expressão das aspirações inteligentes e magnéticas da humanidade. Jesus, o homem de luz e de bondade, foi pressentido e saudado antecipadamente pelos iniciadores de todos os cultos. O Egito,sob o nome de Horus, adorava-o dormente ainda no seio de Ísis; a Índia o chamava de Krishna e o suspendia nas mamas de Devaki; os Druidas elevaram uma estátua à virgem que devia gerá-lo; Moisés e os profetas preludiaram com magníficos ditirambos a epopeia dos Evangelhos; Maomé o reconhece e só protesta contra a adoração idolátrica de sua carne. A humanidade é, pois, cristã desde o início do mundo. Vestida à moda indiana, egípcia, judaica ou turca, em toda parte a humanidade é a mesma e o dogma é universal. Proclamemos, pois, hoje, a catolicidade do mundo e não excomunguemos nem mesmo aqueles que querem isolar-se num céu cujas nuvens de glórias e formariam dos vapores de uma fogueira onde queimaria sob eles e por eles quase toda a humanidade. Um tempo virá, e ele está próximo, em que tais ideias inspirarão em todo mundo um terror tal, que não se ousará mais professá-las em voz alta, e que a memória dos inquisidores de todos os cultos será condenada por sua vez, e para sempre, pela inquisição do desprezo. Uma das grandes pirâmides do Egito estava semioculta pelas montanhas de areia. De século em século, as bordas nômades do deserto amontoaram sobre elas construções híbridas e imundícies, de modo que não a enxergávamos mais. Um grande príncipe chega, ele quer desaterrar esse lugar para ali construir um templo; escava-se em redor do monte de lixo, ele é escalado, derrubado, e a grande pirâmide reaparece em toda sua majestade. Isso é uma apologia. A guerra da filosofia contra a Igreja não a destruirá, mas a libertará; porque a Igreja é a sociedade dos homens, animada pelo espírito de Jesus Cristo. À medida que as superstições religiosas, ou antes, irreligiosas descem, o Evangelho sobe; ele é estável, eterno e inabalável, quadrado na base e simples como as pirâmides. Há sempre uma lógica no poder; forças sem razão seriam forças sem alcance e, por conseguinte, sem efeito. Se o Evangelho é um poder, existe uma lógica no Evangelho.

    A lógica ou a razão, o logos do poder supremo, é Deus. Essa razão, essa lógica universal, ilumina todas as almas razoáveis. Ela resplandece nas obscuridades da dúvida;atravessa, penetra, dilacera as trevas da ignorância, e as trevas não podem compreendê-la, pegá-la, encerrá-la e aprisioná-la. Essa razão fala pela boca dos sábios;resumiu-se em um homem que, por isso, foi chamado de logos feito carne, ou grande razão encarnada. Os milagres desse homem foram milagres de luz, isto é, de inteligência e de razão. Ele fez os homens compreenderem que a verdadeira religião é a filantropia. A palavra é moderna em francês, mas encontra-se textualmente em grego no evangelho segundo São João. Ele os fez ver que não é nem em tal cidade, nem sobre tal montanha, nem no templo que se deve procurar Deus, mas no espírito e na verdade. Seu ensinamento foi simples como sua vida. Amar a Deus, isto é, ao espírito e à verdade, mais do que a todas as coisas, e ao próximo como a vós mesmos, eis, dizia ele,toda a lei. É dessa forma que ele abria os olhos dos cegos, que forçava os surdos a ouvirem e os coxos a caminharem direito. As maravilhas que operava nos espíritos foram contadas sob essa forma alegórica, tão familiar aos orientais. Sua palavra tornou-se um pão que se multiplica; seu poder moral, um pé que caminha sobre a sondas, uma mão que apazígua as tempestades. As lendas se multiplicaram com a admiração cada vez maior de seus discípulos. São contos encantadores, semelhantes aos das Mil e Uma Noites, e era digno dos séculos bárbaros, que acreditamos ter ultrapassado e que ainda não terminaram, tomar essas ficções graciosas por realidades materiais e grosseiras, discutir anatomicamente a virgindade maternal de Maria, estabelecer entre as mãos de Jesus uma padaria invisível e milagrosa para multiplicar os pães no deserto, e ver correr um sangue globular e seroso, um sangue antropofágico e revoltante, sobre as brancas e puras hóstias que protestam contra o sangue e que anunciam para sempre a consumação do sacrifício. O Evangelho pertence à ciência apenas como monumento da fé, e não como documento da história. É o símbolo das grandes aspirações da humanidade. É a lenda ideal do homem perfeito. Essa lenda, a Índia já havia esboçado ao contar a maravilhosa encarnação de Vishnu na pessoa de Krishna. Krishna é também filho de uma virgem. A casta Devaki amamentando seu divino filho encontra-se no Panteão indiano e parece uma imagem de Maria. Perto do berço de Krishna encontra-se a figura simbólica do asno; a mãe leva a criança para livrá-la de um rei ciumento que queria matá-lo. Se os Vedas não fossem anteriores ao Evangelho, acreditar-se-ia que tudo isso é cópia de nosso Novo Testamento. Quer dizer que tudo isso é desprezível e nada contém de divino? Acreditamos que é necessário chegar a uma conclusão diametralmente oposta. O espírito do Evangelho é eterno e sua fórmula é a das aspirações da humanidade tão antigas quanto o mundo. A ideia de uma encarnação, isto é, de uma manifestação de Deus no homem, encontra-se em todos os dogmas dos

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