A Floresta De Ad Finem
()
Sobre este e-book
Relacionado a A Floresta De Ad Finem
Ebooks relacionados
Duas Vidas ao Seu Lado: Um conto de amor Nota: 0 de 5 estrelas0 notasSobre Pedras e Flores Nota: 0 de 5 estrelas0 notasPara Sempre: A Escolha Nota: 0 de 5 estrelas0 notasAmor Assassino Nota: 1 de 5 estrelas1/5sabores Nota: 0 de 5 estrelas0 notasBranco Como Trigo Nota: 0 de 5 estrelas0 notasSempre Siga Seu Sonho Nota: 0 de 5 estrelas0 notasEntrelinhas Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA Outra Face Do Mundo Nota: 0 de 5 estrelas0 notasEu Tinha Mais Historias Para Contar, Mas Escolhi Apenas 22 Nota: 0 de 5 estrelas0 notasFé, Brigas E Doses De Steinhaeger Nota: 0 de 5 estrelas0 notasLaços de Alma Nota: 0 de 5 estrelas0 notasRisos E Lágrimas Nota: 0 de 5 estrelas0 notasBoneca de Pano: Drama, suspense, emoção e muita adrenalina. Nota: 0 de 5 estrelas0 notasHiatos E Pontos De Vista Nota: 0 de 5 estrelas0 notasSonho Esventrado Nota: 0 de 5 estrelas0 notasTodas as Mães Merecem o Paraíso Nota: 0 de 5 estrelas0 notasAs coisas que a vida esqueceu de me ensinar Nota: 0 de 5 estrelas0 notasImpuros Nota: 0 de 5 estrelas0 notasMagias Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDesaparecidos Nota: 0 de 5 estrelas0 notasExício Nota: 0 de 5 estrelas0 notasSilêncio De Um Inocente Nota: 0 de 5 estrelas0 notasUma prova de que sou esperança Nota: 0 de 5 estrelas0 notasJulia Jones - A Fase da Adolescência - Livro 1 - O Meu Mundo em Ruínas Nota: 5 de 5 estrelas5/5Cartas Para A Angústia E Outros Contos Nota: 0 de 5 estrelas0 notasNa Obrigação De Ser Feliz Nota: 0 de 5 estrelas0 notasEstava Escrito Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA Mensageira Selvagem: O empreendedorismo como jornada de reconexão com o feminino Nota: 5 de 5 estrelas5/5Contos De Ninguém Para Coisa Alguma Nota: 0 de 5 estrelas0 notas
Religião e Espiritualidade para você
Capa Preta Nota: 4 de 5 estrelas4/5Entendes o que lês?: um guia para entender a Bíblia com auxílio da exegese e da hermenêutica Nota: 5 de 5 estrelas5/5Contos Eróticos Para Mulheres Nota: 5 de 5 estrelas5/5As Pombagiras E Seus Segredos Nota: 5 de 5 estrelas5/5Massagem Erótica Nota: 4 de 5 estrelas4/5Kamasutra Ilustrado Nota: 2 de 5 estrelas2/550 Banhos Poderosos Nota: 5 de 5 estrelas5/5Mulheres Que Correm Com Os Lobos Nota: 0 de 5 estrelas0 notasManhãs com Spurgeon Nota: 5 de 5 estrelas5/5Bíblia: Um estudo Panorâmico e Cronológico Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO Livro Mestre De Feitiços & Magias Nota: 5 de 5 estrelas5/5A sala de espera de Deus: O caminho do desespero para a esperança Nota: 5 de 5 estrelas5/5A Quarta Dimensão Nota: 5 de 5 estrelas5/5Odus Nota: 5 de 5 estrelas5/5Tudo que Quiser é Seu Nota: 4 de 5 estrelas4/5Umbanda para iniciantes Nota: 4 de 5 estrelas4/530 minutos para mudar o seu dia Nota: 5 de 5 estrelas5/5Curso Básico De Violão Nota: 4 de 5 estrelas4/5Pecadores nas mãos de um Deus irado e outros sermões Nota: 5 de 5 estrelas5/5Apocalipse Explicado Nota: 5 de 5 estrelas5/5Devocional da Mulher Vitoriosa 4 Nota: 4 de 5 estrelas4/5O Livro de Urântia: Revelando os Misterios de Deus, do Universo, de Jesus e Sobre Nos Mesmos Nota: 4 de 5 estrelas4/5Como Liderar Pessoas Difíceis: A Arte de Administrar Conflitos Nota: 5 de 5 estrelas5/5Lições de liderança de Jesus: Um modelo eterno para os líderes de hoje Nota: 5 de 5 estrelas5/5Talmude Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA voz do silêncio Nota: 5 de 5 estrelas5/5A Chave da Liberdade Emocional: Troque o centro e tudo transforme Nota: 4 de 5 estrelas4/5De Eva a Ester: Um relato sobre grandes mulheres da Bíblia Nota: 5 de 5 estrelas5/5As cinco fases do namoro Nota: 4 de 5 estrelas4/5Estresse, ansiedade e depressão: Como prevenir e tratar através da nutrição Nota: 5 de 5 estrelas5/5
Categorias relacionadas
Avaliações de A Floresta De Ad Finem
0 avaliação0 avaliação
Pré-visualização do livro
A Floresta De Ad Finem - Diana Machado
A Floresta de Ad Finem
Diana Machado
2009
1
Em
memória
daqueles
que
partiram e que fazem e vão fazer
muita falta ao longo de minha
jornada,
meu
avô
Hélio
Machado, meu sogro Ademir C.
Rangel e Antenor A. Gomes.
2
SUMÁRIO
01 – À primeira vista.................................................................05
02 – Três balas..........................................................................33
03 – A um passo da morte.......................................................53
04 – Despedida..........................................................................57
05 – Mudança............................................................................70
06 – A história de Agatha.........................................................92
07 – A invasão.........................................................................120
08 – Pesadelo..........................................................................142
09 – Fáuzi.................................................................................162
10 – O primeiro passeio.........................................................180
11 – Por trás da porta.............................................................203
12 – Confiança........................................................................214
13 – Ramule.............................................................................243
14 – A floresta de Ad Finem...................................................272
15 – Perdidos na floresta.......................................................308
16 – O resgate de uma alma..................................................340
17 – A enferma........................................................................361
18 – Aprendendo a ouvir........................................................383
19 – Preparativos e luta..........................................................414
20 – Bolo e tragédia................................................................454
21 – O resgate.........................................................................474
22 – Uma esperança...............................................................488
3
23 – A rainha dos vampiros...................................................501
24 – A árvore dourada............................................................529
25 – Rais..................................................................................559
26 – De volta a caverna dos vampiros..................................584
27 – A partida..........................................................................602
28 – De volta a Urwah.............................................................615
29 – Último dia........................................................................645
30 – Conhecendo o passado.................................................661
31 – Traição e morte...............................................................679
4
Capítulo I
À Primeira Vista
Os primeiros raios de sol entraram pela janela, com
certeza seria um belo dia de sol, mas não foi esse fabuloso sol
entrando pela janela que me fez acordar. Um cheiro de álcool
misturado a perfume barato estava no ar. Era insuportável inalar
aquele cheiro, virei para o outro lado e identifiquei o motivo,
minha adorável
mãe já havia retornado de sua noitada
.
Ainda sentia um pouco de sono, mas levantei arrastando
meu cobertor e joguei-me no sofá da sala, totalmente
desanimada. Estaria na escola se fosse possível, mas estava
acontecendo algo estranho comigo, algo que eu nunca
conseguiria explicar. Eu passava os dias sentada no sofá
fingindo assistir televisão enquanto pensava seriamente em
minha vida.
Minha última expulsão sugou todas as esperanças que
ainda restavam em minha alma de se tornar um ser inteligente e
bem-sucedido. Como sempre, eu estava irritada pelos
comentários com relação a minha mãe. Resolvi que deveria tirar
satisfações com um garoto da escola e acabei enfiando os pés
pelas mãos, não consegui dar uma resposta a altura e sem
5
saber como, o fiz sufocar até atingir a cor roxa, quando percebi,
ele já estava quase que sem ar, parei de alguma forma o que
estava fazendo e assustada comecei a chorar pedindo
desculpas, mas isso não resolveu o meu problema. O garoto
ficou tão assustado que saiu correndo, contou ao diretor o que
tinha acontecido (e é claro que o diretor entendeu tudo de outra
forma, ou então, a fogueira seria o lugar ideal para mim). Depois
disto, fui expulsa e Gelda desistiu de tentar me manter na
escola.
Não há nada de novo na televisão, apenas os mesmos
desenhos, as mesmas mortes, acidentes e perdas.
– Perdas!
– essa palavra é tudo para mim, não há nada
em minha vida, apenas as perdas. Parece que algo em mim se
perdeu e nunca vou conseguir encontrar ou descobrir o que é.
O mundo não é feliz, não existe felicidade. Meu coração
sufoca mais e mais conforme os dias passam como se estivesse
parando de bater cansado deste corpo sem vida. Sinto o ar faltar
e algo me segura todos os dias neste sofá, porque se nada me
segurar, eu me entregaria para a morte, me jogaria pela janela
monótona da sala a qual me encontro. Todos os dias tudo é
igual, agarro-me num abraço com força para tentar colocar a
cabeça no lugar e não entrar em desespero, mas enganar minha
consciência não é fácil. A janela me chama e fico a imaginar
6
como Gelda ficaria se perdesse sua única e sem graça filha?
Talvez apareça no noticiário do dia seguinte com o seguinte
titulo: – "Garota de dezesseis anos pula do oitavo andar de um
prédio na periferia de São Paulo, policia investiga se foi
acidente, suicídio ou assassinato."
Talvez, eu nem apareça nas páginas dos jornais se isso
acontecer. Uma garota da periferia, pobre, morando em um
prédio condenado pela defesa civil, prestes a desabar a
qualquer momento, com uma mãe que sequer se importa com
ela e que talvez trabalhe como prostituta para pagar o seu vício
com a bebida, não é lá um grande anúncio para o noticiário.
Eu me separo do meu abraço e sinto a janela me
chamando, eu não quero levantar, mas não aguento mais viver
do jeito que vivo, com esse abandono, com essa culpa por ser o
que sou. Estou me aproximando cada vez mais e mais, quando
enfim toco na janela fazendo um movimento para abri-la, o som
de uma campainha toca no meu consciente, eu não quero
atender, quero acabar de uma vez com tudo isso, mas mais uma
vez a campainha toca e Gelda acorda gritando irritada.
– Pelo amor de Deus Dandara, atende logo essa porta! –
ela grita, e meu único instinto neste momento é bufar de raiva e
sentir os músculos enrijecerem, ela deve estar com dor de
cabeça de tanto beber.
7
Fui em direção a porta e a abri com certa violência, mas
então fiquei frustrada e espantada e vi o quanto sou tão imatura
por querer soltar minha ira numa criatura tão agradável que
sempre que possível é a minha melhor companhia.
– Bom dia Dan! – cumprimentou Geraldino com um
sorriso nos lábios.
Ele sim era feliz, mesmo com sua insuportável mãe
sempre infernizando sua vida, ele sabia ser feliz e tinha o sorriso
mais bonito que já havia visto.
– Trouxe pão para você. – ele entrou com um pacote na
mão, indo em direção a cozinha onde largou o pacote em cima
da mesa. – Não é lá grande coisa, mas pelo menos hoje você
terá um café da manhã decente. – completou ao retornar para a
sala.
– Com certeza e graças a você! – tenho muito a
agradecer, Geraldino sempre me ajuda, mesmo roubando alguns
pães de sua casa e deixando sua mãe furiosa. – Sua mãe não
vai se irritar?
Ele deu de ombros e respondeu:
– Que diferença faz? De qualquer forma ela vai gritar
comigo o resto do dia.
8
Isso era verdade! Geraldino era obrigado a ouvir sua mãe
reclamar todos os dias dos mesmos problemas, incluído
problemas relacionados a seu pai.
Tio Geraldo é fabuloso, é o pai que eu não tenho, porém,
não trabalha e passa a maior parte do tempo jogando baralho
em um bar próximo ao prédio com uma roda de amigos nada
confiáveis.
Meu tio não se esforça para procurar emprego e
definitivamente odeia a palavra trabalho, mas por mais estranho
que possa parecer, é impossível não encontrar dinheiro em seus
bolsos. Uma vez o observei arrancar do bolso da calça um bolo
repleto de notas altas e achei aquilo bem estranho.
Outro dia, enquanto aguardava Geraldino na porta do
apartamento dele, ouvi tia Gertrudes conversando com sua
amiga sobre seu casamento e como foi que ela havia conhecido
meu tio.
– Foi amor à primeira vista. – começou ela com uma voz
um tanto doce, mas que logo se tornou amarga. – Nos casamos
rapidamente, tive pouco tempo para conhecê-lo de verdade e
logo após, Geraldino nasceu. Foi horrendo descobrir quem ele
era e não há uma noite na minha vida em que me deito na cama
pensando que tudo não passa de um pesadelo e que quando me
9
levantar na manhã seguinte tudo vai voltar a ser como era antes
de conhecê-lo.
Minha tia não podia ter um coração, sem tio Geraldo,
Geraldino não existiria. E o que seria de mim sem meu melhor
amigo por perto? Não quero nem imaginar o tamanho desta dor
se isso fosse possível. Olhando-o ali, sentado ao meu lado no
sofá, recordo as palavras de minha tia e não há um dia em que
não pense nelas com total intensidade.
Conforme os dias e os anos vão passando, Geraldino
está ficando mais alto e cada vez mais bonito nada parecido com
sua mãe ou seu pai. As garotas do bairro passam a maior parte
do tempo tentando chamar sua atenção, algumas conseguem,
outras continuam tentando. Algumas vezes ele me conta de seus
namoros e vive a perguntar dos meus, como se ele já não
soubesse a minha resposta.
– Beijar? Eu? Você sabe que não beijo ninguém. –
resmunguei tentando não alterar minha voz e mostrar minha
irritação enquanto sentia um calor ruborizar minhas bochechas.
– Como não? Você é tão bonita! Deixe-me descrevê-la
neste momento: pele branca, cabelo castanho escuro e longos
que em alguns dias parecem estar cacheados nas pontas e liso
quando você utiliza uma escova e olhos tão azuis como o mar. –
Geraldino sempre descrevia como eu era para mim mesma na
10
tentativa de fazer eu me sentir melhor, mas isso não ajudava em
nada, sempre que me descrevia como pele branca eu pensava
automaticamente na palavra pálida.
Meus cabelos?
Volumosos e feios.
Meus olhos? Sim isso era algo que eu
possuía de belo, mas somente isso, não havia mais nada em
mim que poderia ter graça aos olhos de um garoto.
– Não adianta tentar me animar, sei que todos na escola
me chamavam de pálida e que até tinham me apelidado de
estranha fantasma
. – respondi com certa amargura na voz
lembrando-me dos velhos tempos de escola. Esperei alguns
segundos imaginando a resposta de Geraldino, mas ele ficou
quieto apenas fitando-me, então continuei: – Além disso, não me
interesso por nenhum dos garotos que já vi na minha vida.
– Ninguém? – ele perguntou surpreso com um sorriso
enquanto observava eu balançar a cabeça positivamente. –
Como ninguém? Quer dizer que não sou bonito o suficiente para
você?
Encarei-o com uma careta imaginando o quão convencido
ele estava se tornando e onde terminaria aquela brincadeira.
– Você anda convencido hein? Você é bonito, mas é meu
primo e eu jamais disputaria a sua atenção com as outras
garotas do bairro.
11
O que eu disse pareceu engraçado para Geraldino e ele
começou a rir. Dei-me por vencida e cai na risada também.
Rimos juntos por longos minutos até que nos cansamos e ele
retornou ao assunto.
– Outras? – perguntou ele pensativo. – Tem razão, é isso
que muitas delas são; outras
. Não há nenhuma com quem eu
consiga pensar no futuro ou que me faça sentir qualquer outro
sentimento a não ser desejo, mas ainda somos jovens, e algum
dia encontraremos a pessoa certa para nossas vidas. Aquele
que se casar com você será abençoado, além de casar com uma
mulher extremamente bonita, terá uma grande amiga,
companheira e apaixonante esposa, qualquer homem vai querer
disputar sua atenção.
Senti minhas bochechas queimarem mais uma vez, não
havia necessidade de ouvir aquelas palavras. Geraldino me
achava perfeita, mas eu não conseguia acreditar nisso e sequer
em um futuro na minha vida. Para não continuar naquele
assunto que me encabulava, foquei meu cérebro na destruição,
na minha própria destruição. Nada do que ele dizia era verdade,
apenas gracejos para me animar.
– Você ainda é jovem, tem tempo ainda, mas eu me sinto
velha a cada dia que passa. – acrescentei observando a
expressão de espanto de meu primo com minhas palavras.
12
– O quê? Você só tem dezesseis anos e já se sente
velha? Não sei o que fazer com você Dan, a cada dia que passa,
fico mais preocupado.
– Não sei o porquê de tanta preocupação, eu sei me
cuidar, é o que faço melhor depois de todos estes anos.
Geraldino passou longas horas conversando comigo,
dando-me um pouco da felicidade que faltava em meu ser. No
final do dia despediu-se e saiu cantarolando para o seu novo
encontro.
Naquela tarde, terminei os meus afazeres e pensei em
dar uma volta, não sabia ao certo para onde ir e odiava fazer
isso, mas eu precisava andar um pouco. Quando eu surgia na
rua, as pessoas encaravam-me como se eu fosse uma espécie
de alienígena, além de ser estranha
, não ter amigos e não se
comunicar com os vizinhos, eu tinha um péssimo mau-gosto
para se vestir. Gelda não comprava roupas, graças à bebida não
sobrava muito para isso, então tinha que me contentar com as
roupas que recebia como doação de membros da família. O
problema é que muitas delas eram de quando meu primo tinha o
meu tamanho, ou seja, eu me vestia como um garoto, mas isso
para mim era indiferente, para quê se vestir bem? A quem eu
queria impressionar? Não havia ninguém para impressionar,
então para quê roupas novas e femininas?
13
Há uma floresta próxima a vizinhança, não é comum as
pessoas entrarem nela, principalmente com o fim do entardecer,
mas o que eu tinha a temer?
Caminhei
pelas
árvores
observando
as
luzes
desaparecerem logo atrás de mim, a lua estava cheia e
extraordinariamente bonita, ela era a única luz me indicando
onde poderia haver uma árvore, andei com cautela para não
tropeçar e após alguns minutos de caminhada encontrei uma
clareira, havia um tronco caído no solo e sentei observando tudo
a minha volta. Fechei os olhos e tentei me concentrar nos
barulhos dos animais, não havia muitas espécies por ali, com
certeza, com o crescimento da cidade logo aquele pequeno
lugar deixaria de existir.
O barulho de um galho se partindo me assustou, olhei em
volta, mas não havia nada, então retornei para meus
pensamentos sórdidos.
Quando me tornei adolescente, cheguei à conclusão que
Gelda não poderia ser minha mãe, éramos diferentes
fisicamente, eu sou branca como um copo de leite e ela morena,
quase negra.
Certo dia, ouvi minha mãe e minha tia trancadas dentro
do quarto conversando, como sempre Gelda chegou tarde da
noite e bêbada, e eu estava com meu tio e Geraldino no
14
apartamento deles jogando baralho. Estava divertido, mas o
sono e cansaço venceram. Despedi-me dos dois e fui para o
meu apartamento, quando toquei na maçaneta da porta do
quarto ouvi uma conversa que destruiu um pouco mais a minha
vida.
– Gelda, você precisa mudar minha irmã! – resmungava
tia Gertrudes enquanto a amparava. – Que exemplo está dando
para sua filha?
– Que filha? Eu não tenho filha!
Não sei ao certo se entrei em estado de choque com
aquelas palavras, ou se minha alma havia decidido de uma vez
por todas abandonar meu corpo, senti as lágrimas molharem
minhas bochechas e o ar me faltou, se fosse preciso gritar,
nunca conseguiria, não naquele momento. Deslizei apoiada na
parede até o chão e apoiei minha cabeça em meus joelhos.
Sempre acreditei que fosse parecida com meu pai, um pai que
não existia e que era criação de Gelda.
A conversa prosseguia lá dentro, tentei acalmar meu
coração que mais parecia uma orquestra de tambores fora do
ritmo, para continuar ouvindo o que diziam.
– Do que você está falando? Ficou maluca? – questionou
tia Gertrudes com uma voz tão surpresa quanto eu estava. –
15
Estou falando da sua filha, Dandara. Lembra-se dela? Ou está
tão bêbada que sequer sabe qualquer coisa?
– Ah sim Dandara! Como posso me esquecer dela? Sua
mãe a entregou em meus braços numa noite chuvosa dizendo
que voltava logo sem nem ao menos perguntar meu nome ou se
era possível eu ficar com ela. Ela simplesmente desapareceu!
Minhas lágrimas cessaram quando Gelda começou a
falar, precisava ouvir com clareza e entender, não poderia fazer
uma avaliação de forma desonesta sem antes ouvi-la.
– Eu fiquei a sua espera por quase uma hora, e como ela
não apareceu, trouxe a menina para casa, era tão pequenina,
tão perfeita! Tinha olhos tão lindos, foi amor à primeira vista! Ela
não é linda Gertrudes? Foram os anjos que me presentearam.
Não pude evitar, tive que olhar pela fresta da porta para
ter certeza de que aquelas palavras saíam da boca de Gelda,
ela naquele momento segurava um porta-retrato em suas mãos
com uma única foto minha de quando eu era um bebê.
Não sei se tia Gertrudes ficou mais perplexa pela notícia
ou se pelo fato de Gelda me amar.
Um movimento demonstrou que alguém estava próximo
da porta, era minha tia, então me escondi no banheiro na
tentativa de ela não me ver.
16
Tia Gertrudes passou pela sala de estar bastante irritada,
isso foi fácil de perceber porque assim que ela passou pela porta
a bateu com violência.
Voltei para a sala de estar arrasada e sentei no sofá, tudo
estava às escuras e era disto que eu precisava naquele
momento. Como um bebê, eu não passava de um ser
desprezível abandonada pela própria mãe. Novamente as
lágrimas despencaram, como se não bastasse o pouco amor
que recebia de minha mãe bêbada, não tinha nem mesmo um
sobrenome, com certeza, todos os meus documentos eram
falsos, eu simplesmente não existia.
A floresta parecia ser um bom refúgio, talvez um pouco
perigosa durante a noite, bandidos, estupradores ou psicopatas
poderiam surgir a qualquer momento e me levar deste mundo,
ou quem sabe algum vampiro insaciável por sede de sangue.
Geraldino ri quando falo de seres sobrenaturais, mas não há
sentindo existir um universo tão grande com apenas humanos
habitando e destruindo tudo o que há pela frente, deve haver
algo mais grandioso e esplêndido, mas apenas poucos são
escolhidos para vê-los e é claro que eu não estou nesta lista.
O céu ficou nublado de repente, a lua e algumas poucas
estrelas desapareceram. Tudo se tornou uma escuridão total,
não conseguia mais enxergar as árvores. Um trovão sacudiu o
17
céu ao longe, uma chuva estava a caminho, senti um pouco de
frio com o vento que vinha em minha direção, estava apenas
com uma camiseta básica e calça jeans. Encolhi-me abraçando
minhas pernas, não queria voltar para casa, não queria
abandonar aquela escuridão.
Um par de olhos brilhantes piscaram por entre as árvores,
senti um arrepio percorrer minha espinha, depois de alguns
segundos, eles estavam me encarando, pensei que poderia ser
um gato, mas era extremamente grande, não poderia ser nem
mesmo um cão.
Um relâmpago caiu por entre as árvores fazendo-me pular
em pé devido ao susto e olhei para a criatura no exato momento
em que o raio caiu. Eu sei que foi muito rápido, mas não era um
gato, um cachorro, ou algo parecido com que eu já tivesse visto
em minha vida. Ele era grande e peludo como um cão, grande o
suficiente para ter mais ou menos uns dois metros de altura caso
se levantasse nas patas traseiras. Possuía um focinho e uma
boca tão cheia de dentes como um cachorro, que pareciam ser
bem grandes e afiados. Não havia nenhum animal descoberto
cientificamente até aquele momento que se encaixasse em
algum perfil como o deste. Para pessoas como eu que acreditam
no sobrenatural, ele se encaixava no termo homem X lobo,
conhecido folcloricamente como, lobisomem.
18
Continuei encarando a criatura à espera do próximo
relâmpago, pelo instinto que todo ser humano possuí, diante de
uma situação como essa, a primeira atitude a se tomar seria
correr, mas eu não conseguiria, não sentia medo, apenas
curiosidade, vontade de me aproximar, mesmo correndo o risco
de morrer.
Os olhos sumiram após alguns minutos e lá vinha o novo
relâmpago, olhei na mesma direção, mas não havia mais nada,
ele não estava mais lá. Olhei em volta na esperança de que ele
tivesse mudado de lugar, mas não tinha mais nada ali a não ser
eu e como sempre sozinha.
A frustração me invadiu, não era justo chegar tão perto de
algo que nem todos tinham visto ainda e não ter a oportunidade
de tocá-lo.
Respirei fundo domando minha frustração e decidi que
era hora de voltar para o apartamento. O caminho foi árduo, não
dava para enxergar quase nada, mas enfim, consegui com
alguns arranhões nas mãos e nos braços. Quando entrei no
apartamento, Gelda não estava mais no quarto, isso me animou
um pouco, detestava a presença dela se trocando para sair.
Quando deitei na cama, demorei a pegar no sono, não
conseguia tirar aqueles olhos da minha cabeça, olhava pela
19
janela esperando que ele aparecesse a qualquer momento,
quando enfim adormeci a chuva caiu lá fora.
Quando acordei pela manhã, meu corpo estava dolorido,
Gelda já estava em sua cama roncando como sempre. Fui até a
cozinha e não havia mais nada nos armários. O único motivo
pelo qual não passava fome era meu tio e meu primo, isso eles
jamais permitiriam. Ainda era cedo para meu doce primo
aparecer com um saco de pão, só me restava esperar um pouco
mais.
Sentei no sofá sem conseguir tirar aquela criatura da
cabeça, aqueles olhos me encarando, eram perfeitos, cheios de
devoção e fixação. Liguei a televisão na tentativa de me distrair,
mas além da imagem que estava péssima e cheia de chuviscos,
por algum outro motivo que não sei explicar, ela se tornou preta
e branca, com certeza isso não prenderia nunca minha atenção.
Comecei a trocar de canal e parei em um desenho
animado, e para me aguçar ainda mais, os mocinhos
enfrentavam um lobo grande e feroz. Que ironia do destino, eu
tentando me distrair pensando em outras coisas e não consigo
porque as encontro pelos caminhos aos quais eu ando.
Estava achando o desenho engraçado quando um
barulhinho estranho chamou minha atenção, comecei a procurá-
lo e percebi que vinha da janela, olhei incrédula para a ave que
20
estava no parapeito do lado de fora, ela batia insistentemente no
vidro e parecia a ponto de quebrá-lo.
– Não pode ser! Não existem araras-azuis voando pela
cidade de São Paulo. Será que ela fugiu do zoológico?
Devagar me aproximei da janela para observá-la mais de
perto, era enorme e muito linda, insistente ela continuou a bicar
o vidro, parecia haver algo preso em seu pescoço, com cautela,
abri a janela na esperança de que ela não rangesse assustando
a ave ou caísse em cima dela, tudo naquele prédio estava
automaticamente se destruindo, aquela janela não era aberta há
anos.
Apesar do barulho da janela, a ave não se assustou,
continuou parada à minha espera. Era linda! A ave mais incrível
que já vi em toda a minha vida, depois do lobo, é claro!
Aproveitei que ela continuava ali e acariciei sua cabeça, ela piou
e parecia gesticular para que eu retirasse o papel de seu
pescoço, foi o que fiz logo em seguida e quando estava com o
pedaço de papel em mãos, ela levantou voo.
Não fiquei frustrada com sua partida, consegui tocá-la e
não havia motivos para decepção. O papel sobre minha mão era
velho e amarelado, estava dobrado de uma forma que parecia
ser fácil e prático para um pássaro carregar, sentei-me no sofá
encarando o papel e imaginando quem havia colocado isso em
21
uma arara. E desde quando araras fazem o serviço do correio?
Eu deveria lê-lo?
Curiosa, eu o abri, estava direcionada para mim. Fiquei
pasma! Quem me escreveria?
Querida Dandara
Esta carta será um pouco curta. Não sei ao certo o que te
escrever, tenho tanto para falar, mas deixarei para dizer tudo
pessoalmente.
Quem lhe escreve é o seu tio William. Sinto-me
emocionado e empolgado por enfim poder fazer isso. Sei que
deve ter sofrido muito nos últimos anos, não sabe o quanto
demorei a encontrá-la, foi muito difícil. As dúvidas pairavam
sobre minha cabeça durante todos estes anos imaginando se
estaria viva.
Meu único desejo no momento é trazê-la para o meu lado,
para o lado de nossa família, para o lado daqueles que a amam.
Embora não nos conheçamos, eu a amo desde o dia em que
entrou em minha vida.
Logo estarei ao seu lado.
Do seu tio William.
22
Eu li e reli aquela carta sem conseguir acreditar nas
palavras, meu coração disparava diante de cada uma delas, a
emoção me dominou de tal forma que senti as lágrimas caindo
dos meus olhos, mas desta vez eram lágrimas de alegria, de
esperança, enfim havia alguém de minha verdadeira família à
minha procura, alguém que acima de tudo tinha a capacidade de
amar sem nem ao menos saber como era o ser que ele amava.
Mas quando ele virá?
Ainda sem conseguir acreditar no conteúdo daquela carta
corri até o apartamento de meu primo, queria mostrar a carta
para ele e obter uma segunda opinião, talvez estivesse me
iludindo.
Aproximei-me do apartamento que era em frente ao meu
e bati na porta insistentemente, normalmente faço isso para
irritar minha tia caso ela ainda estivesse em casa, mas naquele
momento era por pura ansiedade.
– Meu Deus! Que insistência Dandara. Aconteceu algo? –
perguntou meu tio ainda de pijama ao abrir a porta.
– Não tio, ainda não aconteceu nada. – podia acontecer a
qualquer momento, então essa era a resposta ideal. – É que
hoje eu recebi uma carta e preciso de uma segunda opinião. –
expliquei rapidamente entregando a carta para meu tio ler.
23
Tio Geraldo olhou pelos dois lados da folha com uma
expressão incerta, fez uma careta e dirigiu-se a mim:
– Sente-se bem? – tio Geraldo perguntou colocando a
mão em minha testa como se estivesse medindo minha
temperatura.
Não entendi sua pergunta, mas com uma careta se
formando respondi balançando a cabeça positivamente.
– Que tipo de brincadeira é essa, Dan? Você me tira da
cama tão cedo para me mostrar um mero pedaço de papel sem
nada, não há nada escrito aqui. Você não é mais criança para
esse tipo de brincadeira.
Como assim? Eu podia ver as palavras escritas naquela
folha, estavam ali. Eu podia vê-las, porque ele não?
Meu tio ficou encarando-me incrédulo sem dizer nada,
retirei a carta de suas mãos com uma careta ainda mais feia e
voltei para o meu apartamento. Sentei no sofá e fiquei
questionando se depois de tantos problemas eu havia enfim
enlouquecido e imaginado toda aquela situação, e o lobisomem?
Com certeza, também era um fruto dessa loucura.
Passei a tarde toda pensando em tudo isso, Geraldino
apareceu por volta das três horas da tarde, assim que ele
passou pela porta não consegui esconder que o esperava e me
24
lancei em sua direção assim que ele entrou quase que o
derrubando.
– Uau! Não imaginei que sentia tanta falta de mim. –
Geraldino caçoou fazendo-me corar.
– Não seja bobo! Preciso que me diga o que vê neste
papel, palavra por palavra. – disse colocando a carta em suas
mãos.
Como seu pai, Geraldino também olhou a carta dos dois
lados sem nada enxergar. Assustada, deixei-me cair sobre o
sofá e fiquei a encarar o teto enquanto meu primo lançava um
olhar confuso sobre mim.
– Você está bem? – ele perguntou sentando-se ao meu
lado.
– Honestamente, não sei! Ou melhor, quando é que eu
estou bem? – essa era uma pergunta verdadeira.
Geraldino não respondeu, ainda estava com uma
expressão confusa no rosto, então continuei antes que as
perguntas surgissem.
– Eu recebi essa carta de um tio chamado William, na
qual ele diz que agora que me encontrou, vai vir me buscar para
ficar ao lado de minha família, provavelmente ele deve ser irmão
de minha mãe, ou de meu pai, só que... Não sei como... Apenas
25
eu consigo ver o conteúdo da carta. – expliquei bufando com a
carta em mãos.
– Nada de desespero prima! Talvez um pouco de
descanso faça bem. Porque não aproveita e dorme um pouco?
Talvez todo esse stress seja por motivos de sono. – tentou
Geraldino me consolar.
– Talvez tenha razão, estou tão cheia de mim mesma que
estou até imaginando coisas.
Geraldino ficou por pouco tempo, despediu-se com um
abraço e deixou-me a mercê da loucura, não estava tão cansada
o quanto ele pensava, dormir com Gelda roncando não estava
em meus planos, queria conversar com alguém, por isso, não
pensei duas vezes, fui ao apartamento de meu tio decidida a
desabafar, talvez ele pudesse aconselhar-me.
Bati na porta com a mesma insistência de sempre, desta
vez tia Gertrudes atendeu a porta e ficou irritada ao perceber
tratar-se da minha pessoa.
– Ah! É você! – exclamou ela sem entusiasmo deixando-
me plantada na porta e voltando para a cozinha.
Entrei sem ser convidada e segui minha adorável
tia.
– O que você quer? Seu tio está no bar como sempre e
seu primo, provavelmente com alguma garota fácil, algo que não
falta neste bairro. Esse menino vai acabar com o futuro dele
26
andando com gente assim. Sabe o que quero dizer não? Gente
como você.
É claro que minha irritação neste momento aumentou. Eu
não consegui dar uma resposta à altura. Tia Gertrudes deixou-
me de lado e começou a preparar uma vitamina de frutas no
liquidificador fingindo que eu não estava lá. Minha raiva se
direcionou para os objetos como era comum acontecer, logo
tudo estava se mexendo, panelas, móveis e até mesmo o
liquidificador. Tia Gertrudes assustada começou a gritar.
Contrariando minha própria vontade, deixei o apartamento
ouvindo o som de pratos espatifando-se no chão assim que
fechei a porta. Aquilo era muito estranho!
Voltei para o apartamento e para meu espanto Gelda
estava sentada no sofá envolvida por um cobertor assistindo
televisão. Será que havia acontecido algo grave? Não era
comum ela se sentar no sofá e assistir televisão. Devia estar
doente. Em pleno verão, envolvida por um cobertor? O calor
naquele apartamento era insuportável.
– A televisão não era colorida? – ela perguntou quando
entrei fechando a porta.
– Sim era, mas creio que por algum defeito ela ficou
assim. – expliquei tentando raciocinar.
27
– Deve estar achando estranho eu sentada aqui
assistindo televisão. – Gelda começou a falar ao notar o meu
choque por vê-la ali. – Faz tanto tempo que não faço outras
coisas. Coisas comuns para seres humanos, até mesmo você,
eu abandonei.
Sim eu estava abandonada, mas que diferença isso faria
agora? Sentei ao seu lado no sofá e esperei o momento
desabafo começar, isso acontecia quando ela não tinha dinheiro
para a bebida e provavelmente estava doente demais para fazer
programa e ganhar algum dinheiro para isso. Seria uma longa
tarde...
– Meu Deus o que fiz comigo mesma? – Gelda perguntou
enquanto passava a mão sobre as rugas de seu rosto. – O que
fiz com você? Deveria ter lhe dado uma vida melhor. Uma família
melhor! – ela disse isso, mas com certeza não se referindo a ela,
a ideia de uma família não fazia jus a ela.
– Eu sei como se sente... – tentei acalmá-la antes que as
lágrimas começassem. –... Sobre essa dor que nunca acaba.
– Eu te causo dor, não causo?
Eu a encarei amedrontada. Dizer ou não a verdade? Por
pior que Gelda fosse não era o momento certo para lhe causar
dor, não estava preparada para lágrimas naquele momento.
28
– Só um pouco, mas agora já está tudo bem! Eu sei que
não é minha mãe, mas não me importo. Deve haver razões para
eu estar na sua vida e você na minha. Razões das quais, não
conseguimos compreender... Pelo menos... Não ainda... Mas eu
me sentiria mais confortável se pudesse me contar como tudo
isso começou.
Eu estava tranquila, mas não deveria ter dito a verdade,
isso a faria desabar em prantos, mas para minha sorte, ela
apenas me olhou incrédula pelo fato de eu estar calma.
– Era uma tarde chuvosa... – ela começou a contar
encarando a janela, agora lá fora começava a chover. –... Chovia
bem mais do que hoje. Eu estava indo para o trabalho quando
sua mãe esbarrou em mim e pediu quase que implorando para
eu olhar você por alguns minutos. Parecia desesperada! Sequer
me permitiu dizer que não era possível. Fiquei plantada na
calçada embaixo de um toldo de uma pizzaria com você em
meus braços por quase uma hora, como sua mãe não voltou, eu
a trouxe para minha casa. Fiquei um pouco assustada no
começo, eu sabia que você não teria uma vida boa ao meu lado,
mas também temia procurar pela policia e então eles a levariam
para outro lugar. Que garantias eu teria de que este lugar seria
bom para você? Isso é engraçado, sabe? – sussurrou Gelda no
final.
29
– O que é engraçado? – perguntei tentando entender o
que ela estava imaginando.
– Com tantas pessoas no mundo, porque justo eu? Acho
que nada acontece por acaso.
Sim, Gelda estava filosofando e isso era impossível de se
acreditar, estava se tornando assustador.
– Como ela era? – perguntei na tentativa de saber se eu
era parecida com minha mãe.
– Se parecia com você, mas não tinha os olhos azuis, era
um pouco mais alta e o que chamava a atenção eram suas
roupas, ela usava um vestido de galã muito bonito e elegante,
deveria estar em alguma festa naquele dia, e embora estivesse
chovendo e escuro, deu para perceber que era tão bonita e
muito jovem para ser mãe, talvez tivesse a sua idade naquela
época, ou quem sabe, fosse até mais jovem que você.
Refleti sobre o que ela disse, e pensei que se isso
acontecesse comigo, talvez ficasse apavorada. Ser mãe não era
para qualquer pessoa e talvez minha mãe naquele momento
estivesse cheia de problemas e com medo de ter uma criança
para cuidar pelo resto de sua vida. Ora, ela deveria ter
enfrentado os seus problemas e não passado eles para frente
como um objeto qualquer.
30
– Obrigada Gelda, por me esclarecer este capitulo da
minha vida.
Agradeci a ela com um beijo no rosto e deixei-a sozinha,
precisava andar um pouco, com certeza isso me faria sentir
melhor.
Capítulo II
31
Três Balas
Completei dezessete anos, agora faltava pouco para a
maioridade. Não tenho vontade de fazer coisa alguma neste dia
sórdido, talvez andar pela floresta, mas só durante a noite, quem
sabe, enfim, eu não ganho um presente dos deuses e revejo
aquela bela criatura.
Há dias que eu estava fazendo isso, quase todas as
noites perambulava pela floresta em busca de vê-lo, mas nada
acontecia, nenhum sinal de que ele estava próximo. Queria tanto
essa chance e se fosse possível um diálogo, pediria que me
mostrasse o seu mundo, o seu lugar especial e os próximos a
ele.
O tempo estava lindo lá fora, o sol de verão estava
fazendo o asfalto ferver.
Ganhei um presente de Gelda e foi o melhor que já
ganhei em toda a minha vida, no dia seguinte, partiria para ver
meu avô Moacir. Já faz alguns anos que não vou ao sítio e lá é
um dos melhores lugares do mundo, o único lugar onde
realmente sou feliz, mesmo que por poucos dias.
Passei o meu aniversário na companhia de meu primo,
ele me levou ao shopping e gastou o suficiente para deixar
32
minha tia louca, mas é claro que ele disse que eu não deveria
me preocupar, meu tio tinha fornecido o dinheiro. Então não
havia como não ficar preocupada, afinal eu não sabia de onde
brotava aquele dinheiro. Apesar da preocupação, pela primeira
vez não me importei de ele querer me vestir como mulher, o que
me irritou foi a tristeza de Geraldino.
– O que aconteceu com você? – perguntei quando nos
sentamos na praça de alimentação para tomar um sorvete.
– Nada de mais. – ele respondeu sem vontade. – É que
você nem partiu e já estou com saudades.
– Não se preocupe! São só alguns dias e depois estarei
de volta para te deixar louco da vida. – lembrei-lhe com um
sorriso.
– É, são só alguns dias! – Geraldino enfatizou
desanimado e demonstrando saber de algo que eu não sabia.
Ele percebeu meu olhar curioso e mudou sua expressão
rapidamente. – Vamos tomar logo esse sorvete, você precisa de
biquínis, não pode ir para a cachoeira de camisetão e calça
jeans.
Não gostei muito da ideia de usar um biquíni, seria a
primeira vez, mas não custava tentar, se não me acostumasse à
ideia, a deixaria de lado.
33
Quando voltei para casa estava abarrotada de sacolas,
nunca em toda a minha vida comprei tanto, foi sem dúvida algum
agrado de meu tio. Meu medo era descobrir de onde ele tirava
esse dinheiro. Eu não tocava mais neste assunto com meu
primo, ele sabia de onde vinha e se chateava muito com isso.
Larguei as sacolas no chão da sala e fui com meu primo
até o seu apartamento, era hora da despedida, não daria para
vê-los pela manhã, Gelda me levaria a Rodoviária bem cedo.
Meu tio estava estendido no sofá quando entrei, estava
assistindo uma partida de futebol. Ele abraçou-me quando me
aproximei e parabenizou-me pelo aniversário.
– Que Deus lhe dê muitos anos de vida e sabedoria.
Espero que tenha gostado dos presentes. Você precisa causar
uma boa impressão ao seu avô. Não me agradaria nada se ele a
visse usando roupas de menino, ele com certeza tiraria dinheiro
do próprio bolso para vesti-la melhor e como sei que sua
situação não anda lá tão boa, resolvi eu mesmo o problema.
Tio Geraldo gostava bem mais do meu avô que as
próprias filhas.
– Obrigada tio, nem sei como agradecer.
– Não precisa! Eu fiz porque gosto de você e de seu avô,
e não há duas pessoas que mereçam tanto nesta família como
34
vocês. Vou sentir sua falta e espero que se divirta muito, terá
muito tempo para isso, claro.
Muito tempo? Como assim? Que coisa estranha! Meu tio
também parecia chateado, ele me abraçou tão apertado que
senti que não o veria mais, logo ele me soltou e ficou com um
olhar ainda mais triste.
– Faça uma boa viagem!
Não consegui dizer nada, então apenas agradeci
balançando a cabeça.
Olhei para meu primo e o abracei com força, era
exatamente um abraço parecido com o de meu tio, quando me
separei dele o olhei e a expressão de seus olhos parecia querer
dizer algo, mas por algum motivo ele não disse nada.
Voltei para o meu apartamento com o coração apertado,
estava empolgada com tantas emoções, então aproveitei para
arrumar minha nova mala, agora não precisava mais da antiga
que já havia deixado pronta, mas já que parecia que não haveria
retorno coloquei os velhos casacos de Geraldino na nova mala,
lá o inverno é rigoroso. Quando terminei, coloquei meu velho
pijama e fui dormir um pouco. Temia que essa suspeita fosse
real, mas amaria viver ao lado do meu avô.
Pela manhã senti cheiro de café fresco, levantei e quando
entrei na cozinha, Gelda já estava em pé saboreando um bom
35
gole de café, já estava arrumada para sair e com a bolsa ao seu
lado, então sem dizer nada, fui me preparar.
Se despedir de Gelda não era tão difícil, é claro que como
meu primo e meu tio, ela estava estranha e triste. Durante o
trajeto para a rodoviária elogiou minhas roupas novas e disse
que agradeceria ao meu tio pelos presentes, mas apenas isso.
Ela tentava puxar conversa comigo, mas eu não conseguia
manter uma aproximação a ponto de sentir entusiasmo para falar
qualquer coisa, estava ansiosa demais para isso e não havia
assuntos interessantes para se falar com Gelda.
Próximo do portão de embarque, sua expressão ficou
ainda pior.
– Está tudo bem? – perguntei antes da despedida.
– É que vou sentir sua falta.
Ela me abraçou após dizer isso, foi um abraço demorado,
aquilo comprovava o que eu pensava, eu não voltaria mais. Senti
meus olhos ficarem marejados diante daquela perspectiva, mas
não permiti que as lágrimas caíssem, pelo menos não naquele
momento.
Separei-me do abraço sem encará-la nos olhos e fui para
o ônibus, não olhei para trás e mesmo que o quisesse fazê-lo
não conseguiria. Já dentro do ônibus e acomodada em minha
36
poltrona, permiti que as lágrimas caíssem. Queria saber o motivo
de não poder mais voltar e porque todos sabiam menos eu? O