Armando Dias Tavares/depoimentos
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Armando Dias Tavares/depoimentos - Armando Dias Tavares Jr./marília Tavares Hagen
Armando Dias Tavares/Depoimentos
Criação e transmissão do conhecimento.
Um longo caminho...
Armando DIAS TAVARES Jr.
Marília TAVARES HAGEN
3
Sumário
Prefácio - 5
O Armando que conhecemos merece ser acompanhado pelos dois
grandes baluartes da língua portuguesa, que citamos: - 5
Apresentação - 7
Capítulo 1 - Paraninfo da turma de 1960 da Escola Estadual João
Alfredo - 18
Capítulo 2 - Saudação aos calouros de Física da UEG - 21 de março
de 1972 - 26
Capítulo 3 - Paraninfo da turma de bacharéis em Física da UEG de
1974 (26 de dezembro de 1974) - 28
Capítulo 4 - Paraninfo da turma de bacharéis em Física da UERJ
de 1976 (21 de dezembro de 1976) - 38
Capítulo 5 - Paraninfo da turma de bacharéis em Física da UERJ
de 1978: Um pouco de história - 47
Capítulo 6 – Paraninfo da turma de Licenciados em Física da
UFRJ de 1981 - 55
Capítulo 7 - Formação de pessoal docente e de pesquisa em Física.
Nexo entre Ensino e Pesquisa - 67
7.1. O Ensino com o objetivo de formação de pesquisadores.- 67
7.2. Sumário e sugestões finais - 78
Capítulo 8 - Um Método de Ensino da Física Geral e Experimental
- 81
8.1. Transferência da aprendizagem - 81
8.2. Exercícios e Problemas - 82
3
Capítulo 9 - Semana de Estudos Americanos - 104
Capítulo 10 - O Instituto de Física da UERJ em 1983 - 108
10.1. A pesquisa no Instituto de Física - 108
10.2. Características dos professores entrevistados - a trajetória de
vida e a escolha de carreira - 112
10.3. Entraves institucionais para efetivação da relação
ensino-pesquisa - 116
10.4. A relação ensino-pesquisa: a concepção do embrião - 123
Capítulo 11 - Universidade e Pesquisa - 139
Capítulo 12 - Um pouco de história e a pesquisa tecnológica - 164
Apêndice A - Alguns anos depois: Armando Dias Tavares Jr. e seu
discurso de Paraninfo à Turma de Física UERJ em 28 de agosto de
2013 - 176
Apêndice B - Memorial: Joaquim da Costa Ribeiro, meu pai -
Paulo Edmundo de Leers Costa Ribeiro - 186
Referências - 189
5
Prefácio
O Armando Dias Tavares que conhecemos merece ser acompanhado pelos dois baluartes da língua portuguesa, que citamos:
O pregar há-de ser como quem semeia, e
não como quem ladrilha ou azuleja.
Ordenado, mas como as estrelas: Stellae
Que outrem possa louvar manentes in ordine suo. Todas as estrelas esforço alheio,
estão por sua ordem; mas é ordem que faz
Cousa é que se costuma e se influência, não é ordem que faça lavor. (...) deseja;
Aprendamos do céu o estilo da disposição, e
Mas louvar os meus próprios, também o das palavras. As estrelas são arreceio
muito distintas e muito claras. Assim há de
ser o estilo da pregação; muito distinto e Que louvor tão suspeito mal muito claro. E nem por isso temais que me esteja;
pareça o estilo baixo; as estrelas são muito
E, pera dizer tudo, temo e distintas e muito claras, e altíssimas. O
creio
estilo pode ser muito claro e muito alto; tão
claro que o entendam os que não sabem e Que qualquer longo tempo tão alto que tenham muito que entender os curto seja;
que sabem. O rústico acha documentos nas
Mas, pois o mandas, tudo se estrelas para sua lavoura e o mareante para te deve;
sua navegação e o matemático para as suas
observações e para os seus juízos. De
Irei contra o que devo, e serei maneira que o rústico e o mareante, que não breve.
sabem ler nem escrever entendem as
estrelas; e o matemático, que tem lido
quantos escreveram, não alcança a
Os Lusíadas - Canto III entender quanto nelas há. Tal pode ser o sermão: – estrelas que todos veem, e muito
Luís de Camões poucos as medem.
Sermão da Sexagésima
Padre António Vieira
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Acho que essa estrofe de tão grande poema sintetiza em parte a personalidade de Armando Dias Tavares, filho de português com brasileira, à época em que os imigrantes morriam como moscas de febre amarela e tuberculose, esta última ceifando indistintamente vidas brasileiras e estrangeiras. Avesso a autopromoção e dedicado ao trabalho duro e a resultados, acreditando na capacidade dos brasileiros de serem muito mais desenvolvidos e educados do que se cria naqueles tempos, lutou por toda vida sabendo que sem isso não se consegue sair do lodaçal físico e moral reservado aos brasileiros. Passados mais de trinta anos de sua morte podemos ver, e veremos, ao longo deste breve apanhado de alguns de seus discursos e trabalhos, como Armando Dias Tavares antevia a desgraçada situação em que nos encontramos neste momento1. Quanto à outra citação, alude à sua capacidade de ensinar, de ser professor e de querer partilhar, com todos, conhecimentos de onde cada um tirasse lições pessoais, De maneira que o rústico e o mareante, que não sabem ler nem escrever entendem as estrelas; e o matemático, que tem lido quantos escreveram, não alcança a entender quanto nelas há. Tal pode ser o sermão: estrelas que todos veem, e muito poucos as medem. , e as usassem para avançar nas próprias vidas, assim contribuindo para a sociedade e para as gerações futuras.
Teremos avançado ou retrocedido? Deixo para o leitor refletir à luz dessas compiladas linhas.
1 Não só ele, mas também outros, como Rui Barbosa, já percebiam tal descalabro: De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.
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Armando Dias Tavares
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Apresentação
No dia 27 de fevereiro de 1917, nasce no subúrbio de Bonsucesso, onde a família possuía propriedades, Armando Dias Tavares, e por lá reside por grande parte de sua vida, desde a infância, passando pela adolescência e ali atingindo a maturidade. Por graves problemas de saúde na infância é alfabetizado apenas aos nove anos de idade.
Perde todos os seus parentes próximos no curto intervalo de 5 anos. Com isso, Armando passa a morar na casa deixada por sua mãe, sozinho, conseguindo prosseguir em seus estudos, apenas com muita dificuldade, com a ajuda de um tio. Foi dileto aluno de eminentes mestres italianos, entre os quais Luigi Sobrero e Francesco Mamana, contratados pelo Governo Federal, para lecionar na então recém criada Faculdade Nacional de Filosofia. E ali, com muito esforço e dedicação, forma-se Bacharel em Matemática em 1941. Logo depois, em 1942 conclui a Licenciatura em Matemática. Inicia as suas atividades de magistério e de pesquisa, dedicando-se inicialmente à Matemática, de onde transitou para a Física, instrumentalmente tão dependente daquela. Na objetividade e humildade inerentes ao seu espírito, mais adiante passa a dedicar-se à investigação experimental dos fenômenos físicos, logo desempenhando as funções de assistente do eminente professor e pesquisador Joaquim da Costa Ribeiro, descobridor do efeito termo-dielétrico, bem pouco conhecido pela comunidade cientifica mundial como efeito Costa Ribeiro.Terminados os cursos de Bacharelado e Licenciatura, torna-se funcionário da Faculdade Nacional de Filosofia, onde então como assistente do Professor Costa Ribeiro, começa a trabalhar em pesquisas, inicialmente estudando o efeito
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descoberto por seu mentor. A essa época, ainda solteiro, dedica-se quase que unicamente ao estudo e a pesquisa, e nesse caminho, foi fundador e editor da Revista Científica em 1950 .
O ano de 1952 é marcante na vida de Armando, pois torna-se membro da Academia Brasileira de Ciências, onde sempre fez questão de publicar seus trabalhos, numa atitude patriótica, que manteve ao longo de sua vida. Neste mesmo ano se casa com Doramia de Almeida Tavares, permanecendo em sua companhia até sua morte em 1988, tendo com ela tem seis filhos.
Nesse período é aprovado em concurso público para o magistério da Prefeitura do Distrito Federal e começa lecionar em Santa Cruz. Desse trabalho no ensino de Física para alunos do então curso Científico, começa a estruturar uma linha de pesquisa em Ensino de Física, tendo origem aí o seu opúsculo O Ensino da Física (1960).
A essa época começa a lecionar já como Professor Catedrático Interino de Física Matemática da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Instituto La Fayette, tendo anteriormente já lecionado na Escola de Especialistas da Aeronáutica, na Faculdade de Nacional de Filosofia (1948 -
1960) e na Escola Técnica do Exército. Em 1954 ampliou o seu raio de ação indo ajudar na formação da Escola de Engenharia de São Carlos, da Universidade de São Paulo, e onde lecionou Física Geral e Experimental.
Isso sem se desligar de suas demais atividades docentes no Rio de Janeiro.
O ano de 1956 foi um outro marcante na vida de Armando, já que foi quando ele mudou-se de Bonsucesso, transferindo sua residência para o bairro de Botafogo. Nesse ano organiza ainda o Movimento Nacionalista Brasileiro, sendo então o seu primeiro Presidente. Cabe lembrar que o 9
Movimento era patrocinado pela União Nacional dos Estudantes e totalmente apartidário. Devido à dificuldade de implementar as atividades de pesquisa na FNFi, o Prof. Armando funda o NEPEC - Núcleo de Estudos e Pesquisas Científicas do Rio de Janeiro, almejando maior liberdade para implementar a pesquisa em Física e Matemática, a exemplo do CBPF, para o qual vários físicos da FNFi haviam se deslocado anos antes com o mesmo objetivo. Anos mais tarde, no NEPEC, verá gorar seus esforços para desenvolver instrumentação nuclear brasileira, voltando-se então para o ensino, passando a construir instrumentação de ensino nas oficinas por ele mesmo montadas e trabalhando na pesquisa do Efeito Costa Ribeiro.
Com base nos preceitos patrióticos que sempre nortearam a vida de Armando, ainda no ano de 1956, ele comanda um movimento que pede a imediata suspensão da exportação de minerais estratégicos, que eram indiscriminadamente exportados, a exemplo do tório que até esse ano era retirado do Brasil em quantidades tão grandes, que ameaçavam exaurir as nossas reservas em curto prazo. Outro exemplo era também o caso das reservas de areias monazíticas, à época estimada em cerca de setenta mil toneladas, e que com o movimento de exportação, logo se transformariam em recurso extinto.
Ainda fulcrado nessa consciência patriótica, Armando mostrou-se um inflamado e convincente orador, quando discursava, sempre se pautando na integridade nacional e comandando um movimento nacionalista que lutava em favor do petróleo em solo e litoral brasileiros e pelo uso e exploração das reservas nacionais de nossos minerais estratégicos, tão importantes que quiçá fosse melhor que não ocorressem em nosso solo.
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Armando Dias Tavares prospectando minerais radioativos usando o Contador Geiger de sua construção.
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No entanto, apesar de todos os empecilhos, Armando sempre acreditou e proclamou que o Brasil era rico em muitos sentidos, propondo então na Escola Técnica do Exército a construção de contadores Geiger Müller, para que se viabilizasse a prospecção de minerais radioativos, incluindo-se aí o urânio, e a determinação de áreas onde esses poderiam ocorrer.
Prospecção de minerais radioativos em Brejaúba/Minas Gerais (Armando sentado à direita)
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Denunciou que as areias monazíticas do Espírito Santo estavam sendo dilapidadas, sendo enviadas ilegalmente para o exterior na forma de lastro de navios estrangeiros. Denunciou ainda, a criação de territórios estrangeiros nos locais ricos em cério e tório.
Devemos lembrar que Brasil daquele momento passava por uma crise muito grande e por uma desmoralização progressiva, onde certos indivíduos insistiam que não havia nem mesmo petróleo em nosso território. O
negativismo era tão grande e vicejante à época que até mesmo tentativas de prospecção de petróleo eram duramente criticadas e ainda mais, murmurava-se sorrateiramente que quem acreditava que o Brasil tinha petróleo era louco.
A luta de Armando contra todo esse descrédito no Brasil, foi uma luta que durou por toda a sua vida, mesmo que em muitos momentos não tenha obtido o sucesso almejado. Além dessas batalhas, muitas outras foram travadas no decorrer de sua existência, como por exemplo liderou, em 1954, um grande movimento contra a exploração do nosso petróleo pelo capital estrangeiro, já naquele ano, finalmente, aceitaram e reconheceram a existência de petróleo em solo brasileiro, tendo ele e muitos professores da Universidade do Brasil ido em passeata ao Palácio Monroe, àquela época a sede do Senado Federal.
De lá foram ao Palácio do Catete falar com representantes da Câmara de Deputados e com o Presidente Vargas para que se apoiasse um programa nacional estatal para a exploração daquele recurso mineral, daí surge a Petrobrás e leis sobre a exploração mineral. Getúlio suicida-se, sendo esse 13
fato um dos geradores da convulsão política que culmina com a chamada revolução de 1964.
Nessa época, já conturbada pela ditadura, o NEPEC assume a posição de um Instituto de Pesquisas, pois a pesquisa é subitamente esvaziada ou limitada no contexto ainda incipiente das Universidades.
Diversos alunos interessados em estudar/pesquisar no campo da energia nuclear começam a trabalhar em Física ou em cursos de Física. As dificuldades eram imensas e Armando é várias vezes chamado a testemunhar nos famosos IPM’s2 em favor de colegas acusados de subversão.
Suas ideias giravam em torno de que a formação de físicos viria a facilitar o aprendizado de toda uma geração. Esta tornar-se-ia melhor capacitada para compreender os conceitos básicos de Física Nuclear ou de qualquer outra ramificação da Física, o que levaria ao domínio de novas tecnologias ligadas à soberania nacional.
Sempre preocupado com a soberania nacional, em 1967 profere palestra na Escola Superior de Guerra, alertando para o perigo da internacionalização da Amazônia. Ali a prospecção de minerais era feita sob o disfarce de diferentes missões humanitárias que trabalhavam com índios. Essas observações causaram grande celeuma na plateia, inclusive com discussões entre militares de patente elevada de diferentes armas.
Por duas ocasiões, em 1967 e em 1969, trabalha em Pisa/Itália com Adriano Gozzini3, tendo ali participado de orientações de tese de láurea de estudantes. Gozzini o convida para trabalhar com ele em Pisa. Declina o convite, por achar que havia ainda muito a fazer no Brasil.