Desquite!
De Samir Horta
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Desquite! - Samir Horta
Desquite!
Clarice enfrentará até o demônio para
se livrar do marido
Samir Horta
Sumário:
1 ............................................................................................................................. 5
2 ........................................................................................................................... 10
3 ........................................................................................................................... 15
4 ........................................................................................................................... 20
5 ........................................................................................................................... 27
6 ........................................................................................................................... 33
7 ........................................................................................................................... 39
8 ........................................................................................................................... 46
9 ........................................................................................................................... 51
10 .......................................................................................................................... 56
11 .......................................................................................................................... 63
12 .......................................................................................................................... 68
13 .......................................................................................................................... 75
14 .......................................................................................................................... 79
15 .......................................................................................................................... 84
16 .......................................................................................................................... 92
17 .......................................................................................................................... 96
18 ......................................................................................................................... 101
19 .........................................................................................................................106
20 ........................................................................................................................ 111
21 ......................................................................................................................... 117
22 ........................................................................................................................123
23 ........................................................................................................................129
24 ........................................................................................................................135
25 ........................................................................................................................140
26 ........................................................................................................................144
27 ........................................................................................................................149
28 ........................................................................................................................155
29 ........................................................................................................................162
Desquite, por Samir Horta
30 ........................................................................................................................168
31 .........................................................................................................................173
32 ........................................................................................................................178
33 ........................................................................................................................183
34 ........................................................................................................................190
35 ........................................................................................................................196
36 ........................................................................................................................201
37 ....................................................................................................................... 206
38 ........................................................................................................................210
39 ........................................................................................................................217
40 ....................................................................................................................... 223
41 ........................................................................................................................ 228
42 ....................................................................................................................... 234
43 ....................................................................................................................... 238
44 ....................................................................................................................... 243
45 ....................................................................................................................... 250
46 ....................................................................................................................... 255
47 ....................................................................................................................... 260
48 ....................................................................................................................... 263
49 ....................................................................................................................... 268
50 ....................................................................................................................... 273
51 ........................................................................................................................ 280
52 ....................................................................................................................... 284
53 ........................................................................................................................291
54 ....................................................................................................................... 295
[ 3 ]
Desquite, por Samir Horta
Dedicado a minha filha Giovanna.
[ 4 ]
Desquite, por Samir Horta
1
— "A mulher está ligada a seu marido enquanto ele viver. Mas,
se o seu marido morrer, ela estará livre para se casar com quem quiser,
contanto que ele pertença ao Senhor.".
Discursou Maria Clara, mãe de Clarice, como se estivesse lendo
o livro de Coríntios na bíblia.
— Até o momento, que eu saiba, Matheus está vivo. Então trate
de obedecer às ordens de Deus.
Clarice passou a mão esquerda sobre a caneca de café sentindo o
vapor que se dissipava no ar e com o polegar esfregava sua aliança de
casamento
tentando
inutilmente
fazê-la
brilhar.
Balançava
freneticamente uma das pernas esperando a chegada de sua amiga Carla
que estava atrasada para um encontro que aumentava ainda mais a raiva
de Maria Clara. Havia enchido a caneca pela terceira vez, mas não bebeu
e Maria Clara fechava a cara cada vez que a garrafa era colocada de volta
na bandeja sem endireitá-la.
A jovem de pele tom chocolate, incomodada, desviava o olhar
em direção a um crucifixo preso na parede a sua frente, mas logo virava
novamente o rosto. O efeito de sombras e luzes da pintura criava uma
ilusão de que a imagem de cristo a observava seguindo seus movimentos
com um olhar tão severo quanto ao de sua mãe, cujo silêncio era mais
intragável do que suas palavras. Dava pra ler nas linhas da pele rugosa de
seu rosto, uma lista de motivos que ela repetiria por dezenas de vezes
para evitar que a filha saísse de casa à noite naqueles dias terríveis.
Uma dama da noite deixava seu rastro forte de perfume entrar
pela fresta fechada da janela da sala do sobrado antigo no bairro Sagrada
Família em Belo Horizonte. Maria Clara não queria que nenhum vizinho
ouvisse seu diálogo e não se importava que se sentissem sufocadas.
— Sabe que ao trair novamente a confiança de seu marido e sair
por aquela porta você vai deixá-la aberta para a entrada do diabo!
Um arrepio frio subiu pela espinha de Clarice. Não era a
primeira vez que mãe profetizava alguma tragédia sobrenatural. Desde o
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Desquite, por Samir Horta
tempo de infância dizia ver sombras caminharem pela casa e
sussurravam o que estava por vir e nunca lhe trouxeram boas noticias.
O marido, Matheus, era um pastor de trinta e seis anos,
fundador da prospera IDFE, Igreja Divina Família Eterna, na região
oeste da capital mineira, mais precisamente no bairro Vista Alegre
próximo ao cemitério Parque da Colina, porem os familiares nunca
ousaram perguntar o motivo de ele morar tão longe de seu local de
trabalho.
Ele herdou dos pais a casa onde morava com a família de
Clarice e após uma discussão em que a mulher insinuou terminar o
relacionamento, ameaçou entrar na justiça para coloca-los na rua
definitivamente. Sempre foi um homem influente e podia pagar bons
advogados e isso aterrorizava os pais da morena de cabelos cacheados.
O pastor estava fora de casa há alguns dias e Maria Clara, que
tinha pesadelos ao imaginar os vizinhos assistindo seu despejo, culpava a
filha e fazia questão de lembrar a ordem do rapaz, que determinou que
ao voltar, a esposa deveria estar dentro de casa o aguardando com um
sorriso no rosto e impecavelmente vestida. Eventualmente Matheus dizia
que iria para algum retiro espiritual, sumia por dois ou três dias, mas
voltava sempre com um semblante iluminado e com o humor um pouco
menos amargo, porem já havia se passado mais de duas semanas e nem
na igreja ele havia dado as caras.
A sogra de olhos pequenos e óculos fundo de garrafa omitia da
filha uma informação que talvez aliviasse a ansiedade da esposa. Não
comentou que alguns fiéis haviam ligado para sua casa dizendo que o
pastor havia deixado dois banners gigantescos, um com a própria foto e
outro com a imagem de Jesus e eles precisavam saber qual ficaria do lado
direito do altar . Na igreja ele havia dito que viajaria a negócios, mas que
voltaria em breve e os fieis não demonstravam preocupação aparente
com sua ausência, mas mesmo na posse da informação, preferiu deixar a
esposa do religioso apreensiva e aumentar ainda mais a sensação de
culpa. Tentando encontra-lo para terminar de resolver assuntos sobre
o pedido de separação, Clarice ligou para os parentes que moravam em
São Paulo, mas ouviu que o rapaz não visitava a família há mais de cinco
anos e que não tinham mais nenhum contato.
[ 6 ]
Desquite, por Samir Horta
Sem encarar a filha que buscava no celular o numero da amiga
Carla, comentou:
— Matheus é um homem justo igual a Ló!
Clarice olhou para trás, na direção da porta que estava trancada
e trêmula conferiu mais uma vez as horas.
— Abra mão de seu orgulho menina. Ele te perdoará e a gente
vai sair dessa fria.
— Não quer saber o que ele me fez, mãe? As paredes escondem
muitas coisas.
Maria Clara desviou o olhar.
— Eu vou manter meu casamento e ir levando a vida até o dia
que Deus resolva olhar pra mim e tirar essa cruz das minhas costas. Se
for isso o que quer.
— Você jurou a Deus, diante do padre, permanecer casada até a
morte! Quer saber? São essas más companhias que estão te
influenciando.
— Está falando sobre Carla? Ela te fez alguma coisa, mãe?
— Sim! Ela disse a você que Matheus está se tornando um
carrasco.
— Talvez ela esteja certa.
— Certa está a bíblia quando diz: "diga com quem tu andas e eu
lhe direi quem és".
— Ela prometeu me ajudar e por isso aceitei o convite. A
senhora sabe muito bem o quanto ela o conhece e eu não me sentiria
bem desmarcando um compromisso em cima da hora.
— Não duvido nada do que aquela devassa será capaz de fazer
hoje. Vai tentar te influenciar novamente. Ela é igual a um demônio que
finge ser um amigo e a esfaqueia pelas costas.
Maria Clara esfregou as mãos no rosto e perguntou:
— Contou a sua amiguinha sobre aquele outro motivo de
Matheus ter que voltar?
Clarice negou balançando a cabeça e a mãe abaixou as armas.
— Vou passar a noite rezando para que o Senhor a proteja e
tampe seus ouvidos para que não ouça os conselhos daquela devassa.
Estavam sentadas frente a frente na mesa da sala de jantar e
observava a roupa que Clarice levou horas para escolher. Um vestido
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Desquite, por Samir Horta
amarelo, no tom de um chama de vela, longo, cujo tecido insistia em
percorrer o caminho de suas curvas e com um decote sutil que somente
a mãe insistia em enxergar além do que podia ver.
A mãe da jovem de vinte e sete anos levantou-se e ajeitou a gola
do vestido da filha
— Quer que alguém a veja desleixada desse jeito?
Clarice ajeitou o cabelo para trás e se endireitou na cadeira
cruzando as pernas e os braços.
— A senhora me amaldiçoa sem sequer me ouvir.
— Eu não sou capaz disso, mas o profeta Samuel nos preveniu
sobre a desobediência. Eu devia acender uma vela e colocar sua mão
sobre a chama até esturricar!
Maria Clara segurou a mão da filha e observou que estava com
uma pequena mancha de tinta. Encarou-a nos olhos e lhe apertou os
dedos com raiva.
— E se o Matheus te vir em um bar com a pior companhia
possível o que será de nós?
— Minha amiga jurou que ela planejou tudo eu confio nela.
— Confia numa perdida! Pra sair às escuras?
— Eu prometo que não farei nada que a envergonhe. Assim que
ela chegar eu saio discretamente daqui e volto rapidinho. Tá bom assim?
Maria Clara sem se convencer cruzou os braços.
Cinco tortuosos minutos depois, Carla parou o carro em frente
à casa de Clarice e buzinou três vezes apressada chamando a atenção de
toda a rua, em seguida colocou a cabeça pra fora da janela e gritou o
nome da amiga voltando a buzinar atiçando os cachorros que latiam
irritados.
A senhora de cabelos brancos arregalou os olhos:
— Santo Deus! Pra quê esse berreiro? O bairro inteiro precisa
saber que você vai sair?
Segundos depois Clarice surgiu no portão de grades da frente da
casa. Eram pouco mais de dez horas. Debruçada sobre a porta do carro
e escondida na escuridão da noite, a amiga não notou que a maquiagem
escondia suas olheiras causadas pelas ultimas noites mal dormidas e
rastros de lágrimas.
Caminhou em direção ao carro sentindo o peso das pernas e
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Desquite, por Samir Horta
uma força a atraindo de volta para casa, como se a mãe a puxasse com
uma corda invisível. Pretendia voltar antes do horário combinado. Sabia
bem o que enfrentaria caso não cumprisse as normas. As amigas se
cumprimentaram com um beijo no rosto e deram as mãos.
— Gostou do meu cabelo novo ultra sexy capaz de deixar
qualquer homem se arrastando aos meus pés?
— Vermelhaço!
— Queria que ficasse lindo igual ao seu, mas é impossível.
O motor do carro fez alguns ruídos estranhos e depois de algum
tempo ligou soltando uma fumaça que tomou conta da rua. A amiga de
Carla olhou para trás observando a entrada da casa que se afastava. Dava
pra ver Maria Clara pelas grades do portão endireitando o capacho antes
de bater a porta.
[ 9 ]
Desquite, por Samir Horta
2
Clarice ajeitou-se com dificuldade no banco do passageiro. Carla
a olhou com o canto dos olhos.
— Não reclame. Aquele seu Monza 89 é pior que meu Celtinha
e você não têm coragem de vender ou doar para um ferro velho.
— Não mesmo. — Respondeu Clarice reclamando do vestido
apertado e lamentando ter comido demais nos últimos dias:
— Queria ter coragem de usar um vestido soltinho e curtinho
assim. Nem dar trabalho pra colocar.
— Na verdade, Lice, é facinho de tirar!
A amiga sorriu com o rosto ruborizado.
— Se quiser te empresto. Temos a mesma altura praticamente.
Não demos sorte e não passamos do um metro e sessenta. O que
importo é que não gosto desse seu jeito cafona de se vestir.
— Não exagere Carla.
— Parece uma beata dos anos 70. Nenhum homem nunca vai te
olhar com essa roupa. Por acaso usa as roupas antigas da dona Maria?
Percebendo que Clarice não gostou do comentário, Carla a
perguntou o motivo pela qual parecia aborrecida. Acostumada com os
comentários algumas vezes vorazes, ajeitou seus cabelos cacheados e
respondeu com uma pergunta enquanto fazia o sinal da cruz.
— Acha que praga de mãe pega?
— Não me diga que ela veio novamente com aquele papo
furado de demônio entrar pela porta.
— Sim, mas dessa vez ela estava tão convicta.
— Fala pra sua mãe que o capeta já está morando com ela faz
um tempão. O nome dele é Matheus e pra ficar perfeito só falta ter
chifres. Você devia, antes de conseguir se divorciar, colocar alguns nele
pra combinar…
A amiga riu pela primeira vez naquele dia. Carla comentou:
— Pobre dona Maria. Da última vez que passei aqui sua mãe
estava com cara estranha. Um semblante sério. Pra falar a verdade uma
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Desquite, por Samir Horta
cara de bunda... Ficou de pé ao lado da caixa do correio picotando uma
carta em milhões de pedacinhos.
— É preocupação. Malditas cartas! Eu mato o Matheus!
— Seu marido manda cartas pra sogra que mora na mesma
casa? Que idiota. Será que ele não muda?
— Não… esquece Si.
— Quer saber. Acho que não é preocupação o que a dona Maria
sente. — E o que seria?
— Sabe quando a mulher fica muito tempo sem transar?
Então… era essa cara. Seu pai dá no couro ainda? Ele tá tão acabadinho.
A cara dela não me engana… mas tem horas que eu acho que ele é até
mudo. Parece um boneco de cera.
— Eles dormem no mesmo quarto, mas em camas separadas.
Clarice pegou um espelho na bolsa e observando o rosto
retocou a maquiagem. Não quis comentar o quanto Maria Clara havia
rezado ao seu lado ao saber que ela sairia com sua amiga e evitou dar
corda a conversa que envolvia seus pais.
— Cara, você precisa dar um jeito nessa tua vida, antes que seja
tarde demais. — Comentou Carla.
— Por que diz isso?
— Eu conheço esse tipinho de homem. Não demora ele te
prender com uma corrente no pé da cama.
— Que horror. Não exagere Carlinha.
— Faz quanto tempo que o canalha não volta?
Ela conferiu a hora e fez os cálculos.
— Vinte e dois dias, quatro horas e alguns minutos.
— Deus seja louvado! Vamos bebemorar! — Berrou Carla
levantando os braços.
Assustada a passageira se esticou para segurar o volante, mas a
motorista logo ajustou a direção do carro.
— Se chegar a trinta dias minha família vai estar em apuros e a
culpa será minha.
— Eu tô ligada que você vai precisar que o canalha volte e
como prometi vou a ajudar resolver essa situação. Você vai conseguir se
livrar dele e ter um lugar pra ficar.
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Desquite, por Samir Horta
Clarice preferiu não confessar, mas queria sim ser a dona de sua
alma novamente. Enterrar seu casamento fracassado em uma cova
profunda que já havia sido cavada por Matheus e onde já estava os restos
mortais da paixão que sentiu no início do relacionamento, mas sequer
tinha forças para mover a terra e deixar no passado seu maldito presente.
Precisava aprender a desatar os nós que a cada dia aumentavam e a
impediam de se libertar: O medo, a necessidade, a fidelidade prometida
diante do padre, oposição da família…
— Você sabe né Lice que nem mesmo a primeira família deu
certo. O casal traiu a Deus, imagine. E um de seus filhos matou o outro
por ciúmes. Isso porque foram unidos pelo criador heim! Sabe o que eu
acho? Que Deus apartir desse dia não permitiu mais que seus anjos
interferissem nos relacionamentos.
— Será que foi daí que surgiu o ditado que em briga de marido
e mulher ninguém deve meter a colher? — Perguntou Clarice forcando
um sorriso.
Enquanto Carla fazia a ultima curva, Clarice abaixou a cabeça e
fechou os olhos com força tentando conter algumas lágrimas que batiam
a porta tentando se libertar. Abriu a bolsa para conferir se levava consigo
a foto de São Golias entre seus documentos e aproveitou para colocar
algumas pulseiras repletas de amuletos, âmbar e pedras. Não acreditava
que fossem mágicas, mas se sentia protegida de alguma forma por elas.
Foram presentes de sua tia Samara, dona de uma loja de artigos
esotéricos próximo ao mercado central, poucas ruas abaixo do local
onde trabalhava.
— Pra que esse tanto de amuleto Lice? Tá com medo de ser
morta? — Estou sentindo um mau agouro, uma presença estranha. É
como se uma entidade espiritual me observasse. Veja meu braço como
arrepiou só de falar!
— Sarava morena! Pé de pato mangalô três vezes!
Clarice passou a mão pelo peito e faz uma careta.
— Alguma coisa me diz que Maria Clara estava certa. Essa noite
eu vou encontrar um demônio.
Ao chegarem à região da Savassi, Carla puxou sua amiga pelas
mãos quase a arrastando em direção ao Restaurante. Clarice de cara
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Desquite, por Samir Horta
fechada caminhava de cabeça baixa. Não queria correr risco de esbarrar
em algum conhecido que iria perguntar sobre o marido. Nas calçadas
repletas de mesas e cadeiras, sempre ocupadas por pessoas de todas as
idades, era quase impossível não encontrar alguém familiar, mas
entretidos com os sabores das cervejas artesanais e musicas ao vivo,
ninguém a notava, mas ela não respirou aliviada. Temia ser vista também
por desconhecidos. Imaginava que os olhares curiosos em direção a sua
pele morena e seus cabelos negros e cacheados quase na altura dos seios,
serviam apenas para afirmar que todos sabiam de seus problemas
conjugais. Talvez aquelas pessoas tivessem uma visão capaz de perceber
as marcas de agressão por detrás da maquiagem que as cobriam
perfeitamente e a julgassem por se sentir incapaz de dar um fim ao seu
relacionamento.
Reclamou que o local estava cheio e pediu a Carla para irem
para um bar discreto na rua de baixo. Temia que Matheus aparecesse.
— Mas não é isso que você quer Lice? Que essa assombração
apareça? — O que acha que aconteceria?
— Se fosse antigamente ele viria de joelhos te pedindo perdão.
É claro!
— Duvido, mas o que você faria nesse caso?
— Se viesse com teatrinho pro meu lado eu esmagava as bolas
dele com meu salto alto.
— Tá. Eu faço isso e depois vou morar debaixo da ponte
sozinha porque meus pais certamente enfartariam...
— Enfartam nada. Só fazem drama.
— Tá e se passarem a me odiar?
— Bobagem.
— Nunca te mostrei o que Matheus guarda na gaveta do
quarto? Carla tentava se lembrar, mas não conseguia. Esticava-se para
ver a mesa no fundo do restaurante.
— Você tá verde Lice. Tá tudo bem?
— Esse cheiro de pão de alho está me dando enjoo. Acho que é
o orégano. Sentiu o futum?
— Pare de frescura. Não invente desculpas pra ir embora. Mais
[ 13 ]
Desquite, por Samir Horta
alguém sabe que viríamos aqui?
— Não. Ninguém. Quer dizer, apenas minha mãe. Ela me fez
contar até o que eu iria comer essa noite.
— Então fica tranquila, porra! Acha que sua mãe a trairia e
contaria para o genro?
Uma hostess orientava os clientes. Aproximou-se com um
sorriso e após conferir os nomes na lista e pedir para ver os documentos
de identidade, comentou:
— Boa noite Dona Clarice! A Senhora está sendo aguardada. O
rapaz que a espera já está à mesa ansioso por sua chegada e encomendou
um excelente vinho! Já vou lhe indicar onde ele está!
Ela arregalou os olhos e encarando Carla gaguejou:
— O que você fez?
[ 14 ]
Desquite, por Samir Horta
3
Clarice continuava paralisada ao lado de Carla na fila do
restaurante.
— Você chamou Matheus? Ele está aqui?
— Claro que não! Fique calma. Eu lhe disse que eu tinha algo
que a ajudaria e vou cumprir a promessa.
Um pouco aliviada se esforçava em parar de imaginar a reação
do marido se a visse em um bar cheio de homens solteiros.
Carla tentando tirar a amiga de seu transe momentâneo falou
bem perto de seu ouvido:
—Você tem que encontrar um cara pra te jogar na cama e te
pegar de jeito. Nada como um cara que fode gostoso pra te libertar desse
estresse. — Tá e depois?
— Encontre um cara rico e resolve sua vida!
— Ah sim claro! Boa ideia e depois de uma semana eu levo
meus pais pra casa desses ricaços?
— Exato! Esses caras alugam apartamentos e dão tudo que
quiser em troca de sexo. Detestam as esposas frescas que não sabem
nem fazer um boquete. Podem até contratar seguranças...
— Você parece que veio de outro planeta. Devia saber melhor
do que eu que trocar de homem é trocar de problema. A única coisa que
preciso é que me ouça.
— Ok, mas se vier com aquele papo de que seu lindo esposo vai
mudar por mágica, como se depois de beijá-lo ele deixasse de ser um
sapo e se transformasse em príncipe, eu te mato. E nem ouse me falar
que a culpa pelo mal caráter do Shrek é sua e blá, blá, blá... Vou logo
avisando que dessa vez eu é que vou te dar uns tapas nos beiços, porque
não aguento mais essa sua conversa fiada. Pau que nasce torto nunca se
endireita e ponto final!
Clarice não reclamou. Em casa o único que a ouvia era seu gato
[ 15 ]
Desquite, por Samir Horta
Basílio, depois que ganhava um pouco de sachê de salmão e deitava no
colo dela para dormir e fingir e compreender suas confissões.
A hostess chamou por elas apontando para o fim do corredor.
Clarice puxou o ar com toda a força de seus pulmões e tentou se
manter calma para não borrar a maquiagem com seu suor. Enquanto
atravessava por entre as mesas observava sutilmente as pessoas no local.
Todas pareciam felizes e isso lhe causava um estranho incomodo. Um
pensamento mais forte a dizia que ela era a única pessoa infeliz naquele
lugar repleto de risos e isso a deixava abatida.
Com um sorriso exuberante Carla apontou para um homem
bem mais jovem do que ela:
— Aquele gato na mesa do fundo é meu novo namorado,
Hamilton!
— E o Marcelo, o amor de sua vida?
— A fila andou. Ele era chato pra caralho!
Enquanto Hamilton gentilmente ajeitava a cadeira para a
namorada ela apontou para um homem que os acompanhava:
— E esse é Carlos. — Apontou Carla enquanto sentava-se ao
lado do namorado.
Sem opção, Clarice ficou ao lado de Carlos e esfregando as
mãos contava até dez para não explodir de raiva. Em silencio olhava
discretamente para Hamilton que beijava Carla de uma maneira que ela
só havia visto em novelas. Era quente e intenso. Dava pra ver as línguas
cruzando. Encabulada, tentava resistir à tentação de olhar para aquele
gesto que parecia que terminaria em um sexo selvagem sobre a mesa ou
em um gemido de orgasmo. Encarava o casal como uma criança que vê
outra de mesma idade comendo um doce. O jeito descontraído e
confiante da moça de cabelos vermelhos demonstrava um domínio
completo sobre seu parceiro. Controlava onde as mãos do rapaz
deveriam estar e o fazia a olhar com desejo. Tinha a habilidade incomum
de uma marionetista. Queria ter ao menos um décimo daquela
habilidade.
No canto da mesa, enquanto Carlos se esforçava para puxar
assunto. Clarice apenas ouvia o murmurinho de dezenas de pessoas
falando ao mesmo tempo e o incomodo som se misturando a música
sertaneja que contava historias de traições. Queria gritar toca Raul!
ou
[ 16 ]
Desquite, por Samir Horta
chutar a mesa e ir embora, mas seu desejo não ultrapassava o limite da
vontade. — Por que o senhor está me olhando? — Perguntou Clarice
desconfiada de Carlos.
— Bonito esse crucifixo em seu bracelete.
Ela escondeu a mão debaixo da mesa a colocando sobre o
joelho. — Por acaso trabalha com joias pra ficar reparando no que as
pessoas usam?
— Eu fui seminarista e tinha uma coleção de crucifixos antes de
abandonar a carreira.
— Nem padre tá tendo fé? Que horror. — Comentou Clarice
arrancando um sorriso indesejado de Carlos.
— Eu defendia uma tese que irritou meus colegas da igreja.
Carlos discursou por alguns minutos sua teoria de que anjos e
demônios se materializavam com formas humanas convivendo em
sociedade Ao menos por alguns instantes o som da musica chiclete
desapareceu e deu lugar ao som da voz do rapaz.
— Demônios podem entrar em nossas casas moço?
— Claro! Esse é o trabalho deles! Divertem-se com isso.
Hamilton ria discretamente da invenção do amigo e Carla não se
conteve:
— Mentira! Carlos deixou o seminário porque não conseguiria
viver o celibato. Esse cara tinha uma namorada linda, mas ela o pegou na
cama com outra. Acredita? Conte pra Lice como foi…
— Não precisa. Eu já imagino como deve ter sido.
A música chata voltou a se tornar estridente na voz aguda da
dupla sertaneja.
— Mas se tornou um grande empresário. — Completou
Hamilton tentando chamar a atenção de Clarice que fez cara de nojo.
Um dos cantores anunciou que havia um pedido de música
especial. — Se tocar Amado Batista eu juro que levanto daqui e vou
embora! — Ralhou Clarice.
Ao ouvir o nome da música Clarice sentiu as pernas
bambearem. Era uma versão acústica da canção Run for your Life, dos
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Desquite, por Samir Horta