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Eclipsis & A Pomba Da Guerra
Eclipsis & A Pomba Da Guerra
Eclipsis & A Pomba Da Guerra
E-book610 páginas8 horas

Eclipsis & A Pomba Da Guerra

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Sobre este e-book

Inteligência, estratégia e tecnologia: Estas são as armas da Eclipsis, uma organização secreta transnacional que vai aonde a lei não alcança para proteger grandes corporações de ações de organizações criminosas globalizadas e virtualizadas. Atuando nas cidades mais importantes do mundo, este grupo conduz investigações e processos de recuperação de ativos para seus clientes, que não conseguem respaldo dos meios legais por falta de recursos e capacitação, além de questões jurisdicionais. Além de uma resolução rápida que proteja seus investimentos e preserve seus resultados, seus clientes requerem o benefício sigilo. Tornar público que foram vítimas de crimes é ruim em todos os sentidos: faz o valor das ações cair, arranha a imagem corporativa e deixa acionistas e executivos inquietos, e o pior: revela vulnerabilidades e incentiva outros a tentarem também. Sediada no Brasil, a equipe latino-americana se envolve em missões progressivamente mais complexas e perigosas no mundo real e suas ramificações nos recantos obscuros da internet. Negócios e relacionamentos são conduzidos cada vez mais no mundo virtual, e não é surpresa que o crime tenha os seguido: os criminosos vão aonde as oportunidades estão. Posta à prova a cada missão, a principal agente de campo brasileira se torna a agente número um do mundo graças a seus êxitos e por jamais recusar uma missão. Ela e seus companheiros são testados em situações que exigem astúcia, ousadia e coragem, sendo levados cada vez mais perto do ponto de ruptura… quando ultrapassarão quaisquer limites para alcançar seus objetivos e defenderem suas vidas.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento26 de set. de 2019
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    Eclipsis & A Pomba Da Guerra - Proteus Young

    Gênese

    Um novo grupo de agentes é recrutado

    e introduzido às práticas e métodos da Eclipsis.

    Momento Crítico

    O ar lhe faltava e a visão obscurecia. Resistia, com o que ainda restava de suas forças e de vontade, a perder a consciência que se esvaia pouco a pouco. Lutava para manter os olhos abertos, pois fechá-los lhe parecia se entregar à inconsciência, à perda de controle: e controle é algo que ela prezava muito. Sabia que pessoas à sua volta mantinham diálogos tensos, quase agressivos, mas já não distinguia suas faces e não entendia o que diziam. Ouvia ruídos de fundo: aplausos, sirenes e vozes que em sua mente se confundiam com memórias de cenas recentes – luta, gritos, água – de modo que não conseguia distinguir o presente do passado. Já não estava certa de que tais coisas tinham acontecido: ocorreu-lhe que poderiam ser delírios de uma mente febril que lutava por se manter em vigília. O sentimento de desespero a impelia a se agarrar aos fiapos de lucidez que lhe restavam.

    Sentia que estava sendo atada, imobilizada. Sentia a pressão das correias sobre seu corpo. Sobreveio-lhe então a lembrança de ter sido arrastada até a margem de um rio e ser jogada na água. Quis resistir à imobilização, mas naquele estado ela não o conseguiria mesmo se não houvesse as amarras.

    Em meio à confusão de sensações e imagens, percebeu uma das pessoas ao redor aproximar seu rosto ao dela. Uma mulher: jovem e atraente, com olhos azuis faiscantes, cabelos escuros e pele clara. Que lhe tocou o rosto suavemente com a palma da mão direita, e mirou em seus olhos por um instante. Pôde sentir a calor e a ternura do toque no olhar dela e na voz meiga da jovem:

    — Vamos te levar pra casa.

    Ela lhe parecia familiar, mas não conseguia se lembrar do nome dela, nem de onde a teria conhecido.

    — Tenho algum papel operativo? — Balbuciou com dificuldade.

    — Você é o objetivo. Só tem que colaborar para que façamos nosso trabalho. Você está nas melhores mãos!

    Ouvir que ela era o objetivo da missão reforçou sua angústia da perda de controle. Ela sabia que a comunicação com reféns é tarefa do líder de campo, mas essa jovem que lhe abordava lhe era desconhecida. Ou será que apenas não se lembrava?

    — Qual sua Designação Interna? — Perguntou-lhe com a voz hesitante.

    Era uma pergunta que não deveria ser feita. Qualquer informação sobre as missões não pode ser tratada fora de ambientes protegidos – mas a suposição de ter sido afastada de seus deveres a perturbou ainda mais. Para não a deixar sem resposta, a moça aproximou-se dela e sussurrou ao seu ouvido um nome que a fez estremecer.

    — Eu fui descomissionada? — Replicou com voz trêmula, pois encontrar uma desconhecida usando a designação que era dela não lhe fazia sentido, o que aumentava ainda mais a confusão de seus pensamentos. Tudo levava a crer que havia sido afastada pelos atos que cometera.

    — Claro que não! — Respondeu-lhe suavemente, mas com um toque de surpresa e indignação.

    — Minha missão está inconclusa...

    — Não, ao contrário! Sua missão foi concluída com sucesso! Mas estamos numa outra missão: a de levar você, sã e salva, para um lugar seguro e, posteriormente, para o nosso país. Por ora, basta ficar quietinha porque estamos tentando salvar uma donzela em apuros.

    Sua última visão foi a da máscara de oxigênio sendo-lhe colocada por sua salvadora. Seus demais sentidos desligavam, uma a um, até que só lhe restou a voz interna do pensamento... que se inquiria em perguntas sem resposta. Até que esta voz também cessou com a última questão: Olhos azuis?

    ]

    Esta situação incomum, ocorrida no primeiro semestre de 2017, marca o primeiro encontro de duas mulheres que se conheciam à distância, mas que jamais tinham se falado. Circunstâncias excepcionais assim o exigiram: ambas têm uma vida paralela onde tudo que não é imprescindível é proibido. Essa outra vida é regida por normas estritas, cujo cumprimento não apenas pode aumentar as chances de sucesso como pode até assegurar a própria sobrevivência. Descumpri-las é prenúncio de fracasso – ou algo pior.

    Conhecer uma à outra é uma afirmação inexata. Elas sabiam da existência uma da outra porque era necessário que soubessem, mas nunca havia sido necessário que elas estivessem juntas ou mesmo se falassem. A que veio ao resgate da outra veio a saber dela num programa de treinamento iniciado há quatro anos.

    Fevereiro de 2013

    Numa renomada instituição de ensino superior de São Paulo, próxima à região central e não muito distante das principais áreas de negócio da cidade, existe uma área apartada das instalações acadêmicas usuais que é destinada a uso corporativo, que lá são chamadas de salas patrocinadas. Grandes corporações mantêm salas de aulas com infraestrutura diferenciada para cursos regulares ou programas especiais, geralmente oferecidos a seus empregados ou a de alguns poucos clientes diferenciados.

    Nesta área, patrocinada por uma das grandes corporações globais de consultoria empresarial, não existem mesas e cadeiras: lá se encontram dezesseis estações de aprendizado individual, com regulagem ergonômicas da cadeira e da superfície de trabalho, que cada aluno pode ajustar conforme suas preferências. A comunicação de dados é provida por um roteador sem fio na própria sala, que é de propriedade e administração da empresa patrocinadora, sem vínculo com a rede de dados acadêmica. A estação de tutoria é similar à de aprendizado, mas contém um painel que permite ao professor utilizar o sistema de entrega de conteúdo que controla os dois projetores e o quadro branco. As estações são móveis para que possam ser arranjadas em diferentes posições. A sala tem tratamento acústico para que o que se fala dentro dela não seja escutado por quem está fora. As amplas janelas têm vidros com boa parte coberta por uma larga faixa fosca horizontal, assim como o é em sua totalidade o vidro da escotilha da porta de entrada. Acima da porta, do lado de fora, uma luminária se acende de vermelho sempre que a porta está fechada, indicando que a aula está em curso. Do lado de dentro, uma luz correspondente se acende de vermelho quando a porta se abre, e de verde quando ela está devidamente fechada.

    Oito estações de aprendizado estão agrupadas ao fundo, enquanto as demais oito estão dispostas em um arco ao redor da estação de tutoria, a cinco metros de distância delas, sobre um tablado de uns 30 centímetros de altura que contém uma pequena rampa frontal que permite movê-la ao nível das demais estações. Na sala também há uma mesa com uma cafeteira de cápsulas, garrafas de água quente para chás, jarros de água fresca e sucos, biscoitos e frutas.

    É segunda feira, e a primeira aula de um curso peculiar terá início às 19:00. O professor entra na sala às 18:50 e começa a se preparar para a abertura. Sete alunos já estão presentes, a maioria se dedicando ao questionável prazer da comunicação social em seus celulares. Apesar de trabalharem na mesma empresa, eles apenas se conhecem de vista. São jovens estudantes, com cursos superiores em andamento, trajados conforme o rígido código de vestimenta das grandes consultorias empresariais. São quatro rapazes e três moças. O oitavo aluno ainda é esperado às 18:54, o que causa alguma inquietude entre os presentes: todos sabem da importância da pontualidade naquele meio. Às 18:57 o professor está pronto para começar. Depois de ter finalizado sua preparação, ele apenas observa os alunos, que começam a desligar seus celulares para o início da aula. No minuto seguinte, chega a aluna esperada, que entra apressada e toma assento na estação de aprendizado vaga. O professor a observa com apenas uma sobrancelha levantada e lhe pergunta:

    — Chiara Matos Franco?

    — Sim, professor. Boa noite! — Respondeu a moça, sem interromper sua preparação na estação de aprendizado.

    O professor apenas sorri e continua sentado até as 19:00, quando então se levanta e caminha até a porta para fechá-la. A luz verde se acende do lado de dentro. Na volta ao tablado, ele toma o controle remoto da estação de tutoria e se posiciona à frente dela para se dirigir aos alunos:

    — Boa noite, senhores. Bem-vindos à disciplina introdutória do nosso curso especial. Eu sou o professor Paulo Henrique Borges, e o resumo de minhas qualificações será projetado na tela agora, informação que também consta da ementa descritiva do curso.

    Os alunos parecem impressionados com os títulos acadêmicos e publicações do professor, além da quantidade de grandes empresas para as quais prestou serviços. Mas o professor prossegue seu discurso, após a breve pausa concedida para a leitura.

    — Mas, obviamente, o mais importante aqui não sou eu: são os senhores! Espero que ao final da jornada eu possa chamar a cada um dos senhores de meu amigo, ou amiga, mas caso não possa, que ao menos eu tenha a satisfação de tê-los ajudado a se tornarem muito melhores do que são hoje.

    E, acionando mais uma vez o controle remoto para avançar à próxima imagem da apresentação, continuou:

    — Primeiro, é imprescindível que esteja claro e cristalino a todos sobre o que somos e que objetivos temos. Comecemos com nossas regras de convivência. Nossos preceitos básicos são baseados na assunção de que todos somos adultos responsáveis. Assim sendo, é esperado dos senhores atitude respeitosa na relação interpessoal, e estrita obediência aos horários e prazos. Faltas devem ser justificadas não a mim, mas ao sócio-diretor da sua unidade de negócios, cujo orçamento financia esta tutoria. E, pelo desenvolvimento adequado do programa, eu espero que ninguém falte. Conselho de um amigo: não falte. Nunca! A menos que esteja doente de uma moléstia incapacitante infectocontagiosa, com risco de pandemia. Mesmo em situações de força-maior, como eventos de convulsões sociais – e talvez elas ocorram, segundo se ouve nalguns meios – use todos os recursos que tiver para vir. Seja criativo. Antecipe-se.

    Os alunos se entreolhavam buscando assentimento ante à instrução, enquanto o professor andava lentamente à frente de cada aluno, gesticulando ao articular cada frase.

    — Saibam que estarão sendo avaliados não apenas por seus resultados, mas também por cada gesto, cada atitude. Normalmente, a escola é o lugar onde quem aprende tem a oportunidade de errar, sem maiores consequências para a vida. Aqui, no entanto, não temos grande tolerância a falhas: afinal, cada um dos senhores está aqui porque demonstrou características invulgares em seus históricos escolares e suas experiências como trainees e juniores em suas áreas de atuação. Neste programa, excelência é o princípio, o meio e o fim.

    O professor parou à frente da estação de tutoria e declarou, apontando para os alunos:

    — Não gosto do termo que empregarei, mas o farei para ser bem-entendido com relação à nossa visão e expectativa: vocês são a elite. Vocês estão trabalhando na empresa há pouco mais de três anos e foram aqueles cujo desempenho superou as expectativas de seus gerentes. Cada um de vocês tem sido avaliado desde seu primeiro dia de trabalho tanto pelo aspecto técnico como pelo comportamental. Vocês são altamente capazes e comprometidos, e nossa crença é que isto decorre de um imenso potencial subjacente. Antes de convidá-los, fizemos uma extensa verificação de antecedentes para nos assegurarmos de que vocês se enquadram no perfil que desejamos. Nossa pretensão é aprimorar suas competências atuais, bem como fazê-los proficientes em competências que os senhores ainda não possuem.

    Ao sentir que as faces se iluminaram e os olhos brilharam, aproveitou para introduzir uma brincadeira em meio à fala tão solene.

    — E quem não estiver se sentindo altamente motivado agora, pode sair e pegar na recepção um vale-transporte e um sanduíche de mortadela! — Disse, apontando para a porta da sala.

    Risos irromperam entre os alunos, o que foi prontamente contido, já que o professor continuava a falar.

    — Antes de passarmos às apresentações – que vocês farão a seus colegas, uma vez que eu tive acesso prévio a todos os curricula e avaliações comportamentais, cortesia do seu diretor de RH – algumas considerações importantes sobre comportamento em sala. Um: aqui, a formalidade não é requerida, mas é apreciada: acostume-se a ela, pois o respeito faz parte dos relacionamentos de negócios, ao menos àqueles que vossa firma se empenha tanto em manter. Dois: reconheça seus erros e trabalhe duro para corrigi-los com o mínimo de dispersão de energia. Entenderam? Explico: não se justifiquem nem se queixem: consertem! Três: seja competente e confiável e associe-se a pessoas tão competentes e confiáveis quanto você. Ou mais, de preferência! Quatro: seja efetivo na comunicação, pois a medida do sucesso ocorre tanto pelo atingimento de resultados como pelo consenso entre as partes interessadas. Cinco: tudo, absolutamente tudo, que se passa dentro desta sala e nas outras dependências onde o programa será desenvolvido, é altamente confidencial! Negligenciar este compromisso significa abreviar sua carreira corporativa e renunciar a oportunidades únicas de desenvolvimento e um plano de compensação incomparável no mercado. Espero que isso já esteja absolutamente entendido, e que vocês cumpram integralmente seus acordos de confidencialidade, que inclui jamais mencionar o nome do programa ou reconhecer sua existência fora dos ambientes controlados.

    De volta ao tablado, contemplou os alunos um a um e lançou o alerta final:

    — Última chance de desistir!

    O Prof. Paulo Henrique levantou o braço, mostrando à classe a palma da mão aberta com os dedos bem espaçados, e começou uma contagem regressiva silenciosa, dobrando um dedo de cada vez até a mão estar fechada. Ante ao silêncio resoluto da classe, acionou o controle remoto que fez as luzes da sala diminuíram e o projetor mostrar uma nova imagem, e anunciou:

    — Começa agora o Programa de Capacitação da Divisão Eclipsis. Chamarei cada um de vocês pelo nome para que se apresentem em dois minutos: levantem-se, digam seu nome, estado civil, lugar de origem, divisão de negócios onde trabalha, curso superior que vai concluir, hobbies e esportes.

    À medida em que eram chamados, os alunos se apresentavam. Entre os rapazes: João Miguel, Rodrigo, Tiago e Bruno. Entre as moças, estavam: Júlia, Maria Helena, Ângela e Chiara. Todos jovens, saudáveis e aptos ao trabalho. Todos eles praticantes de modalidades esportivas e apreço a atividades artísticas e culturais. O professor relembrou-os de que seus cursos universitários haviam sido transferidos àquela instituição, e que os últimos semestres seriam cumpridos nos dois anos seguintes, concomitantemente com o Programa Eclipsis, que teria um ano letivo final exclusivo. As disciplinas dos cursos de graduação seriam cumpridas nas dependências dos cursos regulares da instituição. Ao final do programa, a instituição outorgaria aos alunos aprovados um diploma de pós-graduação Lato Sensu em Gestão Empresarial que não especificaria as disciplinas. Os custos seriam completamente bancados pela empresa para qual eles trabalhavam.

    A Divisão Eclipsis

    As imagens se sucediam para acompanhar a fala do professor.

    Eclipsis é um nome proibido de ser mencionado fora dos ambientes protegidos que a divisão provê. Oficialmente, é uma área de acesso restrito supostamente destinada a trabalhos altamente sigilosos, prestados a clientes dispostos a pagar honorários diferenciados. Sua ocupação é variável, uma vez que grande parte dos membros da Divisão Eclipsis pertencem a outras divisões da empresa: as tradicionais Auditoria, e consultorias Empresarial, Tributária, Jurídica e Tecnológica. O sócio-diretor responsável pela Eclipsis está também à frente da divisão de consultoria tributária, por motivos que veremos adiante. Afora seus membros, apenas os sócios-diretores à frente das divisões de negócios sabem de sua existência, embora ignorem que tipo de trabalho é executado. O country managing partner – o sócio-diretor que responde pelos negócios no país – conhece por alto as atividades altamente sigilosas, embora frequentemente preferisse não as conhecer. A Divisão Eclipsis se subordina apenas a uma organização global que responde diretamente ao Conselho Internacional, na sede da empresa.

    — Os serviços altamente sigilosos surgiram por demanda de grandes clientes e é decorrente da mudança do ambiente de negócios iniciada nos últimos anos do século vinte. O que aconteceu, e todos o sabem, é que os negócios passaram a se integrar ao ambiente de rede global – a tão popular internet, hoje presente em qualquer celular – o que seria uma mudança gradual e irreversível nos anos seguintes. Como toda inovação, leva tempo para todos aderirem e, mais ainda, para compreenderem a extensão de suas consequências.  No entanto, para observadores mais atentos e informados, toda mudança que afeta os negócios legítimos da economia acaba influenciando os negócios ilegítimos. Seria questão de tempo para que os crimes digitais, que inicialmente eram cometidos como ações oportunistas de diletantes solitários ou ativistas, passassem a ser encarados como uma atividade regular pelo crime organizado.

    A classe observa em silencio as imagens que se sucedem na tela e escutam atentamente à explicação.

    — A primeira onda foi a migração da atividade criminosa do mundo real para o virtual. Os crimes desta fase são a quase ausência de intervenções físicas, pois os crimes eram cometidos a milhares de quilômetros de distância. Eram furtos: crimes de natureza econômica, sem qualquer violência física. Apenas dinheiro, digitalmente creditado a indivíduo ou empresa, era o objetivo dos criminosos.

    — Obviamente, a Economia tem bens de valor além do dinheiro em si. Existe toda uma gama de bens em serviços que nalgum momento serão convertidos em dinheiro. A segunda fase começa com a inclusão da transferência ilegítima da propriedade (furto, caso não tenham entendido) através de meios digitais ao cardápio dos criminosos. Analogamente aos dados que são transmitidos digitalmente na rede mundial, as mercadorias são dependentes de um sistema de logística para materializar a transferência de propriedade: quem compra tem que receber. Saber o que, quando e onde passa a ser o segredo a ser protegido. Uma vez que a atuação do crime voltou ao mundo físico, velhas práticas violentas voltaram, causando crescente perplexidade e preocupação entre aqueles que têm o que proteger. Notamos, atualmente uma prevalência de uma visão mais sistêmica – holística, como querem alguns – dos processos de negócios por parte das organizações criminosas. Explico: a Economia é uma grande teia de negócios conectados e inter-relacionados. Existem interações entre indivíduos e empresas, mediados por agentes do mercado e facilitados pelas instituições financeiras. Num nível mais elementar, são processos com atividades e controles que podem ser automatizados ou não. Frequentemente, investe-se mais na proteção dos meios tecnológicos e nos processos automatizados do que nos verdadeiros elos fracos da cadeia: processos manuais e pessoas. Os ataques aos componentes físicos do processo ocorrem da forma usual: ameaças, extorsão, corrupção... como nos velhos tempos.

    O professor Paulo Henrique, observando cenhos franzidos e braços cruzados – para ele, sinal de que a mensagem está sendo assimilada – e arremata:

    — O real havia invadido o virtual, e o virtual invadia o real. As distinções estão nebulosas, e não se sabe mais se a realidade é virtual ou se a virtualidade é real. Vivemos a terceira onda do crime conectado.

    Paulo Henrique faz uma pausa dramática – pelo menos era essa a intenção, mas nunca se sabe quando se está lidando com uma plateia inteligente e crítica – e resolve inquirir os alunos:

    — Faz sentido até aqui?

    Ao observar sinais de concordância, resolve continuar rapidamente, antes que alguém quisesse fazer alguma pergunta:

    — As empresas precisavam se defender. Mas a defesa era cada vez mais complicada, pois a estrutura do crime é transnacional, o que causa inúmeras dificuldades de jurisdição, pois a lei ainda é fortemente vinculada ao paradigma dos estados nacionais. O crime cometido aumenta os custos pela perda, e o crime não cometido aumenta o custo pela prevenção: é ruim para o consumidor que acaba pagando mais, e para o acionista que acaba lucrando menos. Pela inviabilidade econômica de criar sistemas mais eficazes de prevenção do crime, as empresas precisavam de uma recuperação mais eficaz – coisa que os meios legais não conseguiam fazer. É aí que entram as grandes consultorias globais.

    — As grandes consultorias têm presença global, empregam mão-de-obra qualificada mesmo em países com baixos índices de desenvolvimento humano e – mais importante – têm livre trânsito nas altas esferas empresariais onde os grandes negócios acontecem: um casamento perfeito de necessidade com oportunidade. Parece bom na teoria, mas é melhor ainda na prática.

    — A recuperação deveria ser baseada numa atuação discreta e dentro da lei tanto quanto possível. Respeitar-se-iam sempre os direitos fundamentais – à vida, à identidade, à liberdade – dos criminosos; mas não seus direitos patrimoniais. Isso não chega a ser um problema – afinal, os criminosos não recorrem à lei quando se tornam vítimas. O grande entrave ocorre justamente no maior mercado do planeta, origem da maioria das grandes empresas: os Estados Unidos da América. A legislação americana, sob a égide do combate ao narcotráfico, instituiu um cabedal de obrigações a instituições financeiras e empresas para combater os efeitos visíveis do tráfico: lavagem de dinheiro e corrupção. O poder de polícia, nestes casos cabe ao FBI, cujos agentes e diretores são muito ciosos de suas obrigações e não gostam da ideia de leis sendo contornadas. Curiosamente, as sedes da maioria das grandes consultorias globais não se encontram em território americano, a despeito de a maioria dos negócios delas se realizar lá. Coincidência?

    — A existência de serviços de recuperação sigilosa não é reconhecida por quem os oferece. O segredo é essencial, e o possível contratante deve concordar com cláusulas leoninas de sigilo antes de qualquer oferta ser apresentada ao possível contratante. Uma recuperação malsucedida possui todos os ingredientes de um desastre de relações públicas. Os contratos são registrados rotativamente em países onde ainda vigora o sigilo bancário e comercial.

    — A constituição desta linha de atuação foi controversa dento dos conselhos de gestão das consultorias, e boa parte delas não a aprovou. Além da Divisão Eclipsis, especula-se que outras duas talvez tenham divisões semelhantes. Se bem realizado, o serviço não deixa evidências no mundo onde impera a lei. A criação desta divisão sofreu forte oposição interna, sob o argumento de que as linhas de negócios tradicionais garantiriam a lucratividade desejada, sendo desnecessário e indesejável o aporte de receitas deste tipo, por maiores que fossem. A posição que prevaleceu foi a de que embora a lucratividade tenha sido historicamente boa, tinha um viés declinante no longo prazo. Além disso, a missão primordial da empresa era de servir bem aos clientes no ambiente de negócios – e o crime é um aspecto dos negócios oneroso demais para se desprezar.  Creiam-me: cada uma das grandes empresas do mundo, em todos os setores econômicos, sofre múltiplas tentativas de fraude e roubo todos os anos, e não lhes interessa que estas tentativas, bem-sucedidas ou não, venham a público. Finalmente, esta linha de atuação serviria para fortalecer os vínculos existentes e garantir a expansão dos negócios – afinal, a consultoria seria executante e depositária de iniciativas que ambas as partes desejam esconder. A aprovação foi obtida com a condição de que o serviço seria ofertado a clientes que estivessem na lista Fortune Global 500, que não fossem vinculadas a governos nacionais e com as quais existisse um excelente relacionamento ininterrupto de no mínimo de cinco anos. O negócio prosperou, principalmente na Europa, cuja sede é em Londres, e onde se localiza nosso maior contingente. A sede das Américas é em Nova Iorque, onde o número de agentes de campo é consideravelmente menor que em Londres, uma vez que eles atuam predominantemente no exterior para não nos indispor com o FBI, com quem procuramos atuar em parceria provendo suporte tecnológico.

    — Os sócios-diretores da prática de consultoria tributária em cada país seriam os líderes locais dos serviços de recuperação, se assim o desejassem, pois considerou-se que a vivência na interpretação da lei em busca de brechas que favorecessem os clientes era uma competência necessária – e estranhamente similar – ao que se pretendia fazer. Não sendo, outro sócio-diretor chefe de divisão poderia assumir este papel. Alianças estratégicas com grandes empresas globais de investigação foram forjadas para atividades que não se deseja desenvolver expertise, como: proteção de executivos e suas famílias, localização de indivíduos e monitoramento de atividades, apenas para citar algumas.

    — Alguma pergunta?

    Os alunos estavam surpresos com a revelação. Certamente, todos sabiam que seriam serviços diferenciados e riscos aumentados, mas ninguém tinha falado ainda de crime organizado e agir onde a lei não alcança. Esta reação era esperada, e Paulo Henrique estava preparado para ela.

    — Professor, eu tenho algumas preocupações — Antecipou-se Chiara. — Estamos sendo treinados para nos tornarmos caçadores de recompensas do século 21? De verdade, não era o que eu esperava como carreira diferenciada — Sua voz indicava apreensão, mas não indignação.

    — Eu tenho uma questão – Disse João Miguel, tomando a palavra. — Acho que não tem dinheiro que pague o risco de morrer nas mãos do crime organizado internacional. O que os levou a crer que aceitaríamos tal risco?

    Antes que novas perguntas fossem formuladas e que o sentimento geral se tornasse desfavorável, Paulo Henrique retomou a palavra.

    — Excelentes questões, deixem-me respondê-las, pois, as respostas talvez aclarem outras dúvidas similares. Sim, sabemos que muitos, senão todos, aceitarão este trabalho, pois seus perfis comportamentais assim o sugerem. As situações de confrontação poderão existir, mas poucos de vocês serão expostos, mesmo assim em situações que, pretendemos, sejam controladas. Esqueçam a imagem do pistoleiro a cavalo, ganhando a vida no soco e na bala. A Divisão Eclipsis não improvisa: ela emprega estratégia, método e recursos. Há setores especializados, e a maioria não chegará mais perto de um bandido do que de um tiranossauro vivo.

    — A maioria será burocrata, então? Emendou Chiara.

    — Teria eu notado um ar de decepção sua ao saber que não vai entrar em ação? — Desafiou Paulo Henrique.

    — Sim e não — Respondeu Chiara, sorrindo como se tivesse sido pega em contradição.

    — Saibam que muitos profissionais de destaque na firma, que vocês provavelmente conhecem e respeitam, trabalharam ou ainda trabalham para a Eclipsis — Adicionou o professor. — Lembrem-se que a maioria deles trabalham em suas divisões de origem boa parte do tempo, e apenas se juntam à Eclipsis em caráter temporário, conforme as missões os necessitem. Poucos passam o tempo todo alocados lá.

    — Quem, por exemplo? — Questionou Júlia, curiosa. Parecia que tentar adivinhar alguns.

    — Vou citar alguns, os quais não vale mesmo a pena esconder, uma vez que suas contribuições ajudaram a moldar nossa forma de atuar, e que serão citadas e estudadas ao longo do treinamento — Respondeu Paulo Henrique, fazendo uma pausa enquanto voltada ao tablado. — Eu começaria com Marcus Strada, que estruturou a divisão no Brasil e na América Latina, e que também está à frente da divisão de consultoria tributária, brilhantemente assistido por Lívia Menezes; e continuaria com Ricardo Ruiz, com contribuições importantes em tecnologia e estratégia, bem como seu sucessor na parte de tecnologia, Egídio Figueiredo; e finalizaria com a mais admirada por todos, Paloma Guerra — Concluiu o professor, e ficou observando os alunos comentarem e digerirem a revelação.

    — O Strada era meio que esperado, conforme o histórico que nos foi apresentado, já que é head of tax— comenta Bruno.

    — Fico feliz que tenha prestado atenção — rematou o professor.

    — O Ruiz não trabalha mais na firma há alguns anos — acrescentou Rodrigo.

    — Mas continua colaborando de outras formas — corrigiu Paulo Henrique. — Chegaremos lá no momento oportuno.

    — Acho que a Paloma é uma escolha muito boa — comentou João Miguel, atraindo olhares de inquisitivos das moças. — Sério, ela é um expoente na consultoria empresarial, portanto suponho que deva estar fazendo algo semelhante na Eclipsis. O perfil dela não é correr atrás de ladrão, com certeza — arriscou.

    — Incrível como você pode estar tão certo, e, ao mesmo tempo, tão errado! — Brincou Paulo Henrique. — Sim, a Paloma é brilhante, ótima no planejamento e na estratégia. Mas é no campo que ela brilha! Ela possui habilidades únicas, as quais estamos trabalhando para compreender e, posteriormente, codificar e replicar.

    A revelação deixou a todos surpresos e curiosos. Os alunos se entreolharam, estupefatos, e começaram a sentir uma leve euforia.

    — Poderia ser mais específico com relação a essa tal Paloma, professor? — Pediu Chiara, mostrando-se particularmente interessada.

    — No momento, basta vocês saberem que ela coleciona inúmeros sucessos em missões locais e internacionais, sendo reconhecida e celebrada pelos colegas de várias unidades da Eclipsis do mundo. Ela utiliza técnicas de engenharia comportamental que lhes renderam uma designação exclusiva.

    A classe irrompeu em perguntas, todas formuladas ao mesmo tempo, e Paulo Henrique precisou pedir que se acalmassem:

    — Senhores, por favor, compostura!

    Os ânimos amainaram, mas suas expressões denotavam que ainda processavam toda a informação recebida – e queriam mais. Paulo Henrique pensou que uma pausa seria oportuna:

    — Saibam os senhores que o coffee break se aproxima. Apenas para concluir sobre a Srta. Guerra, que foi uma de minhas alunas mais diletas, faço dois comentários: além de seu nome, ela também é conhecida por algumas alcunhas, atribuídas em função de suas habilidades e de suas realizações, incluindo sua designação exclusiva. E que embora venhamos a estudar seus métodos, o programa é muito maior que isso: percebam, o programa Eclipsis ofereceu a ela a oportunidade singular de aprimorar suas habilidades e exercê-las com plenitude – e a mesma oportunidade é oferecida a vocês. E isto não tem preço, como dizia aquele anúncio de cartão de crédito.

    — Vamos ao intervalo! Todos de volta em 15 minutos!

    Enquanto se dirigia à mesa do café cercado pelos alunos que disputavam sua atenção, Paulo Henrique se sentia satisfeito com os resultados obtidos com os alunos. A introdução da figura do herói – uma heroína, no caso – era o catalisador da motivação para eles continuarem. A ancoragem emocional foi eficaz, como planejado.

    ]

    A aula continuou após o intervalo, com maior participação dos alunos e discussão dos objetivos gerais do programa.

    A poucos minutos do encerramento, o professor anunciou:

    — Antes de irem, observem esta importante mensagem que lhes será dada não por mim, mas pelo Brad Pitt. O que ele recomenda é de vital importância para nosso sucesso.

    Ao toque do controle remoto, as luzes da sala diminuíram em 90% pois seria projetado uma cena de pouca luminosidade: era o personagem Tyler Durden, interpretado por Brad Pitt no filme Clube da Luta, enumerando as regras do clube:

    — Cavalheiros... Bem-vindos ao Clube da Luta. A primeira regra do Clube da Luta é: não se fala sobre o Clube da Luta. A segunda regra do Clube da Luta é: não se fala sobre o Clube da Luta.

    As luzes voltaram ao normal ao término da cena, e o professor voltou-se aos alunos numa postura propositalmente agressiva:

    — Que parte vocês não entenderam? — Vociferou, ao encarar os alunos um por um. — Só de pensar que algum gênio entre vocês possa postar no Facebook galera, entrei pra Eclipsis, urrú! me acelera o coração! — Completou, levando o punho direito cerrado ao peito, para conferir maior dramaticidade à cena.

    Risadas contidas e nervosas escaparam dos alunos, ou como se antevissem esse comportamento por parte dos colegas, ou em si mesmos. Obviamente, alguns precisavam ser relembrados de seus compromissos, e o alerta foi eficaz. Mas não havia ainda terminado.

    — A primeira coisa que vocês vão fazer amanhã cedo é participar de uma reunião com o Sr. Marcus Strada. Ele vai lhes apresentar um membro técnico da Eclipsis que vai sanitizar suas informações on-line e em dispositivos pessoais, além de lhes instruir como não se autodenunciar na rede e em qualquer outro lugar... y otras cositas más.  O convite especificando a sala e o horário já foi enviado para suas agendas.

    Alguns fizeram menção de verificar a recepção do convite em seus celulares, mas foram repreendidos por Paulo Henrique:

    — Não é pra olhar agora, é pra prestar atenção: os membros da Eclipsis não se falam fora dos ambientes protegidos, a menos que tenham uma justificativa profissional, decorrente dos negócios publicamente ofertados pela firma, para o fazê-lo.

    E com o dedo em riste e gesticulando, olhou furiosamente aos alunos e concluiu:

    — Se algum engraçadão ou engraçadinha dentre vocês abordar algum outro membro da Eclipsis pra dizer aê brôu, tâmu junto!, posso garantir que, antes que você possa dizer ih, esqueci!, sua carreira na indústria de consultoria mundial já estará acabada! Gone! Finito!

    E, apontando para a porta, decretou:

    — Dispensados.

    Primeiras Medidas

    As atividades no escritório começam lentamente a partir das 7:00, para estar a plena carga por volta das 9:00. A reunião havia sido marcada para as 9:30, e dez minutos antes os calouros começaram a deixar seus postos de trabalho para se dirigirem à sala designada.

    Chiara desce do elevador no andar onde se localizava a sala. Ela esteve lá poucas vezes, pois ele era ocupado por outras áreas de prática que não a dela. Ao atravessar a área de staff, observa à distância três rapazes conversando em pé ao redor de uma mesa, quando um deles chama à conversa alguém de uma posição próxima:

    — Paloma, poderia nos dar sua opinião sobre a conclusão deste relatório?

    Chiara diminuiu o passo para tentar identificar quem seria essa mulher. Julgava que, assim como o seu, o nome dela era pouco comum e não deveria haver muitas delas mesmo num escritório grande como aquele, possivelmente apenas uma. Ela observa uma mulher jovem e morena de beleza incomum, remover os fones de ouvido que usava e se levantar. Mesmo sem ouvir claramente o que eles falavam, ela notou a forma segura como ela falava e gesticulava, e como todos se calavam para ouvi-la. Com certeza era a Paloma que havia sido mencionada na noite anterior.

    Apesar de ser observada com interesse por Chiara, Paloma a ignorou. Ela havia aprendido a não se deixar distrair por pessoas que a observavam. E ela era constantemente observada! De todos os ângulos, em todos os lugares. Se fosse dar atenção a isso, certamente passaria o dia irritada. Ela havia desenvolvido o controle de sua atenção para aquilo que julgasse importante no momento. Naquele momento, era importante apenas o relatório colocado à sua apreciação.

    Tendo se apercebido de que a estivera admirando longamente, Chiara desviou olhar por supor que tal mirada obteria reciprocidade em breve – o que contrariaria a recomendação do professor para que não mantivessem contato com outros membros. Apressou o passo e chegou a sala de reunião, onde todos aguardavam em silêncio a chegada do sócio-diretor. Existia na sala um vago sentimento de se estar deslocado, de se sentir inapropriado, pois embora quisessem falar a respeito de tudo que haviam aprendido na primeira aula, não sabiam se deviam. Aliás, a impressão predominante era de que não deveriam, ao menos até saberem exatamente como se comportar em sua nova condição.

    Pontualmente às nove, adentram à sala dois homens: um de meia idade e apropriadamente vestido de terno escuro e gravata; e outro, aparentado trinta e poucos, sem paletó e com óculos de armação vermelha. O primeiro sentou-se à mesa e observou o segundo fechar a porta e assentir com um gesto de cabeça antes de se sentar.

    — Bom dia a todos, obrigado por comparecerem pontualmente. Nosso amigo Egídio confirma que estamos em Ambiente Protegido nível 3, então podemos falar sobre tudo sem preocupações. Para quem não me conhece, sou o Marcus Strada, senior partner à frente da divisão de Tax. Também lidero a divisão Eclipsis, embora a maioria nem saiba que ela existe, uma vez que tudo que diz respeito a ela é de conhecimento extremamente restrito, como sabem.

    Os novos membros ouviam atentamente. Strada resolveu perguntar sobre o curso para os deixar mais à vontade e evitar que o clima se tornasse tenso.

    — Como foi a aula de ontem com o PH? Gostaram? Ele às vezes se exalta, mas no geral é inofensivo.

    Alguns riram timidamente, e Júlia brincou:

    — Pensei que ele fosse me morder no fim da aula!

    — Pensei que ele fosse enfartar! — Adicionou João Miguel, para risos gerais.

    — Se precisar, tem um kit de primeiro-socorros com desfibrilador no armário da sala. Mas se ele morder, corram pro pronto-socorro pra tomar uma antirrábica — completou Marcus de forma jocosa, para gargalhada de todos.

    Assim que as risadas diminuíram, Strada voltou a falar:

    — Antes de mais nada, quero apresentar nosso caríssimo Egídio Figueiredo, de quem vocês receberão uma importante lição de casa, que ele vai explicar agora.

    — Bom dia, turma. Eu sou responsável pela segurança tecnológica da firma, e no grupo Eclipsis eu coordeno a Central de Comando e sistemas de proteção. Ao voltar à minha sala, vou mandar a cada um de vocês um link para o portal interno do grupo, que só funciona em nossa rede corporativa e, obviamente, para quem estiver autorizado. Nele, vocês vão procurar a Área Zero e assistir aos quatro cursos de instrução. Procurem fazê-lo quando não houver pessoas ao seu redor, e usem estes fones de ouvido que eu lhes trouxe. A duração deles é de 25 a 40 minutos cada.

    Chiara reconheceu o modelo dos fones como os mesmos que Paloma utilizava. Egídio colocou os fones sobre a mesa para que cada um pegasse o seu, e continuou:

    — Depois de assistirem aos programas, vocês terão que responder aos formulários on-line de segurança pessoal, pois vamos inventariar todas as formas que vocês utilizam para se comunicar por meios eletrônicos, para depois promover os ajustes adequados.

    A turma não pareceu muito preocupada com o que pudesse haver sobre eles on-line. Na verdade, as medidas pareciam um tanto excessivas e invasivas. Percebendo a reação, Marcus advertiu:

    — Pessoal, isto é importante!

    — Muito importante! — Continuou Egídio — As pessoas normalmente são descuidadas em suas atividades online, achando que são anônimas apenas porque acessam a internet sem alguém fisicamente perto delas a lhes observar. Mas todos são observados de alguma maneira, e a maioria de vocês deixa tantos rastros quanto um urso bêbado na floresta. Com as ferramentas certas, a qualquer momento é possível descobrir: local de residência, familiares e amigos, histórico acadêmico e profissional, hábitos de consumo, histórico de crédito, lugares que frequenta, inclinação política e orientação sexual, entre outros dados. Temos um sistema que coleta tudo isso e elabora um dossiê completo com perfil psicológico, quem quiser pode me procurar para obter um relatório pessoal, vocês vão se surpreender.

    Strada notou que os novatos estavam surpresos, mas aparentemente ainda não completamente sensibilizados, e resolveu fazer uma rápida intervenção:

    — Notem que fazemos tudo isso para sua proteção, a proteção do nosso grupo e a proteção de nosso modelo de negócios. Não nos interessa saber, por exemplo, que um dos rapazes aqui tem um namorado que é lutador de sumô, ou que duas das moças gostam de postar selfies em roupas íntimas em fóruns on-line de solteiros.

    Os integrantes da mesa se entreolharam, sondando quem seriam essas pessoas, provocando o riso de Egídio e Strada:

    — Brincadeira! Isso foi tudo inventado. Mas vocês ficaram preocupados, não ficaram? — Tranquilizou-os Strada.

    — O objetivo disso é simples — continuou Egídio. — É retomar o controle da informação sobre vocês. Vamos remover a informação que não interessa, e modificá-la para tornar cada um de vocês uma pessoa insuspeita. Além, é claro, de instruí-los sobre como permanecer assim. Quando vocês forem investigados, eles vão obter a informação que nós queremos que eles saibam. Notem que, sem estas preocupações, a informação coletada sobre vocês claramente indicaria uma atividade paralela. Se isso acontecer, mesmo que não lhe ocorra nada de ruim, você não é mais apto a permanecer no grupo. E essa é uma bronca que nem o Strada segura. Há um relatório semanal de todos os membros em nível global, e se der bolinha amarela por mais de duas semanas consecutivas, ou vermelha em apenas uma, você está fora. Ordens superiores!

    — Vocês têm até a final da quinta para concluir esta atividade. À medida em que forem completando, me chamem no ramal 99111 para agendarem a retirada do seu novo smartphone corporativo, que também é usado como comunicador nas missões em campo. Ele é um dispositivo criptografado e pode ser rastreado e apagado remotamente por nós – e apenas por nós. Além disso, quando estiver em uma chamada de voz com alguém do grupo, aparecem indicativos sonoros e visuais de que a comunicação está protegida. Se não houver esta indicação, não tratem de assuntos da divisão.

    João Miguel estranhou o número do ramal e perguntou:

    — Seu ramal tem cinco dígitos? Não era quatro pra chamadas no prédio, acrescentando dois como prefixo ao chamar ramais de outro escritório?

    — A gente controla a Central Telefônica e pode fazer do jeito que quiser. Eu queria que começasse com zero-zero, mas o Strada aí vetou, achou que era coisa de James Bond. Ele não deixa a gente se divertir... — Queixou-se, em tom de brincadeira.

    Strada sorriu e respondeu:

    — Egídio, obrigado! Assim que terminarmos, eles vão procurá-lo para um tour pelas instalações da Eclipsis. Se quiser ficar para o assunto seguinte, será bem-vindo.

    — Não, obrigado! — Respondeu, de olhos arregalados e gesticulando que não queria, retirando-se imediatamente da sala e provocando o sorriso de alguns.

    Modelo de Negócios

    Tão logo a porta se fechou à saída de Egídio, Strada deu início à descrição do modelo de negócios e formas de atuação.

    — É com grande satisfação que lhes dou as boas-vindas, agora oficialmente, à equipe Eclipsis. Cada um de vocês demonstrou potencial excepcional e determinação de caráter que nos fazem acreditar que poderão justificar plenamente o investimento que faremos em vocês. O processo será árduo e por vezes lhes parecerá impossível, mas esperamos que todos possam se tornar membros efetivos e produtivos da equipe.

    — O PH já lhes contou alguma coisa sobre o que fazemos, e eu vou acrescentar alguns detalhes agora. Sim, nós trabalhamos com projetos sigilosos, e muitas vezes envolve algum contato com o crime, organizado ou não. Isto inclui casos de corrupção interna, desde fraudes até espionagem industrial ou corporativa. Atuamos muitas vezes como apoio aos departamentos de Auditoria e de Conformidade dos clientes em investigações internas.

    — Mas qual seria o nosso diferencial num processo de investigação interna? Isso qualquer auditor está qualificado a fazer, não? — Questionou Chiara.

    — Boa pergunta, eu explico: o modus operandi do auditor é recolher evidências. O auditor inspeciona registros e documentos em busca de irregularidades, e apenas dentro da empresa. Nós vamos além: podemos investigar as pessoas em suas vidas fora da empresa. O trabalho do auditor termina com um relatório que embasa uma conclusão, e o resto fica por conta do cliente. Nosso trabalho vai além: sem fazer alarde, nós mapeamos as causas e traçamos uma estratégia para recuperar o que foi subtraído, interromper a ação criminosa e prevenir que a ação continue. É o objetivo que chamamos de R.I.P. – Recover, Interrupt, Prevent – que é também acrônimo para descanse em paz — indicando que o problema estará encerrado em definitivo. As evidências coletadas por nós poderão embasar futuros inquéritos policiais e processos judicias, a critério do cliente.

    Chiara agradeceu a resposta e Strada continuou.

    — Nós somos civis e desarmados. Sabemos manejar armas para que possamos nos defender quando ameaçados, mas não as portamos. Alguém arrisca dizer o motivo de precisarmos saber usá-las?

    — Porque pode haver retaliação caso sejamos descobertos? — Arriscou Tiago.

    — Exato! — Respondeu Strada, para alívio de Tiago, que receava ter falado bobagem — Caso nossas identidades sejam expostas em campo, precisamos nos defender. A Divisão tem que proteger suas vidas e suas identidades: por isso a preocupação com a informação que vocês involuntariamente divulgam na internet. Por isso a preparação física e mental daqueles que saem a campo. Lembrem-se, é tanto virtual como

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