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Não fuja do amanhã
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E-book362 páginas4 horas

Não fuja do amanhã

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Sobre este e-book

Augusto Torres é um experiente agente federal encarregado da força tática da Delegacia Federal. Depois de uma denúncia anônima, faz uma apreensão de milhares de reais em drogas. Em retaliação, a delegacia é metralhada, matando um agente e deixando a delegada Pâmela Frigo fora de combate. Sedento por justiça, Guto sai em uma caçada pelos culpados, prendendo todos os envolvidos com o crime organizado. Porém, entre ele e o chefe do tráfico existe uma mulher, conhecida apenas como Viúva Negra. Sem temer a fama de violência que a precede, Thor correrá ao encontro da morte, se infiltrando nas profundezas do submundo para ficar cara a cara com o inimigo. No entanto, seu maior desafio será não se envolver com a misteriosa e sexy ruiva por trás da lenda urbana.
IdiomaPortuguês
EditoraBookerang
Data de lançamento16 de jul. de 2017
ISBNB073Z7MDVY
Não fuja do amanhã
Autor

Josy Stoque

Josy Stoque is a publicist by profession and author by vocation. She has been writing since discovering poetry as a child. Her debut novel, Marked by Fire, the first book in the Four Elements saga, was nominated for the 2013 Codex de Ouro Annual Literary Prize when published in Brazil in the original Portuguese. The second title in the series has also been published in Portuguese, and the author will release the remaining two books through Amazon’s Kindle Direct Publishing platform in 2014. Marked by Fire is her English-language debut.

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    Não fuja do amanhã - Josy Stoque

    Capítulo 1

    Efeito Colateral

    THOR

    O celular toca, me despertando nesta manhã de domingo. É minha folga e estou meio zonzo da bebedeira, ao lado de uma mulata boazuda com quem transei a noite toda, mas não consigo me lembrar de seu nome. Como dirijo uma equipe tática, estou sempre de prontidão. Nunca se sabe o que pode acontecer na Delegacia Federal de Ribeirão Preto durante minha ausência. O identificador de chamadas mostra o nome da minha superior, a delegada Pâmela Frigo, que está de plantão.

    Não estranho a ligação, ela valoriza meus conhecimentos e experiência. Somos uma dupla eficiente na direção da força tática e, no momento, estamos no meio de uma operação antitráfico. Atendo no segundo toque. A doutora me chama para uma emergência após a denúncia anônima de drogas escondidas em um depósito abandonado na periferia da cidade. Depois de me passar o endereço, ela desliga e eu largo o aparelho no criado-mudo, sentando-me na cama.

    Dormi muito pouco e me sinto ainda bêbado, no entanto, uma xícara de café preto, bem forte, resolverá meu problema. Minha carreira na PF exige cem por cento de dedicação e não tenho tempo — nem saco — para um relacionamento sério, cheio de cobranças e chatices que vão tirar meu foco do trabalho. A Polícia Federal é minha verdadeira esposa, assim como padres se casam com a Igreja. Diferente deles, que fique claro, não sou celibatário.

    Eu me ergo já desperto da cama. Caminho pelado até o banheiro da suíte, sem fazer a menor questão de olhar para o corpo nu feminino que deixei sobre os lençóis. Tomo um banho, visto jeans, regata com camisa, e calço coturnos. Amarro o meu cabelo comprido em um rabo de cavalo apertado na nuca para os fios não se soltarem. Penduro meu distintivo no pescoço, meu coldre com a arma na cintura e me abasteço com café antes de me despedir da mulher, que chamou um táxi para levá-la para casa.

    Saio de casa em seguida no meu SUV me sentindo pronto para enfrentar os perigos nas ruas da cidade. A crise político-econômica aumentou a violência entre pessoas de bem, que se viram desesperadas após o desemprego em massa de tantas indústrias falidas da região altamente rica. E o crime organizado tem se aproveitado do caos para tentar se estabelecer de vez. Eu e minha equipe estamos aqui para impedir que isso aconteça.

    Sou nascido e criado em São Paulo, capital. Há três anos fui transferido para o interior do estado mediante uma promoção oferecida pela Superintendência da corporação, após um treinamento intensivo realizado no FBI — Federal Bureau of Investigation. Fiz um grande amigo em Quântico, nos Estados Unidos, o inglês Jeremy Grave, que também fez o intercâmbio pela polícia metropolitana de Londres, mundialmente conhecida como Scotland Yard. Mantivemos contato depois que retornei ao Brasil e ele à Inglaterra. Jerry — como o apelidei, e ele me chama de Gus — é um solteiro convicto, como eu, e nos demos bem de cara.

    Não me leve a mal, mas eu só tenho péssimos exemplos sobre esse tal de amor. Meus pais vivem em guerra dentro de casa e só não se separam porque insistem que se amam acima das diferenças. Meu irmão gay vive reclamando que não é respeitado, dentro e fora de casa, principalmente pelos parceiros que arranja em aplicativos de namoro. Meu melhor amigo e parceiro na PF, Carlo Brito, morreu ano passado, na época da Copa do Mundo, porque resolveu ajudar a mulher por quem era apaixonado a vida toda, uma agente novata da Abin — Agência Brasileira de Inteligência —, a se livrar da acusação de traição e terrorismo.

    Eu poderia passar o dia contando casos, mas tenho mais o que fazer.

    Encontro Pâmela Frigo, com cara de quem comeu e não gostou, no depósito. A delegada me deixa encarregado da equipe tática, que analisa o local do crime enquanto retorna à delegacia com um carregamento absurdo de drogas. Algo me cheira mal nessa história. Anos trabalhando contra o crime organizado em Ribeirão, fazendo pequenas apreensões aqui e ali, e, de repente, um bom samaritano resolve entregar um esconderijo, com uma quantidade milionária em matéria-prima e tabletes prontos? Ao que parece, o chefão do tráfico da cidade possui inimigos dentro da própria organização criminosa, dispostos a traí-lo. A pergunta que não quer calar é: quem e por quê?

    A equipe forense examina o galpão em busca de provas, evidências de qualquer espécie, que possam ser analisadas em laboratório, e eu organizo uma varredura completa pela vizinhança atrás de informação. Nosso trabalho é facilitado por uma peculiaridade. Encontramos documentos contábeis junto às drogas com nomes de aviões, peixes pequenos que ajudam na distribuição dos papelotes pelas bocas, — pontos de venda ilegais de drogas —, mas que podem ser usados como isca para pegar o tubarão.

    Sei que a lista de aviõezinhos está pequena porque a maioria é menor de idade, por isso mesmo não consta nela e também não nos ajudaria. Esses moleques são usados pelo tráfico para livrar a bunda de traficantes ou mesmo encobrir assassinatos de devedores de drogas ou de alguma gangue rival. O crime organizado leva a sério suas leis, comandos e território, só não preza pela vida do outro, nem a de seus próprios homens. O problema é que sua organização nos impede de aniquilar o esquema. Quando um cai, outro já está na fila para tomar o lugar vago.

    O que mais me irrita é nunca termos chegado perto de desvendar quem é o mandante. A exemplo do que o FBI fez nos Estados Unidos nos anos 80, desmantelando a máfia italiana e forçando-a a se manter no submundo, sem poder ou influência, meu sonho é fazer o mesmo no Brasil. Hoje o crime organizado detém o controle sobre centenas de milhares de vidas em todo o território nacional, além de amedrontar o restante do país com uma guerra sem fim, na qual inocentes são mortos todos os dias.

    Acrescento um colete da Polícia Federal ao meu vestuário e organizo os mandados de busca, apreensão e prisão contra cada listado. A delegada consegue agilizar a papelada com uma tremenda rapidez para um domingo, ajuda o fato de ser amiga íntima do promotor e da juíza. A força tática realiza as autuações e partimos para os interrogatórios, que nos levam a um beco sem saída. Nenhum deles nunca viu a cara, nem sabem o nome, do líder do tráfico na cidade.

    A única pista que conseguimos é uma lenda urbana, repetida por todos os prisioneiros, o que soa muito mais como conto da carochinha, na minha humilde opinião. Porém, Pâmela discorda e fica otimista, ordenando as buscas pela tal Viúva Negra, pseudônimo do braço direito do chefão do tráfico, que devem ter início pela manhã, já que é noite e estamos fatigados. Disseram que a criminosa é responsável por manter a ordem e a hierarquia na organização com pulso de ferro, ou seja, cortando cabeças quando não está satisfeita, e ainda mantém a localização do mandante em absoluto sigilo.

    Para facilitar meu trabalho — só que não! —, os presos estão muito distantes na cadeia de comando para sequer terem um pequeno vislumbre da tal mulher. Somente alguns possuem acesso exclusivo ao ninho da Viúva Negra, onde ela recruta — leia-se seduz — e dispensa — ou seja, mata — os subalternos — gerentes de bocas de fumo, da segurança pessoal dela e dos traficantes, do transporte de drogas, etc. — com as próprias mãos. Sangue, crueldade e morte estão sempre presentes nas várias histórias que contam sobre a criminosa.

    Enquanto essa criatura não aparecer na minha frente, não vou sequer dar moral ou crédito à sua existência. Para mim, os criminosos criaram um monstro cruel, capaz de amedrontar homens e mantê-los na linha. E, de quebra, confundir a polícia e fazê-la perseguir um fantasma, um ser que não existe, perdendo tempo e recursos nunca caçada fadada ao fracasso desde o começo. Porém, ordens são ordens, e se a delegada quer que eu descubra tudo sobre a Viúva Negra, eu o farei, nem que seja para revelar a maior mentira que o submundo já criou para se camuflar.

    Ouço tiros de metralhadora no momento em que levanto da minha mesa a fim de ir para casa. Não penso muito a respeito, apenas começo a correr na direção do som, protegendo-me como posso atrás de móveis e paredes. As balas de grande calibre transformam em cacos a vidraça que compõe a fachada da delegacia. Meu coração esmurra o peito pelo lado de dentro e a adrenalina sobe a um nível fora do normal, o que facilita minha chegada rápida à frente do prédio. Tenho um segundo para verificar a cena antes de agir. A delegada está estirada na calçada, de bruços sobre uma poça de sangue, e uma caminhonete canta pneus na rua. Da traseira do veículo, um fuzil dispara sem pausa, protegendo a identidade do atirador com os flashes da arma de fogo.

    — Pâmela! — só consigo gritar seu nome antes de me jogar ao seu lado e verificar seu estado.

    Ela reclama quando a toco e me enxota com um safanão que não me detém. Como pôde de ser surpreendida por bandidos na porta da delegacia? Fico desesperado e, como o perigo se vai junto com o automóvel não identificado, localizo um ferimento em sua perna. Enrolo minha camisa a fim de interromper o sangramento, a pego nos braços e a coloco no meu carro, levando-a direto para a emergência do hospital mais próximo na maior velocidade. No caminho, a delegada desmaia, fazendo-me gritar, fora de mim:

    — Você não pode morrer! — repito como um mantra durante todo o trajeto.

    No hospital, sou informado sobre o estado de outros agentes feridos enquanto a delegada passa por cirurgia. Infelizmente, um deles não sobreviveu. Minha mente começa a traçar estratégicas de contra-ataque. Pegarei cada desgraçado que está sob custódia e os farei abrir o bico, custe o que custar. A fragilidade de Pam, a mulher mais durona que tive o privilégio de conhecer e admirar, me dá vontade de partir para a briga. Parece a atitude natural na situação fora do comum que enfrentamos.

    Sua vulnerabilidade também me lembra de eu não ter feito nada para ajudar meu amigo Carlo, que foi atacado em São Paulo quando eu já estava em Ribeirão Preto. Mas, dessa vez, eu vou punir o culpado com minhas próprias mãos, que estão sedentas por sangue. Ninguém atenta contra a vida dos meus amigos e sai livre.

    Porém, três coisas acontecem, para tirar minha cabeça do prumo de vez:

    Com a licença médica de Pâmela, o comando da Delegacia Federal passa, temporariamente, para mim e, admito, estou ansioso para a ação e não quero adiar o momento por mais nem um segundo. De posse do retrato falado que a delegada fez do suspeito, e depois de deixá-la nas mãos de seu amigo Cássio Nascimento — de quem não gosto, mas posso confiar a sua segurança —, cancelo todas as folgas por tempo indeterminado e coloco a equipe inteira nesse caso.

    — Atenção, pessoal! — chamo em voz alta e todo mundo para a fim de me escutar. Sorrio. Pâmela diz que tenho a voz de trovão, mas acho que ela exagera. — Nós vamos vasculhar sob cada pedra, invadir esconderijos e prender qualquer bandido que cruzar nosso caminho nessa cidade, até encontrar o responsável pela retaliação à delegacia! — A sala explode em exclamações, em sintonia com meu grito de guerra. — Quero saber tudo o que os prisioneiros conhecem. Descubram quem fez a ligação anônima e me tragam alguém capaz de entregar o chefão do tráfico! — a equipe me olha com entusiasmo, respeito e concentração. — Ao trabalho!

    Cada um toma um rumo e eu não fico de fora. As investigações levam mais tempo do que eu gostaria. Os prisioneiros não acrescentam muito além do que já haviam dito, nem sob pressão. O rastreamento da ligação dá em um orelhão, perto de uma boca de fumo, e a força tática verifica os arredores à procura de pistas ou pessoas interessadas em falar. O retrato falado resulta na prisão do sujeito e em uma pista realmente concreta sobre a existência da tal Viúva Negra, três dias depois do início das investigações.

    — Pela última vez! — perco a paciência durante o interrogatório, socando a mesa em vez de a cara de deboche do motorista da caminhonete. Estou louco para acrescentar uma cicatriz em sua face horrenda. Até agora ele fez uso de seu direito de se manter calado e, quando cansou de ficar em silêncio, resolveu repetir a ladainha sobre a lenda urbana, que lhes bota mais medo do que a polícia, pelo visto. — Quem ordenou o ataque à delegacia?

    — Você é surdo ou o quê? — rebate, revirando os olhos, bufa e se ajeita na cadeira, na qual está sentado há horas. Aperto o punho para não perder as estribeiras. — Já providenciou meu telefonema e minha refeição? — ele me desafia com o olhar. — Estou de saco cheio e com muita fome.

    Eu me inclino sobre a mesa de forma ameaçadora.

    — Você já era, Cicatriz! — esse é o apelido muito original do cara. — Se você não me der algo realmente concreto, eu vou te enfiar em um buraco que nem as baratas e os ratos vão te achar! Ainda quer ligar para mamãezinha ou vai colaborar comigo?

    O prisioneiro solta todo o ar pela boca, enfadado.

    — Olha, como eu já falei, não sei de nada. Nunca vi a cara enrugada do chefão, muito menos a bunda gostosa do braço direito do chefe. Sei nem os nomes, é sério, acredita em mim, mano. Tô ligado que a casa caiu pra mim e que vou apodrecer na cadeia, mas é tão difícil chegar perto da mina que eu nunca tentei.

    — Então há uma maneira? — ergo-me, preenchendo-me de otimismo.

    Cicatriz olha para os lados, como se procurasse uma saída ou as palavras certas antes de me responder.

    — Tem só um jeito, mano. O problema é que, se você perder, morre. Sacou?

    Sento-me, ansioso pelos detalhes.

    — Desembucha de uma vez — exijo, mantendo o papel de policial mal.

    — É o seguinte: tem uma disputa para quem quer ser parceiro da Viúva Negra. Parceiro mesmo, mano, tá ligado? Os caras dormê com a mina, além de recebê cargo de confiança na organização e muita grana. Quem já viu ela diz que vale a pena correr o risco só pra ter a chance de olhar para a muié. Mas quem morre na luta nunca vai chegar nem perto. Quem sobrevive já sabe que, um dia, vai morrer pelas mãos dela.

    A lenda se repete, porém, com uma informação nova.

    — Onde e quando acontece a seleção?

    — É a Viúva Negra que manda e cada vez em um lugar diferente.

    — E no momento, tem alguma marcada?

    — Não, mas eu acho que já, já rola, porque alguém de cima vai cair por causa dessa treta — conclui com ar de sabedoria. — Era pra delegada morrer e não tá cheio de polícia no nosso território.

    Sorrio, vitorioso, com uma estratégia sendo bolada mentalmente.

    Seu território faz parte da minha cidade, Cicatriz — eu me levanto, pronto para colocar o plano em prática. — Não pretendo pedir gentilmente para que saiam.

    Reúno a força tática e analiso cada expressão compenetrada antes de explicar o próximo passo.

    — Finalmente temos uma maneira de chegar até o chefão, mas um de nós terá que trabalhar infiltrado. Algum voluntário?

    Três mãos se erguem para minha apreciação. Um tem muito cara de policial, acho que nem trocando de roupa vai enganar os bandidos. O segundo tem potencial, mas eu o acho meio franzino para passar pelo teste brutal. E o último é um puxa-saco, que sempre se oferece para tudo, mas nunca é capaz de fazer nada além do que é sua especialidade na equipe. Suspiro, pensativo, chegando à única conclusão plausível.

    — Eu vou.

    Há uma pequena balbúrdia sobre os riscos da operação e que é desnecessário que eu os corra, principalmente por estar substituindo a delegada de licença.

    — Serão apenas alguns dias. É o tempo de me infiltrar, passar no teste e ficar cara a cara com a Viúva Negra. Entrarei em contato periodicamente com relatórios.

    Não me estendo afirmando que meu porte grandalhão, as tatoos que cobrem meu corpo e minha especialização em crime organizado bastam para eu ser selecionado como o melhor agente infiltrado. Preencho todos os requisitos, dos básicos aos mais complexos. Por fim, ninguém discute minha decisão e realizamos um planejamento completo da operação antes de pô-la em prática.

    Confesso que Cicatriz me deixou curioso quanto a tal Viúva Negra. Será que é realmente uma mulher, ou esse detalhe só faz parte da lenda? Será mesmo bonita e interessante, como ele fez parecer? E, por Deus, será que aqueles bandidos mequetrefes realmente transam com ela? Dinheiro e sexo sempre foram a base do poder humano, não me espantarei se for verdade.

    Ao final da reunião, vou para casa e me transformo. Eu me visto como o pessoal da periferia de Ribeirão Preto. Mantenho o cabelo amarrado, coloco uns apetrechos, como colares e anéis, e dou preferência para uma regata que revela meu braço direito fechado por várias tatuagens, a pantera negra no esquerdo, e parte da águia e da caveira nas costas. Fico aliviado que não dê pra ver o distintivo da PF nas garras da ave. Ainda assim, se eu tiver que mostrá-la em algum momento, posso inventar uma desculpa e enganá-los. É um risco, mas a operação é para ser rápida, sem percalços pelo caminho.

    Além de uma possível morte, é claro.

    Parte da equipe está na porta, à paisana, aguardando para me levar o mais perto possível do local, o restante do trajeto farei a pé. Aproveito o tempo de preparo para me questionar o que estarei disposto a fazer para pegar o braço direito do chefão do tráfico e, finalmente, poder encará-lo face a face. Concluo que é uma chance única, que não pode ser desperdiçada com moralismo.

    Começo a pensar como bandido, entrando no personagem. Quando salto do carro e ando pelas ruas, transpiro a confiança de quem é dono do pedaço, sabe como conseguir passagem livre, e não teme nada nem ninguém. Imito trejeitos e malandragens a fim de me enturmar rapidamente. Vou até a boca de fumo que é nossa referência, graças à ligação anônima. Se tiver mesmo um traidor, ele está nessa região e eu preciso conhecê-lo depressa.

    Sou abordado por quatro homens tão logo cruzo a linha invisível do território controlado pelo tráfico. Paro o passo a certa distância e levanto as mãos, na defensiva, porém, com um sorriso maroto no rosto.

    — Ei, caras, e aí? — carrego meu sotaque paulistano para dar veracidade ao personagem. — Acabei de chegar na cidade, não tem um pra mim, não?

    Eles se entreolham antes de me dar passagem e me acompanhar até a boca, onde me vendem a droga. Aproveito a chance para falar mais sobre minha história.

    — Tô vindo do Morro do Tetéu, em São Paulo, consegui escapar de um cerco, manos. Tô a fim de levar um lero com a chefia, sabem como é, conseguir uma ocupação e uma grana para me estabelecer por essas bandas.

    Os bandidos se olham de novo antes que um deles fale por todos. O nome da favela paulistana é bastante conhecido pelo crime organizado e sempre tem ação da polícia no local, apreendendo drogas e armas. Como agente federal, atuei na capital paulista e também sei que o lugar de fuga de traficantes que escapam de São Paulo é o interior do estado. Ribeirão Preto é um bom lugar por ser rota de drogas internacionais e ter um tráfico forte.

    — Posso te levar até alguém, que vai te levar até outro, que, talvez, saiba alguma coisa.

    — Demorô, cara. Valeu!

    A coisa não acontece assim tão depressa. Demora uns dias para eu realmente começar a fazer os contatos certos e receber as informações de que necessito. Paciência, Guto, agora você é Thor, um bandidão da porra, e precisa agir como tal. Quando, finalmente, sai o local e a hora da luta, que os caras nem fazem questão de me explicar, já que eu como integrante da comunidade teria que ter ouvido falar, dou um tempo em um barraco e verifico meus equipamentos policiais pela última vez antes da ação tão almejada.

    Parto sem medo de encarar os olhos da morte.

    Capítulo 2

    Impacto Fulminante

    VIÚVA NEGRA

    O traste se ajoelha, implorando pela própria vida, que não vale nada para mim. A minha compaixão por esses subumanos morreu há muito tempo. Suas existências miseráveis estão em minhas mãos e a meu serviço, e faço deles o que eu quiser. Agradeço a pouca iluminação, uma constante em meu esconderijo secreto, que me impede de ver com detalhes a cara nojenta do otário, que suplica como se eu fosse atender a seu pedido. O poder sobre quem vive ou morre é meu e de mais ninguém. Todos que entram em meu ninho conhecem seu lugar, que é sob meus pés.

    Abro o robe de seda preta, revelando minha nudez sem cerimônia, com um sorriso perverso nos lábios. Jogo o tecido para trás de meu corpo e apoio uma perna sobre um pufe, abrindo-me na altura dos olhos do homem humilhado no chão. Vejo a esperança distorcer sua face de súplica em travessa e amplio meu sorriso. Puxo sua cabeça pelos cabelos até meu sexo, exigindo que me faça um oral dos deuses. Mantenho-o ali pelo tempo que eu quiser, segurando os fios com força.

    — Faça por merecer minha misericórdia — murmuro, docemente, pronta para envenená-lo com mais uma dose que será letal dessa vez.

    Todo homem que entra nessa suíte e é escolhido para visitar minha cama acha que seus esforços para me agradar são eficientes. Ledo engano. Nunca tive subordinadas femininas, provavelmente pela dureza do teste que eu criei para selecionar os mais fortes entre os fortes, que mereçam um lugar na cadeia de comando do crime organizado de Ribeirão Preto, mas acredito que a sedução não seria uma arma eficaz para subjugá-las. Mulheres são mais do que seu órgão sexual.

    O que me excita é o momento em que a esperança se apaga de seus olhos, definitivamente.

    Varro o aposento com o olhar tedioso, enquanto o lixo humano trabalha em vão no meu clitóris. Estou ansiosa e distraída desde a denúncia anônima, aguardando, apreensiva, as consequências de ter nosso maior estoque de drogas apreendido pela Polícia Federal. A retaliação foi rápida e a delegada está marcada para morrer. Há anos nada de novo acontecia em meu território. As pequenas prisões que ocorrem já estão previstas pela contabilidade e não afetam o negócio em constante expansão.

    Porém, a ligação anônima prova que há um traidor entre nós. Além da quantidade milionária de dinheiro e de homens que perdi em uma única operação policial, ainda tenho que me preocupar com isso. Alguém precisa pagar pelo erro, é o que o chefão espera de mim. Ele nem precisava ter se dado o trabalho de mandar a ordem através de um de seus capangas pessoais. Para mim, a temida Viúva Negra, braço direito e gerente do chefe da organização criminosa, missão dada é missão cumprida, a qualquer preço. Nunca tive medo de cortar a própria carne e foi isso que fez a chefia confiar nos meus serviços.

    A verdade é que gostei da agitação causada pela polícia. Eu andava entediada há bastante tempo, vivendo nesse quarto luxuoso, que é meu lar desde que me tornei uma lenda viva. Sou tratada como uma deusa cruel pelo submundo e tenho tudo que preciso ao alcance de uma ordem. Mas não vejo novos rostos, nem o lado de fora dessas paredes, há meses. Minhas saídas são totalmente controladas e somente em último caso. Diferente de mim, o chefão é uma pessoa pública, por isso somente eu conheço sua identidade. Porém esse conhecimento me torna prisioneira de minha própria função. Sou importante demais para a organização e não posso ser pega.

    Como bandido não é o ser mais confiável do

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