1964
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1964 - Paulo Arantes
Sobre O que resta da ditadura
A ditadura militar brasileira encontrou uma maneira insidiosa de se manter, de permanecer em nossa estrutura jurídica, nas práticas políticas, na violência cotidiana, em nossos traumas sociais. Daí a pergunta – o que resta da ditadura?
– que deu origem ao seminário realizado na Universidade de São Paulo, em 2008, cujos resultados aparecem agora neste O que resta da ditadura: a exceção brasileira.
Sob a leitura das novas relações políticas e sociais da democracia, o livro trata do passado de violência e da sua incrível capacidade de não passar, procurando refletir sobre como certos hábitos e práticas autoritárias foram assimilados através de uma reconciliação extorquida.
Ao mesmo tempo que se nega seu alcance e se minimiza seu legado autoritário, a exceção brasileira indica as circunstâncias que permitiram certa continuidade da ditadura brasileira. O fato é que a ditadura não está somente lá onde o imaginário da memória coletiva parece tê-la colocado. Mais ainda: sua permanência não é mais simples presentificação daquilo que já foi, do passado de repressão, mas reaparece hoje nas práticas institucionais.
Compõem o volume artigos sobre os múltiplos aspectos do legado ditatorial no Brasil. Analisa-se a perenidade institucional e jurídica dos aparatos econômicos e securitários; a aberração brasileira em relação ao direito internacional sobre crimes contra a humanidade; o trauma social resultante da anulação do direito à memória; a herança política e as tentativas de deslegitimar o direito à violência contra um Estado ditatorial ilegal. Completam o quadro avaliações históricas sobre a maneira como as Forças Armadas relacionaram-se com a anistia e reflexões sobre a literatura diante do dever de memória.
Quem controla o passado,
controla o futuro.
George Orwell, 1984
Copyright © Boitempo Editorial, 2010
Coordenação editorial
Ivana Jinkings
Editor-assistente
Jorge Pereira Filho
Assistência editorial
Ana Lotufo, Elisa Andrade Buzzo, Frederico Ventura e Gustavo Assano
Preparação
Flamarion Maués
Revisão
Alessandro de Paula
Capa e diagramação
Silvana de Barros Panzoldo Sobre foto de repressão ao Dia Naciona de Luta, protesto realizado em 23 de agosto de 1977 – Arquivo/ Agência Estado.
Produção
Livia Campos
Versão eletrônica
Produção
Livia Campos
Diagramação
Schäffer Editorial
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
A684m
Arantes, Paulo, 1942-
1964 [recurso eletrônico] / Paulo Arantes. - 1. ed. - São Paulo : Boitempo, 2019. recurso digital
Formato: epub
Requisitos do sistema: adobe digital edition
Modo de acesso: world wide web
ISBN 978-85-7559-692-0 (recurso eletrônico)
1. Brasil - História - 1964-1985. 2. Ditadura - Brasil - História - Séc. XX. 3. Livros eletrônicos. I. Título.
Vanessa Mafra Xavier Salgado - Bibliotecária - CRB-7/6644
22/03/2019 22/03/2019
É vedada a reprodução de qualquer parte deste livro sem a expressa autorização da editora.
1ª edição: março de 2010; 1a reimpressão: junho de 2010
2ª reimpressão: outubro de 2012; 3ª reimpressão: abril de 2014
4ª reimpressão: outubro de 2018
BOITEMPO EDITORIAL
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1964
1
Tudo somado, o que resta afinal da Ditadura? Na resposta francamente atravessada do psicanalista Tales Ab’Sáber, simplesmente tudo. Tudo menos a Ditadura, é claro[1]. Demasia retórica? Erro crasso de visão histórica? Poderia até ser, tudo isso e muito mais. Porém, nem tanto. Pelo menos a julgar pelo último lapso, ou melhor, tropeço deliberado, mal disfarçado recado a quem interessar possa: refiro-me ao editorial da Folha de S.Paulo de 17 de fevereiro de 2009, o tal da ditabranda
. Não é tão simples assim atinar com as razões daquele escorregão com cara de pronunciamento preventivo, sobretudo por ser mais do que previsível que o incidente despertaria a curiosidade pelo passado colaboracionista do jornal, tão incontroversamente documentado que as pessoas esqueceram até mesmo da composição civil e militar daquele bloco histórico da crueldade social que se abateu sobre o país em 1964. E como atesta o indigitado editorial, aunque el diablo esté dormido, a lo mejor se despierta. Quanto à descarada alegação de brandura: só nos primeiros meses de comedimento foram 50 mil presos[2]. Em julho de 1964, os cárceres já gritavam
[3].
O fato é que ainda não acusamos suficientemente o Golpe. Pelo menos não o acusamos na sua medida certa, a presença continuada de uma ruptura irreversível de época. Acabamos de evocar a