O Credo
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Sobre este e-book
José Jacinto Ferreira de Farias
José Jacinto Ferreira de Farias é natural dos Ginetes (Açores) onde nasceu a 6 de Maio de 1950. Fez a profissão Religiosa na Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos) a 29 de Setembro de 1970. Foi ordenado sacerdote em Fátima a 4 de Junho de 1978, no âmbito das comemorações do centenário da Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus. Atualmente é professor de Teologia na Universidade Católica Portuguesa, a par de outros serviços pastorais que presta à Congregação e à Igreja. É também colaborador assíduo no nosso site, sobretudo na secção PERSPECTIVA. Felicitamos o Pe. Jacinto por esta nomeação e fazemos votos de ótimo trabalho na Fundação Ajuda à Igreja que Sofre.É o novo Assistente Eclesiástico da Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (A.I.S.), nomeado pela Santa Sé.
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O Credo - José Jacinto Ferreira de Farias
José Jacinto Ferreira de Farias
O Credo
A sinfonia da verdade
Título
O Credo – A sinfonia da verdade
Autor
José Jacinto Ferreira de Farias
Edição e copyright
Lucerna, Cascais
1.ª edição – outubro de 2020
© Princípia Editora, Lda.
Design da capa Rita Maia e Moura
Lucerna
Rua Vasco da Gama, 60-B – 2775-297 Parede – Portugal
+351 214 678 710 • lucerna@lucernaonline.pt • www.lucernaonline.pt
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Introdução
Um desafio lançado no Ano da Fé
No Ano da Fé (2012), a paróquia de São Nicolau, em Lisboa, desafiou-me para ensaiar um comentário aos artigos do Símbolo dos Apóstolos, um comentário breve, que coubesse numa página A4, para ajudar os fiéis a rezarem melhor o Credo nas missas dominicais. Aceitei o desafio! Foi um bom exercício, que me ajudou a captar o essencial de cada artigo e a ver melhor o seu lugar no conjunto da sinfonia da verdade que a profissão de fé da Igreja, o Credo, representa. No final, o Dr. Henrique Mota propôs-me que fizesse um comentário mais desenvolvido, embora não muito longo, pois os leitores atuais estão sempre apressados e têm pouco tempo para demoradas leituras. Como gosto de aceitar desafios, acolhi também este. Mas a sua realização foi-se retardando. A certa altura deixei de pensar nele, preocupado com os temas que fazem parte da minha atividade de Professor de Teologia.
Mas a partir de 2013, após as provas de agregação, começou a vir-me à memória, com alguma insistência, o compromisso verbal que tinha assumido com o Dr. Henrique Mota. A observação da situação atual da Igreja e do mundo, nesta vaga impressionante de relativismo e subjetivismo na relação com a verdade (uma das preocupações dominantes do Papa Bento XVI, e minha também), fez-me tomar consciência da necessidade de pôr em prática a minha palavra dada.
Estas meditações obedecem à urgência sentida e ao impulso interior para confessar publicamente a adesão ao depósito recebido da tradição viva da Igreja, sentindo com ela (sentire cum ecclesia), em comunhão com as gerações dos confessores e dos mártires, do passado e do presente, que tiveram, que têm a coragem de dar a cara no testemunho firme da verdade.
As proposições do Credo constituem os princípios a partir dos quais se constrói o edifício da fé e estão tão bem articuladas que podemos compará-las a uma sinfonia: a mínima desafinação compromete a harmonia do conjunto.
Há alguns anos as disciplinas teológicas organizavam-se em torno da exegese e da dogmática. Nos últimos tempos, esta última categoria, a dogmática, caiu em desuso, sendo substituída pela teologia sistemática. O problema não está na sistemática, mas em ter-se posto de parte a dogmática. Argumentava-se que a dogmática, com os seus dogmas, limitaria a liberdade do teólogo. E talvez houvesse alguma razão nisto. No entanto, podemos ver a questão de outro ponto de vista, focalizando a nossa atenção no que define a teologia.
A teologia é um saber, uma «sabedoria» que pressupõe uma «iniciação», um percurso de pelo menos três graus: a evangelização e a fé (1), a celebração da fé (2) e a sua tradução na prática da vida (3). Só então é que vem a teologia, chamada a «refletir», como num espelho, o que a precede e fundamenta, e por isso se chama «especulativa» (como em espelho), não se limitando, porém, a «refletir», mas também, como diz um dos nossos poetas, a «narrar o que é inenarrável; […] fazer sentir o que jamais se sente» (Gomes Leal). Neste nível, o teólogo é semelhante ao poeta, que escuta a linguagem na qual se oferece a revelação do ser, da vida, do homem e do mundo. Como o poeta e o místico, o teólogo procura ver as coisas como Deus as vê!
O Símbolo dos Apóstolos
O Símbolo, como se designa também o Credo, significa muito mais do que aquilo que pensamos quando nos referimos a algo que é simbólico, como que a recordar que o que se vê convida a iniciar um caminho que conduz ao que é inteligível, mas não se vê, estando porém, de certo modo, presente no símbolo que o evoca. Também isto está contido no significado do que designamos por Símbolo dos Apóstolos.
Mas há outra etimologia do termo «símbolo» que é ainda mais expressiva. «Símbolo» evoca o que une, as duas metades dum anel, para significar que os que as conservavam estavam unidos num compromisso. É este, ainda hoje, o sentido das alianças de casamento.
Então, quando falamos no Símbolo dos Apóstolos ou no Credo, queremos referir-nos a um conjunto de proposições que exprimem a fé comum dos apóstolos e que, portanto, representa aquilo que a todos une, a mesma profissão de fé que se celebra, que se testemunha e que se ensina.
O Símbolo dos Apóstolos está organizado em 12 artigos, os quais, segundo uma antiga lenda, transmitem o que os apóstolos ensinaram, pondo-se de acordo, antes de se dispersarem pelo mundo em obediência ao que Jesus lhes dissera: «Foi-me dado todo o poder no Céu e na Terra. Ide, pois, fazei discípulos de todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a cumprir tudo quanto vos tenho mandado. E sabei que Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos» (Mt 28, 18-20).
O Símbolo dos Apóstolos corresponde à profissão de fé que os catecúmenos faziam antes do Batismo, no rito chamado redditio symboli. Os 12 artigos são o desdobramento da profissão de fé batismal na Santíssima Trindade. E estão de tal modo articulados (por isso é que se chamam artigos) entre si que, tal como numa sinfonia, uma desafinação, por mínima e quase impercetível que seja para o grande público, põe em causa a harmonia e a beleza de todo o conjunto.
O Credo sintetiza a história da Salvação, contém uma estrutura narrativa que desafia a inteligência ao trabalho da interpretação, da hermenêutica. Ao mesmo tempo que narra a história da salvação, a economia, o Credo professa a fé no mistério de Deus em si mesmo, a theologia; serve-se da linguagem humana para traduzir conceptualmente o inefável. A sinfonia da verdade executa-se sobre o pano do fundo do místico silêncio do não-saber. O Credo deve ser sobretudo rezado, pois só na oração é possível entender, mesmo sem compreender, porque se compreendes, porque se sentes, não é Deus!
Há uma diferença entre o Símbolo dos Apóstolos e o Credo de Niceia e Constantinopla. Este contém a profissão de fé do Símbolo dos Apóstolos, mas desenvolvido com os contributos do Concílio de Niceia, que tratou da divindade do Verbo, em 325, e do Concílio de Constantinopla, em 381, que tratou da divindade do Espírito Santo. Este Credo introduz na linguagem da fé termos de origem filosófica. É, por isso, uma profissão de fé dogmática, na qual a filosofia é convocada para o serviço da fé. A dogmática é o esforço da inteligência para dizer o inefável, para narrar o inarrável, para sentir o que está para além de todo o sentir ou que não se pode sentir.
O horizonte hermenêutico destas meditações
A Sagrada Escritura é a narrativa da história da Salvação, que nos diz respeito, pois tudo foi escrito para nossa edificação e como exemplo para nós: «E a verdade é que tudo o que foi escrito no passado foi escrito para nossa instrução, a fim de que, pela paciência e pela consolação que nos dão as Escrituras, tenhamos esperança» (Rm 15, 4).
Não somos, porém, simples expectadores duma história que se representa no palco do mundo. Esta história da Salvação continua na história da Igreja e alcança-nos hoje, envolvendo cada um de nós, que se torna também ator no drama. Tomamos por isso a Sagrada Escritura como narrativa da história da Salvação, que nos diz respeito e na qual participamos. Não entramos nas questões subtis da história da exegese e da dogmática, mas pressupomos todo esse trabalho, de que o Credo representa a síntese mais perfeita das conclusões a que chegou a fé viva da Igreja, transmitida de geração em geração. Desta tradição viva somos herdeiros e transmissores para as gerações futuras. Sendo meditações, elas não apresentam aparato crítico e os lugares que suportam a nossa reflexão são os da Sagrada Escritura que referimos.
Do ponto de vista hermenêutico este é o ponto essencial, ao qual queremos acrescentar um segundo, a analogia, como característica da linguagem teológica.
A analogia significa uma relação de semelhança entre as partes que se articulam num discurso. Vale sobretudo para a teologia e a linguagem da fé em geral, que se baseia neste princípio fundamental, formalmente expresso numa proposição do IV Concílio de Latrão, em 1215: entre o Criador e a criatura, em toda a semelhança que se note, há uma dissemelhança ainda maior.
Os diversos artigos do Credo seriam incompreensíveis sem a analogia. Ao traduzirem o mistério da fé em linguagem humana, transmitem a verdade, são verdadeiros, mas o mistério não pode ser contido nos limites da linguagem, é muito mais do que as proposições dogmáticas são capazes de dizer. Os dogmas, transmitidos nos artigos do Credo, são expressões simbólicas: contêm um excesso de sentido que obriga a pensar. É deste excesso de sentido que a teologia dogmática se ocupa, essencialmente.
O Símbolo dos Apóstolos e o Credo de Niceia e Constantinopla