Sobre este e-book
Um romance avassalador, cheio de suspense e muito mistério, em que cada detalhe é importante, cada personagem tem uma história e tudo se encaixa, como as peças de um quebra-cabeça. Sem dúvidas, uma das histórias de amor mais encantadoras de todos os tempos.
Narrativa complexa. Suspense. Cenas impactantes. Uma maestria ímpar na escrita.
— JÉNERSON ALVES, JORNALISTA
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Augusta - Natali Gomes
Utopia
(s.f. Local ou situação ideais onde tudo é perfeito.)
3
O enterro
A canção tocou na hora errada
E eu que pensei que eu sabia tudo
Mas se é você, eu não sei nada
Quando ouvi a canção,
era madrugada
Eu vi você, até sentir tua mão
E achei até que me caía bem como uma luva
Mas veio a chuva e ficou tudo tão desigual.
(A canção tocou na hora errada – Ana Carolina)
Claro que eu me lembro do meu aniversário de quatorze anos. Data que eu não esqueceria nunca.
Foi no mesmo dia em que o meu avô faleceu. Câncer de pulmão. Ele fumava demais. Lembro que minha avó odiava limpar todos aqueles cinzeiros espalhados pela casa, sempre cheios, exalando um odor terrível de cigarro. Ela sempre reclamava, e ele sempre fazia piadas sobre isso, levando as reclamações da minha avó na brincadeira. E, claro, um dia ele começou a ter problemas com esse hábito. Os sintomas apareceram e ele foi para o hospital tarde demais, apesar dos meses de internação.
Eu amava o meu avô. Ele tinha o dom de fazer com que eu me sentisse especial, isso porque eu facilmente perdia a autoestima. Ele sabia quando eu estava mal, parecia saber de tudo o que se passava na minha mente, e quase sempre conseguia me fazer rir. Digamos que meu avô, Ernesto Borges, me conhecia como ninguém, e eu não entendia o motivo daquela estranha ligação entre nós. E, assim, ele ocupou o lugar do pai que eu não conheci na minha vida.
Eu havia nascido no meio de uma família simples, classe média e tradicional, pequena até, embora não conhecesse o outro lado da família: a minha tia Amélia que morava em São Paulo, mãe de dois filhos adolescentes, e rica, muito rica, principalmente depois da morte prematura do marido militar, tendo herdado tudo o que ele tinha.
Durante toda a minha vida, aqueles parentes que moravam na pequena Éden tinham sido minha família, e eu acabara de perder a peça mais importante dela, meu avô.
Naquela manhã, eu já havia acordado com uma terrível sensação de perda. E como não havia ninguém ali no meu quarto para me desejar um feliz aniversário, já sabia que o pior tinha acontecido.
Levantei-me da cama e procurei por alguém em casa. Nem minha mãe, nem minha avó pareciam estar lá. Mas eu as encontrei na cozinha, com minha tia Carmem, chorando muito, sentadas à mesa. Não havia nenhum presente, nenhum café da manhã especial, nada. Só a tristeza que ecoava pela casa silenciosa e escura por causa das janelas ainda fechadas.
Elas logo me notaram observando do corredor, com os olhos cheios de lágrimas e com um nó terrível na garganta. Aquele silêncio, o choro delas, o clima de dor no ar, me faziam mal.
Minha mãe veio até mim e me abraçou, um abraço que eu devolvi sem nenhuma demora. Não chorei, não costumava chorar, mas meu corpo começou a tremer em razão do coração acelerado, como o de quem acaba de receber uma péssima notícia.
— Fique calma, meu bem… — pedia ela, que faltava muito pouco para se descontrolar também.
Eu não conseguia dizer nada, aquele nó na garganta me impedia de falar. Chorar parecia ser uma boa forma de expressar o que aquela verdade maldita me fazia sentir, mas eu não chorei, e, por isso, tremia.
Não preciso mencionar que durante todo o dia ninguém lembrou do meu aniversário — para ser sincera, nem eu mesma. Também não preciso dizer que o velório foi na minha casa e que não queria ver meu avô. Não daquele jeito. Seria um crime com todas as lembranças tranquilas que tinha dele.
Eu estava no banheiro havia mais de uma hora. Entrei para tomar banho e não saí mais. Dentro da banheira, meu rosto afundava na água. Abria os olhos e ficava lá até não aguentar mais. Meu recorde de quarenta e cinco segundos parecia uma miséria, comparado ao de uma pessoa que já não respirava mais. Uma pessoa morta no térreo da minha pequena casa de primeiro andar. Como seria morrer? Seria fácil como dormir? Seria difícil como prender a respiração até sentir os pulmões doerem? Será que meu avô teria sofrido? Eu me fazia todas essas perguntas embaixo da água. Mas quando minhas teorias de morte mencionavam meu avô, essas perguntas começavam a me machucar, machucar até mais fundo do que o organismo que não aguentava mais ficar sem oxigênio. Tornei à superfície rapidamente, expirando todo o ar que podia.
Ouvi minha mãe batendo à porta:
— Guta, está aí?
— Sim… — respondi, assim que ouvi a voz doce dela. Estava claro que não iria reclamar do tempo que eu estava no banheiro.
Ela entrou. Eu não havia trancado a porta, mas deveria, porque odiava quando alguém entrava e me pegava desprevenida, mesmo que fosse minha mãe. E, sim, eu tinha vergonha do meu corpo de pré-adolescente, o que era só mais uma de todas as vergonhas que ainda me cabiam. Normal quando se tratava de mim. Peguei a toalha, me levantei da banheira e me enrolei, enquanto ela fechava a porta.
— Pode me dizer o que está fazendo aí ainda?
— Tomando banho.
A expressão dela era de tranquilidade, diferente da que eu havia visto de manhã. E ela sorriu ao ouvir minha resposta sincera.
— Durante todo esse tempo? — Não respondi. Ela continuou: — As pessoas estão perguntando por você.
— Perguntando por mim? Quem?
Sem dúvida, era uma novidade. Geralmente as pessoas não costumavam sentir minha falta, não que precisassem. Quando eu não estava presente em algum lugar onde deveria estar, quem ainda se importava com meu paradeiro era meu avô. E, mesmo assim, ele já não estava mais entre nós, ou quase. Isso me fazia refletir sobre a morte outra vez.
— Seus tios, suas tias, seus primos…
Ela me sentou na borda da banheira e se sentou atrás de mim, para que pudesse pentear meus cabelos e adiantar a tarefa que eu já deveria ter feito. Ela continuou falando:
— Sofia e os pais dela estão aí. Vieram te ver e lamentar a morte do papai…
Sofia era a minha melhor amiga desde o jardim de infância, a única que eu tinha. Como já devia ter mencionado, eu não era o tipo de garota popular e não fazia nada para merecer o crédito.
Perguntei:
— Tem muita gente aí?
— Ninguém que você não conheça. A não ser sua tia Amélia e os filhos dela.
Eu tinha um grande problema com pessoas. Não timidez, eu sei que frases como oi, tudo bem?
poderiam sair da minha boca, se eu quisesse. Meu problema era apatia; eu tinha o dom de reconhecer pessoas que poderiam me fazer mal entre um milhão delas. Mas como meu dom não se tratava de poderes especiais, às vezes eu errava de palpite, e, às vezes, quando já havia cavado uma dimensão de espaço entre mim e alguém. Por isso não fazia amizade facilmente.
Mas quando minha mãe mencionou Amélia, me concentrei nela em especial. Não sabia muitas coisas sobre ela, só o que disse a princípio. Meus avós tiveram quatro filhos, apenas, Carmem, a mais velha, Carlos, Amélia e minha mãe, Estela, que era a mais jovem. Tia Amélia havia se casado cedo e se mudado para São Paulo, quando minha mãe nem sonhava que um dia eu poderia nascer, e por isso nunca havia tido contato com ela. Ela nunca havia se importado em nos visitar, por mais rica que fosse. Muito triste que o nosso primeiro encontro fosse em um velório.
— Não quero sair daqui, mãe.
Meu pedido veio antes que eu pudesse imaginar.
— Não quer conhecer sua tia?
— Não.
— Nem mesmo falar com a Sofia?
— Peça para ela vir até aqui.
— E por que você não vai até lá? — Fiquei em silêncio. Ela continuou: — Eu sei que não é por causa da sua tia que você não quer descer aquelas escadas. Você sempre quis conhecê-la.
— Outro dia eu conheço.
Mamãe suspirou:
— É, você vai ter muito tempo para fazer isso. Ela vai morar aqui por um tempo.
— Aqui em casa?
— Sim, até alugar uma para ela, que eu não acho que vá demorar muito. Mas… eu acho que você deveria ir até lá, pelo menos pelo seu avô.
Sim, agora ela havia conseguido tocar nas minhas feridas. E em um fato que eu queria esquecer, mesmo que por uns minutos.
— Eu acho que… não preciso ver ele agora. Não lá, daquele jeito.
Ela me abraçou por trás e respirou fundo.
— Eu também nunca quis ver ele assim, Guta. Mas já passou pela sua cabeça que é a última vez que você vai vê-lo?
Olhei para ela por cima do meu ombro e respondi:
— Mãe, não quero que a minha última lembrança dele seja vendo-o em um caixão. Quero lembrar dele feliz.
— Ele está feliz, filha… Eu sei que a perda dói, principalmente de alguém tão especial e tão importante quanto ele era para nós. Mas, agora, eu tenho certeza de que ele está em um lugar melhor.
— O céu?
— Sim.
— E se o céu não existir? — Minha pergunta fez com que ela estremecesse. Continuei: — E se morrer for como dormir para sempre?
— Então viver não faz sentido algum.
A resposta dela calaria minhas perguntas sobre morte por um bom tempo. Fez com que parecesse a resposta para tudo. Porque perguntar sobre morte era bem doloroso. Não existem respostas concretas que calem qualquer cientista ou qualquer padre, todos já se perguntaram a mesma coisa que eu naquele dia. Mas a afirmação dela, que na verdade não era uma resposta, deixaria bem claro que morrer era tão magnífico quanto viver, isto é, morrer não seria como prender a respiração e sentir dor no peito.
Ela se levantou, colocou a escova de cabelo ao lado da pia e perguntou:
— Quer que eu traga a sua roupa?
— Sim.
Então ela sorriu para mim e saiu do banheiro.
Mamãe havia se convencido de que eu iria descer as escadas e participar do velório. Não havia pensado errado, foi o que eu fiz. Vesti minha roupa e desci as escadas devagar, em direção à sala, onde estavam apenas vovó e tio Carlos. Minha mãe e os demais estavam do lado de fora, o que fez com que eu me sentisse mais à vontade, sem ter vários pares de olhos me avaliando. Porque avaliação era o que eu menos precisava.
Olhei para vovó. Ela olhou para mim. Sua aparência estava péssima, cortou meu coração. Seus olhos já inchados e vermelhos de tanto chorar, suas rugas mais visíveis, seus cabelos desarrumados, faziam ficar visível o tamanho da dor que ela sentia ao perder o marido, que não era apenas dor de perda, era também solidão. Tio Carlos segurava a sua mão, e, por mais que tentasse disfarçar, sentia o mesmo que todos nós.
Então eu vi o caixão do vovô. Ele estava lá, e sua alma dotada de maravilhas, não. Meu coração parecia que estava amarrado e, no fundo, estava, preso a uma situação desconfortante e que não teria fim nem tão cedo. Até que eu superasse a falta, que já se fazia presente. Não conseguia parar de pensar que tudo o que eu já tinha vivido com ele estava preso no passado. A casa não seria a mesma sem ele. Minha vida não seria a mesma. Eu não seria a mesma. E ninguém me deixaria tentar viver da mesma forma. Mais cedo ou mais tarde, mesmo depois de algum tempo, alguém iria mencionar o nome dele ou lembrar-se de algum momento e traria tudo de volta, a mesma dor de não tê-lo, a mesma dor da perda.
Andei com passos lentos até vovó, olhando a cada três segundos para o vovô. E abracei minha avó com toda a força que ainda me cabia. Ela retribuiu.
— Gutinha…
— Sim, vovó.
— Não me lembro de ninguém preparando seu café da manhã. Não é justo com você, não é, minha querida?
— Não se preocupe, vovó..
— Claro que me preocupo. Os velhos morrem. E as crianças pagam por isso.
Então ela fez força para se levantar. Tio Carlos a impediu:
— Não, mãe, vou chamar alguém para preparar o café da Augusta.
— Ainda não morri, Carlos — ela falou, brava. E tio Carlos a deixou ir, com seus passos lentos e sua dor constante. Nós dois sabíamos que meu café da manhã era apenas uma desculpa dela para que eu não a visse chorar.
— Guta?
Mamãe interrompeu minha pequena volta ao passado.
— O quê?
— Já é tarde.
— Ah…
Olhei para o relógio. Ela tinha razão. Já eram quase três horas da manhã.
— Não acha que já passou da hora de dormir?
— Estou quase acabando, mãe.
Ela me olhou por uns instantes. O hospital parecia estar dormindo, pelo menos naquele andar. Tudo estava escuro, exceto a luz fraca do meu abajur, que iluminava o quarto. Eu sabia que mamãe ainda não havia se convencido; eu sempre havia tido hora para dormir. Então continuei:
— Mãe…, não acha que eu dormi demais?
Arrependi-me de ter dito aquilo, mas eu ainda não tinha ideia do sofrimento da minha mãe durante os últimos quatro meses. Mas minha afirmação funcionou com ela:
— Tudo bem, dez minutos.
Sorri. Ela se deitou outra vez no sofá. E eu voltei ao meu passado.
Sentei-me no sofá em frente ao meu tio, e também de frente para o caixão, que ficava entre os dois. O clima era tenso, frio. Minha maldita mania de nunca chorar me castigava, porque a dor que não saía em lágrimas apertava meu peito. O cheiro das flores no caixão, as velas, tudo me fazia mal. Tio Carlos aproveitou a ausência de vovó para deixar escapar algumas lágrimas que ele lutava para esconder. Ele queria ser forte sempre, carregar a dor de todos nas costas, sempre foi assim. Ele precisava saber que não podia fazer isso; eu mal carregava a minha própria dor, porque ali naquele caixão eu não via um avô que um Deus quis tirar de mim, eu via o único pai que o próprio Deus havia me dado. Minhas sobrancelhas se uniam com força, fazendo minha testa doer e, consequentemente, dentro de poucos segundos, fui dominada por uma dor de cabeça incontrolável. Pus as duas mãos na testa e abaixei a cabeça.
Por sorte, não demorou muito até que as pessoas que estavam do lado de fora começassem a entrar. Primeiro, tia Carmem, depois Júlia e Renata, ambas as filhas de tio Carlos, que era viúvo. Em seguida, uns amigos da família, alguns que eu nem sequer conhecia, umas senhoras amigas da minha avó, que cantavam músicas fúnebres, e minha mãe, acompanhada da minha melhor amiga de infância, Sofia, e os pais dela.
Como disse, tio Carlos era viúvo, e suas duas filhas, Júlia e Renata, as únicas primas que eu conhecia, eram filhas de duas ex-esposas dele. A primeira, mãe da mais velha, Renata, de dezessete anos, morreu logo após o parto, e a segunda havia morrido quando Júlia, de quinze anos, tinha apenas sete. Ele parecia ser destinado a viver sozinho e cumpria a sentença em silêncio, trabalhando duro para sustentar as duas filhas. Mas viver sozinho não era apenas uma sentença dele.
Tia Amélia, que eu não conhecia, também havia perdido o marido e não se casou novamente. Minha mãe teve um relacionamento adolescente por uma noite e, depois disso, não voltou a namorar. Tia Carmem, com quarenta e sete anos, parecia não se importar em ser sozinha, mas no fundo todos eles se importavam, até mesmo minha avó, que vivera mais de cinquenta anos com meu avô. Ninguém gosta de viver só.
De toda a família, a mais nova era eu. Meus avós, apesar de terem tido quatro filhos, não tiveram muitos netos. E por ser a mais nova, ninguém levava minha opinião a sério, meus segredos em conta e, de acordo com os anos que se passavam, minha idade. Por isso eu tinha a Sofia; era ela quem levava a minha existência em conta, e por ter a mesma idade que eu, sabia que eu tinha vida.
Ela se sentou ao meu lado.
— Como você está? — perguntou Sofia.
— Acho que bem.
— Não é o que parece.
— Pareço tão mal assim?
— Não. Você nunca parece que está mal. É que eu sei que é ruim perder alguém que a gente ama.
— E está certa. É ruim.
— Escute, não vou poder acompanhar você até o enterro. Preciso ir buscar meu irmão no aeroporto. Mas se você quiser ou se precisar, posso dormir aqui esta noite.
— Tudo bem. Acho que vou precisar de você mais tarde.
— Que bom… A propósito, sua mãe está muito preocupada com você.
— Ela sabe que não vou morrer…
— Não chorar pode matar, sabia?
Ela conseguiu arrancar um sorriso meu. Continuou:
— Não acha que você deve expor o que sente de vez em quando?
— Não…
— Teimosa.
Ela sorriu e me olhou por uns instantes. As mãos dela pousaram sobre as minhas. E disse:
— Sua mãe disse que tem medo de que você entre em depressão. É uma coisa que pode acontecer, já que ninguém sabe o que se passa pela sua cabeça. Além disso, todos nós sabemos que seu avô era muito importante pra você, e…
A partir daí eu não ouvi mais nada do que ela disse. Foi como se meus ouvidos se recusassem a ouvir qualquer outra coisa que não estivesse relacionada àquela sensação estranha a qual fui submetida em questão de segundos. Tudo ficou em silêncio. Exceto as batidas do meu coração, que se tornavam cada vez mais frequentes, cada vez mais fortes e de uma maneira assustadoramente desesperada. Ouvi o som daquela respiração. Senti aquele perfume doce, incomparável a qualquer outro. Entrei em uma espécie de frenesi, era incrível, ele quase me forçou a ceder algumas lágrimas. Então, eu vi um par de olhos negros, lindos, fitando os meus meros castanhos, em um alinhamento perfeito. Aqueles olhos negros fariam morrer de inveja quaisquer outros olhos verdes ou azuis. Qualquer olho iria querer se igualar àqueles olhos negros. E eles me lembraram um pântano, uma floresta escura ou o fundo do mais profundo oceano. Tudo isto por causa da tonalidade e o brilho do preto incrivelmente bonito.
Os lábios eram finos, apertados, vermelhos, ardentes. O nariz era perfeito e, a expressão, séria. Seus olhos ainda fitavam os meus que, agora, avaliavam cada detalhe do rosto, do corpo perfeito e da pele absurdamente cheirosa.
Ele me tirou de mim mesma, me perdi nele, não faço nem ideia de quanto tempo passei em meio àquele devaneio. Sei que quando voltei à realidade, baixei rapidamente o olhar e ele mudou a direção do dele.
Ele havia acabado de entrar junto a algumas pessoas que eu não conhecia. Se aproximou do caixão, ficando à minha frente, muito sério, olhando para o vovô por um tempo. Eu não esperava, mas voltei a ser seu foco logo em seguida. Porém dessa vez eu não conseguia olhá-lo por muito tempo; eu o olhava com o canto dos olhos e baixava a cabeça, deixando escapar de dentro de mim a timidez que eu achava que não tinha. Mas isto não o impediu de me olhar sem nem sequer piscar os olhos, me deixando constrangida. Eu o vi erguer uma das sobrancelhas, e, em seguida, se retirar.
Foi se juntar a outro rapaz, logicamente mais novo, e, mais logicamente ainda, seu irmão, uma vez que tinham algumas semelhanças nos traços faciais. Junto dos dois ainda havia uma moça loira, que eu não consegui identificar o grau de parentesco com eles. Parei de olhá-los, mantive a cabeça abaixada, enquanto Sofia ainda falava em uma língua estranha, pois eu nem conseguia entender o que ela estava dizendo.
Meu coração ainda batia da mesma maneira de quando eu o encarei. Tinha que acalmá-lo ou teria um ataque ali mesmo. Era estranho, aquilo havia sido estranho. O garoto misterioso aparentava pouco mais de dezesseis anos e eu não fazia ideia de onde ele tinha surgido.
Sofia me sacudiu levemente:
— Guta? Guta, você está me ouvindo?
Virei-me para ela:
— Desculpe, é que…
— Você não escutou nada do que eu disse, não foi?
— Não. Desculpe. Era muito importante? Pode repetir?
— Tudo bem, eu vi.
— O que você viu?
— Vi você e aquele garoto se olharem por mais de uma hora.
— O quê? Você não viu nada. Para de falar besteira.
— Tá, eu não vi nada, só o mundo inteiro viu.
— Você é exagerada.
— Sobre o mundo posso ter sido, sim, mas sobre a hora, Guta, juro que falei sério.
Olhei-a, confusa. Ela continuou:
— Foi a coisa mais estranha que eu vi durante toda a minha vida.
— Dá pra você explicar melhor, por favor?
— Sim. Eu vi minha amiga e um garoto estranho se olharem por uns quarenta minutos seguidos. Você não piscou o olho nenhuma vez. Parecia estar hipnotizada. Conseguiu me deixar arrepiada.
— Quarenta minutos?
— Confira você mesma.
Então ela apontou para o relógio. E ela não estava mentindo. Havia se passado mais de uma hora que eu havia chegado à sala. E eu não lembrava como havia se passado todo aquele tempo.
Sofia quebrou o silêncio:
— De onde você acha que ele veio?
— Eu não sei.
Foi a última frase que saiu da minha boca naquele instante. Sofia desistiu de me entender, estava quase tão assustada quanto eu. Mas eu desejava aquela sensação novamente, só mais uma vez e eu entenderia o que acabara de acontecer.
Devagar, vieram de um por um, tirar o caixão do vovô da sala para levá-lo ao cemitério. Sofia teve que ir buscar o irmão dela que acabara de chegar do Canadá no aeroporto. E eu, mecanicamente, fui parar dentro do carro do tio Carlos. Acompanharíamos o carro da funerária. Minha mente ainda estava naquele garoto.
Assisti, em silêncio, ao choro da minha mãe, da minha família, daqueles estranhos. Lembro de ter segurado firme a mão da vovó. Lembro de ter jogado uma rosa vermelha no caixão antes de o colocarem debaixo da terra.
Lembro de ter contemplado aquele garoto estranho chorar. Um anjo e um gesto tão humano, juntos em uma mesma cena. Quis me aproximar, quis abraçá-lo. Quis muitas coisas. Mas terminei caindo em um sono profundo ainda dentro do carro, de volta pra casa. Sem saber se abriria os olhos e o veria novamente.
Pousei a mão cansada com o lápis sobre o diário, e, enfim, fui vencida pelo sono. O sono que eu achava que nunca mais teria. Então, dormi.
Profundamente.
4
Primo Bernardo
Desse jeito vão saber de nós dois
Dessa nossa vida
E será uma maldade veloz
Malignas línguas
Nossos corpos não conseguem ter paz
Em uma distância
Nossos olhos são dengosos demais
Que não se consolam, clamam fugazes
Olhos que se entregam
Ilegais.
(Ilegais – Vanessa da Mata)
A minha sede por respostas estava se tornando incontrolável. Não pelo fato de que terminando o diário, eu entenderia o que me levara até ali, até aquele hospital. Mas porque eu estava curiosa para entender de uma vez por todas quem era o garoto misterioso por quem eu agora suspirava. Eu estava começando a viver tudo outra vez. Lembrar da sua perfeição só fez com que eu me apaixonasse mais uma vez — pela mesma
