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Imagem: Artefato cultural: Artefato cultural
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E-book294 páginas4 horas

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Sobre este e-book

Fontes diversas, metodologia idem: ensino de História, fotografia em cemitérios, cinema, charges e caricaturas, mídia e cinema, arte religiosa, entre outros assuntos, interesses de estudo. Este livro, portanto, apresenta textos leves e densos ao mesmo tempo, que estimulam o pensar a imagem ou as imagens, não apenas como uma abstração, uma ornamentação, mas como um instrumento importante no ofício do historiador. Não só desta, como de outras áreas do conhecimento. Assim, a obra está composta de oito artigos, sendo quatro de pesquisadores estrangeiros, reconhecidos internacionalmente em suas áreas. Três autores pertencem à Universidade Estadual de Londrina (UEL), demonstrando o espaço que a pesquisa em imagens conquistou nesta universidade paranaense. Por fim, a última autora pertence ao quadro de pesquisadores do Sul do Brasil.
IdiomaPortuguês
EditoraEDUEL
Data de lançamento1 de jun. de 2017
ISBN9788572168816
Imagem: Artefato cultural: Artefato cultural

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    Imagem - Alberto Gawryszewski

    autores

    Apresentação

    Com prazer, o Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem (LEDI) traz mais uma publicação. Com um ligeiro atraso, mas em dia com as propostas de apresentar ideias e estudos que têm a imagem como objeto principal de pesquisa. Fontes diversas, metodologia idem: ensino de História, fotografia em cemitérios, cinema, charges e caricaturas, mídia e cinema, arte religiosa, entre outros assuntos, interesses de estudo.

    Este livro, portanto, apresenta textos leves e densos ao mesmo tempo, que estimulam o pensar a imagem ou as imagens, não apenas como uma abstração, uma ornamentação, mas como um instrumento importante no ofício do historiador. Não só desta, como de outras áreas do conhecimento.

    Diferentemente das outras duas publicações anteriores (Olhares e Narrativas Visuais, EDUFF, 2012, e Imagens em Debate, EDUEL, 2010), este livro traz, além de algumas palestras e conferências realizadas no IV ENEIMAGEM / I EIEIMAGEM, textos e estudos por outros pesquisadores especialmente convidados.

    Assim, a obra está composta de oito artigos, sendo quatro de pesquisadores estrangeiros, reconhecidos internacionalmente em suas áreas. Três autores pertencem à Universidade Estadual de Londrina (UEL), demonstrando o espaço que a pesquisa em imagens conquistou nesta universidade paranaense. Por fim, a última autora pertence ao quadro de pesquisadores do Sul do Brasil.

    Infelizmente, os outros palestrantes/conferencistas do evento não puderam ou não desejaram enviar seus textos para esta publicação, mas possuem publicações em outros locais, o que enriquece ainda mais o espaço de publicações sobre os estudos dos domínios da imagem.

    Bem, como escrito acima, esta obra contém oito textos, debatendo diversas fontes e com uso de diferentes metodologias. Vamos conhecê-los.

    O autor do texto O Calvário de Vasco Fernandes: O Bom Ladrão um Índio? trouxe uma análise das pinturas Adoração dos Magos (1501-1506), da oficina de Vasco Fernandes, e Inferno (primeiro terço do século XVI), de autor desconhecido. Sua proposta é, a partir de uma revisão bibliográfica sobre essas pinturas, discutir a presença ou não do índio brasileiro sendo representado pelo bom ladrão no morro do Calvário, ao lado de Jesus e do mau ladrão.

    Com uma leitura atenta dos escritos bíblicos, relacionando às pinturas em questão a outras, o pesquisador apresenta um texto denso em informações, mas leve e instigante de se ler. Enfim, uma construção bem-feita, de passos firmes e cientificamente bem elaborada, na escrita, nas análises e na bibliografia utilizada.

    Sua conclusão, mais que colocar uma pá de cal na questão, reforça a permanente necessidade de se pensar as fontes e as afirmações que dela se tiram, em especial as que se tornam regras, consenso no meio científico.

    No texto História, Filme e Memória: Uma Representação Fílmica da Imigração Alemã no RS (1927), como o próprio título deixa claro, a autora estuda a narrativa fílmica sobre a colônia alemã de São Leopoldo-RS, realizada em 1927. O produto imagético em questão foi produzido pela Comunidade Evangélica de Hamburgerberg – RS e tinha como tema central uma escola de meninas: Evangelisches Stift. Partindo deste ponto, foi construído, sob uma determinada perspectiva, um olhar próprio, determinado em seu espaço e tempo, não só sobre a escola, mas também sobre seu público e sua região.

    A autora procurou identificar alguns dos marcadores que orientaram a construção desse olhar, ou melhor, olhares. Pois, além do ponto de vista do diretor, do agente financiador, o filme pode, ainda, ser visto sob diferentes perspectivas: étnica, de gênero, geográfica ou social. Assim, todas elas, em maior ou menor grau, orientadas pelo olhar estrangeiro, do produtor, de nacionalidade alemã, Sr. Hubner, recém-chegado à localidade.

    A leitura dessa produção fílmica, sob o olhar preciso e analítico da autora, mostra como as imagens em movimento podem ser instrumentos importantes, se não fundamentais, para se pensar a consolidação de uma sociedade organizada e, no caso, da colonização alemã no sul do Brasil.

    A discussão da expansão ou não na privatização das empresas brasileiras não deixou de sair das manchetes da imprensa desde o fim da década de 80, atingindo picos nas eleições presidenciais e em determinados momentos, em especial de crise econômica e/ou política. No caso do texto As Privatizações no Brasil no Início da Década de 1990 por Meio da Análise de Charges na Imprensa Sindical, estávamos no início do embate de um novo modelo econômico a ser implantado no Brasil, como já vinha acontecendo em boa parte do globo.

    O autor apresenta, em seu texto, uma análise da produção chargística que encontrou em suas fontes, ou seja, a imprensa sindical, sobre o processo de privatização ocorrido no Brasil no início dos 90 (1990-94), na lógica do combate à implantação do modelo neoliberal que então se principiava. Mas, antes das análises das imagens, possibilita ao leitor ter conhecimento dos fatos marcantes daquele momento de virada histórica brasileira.

    Com uma seleção precisa de charges sobre o tema da privatização e da visão do chargista da imprensa sindical, o autor refletiu sobre o posicionamento desta frente a um processo em que a desnacionalização das empresas públicas acarretava não apenas desemprego e achatamento de salários, mas vendas por preços irrisórios, demonstrando a ferocidade do neoliberalismo no ataque às empresas privatizadas, em especial às ligadas aos setores produtivos, de tecnologia e extração de minérios.

    Enfim, um estudo onde a charge não necessariamente faz sorrir, traz o riso, mas tem em seu bojo uma reflexão, uma denúncia, uma visão de mundo do seu autor, no caso, engajado ou assalariado (ou os dois) em uma imprensa específica, a sindical.

    O texto Usos e Funções do Fotojornalismo na Produção do Saber Histórico: A Segunda Guerra Mundial em Imagens nos Livros Didáticos de História. 1985-1995 está dividido em quatro recortes: a) Políticas educacionais em tempos de transição, 1985-1995, para contextualizar o ambiente político e educacional no período; b) Livros didáticos de História e os contextos de pesquisa sobre esse objeto cultural; c) Livros didáticos de História e a temática da Segunda Guerra Mundial, perscrutando as relação entre memória e os silenciamentos desse tema em livros didáticos em vários países; e d) Imagens e livros didáticos de História, apontando os caminhos dessa relação e um exercício de análise de exemplares do material levantado. Portanto, um texto muito bem delineado: imagens (fotografias) da Segunda Guerra Mundial em livros didáticos de História (pela sua capacidade retórica e pela manutenção de determinados estereótipos, posteriormente), publicados entre 1985 e 1995 (este recorte se justificando pela implantação do Programa Nacional do Livro Didático, em 1985, e por sua reestruturação, no ano de 1995).

    A preocupação da autora esteve vinculada ao fato de, se na década estudada, foram construídos os nexos entre textos e imagens fotojornalísticas na escrita do livro didático de História. Para tal, utilizou-se de ferramentas teóricas do campo da fotografia e da história cultural. Assim, primeiro analisa a fotografia como um artefato produzido e circulante em grupos sociais diversos, reapropriado, ressignificado, modificado materialmente. Mas, a autora não perde foco ao perceber as falsas dicotomias fotografia-documento e realidade, ou seja, as limitações impostas ao ato fotografar.

    Tal como a fotografia, o próprio livro didático é visto como um objeto cultural, portanto, um conjunto formado por textos, imagens, orientações (comandos) para uso do professor da disciplina em seu ofício dentro da sala de aula. A autora nos traz, assim, de forma criativa e teoricamente pertinente, um estudo no qual o saber histórico escolar está determinado, construído, em um objeto específico: o livro didático.

    O texto Para una Sociología Histórica de la Imagen Televisiva começa com uma questão levantada pela autora: o que é uma imagem? Como ela mesma explica, a diversidade de perspectivas em abordar o tema dificulta uma precisão sobre o conceito e, portanto, uma resposta que preencha todas as lacunas e atenda todas as visões possíveis. Suas funções tão díspares (religiosa, prazerosa, educativa, política, cultural etc.), suas formas de transmissão (imagens paradas, em movimento, única, múltiplas, coloridas ou não etc.), seus espaços ocupados (com destaque, em espaços privilegiados, ou em simplesmente banalizados, esquecidos), enfim, tão diversas são as possibilidades de ocupação da imagem no espaço e no tempo que as perspectivas teóricas de diversas disciplinas humanas e sociais não conseguiram um consenso sobre o tema.

    Todos os pontos acima pensados ficam ainda mais problemáticos quando se busca uma definição de uma imagem sobre a qual existem poucos estudos, pesquisas, como no caso da imagem televisiva. Com oitenta anos de vida, a televisão tem passado por transformações não só técnicas, mas também de conteúdo (narrativo, estético, roteiro, entre outros) que despertaram o interesse de um público mais qualificado intelectualmente, especialmente se pensarmos nas séries nos canais fechados.

    A autora, localizada nos estudos sobre a história social e cultural, busca investigar, com um conjunto de fontes (arquivo de imagens, entrevistas, impressas etc.) e um suporte teórico substancial, a possibilidade de existir ou mesmo definir o que seria uma imagem televisiva. Encarando este meio cultural em sua origem, em suas transformações, desenha linhas convergentes e divergentes com o cinema, trazendo ao leitor a necessidade da reflexão de como a imagem em movimento possui traços específicos que obrigam a novos estudos. Um instigante texto de pensar um produto social imagético, de massas, de mudanças constantes, de exigências idem.

    O texto La Política y las Elecciones en los Trazos de Posada. México, Segunda Mitad del Siglo XIX, um estudo sobre o caricaturista e chargista (esta expressão não existe na língua espanhola) José Guadalupe Posada, morto na década de 10 do século XX.

    A importância deste caricaturista para a história mexicana não foi desprezada, visto que, como a própria autora sustentou, nenhum outro artista de sua época foi tão reverenciado, estudado e citado tanto na língua espanhola como na inglesa. Biografias, exposições e até um museu foi criado para difundir e preservar a memória desse famoso artista. Diante de tantos estudos e pesquisas, onde entra o referido texto e qual sua particularidade? A autora apresenta diversas questões que se propõe a responder no decorrer da obra: qual era o lugar dos caricaturistas no mundo da imprensa no fim do século XIX e qual a importância deles nesse meio? Como funcionava a imprensa da época? Quais foram os assuntos políticos mais enfocados por Posada? Como Posada percebeu e compreendeu o mundo eleitoral em suas obras? Enfim, estas e outras importantes perguntas para qualquer trabalho investigativo sobre um caricaturista e que devem permear as pesquisas sobre esta fonte impressa, foram contempladas pela autora.

    Com as perguntas na cabeça a pesquisadora considerou fundamental mostrar como funcionava o mundo da imprensa, suas relações com os seus desenhistas, e o papel destes no contexto da imprensa, particularmente, e em sua época.

    Partiu de uma preocupação fundamental: trabalhar apenas com os desenhos de Posada. Isto porque muitos desenhos não eram assinados. Esta questão se mostrou importante, na medida em que muitas pesquisas sobre o artista se descuidaram desse fato fundamental. Optou por uma seleção em que a questão eleitoral é o mote da produção de Posada. Tudo isso somente reforça a qualidade e o trabalho despendido pela autora em garantir ao leitor um texto consistente e maduro cientifica e metodologicamente.

    O texto Los Tratados y la Retórica Visual en la Pintura Colonial trata da retórica aplicada às imagens como forma de persuadir os fiéis, ou seja, a arte pictórica a serviço da Contrarreforma. Esta veio carregada de um ideário, de estruturas diretas e indiretas, com contornos claros, manuais, práticas que deveriam ser seguidas para, no caso da arte, seguir normas para deixar claros as virtudes a serem adoradas, seguidas, e os vícios, que deveriam ser perseguidos, deixados de lado pelos verdadeiros fiéis da Igreja. O artigo proposto, portanto, traça, de forma magnífica e aprofundada, os aspectos centrais da retórica do visual e de como a pintura barroca colonial precisou atingir os sentidos do espectador a partir de uma narração de histórias que continham os dois lados da moeda cristã, o bem e o mal, os vícios e as virtudes. Um texto imprescindível para quem pretende estudar a pintura desse lado do hemisfério e sobre esse período.

    Por fim, o texto intitulado Fotógrafos e Suas Fotografias em Cemitérios: Cidades do Rio de Janeiro e Curitiba (1900-1935), em que, como o título deixa claro, o autor buscou localizar, em um espaço público específico, as fotografias encontradas em sepulturas de cemitérios cariocas e curitibanos tiradas nas primeiras décadas do século XX, quando esse tipo de suporte imagético deu entrada nesse espaço funéreo. Ou seja, o ingresso da tecnologia de aplicar a fotografia sobre esmalte e porcelana, inicialmente em broches, alfinetes etc., que, depois, foi incorporada como ornamentação tumular. Apesar da existência de grande número de fotografias localizadas, a maior parte não possuía autoria. Por sorte do pesquisador e azar do patrimônio histórico, algumas das fotografias estavam descoladas o que permitiu a verificação de que algumas continham em seu verso a autoria da fotografia (ou do estúdio que a realizou).

    Após coletar as imagens fotográficas que continham identificação do autor, o pesquisador debruçou-se sobre uma fonte escrita, o famoso Almanak Laemmert (1879 a 1940), para fazer um histórico desses fotógrafos/estúdios. Igualmente mostrou onde, nas fotografias, encontrava-se a assinatura, fator de distinção entre os artistas. Nessa pesquisa inédita pôde-se verificar que os principais estúdios/fotógrafos das cidades estudadas tinham, como uma de suas atividades, a produção de medalhões como ornamento de sepulturas.

    O autor partiu da hipótese de que a fotografia é um importante componente de criação de uma identidade social, portadora de uma visão de mundo, de coesão social pela burguesia em ascensão. Assim, a partir dessa ideia, as formas, os objetos que agregam valores ao retratado, as vestimentas e a construção da pose feminina e masculina também foram consideradas nesse texto.

    Mais uma vez o ENEIMAGEM/EIEIMAGEM, promovido com recursos da CAPES e dos Programas de Pós-Graduação em História Social e em Comunicação da Universidade Estadual de Londrina, agora com o apoio da EDUEL, proporciona aos leitores(as)/pesquisadores(as) o acesso aos debates atuais acerca dos estudos da imagem por meio desta obra. Percebe-se, mais uma vez, a variedade de perspectivas, a multidisciplinaridade no seu uso e a complexidade da imagem como fonte de pesquisa, a exigir constantemente novas pesquisas, abordagens e reflexões.

    Alberto Gawryszewski

    O CALVÁRIO DE VASCO FERNANDES: O BOM LADRÃO UM ÍNDIO?

    Yobenj Aucardo Chicangana-Bayona

    O número de pinturas portuguesas do século XVI que representam índios é ínfimo e, dentre elas, as mais conhecidas são Adoração dos Magos (¹⁵⁰¹-¹⁵⁰⁶), da oficina de Vasco Fernandes, e Inferno (primeiro terço do século XVI), de autor desconhecido. Pesquisadores como Pedro Dias, Dalila Rodrigues e Vitor Serrão apontam a pintura do Calvário da Capela do Santíssimo da Sé de Viseu, atribuída a Vasco Fernandes, como um dos casos em que o índio brasileiro é representado.

    Na apresentação do livro sobre a exposição do Grão Vasco e a pintura Europeia do Renascimento, o professor Pedro Dias faz comentários acerca dessa pintura e levanta algumas hipóteses sobre o fato de o bom ladrão ali representado ser um índio do Brasil:

    Vasco Fernandes teve a particularidade de ser o primeiro artista a representar os índios do Brasil, apenas um ou dois anos depois da chegada de Pedro Álvares Cabral a terras de Vera Cruz, o que veio a repetir cerca de trinta anos após, na enorme pala de uma das capelas laterais da Sé viseense, já não como Rei Mago, tal como se vê na tábua do retábulo da capela-mor da mesma catedral, mas como bom ladrão, esse homem que, vivendo desde sempre no pecado, conseguiu a salvação através da revelação da Palavra de Cristo. Bastaria este facto para que Vasco Fernandes – o Grão Vasco da Lenda – entrasse para a História dos Descobrimentos e para a História das Mentalidades. O índio do Brasil era para nós, tal como o retratou por escrito Pêro Vaz de caminha, o homem imaculado, o novo Adão desse paraíso terreal perdido e agora achado. Três décadas depois, os Portugueses já tinham concluído que não era exatamente assim, mas que, apesar dos seus defeitos, era possível redimi-lo, desde que se lhe fizesse chegar a mensagem divina, tal como ao crucificado de Jerusalém (DIAS, ¹⁹⁹², p. ²⁵, grifos nossos).

    A professora Dalila Rodrigues partilha esta hipótese da presença do índio:

    nesta fase final, o pintor mostra a sua opção pelo complexo e invulgar. A representação de um índio na figura do Bom Ladrão – pese embora o escurecimento da pele em virtude da morte e da sua representação em escorço – pode eventualmente ser entendida como uma interpretação humanística dos povos recém-colonizados pelas Descobertas (RODRIGUES, ¹⁹⁹², p. ¹⁷⁰, grifos nossos).

    Vitor Serrão acredita que o bom ladrão da pintura é um índio do Brasil e uma amostra positiva dos habitantes do Novo Mundo:

    O grande painel do Calvário, exposto no Museu Grão Vasco em Viseu, vem contrariar de maneira taxativa esta visão do índio brasileiro e, ao integrar na simbologia do Bom Ladrão uma figuração de índio, mostrar que uma outra imagem, radicalmente oposta àquela, tinha espaços de adesão e ganhara foros de credibilidade nos meandros do Humanismo português (SERRÃO, 2006, p. 72).

    O professor Ronald Raminelli destaca o fato de as representações portuguesas do índio retratá-lo distante das florestas tropicais e inseri-lo em cenas bíblicas. Sobre a hipótese levantada por Pedro Dias, comenta: O contato mais estreito entre portugueses e ameríndios e os desvios da fé, repetidamente atribuídos aos últimos, seriam os responsáveis pela representação do índio como bom-ladrão (RAMINELLI, 1996, p. 154).

    No entanto, Raminelli é cuidadoso com relação ao Calvário, já que destaca que a análise de Pedro Dias não comprova a existência do índio na tela. As interessantes interpretações e hipóteses levantadas com relação à pintura do Calvário são baseadas em se aceitar a presença de um índio como o bom ladrão no episódio da crucificação. Então, o que primeiro devemos saber é se tem ou não um índio representado na pintura. Se sim, quais seriam as características que identificariam esse índio? E a partir daí, que leituras poderiam ser feitas?

    O Calvário (Figura ¹), atribuído a Vasco Fernandes, é um óleo sobre madeira de castanho ²⁴²,³ x ²³⁹,³ cm, datado entre ¹⁵³⁵-¹⁵⁴⁰, que reproduz a cena da Crucificação de Jesus para a capela do Santíssimo da Sé de Viseu. Esta obra principal está acompanhada por outras três pinturas menores (predelas) de ⁵⁰ x ⁷¹ cm: Cristo Perante Pilatos, Descida da Cruz e Descida de Cristo ao Limbo, que mais adiante vamos discutir.

    A pintura do Calvário recria a Crucificação e Morte de Jesus. O eixo principal desta composição, relativamente simétrica, está ocupado por Jesus crucificado, de frente para o espectador, acompanhado à esquerda e à direita, cada lado com um homem crucificado em um madeiro com forma de T, convergindo em uma leve diagonal para Jesus.

    Compensando o peso da composição, à esquerda inferior (direita de Jesus), podemos ver um grupo de três mulheres que ajudam a uma quarta que desmaia; atrás delas um homem de vestes vermelhas as protege; na sua cabeça, como na cabeça das mulheres, aparecem umas auréolas, revelando que são santos. Juntos, eles formam um triângulo. Os homens que participam da execução podem ser organizados em outros dois triângulos.

    Figura 1: Vasco Fernandes. O Calvário. Óleo sobre madeira

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