Vida Game
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Sobre este e-book
O texto de Adriana Calabró, vencedor do Concurso João- de-Barro de literatura para crianças e jovens da Prefeitura de Belo Horizonte, ganha ainda mais visualidade na companhia do caderno de imagens do mineiro Angelo Abu.
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Vida Game - Adriana Calabró
divertido.
Eu, Fernando Fontes
Tem várias maneiras de se contar uma história. E, neste momento, escolho a forma de um jogo. Porque, para falar de cirurgia, de hospital e até de morte com pessoas da minha idade, é melhor que seja assim. No mundo dos games, é tudo bem mais fácil. É só jogar direito que se ganha mais uma vida. Ou a imunidade. Sem contar que o sangue é só um punhado de bytes saídos da imaginação do cara que fez o joguinho. Não é pra ser levado tão a sério.
No caso, eu ganhei uma vida. A minha. E quando eu falo pra minha mãe que me lembro das luzes da sala de cirurgia, ela não acredita.
Mas você tinha só dois anos
, diz ela.
Dois anos e três meses, para ser mais exato. A cicatriz da cirurgia do coração foi crescendo comigo, o que torna o meu peito meio estranho, mas também não deixa de ser um lembrete de que eu tive sorte, muita sorte. Todos os que estavam no hospital (minha mãe e meu vô Silas) contaram que um médico foi falar com eles, bem sério, dizendo que as minhas chances eram pequenas. Eu até posso imaginá-lo, o tal médico, de avental branco, bigode, voz de professor chato. O inimigo do jogo. Deve ter ficado com a cara no chão quando viu que eu consegui. Que eu passei de fase. O meu pai não estava lá porque o meu pai, na verdade, nunca esteve em lugar nenhum. Eu o conheço por uma fotografia antiga, que já estava amassada e amarelada de tanto eu mexer (agora a guardo no porta-retratos e digitalizada no computador). Até onde eu sei, ele morreu exatamente da mesma coisa que eu tive no coração. Foi quando ele tinha 35 anos, e eu, sete meses e quinze dias (contagem-dentro-da-barriga).
Então contei essa história para a Mariana como se fosse uma missão de videogame. Eu pulava do quarto de hospital para a UTI, da UTI para a sala de cirurgia, da sala de cirurgia para o quarto de hospital e dali pra casa; antes, eu eliminava um médico chato, conquistava a invencibilidade das mãos de um médico legal e ganhava uma vida. A Mariana me disse que a minha história não é comum, que tenho muita coisa diferente das crianças normais. Não gostei muito da palavra criança
, ficou meio esquisita. Também não gostei de normais
. Então eu sou o quê? Anormal? Mas, no fundo, entendi o que ela quis dizer. Acho que realmente comecei um monte de coisa muito cedo e sou considerado meio fora da média. Sou filho único, não tenho pai, e minha mãe parece confiar em mim. Ou seja, eu sou do tipo que sempre dá um jeito.
Uns dois anos depois que operei, minha mãe se casou de novo, com o Beto, e ela poderia ter tido filhos com ele, mas acho que ficou meio traumatizada com tudo o que aconteceu e preferiu fechar a fábrica. Mas acho que o Beto não desistiu e vive dizendo que ainda dá tempo. Minha mãe tem 39 anos, ele tem 35. Eu me dou bem com o meu padrasto, mesmo a gente sendo bem diferente. O Beto é mais largadão, de bem com a vida, ri o tempo todo. Eu sou mais quieto. Gosto de ficar concentrado nas minhas coisas, na minha coleção de fotos, no meu aquário. Se eu tivesse um irmão, ele provavelmente diria que sou sério.
Voltando ao Beto, uma coisa muito legal que ele fez, sem se esforçar nada, foi trazer o Bugre pra gente. O Bugre é o pai dele e o cara que eu escolhi pra ser o meu avô. Porque com o meu avô, pai do meu pai… adivinha o que aconteceu? Sim, o coração dele também faliu bem cedo. Tchau, tchau. Meu pai e meu avô não eram do tempo em que existiam bônus de vidas.
Já o pai da minha mãe… Bem, vamos simplificar: ele é chato. Eu até tento fazer minha parte, respondo a todas as perguntas dele, não faço nada que minha mãe diz pra eu não fazer quando ele está em casa. A verdade é que eu me esforço pra ser um neto