A fé no Evangelho
De José Comblin
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A fé no Evangelho - José Comblin
Sumário
CAPA
ROSTO
INTRODUÇÃO
1 - CREDE NO EVANGELHO
2 - EU SOU O CAMINHO
3 - O JUSTO VIVERÁ DA FÉ
4. - CONHECER A CARIDADE DE CRISTO
5. - QUEM ME VIU, VIU O PAI
6 - O ESPÍRITO VOS CONDUZIRÁ - À VERDADE COMPLETA
COLEÇÃO
CRÉDITOS
INTRODUÇÃO
As páginas que se seguem estudam o mistério da fé nos seus diversos aspectos, assim como podemos conhecê-los pelos livros do Novo Testamento. Buscamos ser o mais fiel possível aos textos do Novo Testamento.
As duas primeiras meditações inspiram-se nos Evangelhos sinóticos, as duas seguintes na teologia do apóstolo Paulo, e as duas últimas nos escritos do evangelista João. Os diversos livros do Novo Testamento não se repetem, nem se contradizem. Todos são necessários, se quisermos uma visão completa e harmoniosa do mistério da fé. Cada livro, tomado isoladamente, nos daria uma concepção parcial e desequilibrada da fé.
A geração apostólica não se preocupou em elaborar uma síntese da doutrina cristã. Contentou-se com uma justaposição de pontos de vista complementares. Quisemos manter esse estado disperso e não acabado da teologia neotestamentária. A cada um é licito fazer uma nova tentativa de síntese teológica. Mas esse propósito parece supérfluo a quem pretende apenas meditar as Sagradas Escrituras para voltar às fontes da fé e da vivência cristã.
O leitor não encontrará aqui uma teologia da fé, mas apenas fragmentos para uma eventual teologia. Se sentir em si a vocação de teólogo sistemático, deverá ir além de nosso propósito e recorrer às experiências de dois mil anos de trabalho teológico cristão.
1 - CREDE NO EVANGELHO
Jesus apareceu aos olhos do povo de Israel como profeta, e grande profeta, não há dúvida. Quem dizem os homens que eu sou?
(Mc 8,27), perguntou ele aos discípulos. Responderam-lhe: Uns dizem que és João Batista, outros, que és Elias, outros, ainda, que és um dos profetas
(Mc 8,28). Depois do grande sinal dado em Naím, todos proclamaram: Um grande profeta surgiu entre nós, e Deus visitou o seu povo
(Lc 7,16). Por sua vez, Jesus aplica a si mesmo o provérbio: Não há profeta sem honra, a não ser na própria pátria, entre os parentes e na sua casa
(Mc 6,4). Isso foi depois de constatar que sua cidade e sua família não acreditavam nele.
Jesus foi e é mais do que profeta. Mas o que ele propriamente permanece para nós é misterioso. Por isso, foi necessário que ele aparecesse sob a figura e em prolongamento de outros papéis, que não exprimem tudo o que ele era e é, mas que constituem o caminho para conhecê-lo. Prolongando a linha dos profetas, ampliando a imagem dos profetas, seguiremos pelo menos um caminho que nos permitirá compreender algo dele. Podemos aplicar a Jesus as categorias da missão profética sem perigo de erro, com a condição de ultrapassar-lhes os limites. Assim fizeram os evangelistas. O próprio Cristo encaminhou os seus apóstolos nesse sentido.
Ora, que faz um profeta? Que pede um profeta? Um profeta pede a fé. Insiste, exige, exorta, ameaça, suplica e até chora porque tem de pedir a fé na sua mensagem. Não lhe é possível demonstrar a verdade de sua mensagem, fornecer às pessoas incrédulas, céticas ou desconfiadas as provas da verdade de sua mensagem. Conhecemos as torturas morais que sofreram os profetas do Antigo Testamento por essa incapacidade de comprovar a verdade de suas declarações.
E por que a fé? Porque o profeta anuncia acontecimentos futuros. O profeta anuncia o que Deus vai fazer: o que Deus resolveu fazer no meio da humanidade. Caso se tratasse apenas de anunciar esses atos do Criador que se renovam ciclicamente na criação, como os acontecimentos da natureza, a fé não seria necessária. Bastaria a contemplação filosófica das obras da criação. Mas o profeta anuncia novidades. Anuncia a realização de desígnios ocultos de Deus. Anuncia acontecimentos imprevisíveis, que não se acham contidos na evolução normal das realidades terrestres. Anuncia acontecimentos que só podem provocar admiração e surpresa, e até escândalo.
Como o profeta chegou a saber das intenções ocultas de Deus? Os documentos literários que possuímos não nos permitem reconstituir as experiências psicológicas que acompanharam a missão profética. Jamais saberemos o que se passou com os profetas, em sua psicologia, a não ser em parte, por analogia com as experiências místicas modernas, das quais os beneficiados nos deixaram alguns documentos analíticos. Mas a própria distância cultural entre os profetas do Antigo Testamento e os místicos modernos nos leva a relativizar muito tais analogias. Confessemos que nunca saberemos de que modo Deus criou na mente dos profetas a convicção, a certeza, a quase evidência de que algo ia acontecer por intervenção dele: se foi em forma de pressentimento, de iluminação repentina ou de lento crescimento de uma certeza interior. Em todo caso, o profeta soube e anunciou.
Ora, o futuro é indemonstrável. Tratando-se de um futuro realmente novo, que de nenhuma maneira se pode prever por extrapolação dos fatores já atuantes na história, não existem argumentos para confirmar a previsão. O futuro ainda não existe. Portanto, não é propriamente objeto de nossa inteligência. Como a Bíblia o proclama tantas vezes, só Deus conhece o futuro, a tal ponto que, se alguém anunciou o futuro, e esse anúncio foi confirmado pelos fatos, é sinal de Deus.
O profeta vê o futuro. Vê aproximar-se o ato de Deus, do qual vai depender o futuro do ser humano, e queria comunicar sua visão aos seus irmãos e irmãs. Mas somente pode apelar para a fé deles. Não consegue comunicar-lhes o próprio sentimento de evidência.
É verdade que Deus entrega nas mãos de seus profetas o poder de fazer sinais. Mas os próprios sinais se referem ao ato futuro de Deus. Os sinais permanecem incompreensíveis para quem não aceita a perspectiva nova que se abre sobre o futuro. Para quem recebe a mensagem com fé, os sinais dados pelos profetas são claros e confirmam as palavras. Para quem se nega a receber a mensagem, os sinais são apenas fatos aberrantes e sem significado. Serão objetos de curiosidade, de admiração ou de escândalo, ou simplesmente passarão desapercebidos. Vejamos como as várias categorias do povo eleito reagiram diante dos sinais dos profetas e de Jesus. A nova perspectiva de um novo futuro dá a chave dos sinais realizados pelos profetas. Para quem não acredita, os sinais em nada ajudam: nunca criam a convicção, nem substituem a fé.
Diremos, então, que a fé é simplesmente confiança no profeta? Não. A fé não se apoia nas qualidades do profeta. Ela é iluminação interior pela qual a palavra do profeta se revela de repente como sendo a verdade.
Na fé, a pessoa percebe de repente que seu destino será totalmente transformado – melhor dizendo, que acaba de ser transformado, pela manifestação do desígnio de Deus. Percebe que se realizou na sua vida a palavra de Jesus a Pedro: Quando tu eras moço cingias-te a ti mesmo e andavas por onde querias; quando, porém, fores velho, estenderás as mãos, outro te atará e te levará para onde não queres
(Jo 21,18).
* * * * *
Para manifestar-se aos seus, Jesus assume o papel de profeta. Ele também anuncia o que vai acontecer. Esse anúncio ultrapassa e completa todos os anúncios anteriores. Pois o ato de Deus que ele anuncia é a conclusão de todos os atos anteriores, o ato em que todos adquirem seu significado definitivo. Jesus vem e entra na humanidade e