Esperar a salvação: A escatologia de Hans Urs Von Balthasar
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Esperar a salvação - Lomar Antônio Brustolin
LEOMAR ANTÔNIO BRUSTOLIN (org.)
ESPERAR A SALVAÇÃO
A ESCATOLOGIA DE
HANS URS VON BALTHASAR
ESPERAR A SALVAÇÃO
Sumário
Capa
Folha de rosto
Introdução
Vida e obra de hans urs von balthasar
1. Vida e formação intelectual
2. Influência de adrienne von speyr
3. Pensamento teológico de balthasar
3.1. Primado da graça
3.2. Redescoberta do sentido alegórico na hermenêutica bíblica
3.3. A meta-antropologia
3.4. Trindade e cristologia: núcleo da teologia balthasariana
3.5. Antropologia dramática
3.6. Eclesiologia
4. Trilogia do amor
4.1. Glória
4.2. Teodramática
4.3. Teológica
5. Considerações finais
A escatologia nos escritos de hans urs von balthasar
1. A escatologia do nosso tempo (1954 e 1955)
2. As coisas últimas do homem e o cristianismo (1955)
3. Morte no pensamento moderno (1956)
4. Os novíssimos na teologia contemporânea (1957)
5. Escatologia: a teologia das coisas últimas (1959)
6. Só o amor é digno de fé (1963)
7. Primeiro o reino de deus: dois ensaios sobre a parusia bíblica (1966)
8. O homem e a vida eterna (1972)
9. Lineamentos de escatologia (1974)
10. O juízo (1980)
11. Sobre uma teologia cristã da esperança (1981)
12. Primícias de um novo mundo (1983)
13. Os juízos divinos no apocalipse (1985)
14. A escatologia madura: o último ato (1983)
15. Pequena catequese sobre o inferno (1984)
16. Esperar por todos (1986)
17. Breve discurso sobre o inferno (1987)
18. Apocatástase (1988)
19. Considerações finais
A morte de cristo como referencialidade da morte do ser humano: perspectivas balthasarianas
A morte na teologia de hans urs von balthasar
O juízo escatológico na perspectiva cristológico-trinitária de hans urs von balthasar
1. O juízo divino na sagrada escritura
2. Por que seremos julgados?
3. Um juízo ou dois juízos?
4. Um juízo de amor e no amor
5. O autojuízo do ser humano
Há esperança pela salvação de todos? a questão polêmica da escatologia de balthasar
1. O conceito de esperança em balthasar
2. O conceito de salvação em balthasar
3. A teologia da salvação de balthasar e o magistério eclesial
4. Considerações finais
A comunhão dos santos na perspectiva de hans urs von balthasar
1. A perspectiva bíblica
2. A perspectiva patrística
3. Tradição e magistério
4. Communio sanctorum na teologia de hans urs von balthasar
5. Considerações finais
A teologia da história na escatologia de hans urs von balthasar
1. História humana e batalha cósmica
2. A igreja e o confronto
3. A história teológica e o apocalipse
4. Considerações finais
Conclusão: uma escatologia teocêntrica
Referências
Coleção
Catalográfica
Notas
INTRODUÇÃO
Hans Urs von Balthasar (1905-1988), importante teólogo católico da Suíça, colaborou de forma única para as reflexões da teologia no século XX. Sua vasta obra teológica, fundamentada especialmente em escritos da Sagrada Escritura e da Patrística, demonstra quanto seu pensamento baseava-se nos alicerces da fé católica, embora dialogasse com a cultura de sua época. O cardeal Joseph Ratzinger, mais tarde papa Bento XVI, escreveu sobre ele em suas memórias, afirmando que nunca mais vai me acontecer de encontrar pessoas com uma formação teológica e história espiritual tão vasta como Balthasar e seu mestre Henri de Lubac […] Ele produziu uma reflexão que superou a tendência de manter a razão prisioneira de si mesma, abrindo-a aos espaços do infinito
. E fê-lo estudando filosofia, literatura e as grandes religiões. Seu doutorado foi realizado em literatura. A tese, defendida em 1928, intitulava-se A questão escatológica na atual literatura alemã
.¹ Revelou-se interessado, desde o tempo de estudante, pela questão escatológica.
Balthasar fundou sua escatologia sobre a Sagrada Escritura e sobre a Tradição da Igreja. Seu ensinamento é rico em análises e observações agudas, especialmente em relação à esperança da salvação para todos, de acordo com a revelação de Deus. Qualquer leitor das obras escatológicas de Balthasar se dá conta do fato de serem textos ricos em citações bíblicas e opiniões de muitos biblistas e exegetas sobre os argumentos tratados.
Em seus escritos, é possível encontrar referências ao pensamento teológico, à experiência dos místicos, às obras dos santos, ao ensinamento do magistério da Igreja. Para alguns, a escatologia de Balthasar pode fazer questionar se sua teologia é ainda católica. Claro que é preciso prestar muita atenção ao conjunto de ideias que ele pretende desenvolver. Ele é consciente de que suas afirmações podem gerar polêmica, mas está claro, em todas as obras, que ele pretendia oferecer apenas opiniões, propostas e reflexões, e não asserções categóricas. Para avaliar seu pensamento, é necessário considerar, sobretudo, sua vontade de permanecer absolutamente fiel à Igreja e à sua doutrina.
Esse desejo honesto é, de fato, o eixo de toda a sua teologia, especialmente da sua escatologia, desde o início. Já no prefácio da obra Os pensamentos sobre a doutrina das últimas coisas,² ele escreve que não quer afastar-se do ensinamento da Igreja, nem mesmo num pequeno ponto. Por isso, muitas de suas declarações a respeito de sua fidelidade ao magistério devem ser o ponto de partida para todo o estudo sobre o pensamento balthasariano.
Basicamente, a escatologia de Balthasar tem dois postulados hermenêuticos: a descosmologização dos dados escatológicos, e a concentração cristológica dos dados escatológicos.
Sobre o primeiro, ele parte da constatação de que os tempos mudaram e também as concepções do universo e do ser humano não são mais as mesmas do antigo judaísmo, nem mesmo da época medieval. Por isso, ele se propõe confrontar a revelação de Deus sob nova perspectiva, sobretudo naquilo que se refere aos acontecimentos escatológicos contidos na revelação. Para ele, é inevitável uma operação hermenêutica capaz de libertar do domínio figurativo as realidades últimas: o que é cosmológico precisa ser revisto a partir dos novos dados.
Ele segue a linha de Yves Congar e trata, por exemplo, da nova compreensão de purgatório, fazendo uma crítica sobre a realidade física das coisas últimas. Ele diz que não é possível reduzir as coisas últimas à dimensão cosmológica. A descosmologização da escatologia também remete ao pensamento de Garrigou-Lagrange. Este, comentando o Salmo 73, afirma que nenhuma descrição do inferno ou do paraíso pode deixar de relacionar-se com a presença de Deus. É Deus a referência para compreender o céu e o inferno: estar com Deus é estar no céu; estar sem Deus é estar no inferno. Isso permite a Balthasar entender as realidades últimas não como lugares, mas como estados em Deus, como encontro do ser humano com Deus. E esse modo de compreender vai marcar toda a sua escatologia.
Nosso autor também percebe a dificuldade de fazer essa descosmologização, isto é, não considerar mais o lugar físico, nem mesmo o lugar das realidades últimas, mas preferir as palavras estado
e presença
ou ausência
de Deus. A primeira dificuldade é o risco de cair num abismo anticósmico, que poderia constituir uma relação direta do ser humano com Deus e o seu fim, prescindindo do mundo criado. Isso poderia sustentar que bastaria, no fim de tudo, o ser humano encontrar-se com Deus, e essa seria a meta final. Mas como fica a criação? Como ficam os novos céus e a nova terra?
Uma segunda dificuldade é possível perceber nas primeiras linhas da introdução do seu escrito O último ato.³ Quando se fala teologicamente do drama da criação e da redenção do mundo, involuntariamente se pensa primeiro nos acontecimentos que se esperam para o fim da história intramundana. Por exemplo, o combate entre Cristo e o anticristo. A revelação do Novo Testamento permite compreender que esses acontecimentos terão um caráter muito específico e precederão a ressurreição, o juízo, o purgatório, a salvação ou a condenação. Isso é escatologia. Esse ponto de vista contrasta com a modalidade de reelaboração do tratado tradicional da escatologia. Poder-se-ia até afirmar que há dificuldade de exercer uma descosmologização dos dados escatológicos porque não é possível pensar nas coisas últimas desconectadas das realidades últimas, como a parusia, que exige a presença de Cristo na criação a ser transfigurada.
Balthasar, entretanto, defende a legitimidade do uso de uma linguagem que se serve das imagens, arquétipos e conceitos da língua humana para explicitar uma realidade escatológica. Ele até sustenta que, sem essa linguagem, Deus não poderia tornar acessível sua Palavra ao ser humano. Para o nosso teólogo, a linguagem imaginativa talvez seja a única forma possível de expressar a realidade escatológica. Logo, essa linguagem é somente um meio para comunicar a realidade concreta. Um caso emblemático é a ressurreição de Cristo, que não é mito, mas fato histórico. Portanto, não se pode desmitizar o Novo Testamento, mas somente sua linguagem. Critica, assim, a reflexão de Bultmann, com sua desmitologização do Novo Testamento.
Sobre a concentração cristológica dos dados escatológicos, Balthasar acentua que Deus é o fim último da sua criatura. Para ele se orienta todo ser humano, especificamente para Jesus Cristo, Filho de Deus. A partir disso, para Balthasar, a escatologia precisa ter, necessariamente, uma concentração cristológica.
A verdadeira escatologia é a vida trinitária de Deus aberta em Jesus Cristo. A pessoa de Jesus Cristo, na teologia de Balthasar, assume um lugar absolutamente central, e, por isso, Cristo é a salvação de Deus, transmitida ao ser humano somente na pessoa de Jesus Cristo mesmo. Por isso, Jesus Cristo é chamado o eschaton. Mais interessante do que concentrar-se no que virá – céu, inferno, purgatório –, Balthasar concentra-se em quem virá (eschatói): a pessoa do Verbo de Deus que se fez homem, Jesus Cristo. Ele é o centro da história e só ele confere sentido à história.
Balthasar também declara que Jesus é o juiz e a ressurreição (João 11,25). Ele é o eschaton da decisão atual, porque, a cada momento, pode-se estar a favor dele ou contra ele, implicando consequências para a eternidade. Assim, sustenta-se que não existe nunca, no Novo Testamento, uma teodramática horizontal, mas somente vertical, na qual o último momento do tempo, cristologicamente significativo, será totalmente referido a Jesus Cristo glorificado, o qual assumiu e elevou, no tempo, os conteúdos de sua história: especialmente sua vida, morte e ressurreição.
Esta obra é resultado das aulas e das pesquisas realizadas por mestrandos e doutorandos do Programa de Pós-Graduação em Teologia, na disciplina de Antropologia Teológica da PUCRS, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, em 2019. Na ocasião, tivemos a oportunidade de coordenar os trabalhos que permitiram maior aproximação com o pensamento escatológico de Hans Urs von Balthasar e, considerando a relevância de sua teologia para o nosso tempo, decidimos compartilhar, aqui, nossas reflexões. Entendemos que a teologia de joelhos
balthasariana poderá inspirar a fé e a esperança de muitos que buscam um horizonte que dê sentido à vida.
Dom Leomar Antônio Brustolin
VIDA E OBRA
DE HANS URS VON BALTHASAR
Rafael Martins Fernandes⁴
Aobra balthasariana soma um total de noventa livros, cem traduções e mais de quinhentos escritos menores. No seu conjunto, realiza um serviço valioso à teologia contemporânea, sobretudo ao colocar em ato a unidade natural, presente na grande tradição eclesial, entre pesquisa teológica e espiritualidade, entre teologia e santidade.⁵ De fato, a teologia de Balthasar nasce de sua paixão por Cristo, brotada da vida de oração, e está enraizada na teologia orante dos Santos Padres, dos grandes escolásticos e de místicos da Igreja, sem perder, por isso, sua atualidade.
A prioridade pelo fazer teológico orante questionou os objetivos de teologias surgidas no século XX, talvez demasiado preocupadas em atualizar-se conforme os parâmetros das ciências modernas. Os riscos com os quais essas teologias se