Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Os Outubros de Taiguara
Os Outubros de Taiguara
Os Outubros de Taiguara
E-book190 páginas2 horas

Os Outubros de Taiguara

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Primeiro livro editado pela Kuarup, a obra Os Outubros de Taiguara, escrita pela jornalista Janes Rocha, retrata a vida do cantor e compositor e traz em destaque um amplo levantamento sobre a ação da censura a esse que foi um dos artistas mais perseguidos pela ditadura militar. A obra mostra ainda detalhes inéditos de como a repressão prejudicou o trabalho de Taiguara com mais de 80 canções vetadas pela censura além do disco Imyra, Tayra, Ipy de 1976. Com prefácio do jornalista João Gabriel de Lima e introdução do crítico musical Tárik de Souza, o livro faz parte do projeto de curadoria e recuperação da obra de Taiguara, grande interprete dos festivais dos anos 60 além de criador de sucessos como Hoje e Universo no Teu Corpo, entre outros.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento13 de fev. de 2017
ISBN9788568494073
Os Outubros de Taiguara

Relacionado a Os Outubros de Taiguara

Ebooks relacionados

Artistas e Músicos para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de Os Outubros de Taiguara

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Os Outubros de Taiguara - Janes Rocha

    Janes Rocha

    OS OUTUBROS DE

    TAIGUARA

    UM ARTISTA CONTRA A DITADURA:

    MÚSICA, CENSURA E EXÍLIO

    1ª Edição

    Kuarup Produções Ltda.

    São Paulo

    2016

    Si se calla el cantor

    calla la vida

    porque la vida,

    la vida misma

    es todo un canto

    Da canção Si se calla el cantor, de Horacio

    Guarany, imortalizada por Mercedes Sosa

    SUMÁRIO

    PREFÁCIO

    APRESENTAÇÃO

    Estreia na bossa

    Festivais e baladas

    Estilo miscigenado

    Asas cortadas

    Popular impopular

    INTRODUÇÃO

    AGRADECIMENTOS

    CAPÍTULO I

    CAPÍTULO II

    CAPÍTULO III

    CAPÍTULO IV

    CAPÍTULO V

    CAPÍTULO VI

    CAPÍTULO VII

    CAPÍTULO VIII

    CAPÍTULO IX

    Zumbi do Brasil

    BIBLIOGRAFIA

    Livros e teses acadêmicas

    Sites e blogs

    Wikipédia

    Jornais e revistas

    Discografia

    NOTAS

    Créditos

    PREFÁCIO

    O cara errado nas

    épocas erradas

    João Gabriel de Lima¹

    A ditadura militar brasileira instalou-se em 1964 para sufocar uma nascente efervescência política de esquerda. Ao longo de 21 anos, prendeu, torturou, matou e censurou. O período entre 1964 e 1985 viu o surgimento de uma geração brilhante de artistas e intelectuais que se opuseram ao regime. Muitos deles estão aí até hoje, escrevendo, atuando, filmando, cantando e compondo. Talvez pelo trauma da ditadura, quase todos os artistas e intelectuais brasileiros até hoje se dizem de esquerda (assim como os políticos. Não existe um partido importante no país que se defina como de direita). Neste país em que todos são de esquerda, poucos artistas o foram tão radicalmente – e sinceramente – quanto o cantor e compositor Taiguara. A ponto de beirar o folclore. Nos anos 1990, em plena redemocratização, ele não tomava Coca-Cola nem usava calças jeans, que considerava símbolos americanos. Só fumava charutos cubanos. Só lançava discos por gravadoras que não fossem multinacionais – e ficou chateado quando uma delas, a Warner, comprou a Continental, com a qual Taiguara tinha contrato, e passou a ter direitos sobre suas músicas. Seus álbuns nunca eram lançados em hotéis de luxo, que Taiguara considerava templos da burguesia. Em seus shows, ele intercalava a interpretação de músicas fortemente panfletárias com discursos políticos intermináveis, à la Fidel Castro.

    Naquela época, a música já não era sua preocupação central. Ele subordinava a atividade de cantor à de militante. Tornou-se amigo do líder comunista Luís Carlos Prestes. Inspirava-se em sua biografia, frequentava a casa dele, chegava mesmo a dar dinheiro a ele. Era fascinado por Cuba, país que visitou pela primeira vez em 1992, numa caravana de artistas. Não estava na lista original. Só conseguiu embarcar porque houve desistências – entre elas a do líder da caravana, Chico Buarque, por razões familiares. Como ocorreria anos mais tarde com outro emblema da esquerda, o presidente venezuelano Hugo Chávez, Taiguara foi vítima de um câncer pélvico. Como Hugo Chávez, Taiguara foi se tratar em Cuba. Como aconteceu com Hugo Chávez, o tratamento não surtiu o efeito desejado – e Taiguara morreu em 1996, aos 50 anos.

    Dom Quixote quis ser cavaleiro andante quando a cavalaria já havia acabado. Analogamente, Taiguara foi um esquerdista radical quando o esquerdismo radical já era motivo de piada – os anos 1990, na poeira dos cacos do Muro de Berlim. No tempo em que os cavaleiros andantes de bandeira vermelha tinham prestígio – os anos 1970 –, Taiguara ainda era um cantor romântico. Novamente, era o homem errado no lugar errado. Como lembra a jornalista Janes Rocha neste Os outubros de Taiguara, ser censurado pela ditadura militar era, claro, um péssimo negócio. Mas era também motivo de prestígio num país onde toda a intelectualidade se opunha ao regime. Artistas como Chico Buarque se fortaleceram na batalha contra a Censura. Poucos, no entanto, foram tão censurados quanto Taiguara – que, segundo levantamento da autora, teve 85 músicas proibidas. Mas a Censura, para ele, foi apenas isso – a Censura.

    Numa época de rivalidades e polarizações, Taiguara nunca foi inteiramente admitido no clube seleto da MPB de esquerda. Em parte por ter surgido nos festivais de música romântica, e não nos que cultivavam a MPB de protesto. Em parte por ser, ele próprio, um cantor e compositor de veia sentimental – formado na escuta, na infância, das músicas de fossa de Maysa, Dóris Monteiro e Dolores Duran. Em parte porque, no auge de sua carreira, cantava em programas de televisão considerados alienados, como o de Silvio Santos. E em parte porque a censura às suas músicas não se dava apenas por razões políticas, mas pelo conteúdo muitas vezes erótico das letras. O fato é que ser censurado não foi uma medalha para Taiguara. De certa forma, acabou com sua carreira.

    Percebido como romântico quando todos eram políticos, e tido como excessivamente político quando todos tentavam ser pop, Taiguara foi o cara errado nos momentos errados. Ouvido hoje, à distância das duas épocas, nota-se claramente o que Taiguara fez de certo: a sua música. Taiguara é um pianista de talento e originalidade, e um compositor de harmonias precisas. Ele sempre aparece em seus álbuns cercado de bons músicos – e canta com afinação, sinceridade e peito aberto. Relevando-se certa falta de critério e autocrítica nas letras, e deixando-se de lado as inadequações no tempo e no espaço, vale a pena conhecer a vida e a obra de Taiguara.

    Este livro – e os próximos lançamentos da Kuarup – significa um passo na direção de um dos artistas mais injustiçados da

    música brasileira.

    APRESENTAÇÃO

    O novo amanhecer de Taiguara

    Tárik de Souza²

    De mudança do Rio para São Paulo em 1961, só no segundo dia de aula, no então curso ginasial do Mackenzie, vi a carteira ao lado da minha ser preenchida. De mocassim sem meias e muito falante, o novo colega era um típico emigrado carioca (embora fosse uruguaio, como descobri depois), com o nome incomum de Araguari Chalar da Silva. Logo me tornei amigo também de seu irmão mais velho, Taiguara, todos nós congregados na paixão pela música.

    Três anos depois, por causa do golpe militar, o Teatro de Arena, situado perto do colégio, ficou fechado por algum tempo, já que seus líderes, Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri, eram caçados pela repressão. Cogitou-se reabri-lo com uma peça estudantil amadora que unisse músicas e pequenos esquetes (antes do clássico Arena conta Zumbi, diga-se), um libelo contra o racismo denominado Um quadro negro. Lá fomos eu (como suposto percussionista), Taiguara e um certo Francisco Buarque de Holanda – da também próxima FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) –, outro iniciante, para o palco já sagrado, onde tinham pisado sumidades como Eugênio Kusnet, Sérgio Britto, Oduvaldo Vianna Filho, Lima Duarte, Myriam Muniz, Isabel Ribeiro e Milton Gonçalves. A temporada foi de apenas três dias (de 12 a 14 de junho de 1964), mas Taiguara e Chico já zarpavam em direção a carreiras musicais diferenciadas.

    Estreia na bossa

    Cria do ambiente paulista da bossa nova, especialmente do polimorfo Juão Sebastião Bar, de Paulo Cotrim, Taiguara estreou em 1965, aos 19 anos, no LP que levava apenas seu nome com um ponto de exclamação. Trazia arranjos de Luís Chaves (baixista do Zimbo Trio) e louvações na contracapa do pianista do Tamba Trio, Luiz Eça (não é apenas um cantor, mas um verdadeiro músico), do também iniciante Edu Lobo (ele tem uma das vozes mais impressionantes que já ouvi) e da já experiente Alaíde Costa (que coisas lindas ele faz!).

    No disco do violonista, pianista e cantor, havia várias canções autorais (Samba de copo na mão, Mulata é para sambar, Pesqueiro, A hora do nego e Graúna), dois clássicos alheios (Preciso aprender a ser só e Formosa) e um precursor mash-up de dois standards de temática semelhante, Samba de verão e Garota de Ipanema, acoplados não como pot-pourri, mas com revolucionária interpenetração de melodias e letras. Apesar de um segundo disco ainda dentro dos cânones da bossa (com, entre outras, Canto de Ossanha, Samba tempo, Apelo, Por um amor maior e Samba do carioca) – 1o Tempo: 5X0, de 1966, derivado de um show com a cantora Claudette Soares e direção da dupla Luiz Carlos Miele & Ronaldo Bôscoli –, Taiguara mudou de gravadora (trocou a Philips pela Odeon) e de rumo.

    Festivais e baladas

    Em 1968, saía Taiguara – O vencedor de festivais, quase um recomeço de carreira. No repertório, duas do já consagrado colega de geração, Chico Buarque (Benvinda e Até pensei), toadas modernas, a voga da época (Visão e Moça do sobrado, de Antônio Adolfo e Tibério Gaspar; O viandante, de Novelli, Paulo Sérgio Valle e Wagner Tiso; e Rei forte, única assinada por ele, com Novelli) e destaques de suas participações em festivais (Modinha, de Sérgio Bittencourt; Helena, Helena, Helena, de Alberto Land; e A grande ausente, de Francis Hime e Paulo César Pinheiro). Por sua vez, o álbum Hoje (1969) misturava o ontem de Dolores Duran (Fim de caso e Castigo), Vinicius de Moraes (Serenata do adeus) e Tom Jobim (Esquecendo você) com um pot-pourri de frevos, incluindo o então recém-lançado Atrás do trio elétrico (Caetano Veloso). Havia, também, sua própria incursão no gênero ao lado de Novelli, Marcos & Paulo Sérgio Valle (Frevo novo) e uma canção autoral Tributo a Jacó do Bandolim, falecido naquele ano. Na faixa título, o DNA da balada romântica comportamental, que, a partir dali, marcaria sua assinatura com grandes sucessos populares.

    No disco seguinte, de 1970, com a maioria das orquestrações do maestro Lindolpho Gaya, músico marcante na vestimenta de suas composições ao longo da carreira, essa tendência ganhou força em Universo no teu corpo, Maria do futuro e na faixa-título, Viagem. Geração 70 conceitua, com clareza, esse ideário: Nós estamos inventando a vida/ como se antes nada existisse/ porque nascemos hoje do nada/ (…) e nós vamos resistir sem medo/ à solidão de um tempo de guerras/ e nossos sonhos loucos e livres/ vão descobrir e celebrar a paz. Em O velho e o novo, Taiguara dialoga com o pai, Ubirajara Silva, e seu bandoneón, no mesmo ano em que outro baladista emérito, o inglês Cat Stevens (depois Yusuf Islam), lançava Father and son, também enfocando o contraponto geracional.

    Estilo miscigenado

    Mesmo iniciado num núcleo da bossa nova e tendo sido contemporâneo do Tropicalismo, da Jovem Guarda, e dos mineiros do Clube da Esquina, Taiguara não se enquadrava em nenhuma dessas escolas. Como intérprete, sua voz extensa e maleável de timbre metálico, capaz de falsetes e vibratos, só encontra algum paralelo anterior em Pery Ribeiro – o filho dos ícones Dalva de Oliveira e Herivelto Martins –, que, não por acaso, gravou um Tributo a Taiguara, em 1999. Em três discos sucessivos, Carne e osso (1971), Taiguara, piano e viola (1972) e Fotografias (1973), consolidou-se o que pode ser chamado de estilo Taiguara. Uma argamassa estética peculiar que mesclava o tríptico da época – sexo, drogas e rock’n’roll (no caso

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1