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Aaron Fischer - E a prova dos elementos
Aaron Fischer - E a prova dos elementos
Aaron Fischer - E a prova dos elementos
E-book361 páginas5 horas

Aaron Fischer - E a prova dos elementos

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Sobre este e-book

O Império de Taurestá prestes a presenciar o recomeço da guerra civil, que chegou a dizimar um terço da população, quinze anos antes. Em um mundo onde elementais – humanos com poderes e habilidades fantásticos – vivem como deuses, apoiados pela Igreja e pelo Exército, os homens comuns, nascidos sem poderes, são escravizados e obrigados a ter uma vida miserável do lado de fora das muralhas das grandiosas Cidades Elementais. Entre esses comuns vive Aaron Fischer, um garoto de quinze anos, inconformado com a vida imposta pelo Exército Imperial. Quando Jonas, seu pai, é assassinado pela Marinha Imperial, poderes desconhecidos despertam no garoto, e ele descobre que é, na verdade, o filho perdido do ex-general Logan Grun, um dos mais cruéis genocidas da história e um dos mais poderosos elementais. Perante as últimas palavras do homem a quem ele chamava de pai, Aaron promete encontrar o nefasto grupo revolucionário conhecido como Exército Negro, libertando os comuns e revelando a verdade por trás do que aconteceu no passado.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de dez. de 2016
ISBN9788542810141
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    Aaron Fischer - E a prova dos elementos - Carlos Melo

    1

    Despedidas

    Era o último dia de aula do ensino básico para Aaron Fischer, garoto alto e de estrutura física formidável para seus recém­-completados quinze anos. Ele possuía os olhos negros como a noite mais escura, o cabelo castanho longo, sempre despenteado e queimado de sol, combinando com a pele bronzeada devido às longas horas passadas no convés do barco de pesca comandado por seu pai.

    Até aquele momento, Aaron pensava ser o último dia de aula da sua vida. Finalmente se livraria de todas aquelas classes chatas que ocupavam tanto seu tempo e poderia tentar mudar seu futuro. Afinal, ele não sabia por que teve de ir à escola durante tanto tempo, já que não teria direito de escolha sobre qual ofício iria seguir. Todos os jovens que ali estavam iriam concluir o ensino básico e trabalhar no que o Exército Imperial ordenasse. Sortudos eram os que poderiam herdar o ofício da família, como ele próprio. Essa era uma das poucas concessões feitas pelo Exército aos chamados comuns.

    Na escola para comuns, os jovens só aprendiam cinco matérias – Linguagem, História, Matemática, Religião e Educação Física –, apenas o suficiente para que pudessem exercer seus ofícios. Diante dos resultados e aptidões de cada um, o Exército determinava onde e com o que o jovem iria trabalhar, sendo mandado, geralmente, para longe de casa, no intuito de que não fossem criados laços com a terra nem ideias de comunidade, dificultando assim o início de rebeliões. Obviamente, o motivo oficial divulgado pelo Exército Imperial não era esse. Segundo eles, esse intercâmbio serviria para a troca de culturas e experiências entre todos os povos do Império.

    Grande parte daqueles garotos, não só daquela escola, mas de todo o Império, era órfã. A chamada Guerra dos Deuses Caídos havia se encarregado de garantir esse título para muitos, não só as crianças de sangue comum, mas também as de sangue elemental.

    Apesar do nome, a Guerra dos Deuses Caídos não havia sido, de fato, uma guerra entre deuses, mas uma guerra civil entre dois generais do Exército Imperial pelo cargo de marechal.

    Segundo os professores de História, após a morte do antigo marechal Yunt Kruk, o general Jorg Marok, o Anjo Caído, havia sido eleito pelo conselho militar imperial o novo marechal. Porém, sedento de poder e inconformado com essa decisão, outro general, Logan Grun, chamado por todos de o Lobo, juntou­-se a outros oficiais e deu início a uma rebelião. Os revoltosos começaram atacando Cidades Comuns nas colônias do norte do Império, incitando rebeliões e juntando seguidores à medida que marchavam em direção à capital.

    Logo, um punhado de elementais dissidentes se transformou em um verdadeiro Exército formado por comuns e elementais, autointitulado Exército Negro.

    Nada ficava de pé por onde passavam, destruindo tudo e todos que não os apoiavam, tendo como resultado um rastro de morte, destruição e sofrimento no seu caminho.

    O que muitos achavam se tratar de uma pequena rebelião, transformou­-se em uma guerra sangrenta que dividiu o Império e matou grande parte da população. Depois de muitos anos de guerra, sob o comando do marechal Jorg Marok, o Exército Imperial matou o Lobo e destruiu o Exército Negro, restaurando a ordem… Ou assim diziam os professores de História. Porém, a ordem restabelecida continuou sendo de pouca esperança e muita exploração para as pessoas nascidas comuns.

    Já para os nascidos elementais, órfãos ou não, um futuro completamente diferente os esperava: quando acabavam o ensino fundamental poderiam escolher o rumo que iriam tomar. A maioria sonhava em entrar para a Escola para Elementais de Lysmor, único local apto a formar os oficiais superiores e generais do Exército Imperial.

    O Anjo governava o Império com grande apoio da Igreja, impondo um violento separatismo entre comuns e elementais, sendo os primeiros mantidos praticamente como escravos nas suas cidades miseráveis, forçados a trabalhar e proibidos de pisar nas belas e grandiosas cidades elementais.

    Mesmo os elementais que não conseguissem entrar em Lysmor, o que ocorria com a grande maioria, não teriam com o que se preocupar: levariam uma vida tranquila como burocratas, comerciantes ou qualquer outra carreira.

    Por isso, como todo garoto, Aaron sonhava que um dia seus poderes iriam finalmente despertar e ele entraria para a Escola de Elementais de Lysmor, tornando­-se um dia marechal e acabando com o separatismo. Entretanto, seus poderes nunca haviam aparecido e ele já enxergava isso como um sonho bobo de criança.

    E era nisso que pensava enquanto desenhava em seu velho caderno e esperava o diretor chamar um por um dos que estavam concluindo o ensino básico e se encontravam no pequeno auditório da escola da vila, para lhes dizer qual ofício o Exército Imperial os havia designado.

    – Aaron Fischer!

    O diretor Shaw, um homem velho, com poucos cabelos brancos e muita barriga, de temperamento explosivo, mas querido por todos, estava vermelho e parecia com raiva enquanto gritava seu nome. O garoto percebeu que ele devia estar chamando seu nome há algum tempo, então se levantou e andou rápido até a grande mesa montada no palco. Estava nervoso, sempre quisera algo a mais na vida e tinha certeza que conseguiria, mas como não podia fazê­-lo agora era melhor que o designassem para ser pescador e seguir os passos do seu pai, assim teria tempo e apoio para pensar em algo.

    Seu medo era ser mandado para o outro lado do Império por algum oficial estúpido, ou, pior, para uma mina de ouro no gélido norte, o que era uma sentença de morte.

    Antes que pudesse falar qualquer coisa, o Diretor Shaw tomou sua frente.

    – Queriam colocar você para trabalhar nas minas de ouro por causa dos seus testes físicos, mas eu consegui convencê­-los e o designaram para o ofício de pescador! – Debaixo do seu grande bigode branco, estava um sorriso nem tão branco, mas sincero.

    – Diretor Shaw, eu não sei nem como agradecer, você salvou a minha vida!

    – Não precisa agradecer, garoto, eu fiz isso pelo seu pai. Afinal, ele parece estar precisando de uma ajuda com aquele barco velho. E, de qualquer maneira, eu devia a ele alguns favores. Vai lá, garoto, vai comemorar!

    As grandes máquinas do Exército Imperial, gigantescas estruturas de metal fundido, movidas por um barulhento motor, que expelia uma grossa fumaça preta, e criadas recentemente pelas empresas Storegeni, iriam à vila no dia seguinte para levar os jovens recém­-formados para seus locais designados. Por isso, antes de ir para casa comemorar com seu pai, Aaron havia combinado com seus amigos uma pequena reunião de despedida no velho esconderijo, onde sempre se reuniam.

    O seu grupo de amigos era formado basicamente por mais três pessoas. Phillip e Josh, que eram primos, mas pareciam irmãos: eram altos e magros com longos dedos e um jeito desengonçado que enganava. Nunca desgrudavam um do outro, possuíam uma habilidade impressionante com as mãos e, por isso, eram os reis dos pequenos furtos da vila. Haviam sido criados pela avó, a qual havia morrido há alguns anos e, desde então, viviam de pequenas ilicitudes. A outra integrante do grupo era Sarah, uma menina durona, apesar de baixinha, com cabelos pretos e curtos que sempre puxava a responsabilidade para si. Sarah sobrevivia da horta que existia atrás da casa dos seus falecidos pais e sempre tentava ajudar os outros. Era a única menina da vila por quem Aaron sentia algo, mas ela nunca havia dado bola para suas investidas.

    O velho esconderijo ficava em uma falha na ponta da Pedra do Arpão, uma enorme estrutura rochosa que dividia as docas do pequeno porto da vila e dava abrigo aos barcos, nas suas reentrâncias, do agitado mar da Costa da Pérola. Era também quem dava nome à vila, conhecida como Vila do Arpão.

    Em ordem alfabética, todos os seus três amigos foram chamados pelo diretor Shaw e designados para lugares diferentes. Josh e Phillip iriam trabalhar nas fábricas de arma no nordeste do Império, o que já era de se esperar, pois a maior habilidade dos dois estava em suas mãos. Conseguiam construir instrumentos fantásticos apenas com o que achavam no lixo. Sarah havia sido designada para trabalhar nas grandes fazendas de alimentos na parte central do país.

    Quando a garota, a última a ser chamada, voltou, eles partiram juntos para a pedra perto das docas. Por algum tempo, todos ficaram em silêncio enquanto andavam, como se em respeito àquele momento, no qual relembravam suas estórias. Não podiam reclamar, afinal, tiveram sorte, pois haviam sido designados para trabalhos bons ou, pelo menos, trabalhos que não eram mortais como a pesca de pérolas na costa do Deserto Orken ou a extração de madeira na floresta de Irtak.

    Mesmo assim, realizaram todo o percurso da escola até as docas em silêncio. Tudo parecia passar em câmera lenta, e Aaron tinha certeza que todos ali viam passar diante de si uma infância, que, apesar de todas as dificuldades, havia sido, por assim dizer, feliz. Uma infância em que os quatro haviam vivido juntos, mas que agora estava chegando ao fim. A partir daquele momento, uma vida totalmente diferente estava para começar.

    A falha na Pedra do Arpão formava quase uma caverna, a qual não podia ser vista das docas nem de cima das pedras. O local era perfeito, ninguém sabia de sua existência e quando queriam desaparecer era para lá que iam. Josh e Phillip descobriram aquele lugar enquanto fugiam de um dos seus poucos malsucedidos furtos e, desde então, havia se tornado o que eles chamavam de base.

    – Pelo menos demos sorte, não temos do que reclamar. – Sarah olhava para a imensidão azul do mar, ainda pensativa.

    – Tem razão! Todos nós fomos designados para onde queríamos, a única coisa que vamos deixar são boas lembranças nesta vila. – Phillip brincava com um de seus canivetes enquanto falava e Josh apenas fez um barulho de concordância. Tanto Sarah como Phillip e Josh não possuíam família, sendo órfãos do Lobo, como eram chamadas as crianças que haviam perdido os pais na guerra.

    O silêncio voltou a aparecer, mas, antes que ele se tornasse algo pesado e palpável, Aaron o quebrou:

    – É, e tem mais, quem sabe do futuro? Nós ainda podemos nos encontrar algum dia e acabar com o apartheid, nos tornar grandes líderes… Tudo é possível!

    Parecia que ninguém iria lhe responder, afinal esse era o sonho que todos eles haviam alimentado por tantos anos e tantas reuniões, e aquele momento era o mais próximo que se podia chegar de um velório de sonho. Eles haviam acabado de ser separados pelo poder do Exército, cada um viveria uma vida pacata e provavelmente muito sofrida, e morreriam sem nunca nem entrar em uma cidade elemental.

    Quando ele já estava perdendo a esperança de alguém respondê­-lo, Josh saiu com um dos seus planos mirabolantes de como eles, mesmo separados, conseguiriam destruir o Exército Imperial, e logo todos estavam contribuindo e fazendo planos ainda mais impossíveis. A tensão se dissipou e aquela parecia só mais uma de suas reuniões.

    No caminho de volta para casa, na superpopulosa Vila dos Pescadores, formada por palafitas construídas uma por cima da outra, feitas do resto de madeira de embarcações naufragadas, o mais novo pescador tinha de passar pela praça central da vila, onde ficava a estátua de cerca de três metros de altura do marechal Jorg Marok com suas enormes asas recolhidas atrás de suas costas, a sua mão direita no pomo da sua famosa espada, Excalibur, forjada pelo primeiro elemental do ferro e maior ferreiro da história, Wayland. Seu rosto olhava dignamente para o mar a sua frente, como se quisesse o bem de todos. Ao seu lado, como a figura de uma bênção, estavam os quatro grandes deuses: Fir, deusa e criadora da água, Arin, deusa e criadora do ar, Tur, deus e criador da terra, e Ragur, deus e criador do fogo. Acima de todos, em um pedestal, estava Vlaar, pai de todos os deuses e criador do mundo.

    Aquelas estátuas praticamente resumiam o sistema que o Exército Imperial usava para governar: o poder do Exército e o controle de massa da Igreja. O Exército Imperial era uma instituição extremamente poderosa e que poucos poderiam ir contra. A Igreja existia para manter a massa alienada e calma, evitando assim uma rebelião que ameaçasse o poder do Exército Imperial.

    Segundo os ensinamentos da Santa Igreja, a qual todos eram obrigados a ir nos dias de descanso, os deuses haviam criado o mundo e tudo nele existente para servir aos elementais, seus verdadeiros filhos e herdeiros. Como prova disso, haviam abençoando­-os com força, agilidade e resistência superiores, além dos seus grandiosos poderes.

    É claro que essa não seria uma religião que atrairia muitos seguidores comuns, já que os colocava como meros objetos para serem usados pelos elementais, e, por isso, os ensinamentos afirmavam que todos os que fossem bons e cumprissem suas funções teriam um lugar no paraíso, independentemente de serem comuns ou elementais.

    A mensagem era clara: aceite seu destino, qualquer que seja, e quando morrer encontrará um eterno paraíso. Revolte­-se e sofra as devidas reprimendas pelo Exército e ainda por cima queime no submundo quando a morte chegar.

    Não eram muitos os que tinham coragem de ir contra o sistema, a maioria preferia tomar forças na fé e nos ensinamentos da Igreja, acreditando que seriam recompensados na hora da morte. Por causa disso, muitos comuns tratavam os elementais como verdadeiros deuses na terra.

    Aaron odiava aquelas estátuas, pois sabia muito bem o que elas representavam. A sua vontade todas as vezes que passava por elas era destruí­-las pedacinho por pedacinho. Mas isso era crime punível com a morte.

    2

    Primeio dia

    no velho ofício

    Já fazia tempo que o sol havia se posto quando Aaron finalmente chegou a casa, ainda recordando as conversas com seus amigos. Seu pai, Jonas, aguardava na porta da velha casa na Vila dos Pescadores, com seus cabelos grisalhos e longos, seu olhar sempre tranquilo, a posição relaxada, mas sempre alerta. Apesar da idade, possuía um corpo em forma e musculoso que havia adquirido com a prática diária de artes marciais durante vários anos, hábito que havia obrigado Aaron a desenvolver. Usava sempre uma camisa de botão desbotada cobrindo a longa cicatriz, a qual ia do seu ombro esquerdo até as costelas do lado direito, e um velho short.

    Apesar de que em qualquer outro dia ele estaria furioso com o filho por chegar tão tarde e ter faltado ao treino de artes marciais, naquele dia Jonas parecia tranquilo, com um olhar compreensivo.

    – Como foi? Você foi designado para pescador?

    – Fui sim, o diretor Shaw disse que teve de convencer os oficiais, mas no final deu tudo certo. – Aaron abriu um sorriso.

    – Que bom, meu filho! – Seu pai lhe deu um forte abraço de comemoração. – E os outros garotos, para onde foram designados?

    – Sarah foi designada para as fazendas de alimentos no centro do país, e Josh e Phillip para as fábricas de armamentos no norte.

    – Isso é bom… são bons empregos! – Jonas parecia conformado com aquela situação de submissão para com o Exército Imperial. Ele sempre mandara seu filho e seus amigos obedecerem e respeitarem os soldados que mantinham a ordem na Vila, independentemente do que fizessem, nunca deveriam interferir. O garoto já havia visto soldados humilharem e maltratarem seu pai, que aceitava tudo calado e com um sorriso no rosto. Aquilo o deixava louco de raiva, não só com o Exército Imperial, mas com seu pai também.

    – Não, pai, não são, nós queremos mais, e um dia teremos! O Exército Imperial não vai conseguir nos impedir.

    – É bom sonhar, é o que nos mantêm vivos! E, como você mesmo diz, quem sabe do futuro, não é mesmo? Mas, por enquanto, nós trabalhamos! Amanhã começamos e, como presente de boas­-vindas, iremos passar uma semana pescando no mar. Partimos ao raiar do sol, só nós dois!

    No dia seguinte, o Exército mandaria suas máquinas para levar todos os recém­-formados aos seus respectivos lugares. Há alguns anos que eles haviam trocado os grandes carros de boi por aquelas enormes bestas de ferro que andavam sozinhas. Todos na vila paravam para ver o desfile daquelas grandiosas máquinas.

    O comboio do Exército chegaria ao meio­-dia, mas Aaron e Jonas tinham de partir antes para o mar. Então, o garoto acordou antes de o sol raiar e foi à casa dos seus amigos se despedirem mais uma vez. Nenhum deles gostava de despedidas, motivo pelo qual foram rápidas, mas sinceras e cheias de emoção. Durante aquela noite um sentimento de revolta e inconformismo havia crescido dentro dele, uma raiva do Exército por fazê­-los passar por aquilo, e do seu pai pela submissão descarada.

    O sol já começava a subir quando finalmente chegou às docas. O velho, como Aaron o chamava carinhosamente, estava sentado na proa do barco, afiando uma faca de peixe:

    – Você está atrasado no seu primeiro dia de ofício.

    – Eu sei, mas eu tinha de me despedir deles, você sabe. – O novo pescador estava triste, afinal de contas aquela seria, provavelmente, a última vez que iria ver seus amigos na vida.

    – Eu sei, meu filho, mas você tem de entender as suas responsabilidades na vida, existem coisas ina…

    – Não me enche com essa conversa de responsabilidade neste momento. – O jovem esbarrou no pai e saiu andando para que ele não percebesse que estava prestes a chorar. Ele sentia uma mistura de raiva e frustração que o fazia querer destruir tudo naquele barco.

    Jonas ficou olhando, queria ir até lá conversar com ele, lembrá­-lo que o mundo não havia acabado e ainda existia muita coisa para ser vivida, mas decidiu lhe dar um pouco de tempo.

    O pescador mais experiente abaixou as velas e desfez as amarras. O vento estava ajudando, e logo o barco a vela de madeira, com mastro único e quarenta pés, cortava as ondas com rapidez. Apesar de antigo, ele estava em ótimo estado, o velho cuidava dele com muito carinho. O pai de Jonas, avô de Aaron, havia sido o comandante daquela embarcação, e Jonas e o seu irmão haviam praticamente crescido nela. O seu tio morreu no final da guerra do Lobo, e isso era tudo que o garoto sabia sobre ele, pois seu pai não gostava de falar do passado.

    Aaron já sabia a maior parte do que deveria fazer e de como funcionava o sistema da pesca que eles iriam utilizar. Mas, mesmo assim, seu velho fez questão de explicar mais uma vez o passo a passo. O sistema usado era simples: eles possuíam vinte redes feitas de uma liga de ferro leve, muito resistente e inoxidável fornecida pelo Exército. Dez delas passavam a semana no mar, presas às boias, sendo usadas todos os dias. As outras dez ficavam em terra firme, sendo reparadas ou só aguardando para serem usadas. O limitador, na verdade, não era o número de redes, mas sim o número de boias.

    Tudo o que era pescado tinha de ser entregue ao Exército, afinal ele era o verdadeiro dono dos barcos. Era estabelecida uma base mínima de quinhentos quilos por período a ser entregue por embarcação, e, para estimular a produção, a cada cem quilos a mais pescados, os tripulantes recebiam um bônus salarial no final do período de jornada, que durava cerca de trinta dias.

    O dia passava rápido no mar, pois pescar do jeito que pescavam os mantinha ocupados o tempo todo, tirando e colocando as pesadas redes no mar, tratando os peixes e os salgando. O único momento que tinham de descanso era a hora do jantar, quando tomavam sopa de peixe e conversavam um pouco. Aaron havia acalmado um pouco a sua revolta, apesar de ainda ter seus momentos de raiva, culpando Jonas e sua subordinação ao Exército por ter sido obrigado a se separar dos seus amigos e virar pescador, por ser um comum e ter de levar uma vida tão sofrida.

    Já era noite do quinto dos sete dias que estavam programados a ficar no mar. O garoto percebia o homem mais velho um pouco cansado por todo o trabalho que haviam realizado durante todos esses dias. Era dia de ele cozinhar e a sopa de peixes com batatas já estava quase pronta. Jonas esperava tranquilamente pela refeição enquanto arrumava a mesa. Agia mais calado do que de costume olhando através da janela da pequena cabine do barco, como se esperasse algo vindo do horizonte.

    O jantar também transcorreu em silêncio a maior parte do tempo, até que Jonas finalmente decidiu quebrá­-lo:

    – Você não parecia tão bravo assim no dia da distribuição de designações.

    – A ficha não havia caído ainda, e eu não tinha parado para pensar quão absurda é a situação. Eles escolhem nossos destinos como se fôssemos objetos ou máquinas. Depois trabalhamos até morrer e isso é tudo que fizemos na vida. É uma vida miserável, não existe nem a possibilidade de sonhar.

    – É verdade, mas mesmo em vidas como as nossas podemos encontrar a felicidade. Na verdade, eu vi pessoas em situações muito piores que a nossa serem felizes.

    – Sim, mas nesse pensamento de que eu não posso ser infeliz ou reclamar da vida porque existem pessoas em uma situação pior que a minha, o inverso pode ser aplicado, eu não posso ser feliz porque existem pessoas com a situação muito melhor do que a nossa. Eu sempre achei esse pensamento estúpido.

    – Você o acha estúpido porque não o compreende. Esse pensamento não quer dizer que você deve ser feliz ou infeliz de acordo com a situação, ele quer afirmar justamente o oposto: a verdadeira felicidade vem de dentro da gente, em ser feliz com o que se tem, e por isso mesmo ela pode ser encontrada mesmo nas coisas mais simples e nas piores situações. A sua felicidade só depende de você.

    – Humf… Certo. – Aaron não estava ligando para a lição do pai, pois achava essas conversas filosóficas um tédio. – Mas a verdade é que só estamos nessa situação por causa da tirania dos elementais e da nossa covardia. Devíamos nos revoltar e lutar por direitos melhores, mas ficamos só assistindo a eles guerrearem entre si para decidir quem vai mandar em nós! E ainda por cima acabamos envolvidos e massacrados como na Guerra dos Deuses Caídos.

    – Não generalize, não são todos os elementais que são a favor do que o Exército Imperial faz. Alguns são tão vítimas quanto nós, principalmente os elementais das colônias. E não se iluda, existe grande número deles que é contra o governo. Porém o Exército Imperial os mantém acuados.

    – Você fala como se conhecesse algum. – Aaron falou em tom de deboche e o velho demorou um pouco para responder.

    – Se isso o incomoda tanto, pare de responsabilizar os outros e de ficar se lamentado. Autopiedade é provavelmente o sentimento mais danoso a uma pessoa. Então vá lá e resolva o seu problema!

    – Não é simples assim! Não posso derrotar o Exército Imperial sozinho, voltar para casa e viver feliz para sempre.

    – Quem disse que você precisa fazer isso sozinho? Se você quer tanto algo dê tudo de si, cada minuto, cada gota de suor que puder dar, e eu garanto que as chances de você conseguir fazer qualquer coisa são imensas, meu filho!

    O garoto ficou em silêncio diante das palavras do velho, aborrecido com o tanto de besteiras que ele estava falando. Fez menção de se levantar, mas antes que o fizesse Jonas o segurou pela mão:

    – E o último conselho do dia: o que não tem remédio remediado está. – Aaron conseguia sentir os olhos dele fundos nos seus, fixados, tentando transmitir que estava falando tudo aquilo de coração e procurando por algum sinal de que ele havia realmente escutado o que tinha dito.

    – Certo pai, e por que eu deveria seguir os conselhos de um velho pescador que nunca fez nada na vida a não ser beijar os pés dos homens que exploram, escravizam e sacrificam sua família, sua vila e seu povo?

    Seu pai finalmente soltou sua mão, com os olhos tristes.

    Quando o garoto se virou para sair, uma luz forte entrou pela janela da pequena cabine, fazendo os dois protegerem os olhos com as mãos. Não era apenas a luz. Havia alguém gritando no que parecia ser o maior autofalante do mundo para os ouvidos acostumados às solitárias e silenciosas noites no mar.

    Jonas pareceu ficar animado a princípio, como se algo que ele estava esperando ansiosamente finalmente tivesse chegado. Mas quando a voz de alguém começou a ser compreendida por meio daquele autofalante a preocupação invadiu seu rosto.

    – Aqui é a embarcação militar S.S. Kingscrown, navio da marinha do Exército Imperial, requerendo que os tripulantes do barco de pesca não identificado se apresentem ao convés para que seja feita uma inspeção.

    Aaron e Jonas trocaram olhares preocupados. O homem mais velho estava mais preocupado do que o normal, não estavam fazendo nada de errado, mas ser abordado e inspecionado pelo Exército Imperial era a certeza de problemas.

    3

    Descobertas e mentiras

    Os dois se dirigiram para o convés e se posicionaram de frente para o Kinscrown, que devia ter cerca de sessenta pés, todo feito de placas de ferro e movido a um daqueles barulhentos motores recém­-inventados.

    Um forte facho de luz estava apontado para eles, iluminando o local onde estavam parados aguardando os soldados aparecerem para realizar a inspeção, o que estava levando tempo.

    Uma espécie de ponte feita de madeira foi baixada e a silhueta de dois militares apareceram em sua ponta, seguidas por mais três.

    Antes que os soldados subissem a bordo, Jonas deu uma cotovelada de leve em Aaron e falou entre os dentes:

    – Não fale e faça nada, deixe eu resolver isso do meu jeito. – O garoto virou a cabeça para seu pai de um jeito irônico, o que lhe rendeu mais uma cotovelada, a qual reafirmava o comando.

    Os cinco soldados se aproximaram, olhando­-os e os avaliando de cima a baixo, procurando por alguma ameaça ou armadilha. Todos estavam vestidos em uniformes azul­-escuro, que consistiam de uma casaca, feita de um tecido mais pesado,

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