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Manual de psicologia do trânsito
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E-book461 páginas5 horas

Manual de psicologia do trânsito

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Sobre este e-book

Este Manual tem por objetivo ampliar conhecimentos teóricos e técnicos em Psicologia do Trânsito. Foi organizado com base em um conjunto de conhecimentos e reflexões produzidas ao longo dos últimos anos, com base na pesquisa, no ensino de Psicologia do Trânsito em cursos de pós-graduação e nos debates qualificados em eventos científicos com profissionais das ciências do trânsito, em especial, os psicólogos que atuam no trânsito.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento21 de dez. de 2020
ISBN9786586163513
Manual de psicologia do trânsito

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    Manual de psicologia do trânsito - Roberto Moraes Cruz

    titulo

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil

    Manual de psicologia do trânsito / organização Roberto Moraes Cruz , Paulus de Wit , Caroline Zaneripe de Souza. -- 2. ed. -- São Paulo : Vetor Editora, 2020.

    Bibliografia.

    1. Psicologia - Aspectos sociais 2. Trânsito - Brasil 3. Trânsito - Estudo e ensino I. Cruz, Roberto Moraes. II. Wit, Paulus A. J. M. de. III. Souza, Caroline Zaneripe de.

    20-48197 | CDD-153.733

    Índices para catálogo sistemático:

    1. Trânsito : Atenção : Testes : Psicologia 153.733

    Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129

    ISBN:978-65-86163-51-3

    CONSELHO EDITORIAL

    CEO - Diretor Executivo

    Ricardo Mattos

    Gerente de produtos e pesquisa

    Cristiano Esteves

    Coordenador de Livros

    Wagner Freitas

    Diagramação

    Rodrigo Ferreira de Oliveira

    Capa

    Rodrigo Ferreira de Oliveira

    Revisão

    Rafael Faber Fernandes e Paulo Teixeira

    © 2020 – Vetor Editora Psico-Pedagógica Ltda.

    É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação, por qualquer

    meio existente e para qualquer finalidade, sem autorização por escrito

    dos editores.

    SUMÁRIO

    Prefácio

    Referências

    Introdução

    Referências

    1. PSICOLOGIA DO TRÂNSITO: PERSPECTIVA HISTÓRICA E CONCEITUAL

    Introdução

    Psicologia do trânsito: cenário internacional

    A psicologia do trânsito no Brasil

    Conclusão

    Referências

    2. PSICOLOGIA DO TRÂNSITO, PSICOLOGIA DO TRÁFEGO E MOBILIDADE HUMANA

    Introdução

    Psicologia do trânsito

    Psicologia do tráfego

    Mobilidade humana e psicologia

    Conclusão

    Referências

    3. DIRETRIZES PARA O TRABALHO DO PSICÓLOGO DO TRÂNSITO NO ÂMBITO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

    Políticas públicas e a intervenção do psicólogo no trânsito

    Atuação do psicólogo em políticas de segurança no trânsito, educação e saúde

    Conclusão

    Referências

    4. RISCOS NO TRÂNSITO: MODELOS, TEORIAS E PERSPECTIVAS

    Introdução

    A abordagem de risco centrada no indivíduo

    A abordagem dE risco centrada no sistema

    Modelos de risco no trânsito rodoviário

    Quantificação do risco

    Influências culturais nas atitudes e comportamentos de risco

    Atos inseguros

    Conclusão

    Referências

    5. COMPORTAMENTO SEGURO NO TRÂNSITO

    Introdução

    Comportamento seguro e prevencionismo

    Teorias e modelo de comportamento seguro no trânsito

    Medidas proativas e reativas aos acidentes

    Instrumentos de mensuração de facetas do comportamento seguro no trânsito

    Conclusão

    Referências

    6. PROCESSOS PSICOLÓGICOS E CONDUÇÃO DE VEÍCULOS

    Introdução

    Um modelo de aprendizagem

    Um modelo de comportamento de dirigir

    Bases cognitivas envolvidas no ato de dirigir

    Inteligência

    Motivação, atitude, expectativa, crença e emoção

    Inclusão versus exclusão

    Validade e confiabilidade de instrumentos para prognosticar a aptidão para dirigir

    Conclusão

    Referências

    7. PERÍCIA PSICOLÓGICA NO TRÂNSITO

    Introdução

    O que é a perícia psicológica?

    Perícia psicológica no trânsito: características, aspectos críticos e possibilidades

    Conclusão

    Referências

    8. MODELO DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA DE CONDUTORES NO BRASIL: JUSTIFICATIVAS TÉCNICO-CIENTÍFICAS E FLUXO DE DECISÕES

    Introdução

    Por que a necessidade da avaliação psicológica da aptidão para dirigir?

    Perspectiva de um novo modelo de avaliação psicológica no trânsito no Brasil

    Indicadores psicológicos

    Fluxo operacional do modelo de avaliação psicológica

    Critérios mínimos para a atuação profissional do psicólogo do trânsito

    Referências

    9. INSTRUMENTOS PSICOLÓGICOS NA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA NO TRÂNSITO

    Avaliação psicológica no trânsito: construtos e marcos legais

    Instrumentos psicológicos utilizados no processo de avaliação psicológica de condutores

    Conclusão

    Referências

    10. PSICOLOGIA DO TRÂNSITO NO BRASIL: AVANÇOS E PERSPECTIVAS

    Introdução

    Avaliação e reabilitação de motoristas desabilitados

    Tratamento de fobia de dirigir e TEPT relacionado à condução de veículos

    Autópsia psicológica

    O impacto das novas tecnologias na condução de veículos

    Referências

    Sobre os autores

    Organizadores

    autores

    Prefácio

    O que faz um psicólogo do trânsito? Não é infrequente entre os leigos e desavisados a imagem de um psicólogo do trânsito responsável pura e simplesmente pela aplicação dos tais testes psicotécnicos nas clínicas do Detran. Até mesmo entre psicólogos de outras especialidades paira a dúvida sobre qual é a utilidade dessa área da psicologia. Opiniões vazias e perigosamente convictas, proferidas por diferentes atores sociais, questionam até que ponto a psicologia do trânsito é uma especialidade necessária e se ela de fato traz contribuições reais para a sociedade. Dúvidas desse tipo refletem a enorme desinformação e o frequente desconhecimento sobre o que é a psicologia do trânsito. Para não contribuir ainda mais para esse estereótipo, a psicologia do trânsito precisa lutar contra sua banalização e, principalmente, contra a redução de seu escopo às aplicações pontuais de conceitos e métodos desatualizados e que não se justificam em pleno século XXI.

    Basta um olhar atento ao seu objeto de estudo, o comportamento humano em situação de trânsito, que fica evidente a complexidade dessa da área, suas diversas interfaces e seu imenso leque de possibilidades e aplicações. Sim, o psicólogo do trânsito lida com a tradicionalíssima temática da identificação de preditores cognitivos, comportamentais e de personalidade sobre a conduta no trânsito. Nesse sentido, a avaliação compulsória para obtenção de uma carteira de habilitação é uma conquista da sociedade, dada a relação bem documentada entre aspectos psicológicos relacionados a comportamentos incompatíveis com a segurança no trânsito. No entanto, reduzir a atuação do psicólogo do trânsito a essa aplicação é simplificar absurdamente uma área tão complexa, é tratar seus meios como mais importantes que seu fim, visto que a atuação profissional em psicologia do trânsito vai além da mensuração de variáveis psicológicas relacionadas à mobilidade e à circulação.

    Especialistas em comportamento humano no trânsito são fundamentais na formulação de políticas públicas, como planos de prevenção de acidentes e promoção de práticas sustentáveis de circulação (Elvik, 2011). Para tanto, fundamentam suas práticas em conhecimentos da própria psicologia do Trânsito, bem como nas interfaces com outras áreas da psicologia. Apenas a título de exemplo, conhecer sobre a psicologia do desenvolvimento no ciclo vital é fundamental para compreender tanto as peculiaridades do adolescente ao volante (Alderman & Johston, 2018) como o impacto do envelhecimento sobre a capacidade de dirigir um automóvel (Albert, Lotan, Weiss, & Shiftan, 2018). Por sua vez, conhecer sobre processos psicológicos básicos é de suma importância para a compreensão dos efeitos do uso de novas tecnologias sobre a interação homem-máquina (Piechulla, Mayser, Gehrke, & König, 2019), cuja velocidade de disponibilização faz que tenhamos de nos adaptar a novos instrumentos e rotinas de circulação. Além disso, o aumento considerável de indivíduos que atuam direta ou indiretamente em profissões relacionadas ao trânsito torna fundamental o estreitamento com setores da psicologia social relacionados, por exemplo, à compreensão das relações de trabalho. Nesse sentido, a compreensão sobre a relação entre as profissões do trânsito e o adoecimento é de fundamental interesse para profissionais da saúde (Ronchese & Bovenzi, 2012), entre os quais, o psicólogo do trânsito.

    Por fim, a interface entre a psicologia do trânsito e outras áreas, como a neuropsicologia, é crescente, e um dos desafios da área é identificar como comprometimentos no sistema nervoso e diferentes modalidades de tratamento podem impactar a conduta de motoristas (Lane & Benoit, 2011). Atuar em psicologia do trânsito é concebê-la como um grande hub para o qual convergem conhecimentos de múltiplos campos da psicologia e a partir do qual derivam aplicações fundamentadas.

    Um manual de psicologia do trânsito capaz de percorrer o desenvolvimento histórico da área, seus principais conceitos e métodos e aplicações, além das interfaces com outras disciplinas, dentro e fora da psicologia, é crucial para promover a formação e a atualização profissional. Nesse sentido, é com imenso prazer que apresento esta obra, escrita por três grandes pesquisadores da psicologia do trânsito no Brasil: Roberto Moraes Cruz, Paulus de Wit e Caroline Zaneripe de Souza.

    Os capítulos deste manual abordam uma série de temas que servem tanto aos profissionais que estão iniciando sua formação quanto àqueles que, já experientes, precisam de atualização profissional. A história da psicologia do trânsito, seus principais conceitos e métodos, modelos teóricos sobre o comportamento no trânsito, riscos e comportamento seguro, questões práticas relacionadas à avaliação e à perícia psicológica, além dos desafios e perspectivas da psicologia do trânsito no Brasil, são alguns dos temas que o leitor encontrará neste livro.

    Esta obra oferece aos leitores a oportunidade de travar contato com textos de excelência capazes de traduzir o estado da arte dos principais conceitos, teorias, métodos, instrumentos e aplicações no campo da psicologia do trânsito. Saber utilizá-la é uma condição importante para a formação e a atualização dos profissionais que têm interesse em avaliar, compreender e intervir no âmbito do comportamento humano no trânsito e da mobilidade social.

    Desejo a todos uma excelente leitura!

    Referências

    Albert, G., Lotan, T., Weiss, P., & Shiftan, Y. (2018). The challenge of safe driving among elderly drivers. Healthcare Technology Letters, 5(1), 45-48.

    Alderman, E. M., & Johnston, B. D. (2018). The teen driver. Pediatrics, 142(4), e20182163.

    Elvik, R. (2011). Public policy. In B. E. Porter (Ed.), Handbook of traffic psychology (pp. 471-483). London, UK: Academic Press.

    Lane, A. K., & Benoit, D. (2011). Driving, brain injury and assistive technology. NeuroRehabilitation, 28(3), 221-229.

    Piechulla, W., Mayser, C., Gehrke, H., & König, W. (2003). Reducing drivers’ mental workload by means of an adaptive man–machine interface. Transportation Research Part F: Traffic Psychology and Behaviour, 6(4), 233-248.

    Ronchese, F., & Bovenzi, M. (2012). Rischi e malattie nei lavoratori del settore dei trasporti di merci e persone. G. Ital. Med. Lav. Erg, 34(3), 352-359.

    Leandro F. Malloy-Diniz, Dr.

    Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais

    Universidade FUMEC

    Introdução

    Qual é o lugar da ciência psicológica no estudo dos sistemas de mobilidade humana? Quais são o objeto e a finalidade de uma ciência psicológica aplicada ao contexto do trânsito, em suas diferentes modalidades? Quais as possibilidades de atuação profissional do psicólogo nesse âmbito? Por que a psicologia do trânsito no Brasil está acentuadamente vinculada à avaliação da aptidão psicológica para conduzir veículos? Quais são as contribuições da psicologia do trânsito na busca de soluções para os problemas relacionados à circulação humana? Em que medida a psicologia do trânsito pode contribuir com as demais ciências do trânsito na promoção de condutas saudáveis e seguras?

    Perguntas como essas têm se tornado o centro das preocupações de psicólogos que atuam como pesquisadores e especialistas do comportamento humano no trânsito, especialmente a partir de 1997, com as discussões preparatórias para a aprovação do Código de Trânsito Brasileiro – CTB (Brasil, 1997), em vigor desde janeiro de 1998 (Hoffmann & Cruz, 2003). A implementação das diretrizes do CTB, sem dúvida, constituiu um marco histórico relevante para a análise do papel social e técnico dos profissionais que atuam no sistema de trânsito, especialmente considerando o processo de redefinição de padrões de conduta no trânsito suscitados pelo documento.

    Um marco histórico também para os psicólogos que atuam no trânsito. não somente em função dos aspectos normativos e técnicos referentes à avaliação psicológica de condutores, mas especialmente em razão da valorização de uma perspectiva humanizadora do trânsito em detrimento de uma perspectiva centrada predominantemente nos artefatos (via, veículos, sinalização, distratores), aspecto salientado por Hoffmann (2000). De fato, porém, a caracterização da avaliação psicológica como uma etapa obrigatória e complementar para candidatos à obtenção da Carteira Nacional de Habilitação, bem como a consolidação da nomenclatura de psicólogo perito examinador de trânsito, desde a Resolução Contran n. 080/98, mantiveram a perspectiva de trabalho dos psicólogos que atuam nesse segmento profissional centrada quase que exclusivamente na avaliação psicológica de condutores.

    Ao mesmo tempo, essa exclusividade normativa e técnica representou, ao longo dos anos, uma discussão persistente sobre a qualidade e os graus de eficácia da avaliação psicológica de condutores no Brasil, especialmente em função das reais possibilidades de predição de fatores psicológicos relacionados a acidentes e comportamento abusivos no trânsito. Ademais, o restrito papel do psicólogo, nesse contexto, tem salientado a necessidade da discussão acerca dos avanços e responsabilidades dos psicólogos diante dos problemas sociais e técnicos decorrentes da mobilidade humana no trânsito.

    Se, de modo geral, a psicologia é considerada uma ciência que estuda o comportamento humano e os processos mentais a ele subjacentes, onde quer que ocorram manifestações humanas existirá espaço para a produção do conhecimento e para intervenção por parte dos psicólogos. O trânsito é um meio ambiente construído e movimentado cotidianamente por pessoas que se deslocam para suprir suas necessidades de consumo, de trabalho, de lazer. Movimentação essa que reflete e proporciona vida às cidades ou, como entendem Perrels, Himanen e Lee-Gosselin (2008), geram vínculos e espaços de convivência, determinando a qualidade do bem-estar e o estilo de vida das pessoas.

    A psicologia do trânsito é um campo da psicologia aplicada cujo objeto de estudo é o comportamento humano no trânsito (Hoffmann & Cruz, 2003). Em torno desse objeto de estudo mobilizam-se fontes e recursos teóricos e metodológicos que visam aperfeiçoar a compreensão e a intervenção no ambiente de trânsito, compreendido como um sistema de circulação humana organizado em torno de normas e procedimentos de conduta coletiva, em um contexto cada vez mais diversificado de artefatos e tecnologias à disposição das pessoas para promover a mobilidade humana e o deslocamento de produtos.

    Entre essas fontes e recursos teóricos e metodológicos da psicologia do trânsito destacam-se um conjunto de disciplinas da psicologia, tais como psicologia diferencial, psicologia cognitiva, psicologia social, psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem, psicopatologia, psicofisiologia, psicometria, avaliação psicológica, e um conjunto de disciplinas de caráter multidisciplinar, que contribuem de maneira transversal para a leitura dos fatores determinantes ou influenciadores do comportamento humano no trânsito, tais como neurociências, neuropsicologia, psicobiologia, fisiologia, ergonomia e medicina do tráfego.

    A psicologia do trânsito e, de modo mais amplo, a psicologia do tráfego, buscam compreender o fenômeno da circulação humana nos diferentes contextos sociais e arranjos espaciais (vias terrestres, aéreas e marítimas) e com base na utilização de veículos (todo e qualquer meio de transporte, seja motorizado ou não). Conforme a finalidade, os conhecimentos, metodologias e tecnologias construídas e aperfeiçoadas no campo da psicologia do trânsito contribuem para o processo de investigação dos fatores humanos no trânsito e para a aplicação dos conhecimentos produzidos no exercício profissional dos psicólogos, tendo em vista as diferentes finalidades de sua atuação nesse âmbito, quais sejam: investigação, avaliação, educação, prevenção, tratamento e reabilitação.

    Este manual tem como objetivo ampliar conhecimentos teóricos e técnicos em psicologia do trânsito, e foi organizado com base em um conjunto de conhecimentos e reflexões produzidas ao longo dos últimos anos, com base na pesquisa, no ensino de psicologia do trânsito em cursos de pós-graduação e nos debates qualificados em eventos científicos com profissionais das ciências do trânsito, em especial, os psicólogos peritos examinadores de trânsito. Resulta, por fim, dos esforços técnicos-científicos produzidos ao longo dos últimos 20 anos pelo Laboratório Fator Humano, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

    Em termos de expectativa, este manual pretende auxiliar na formação de psicólogos que atuam ou pretendem atuar no contexto do trânsito, tendo em vista a necessidade de novos materiais de referência técnico-científica sobre psicologia do trânsito no mercado editorial brasileiro. Assim, os assuntos discutidos neste manual certamente poderão ser úteis não somente para os psicólogos que já se encontram envolvidos nesse campo, mas especialmente para os estudantes de cursos de graduação e pós-graduação que necessitam de aprimoramento conceitual e subsídios teóricos-técnicos para compreender as oportunidades de investigação e intervenção no âmbito da psicologia do trânsito.

    Por fim, para as diferentes ciências que estudam as relações humano-tecnologia-ambiente, como a psicologia do trânsito, organizar e dispor de conhecimentos e metodologias de investigação de particularidades dessa relação requer um movimento reflexivo, típico do espírito científico, de construir hipóteses e teorias que pretendem ser confirmadas ou refutadas ao longo do empreendimento da construção da disciplina (Cruz, 2016). Este livro busca retratar a ideia de que a psicologia do trânsito é uma ciência que deve orientar-se pela historicidade das reflexões autoimpostas, pelo acúmulo de conhecimentos, pela diversidade de teorias e metodologias construídas para explicar o comportamento humano no trânsito e pela avaliação crítica de suas contribuições à sociedade e ao exercício da profissão de psicólogo.

    Referências

    Brasil. (1997). Lei n. 9.503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código Nacional de Trânsito. República Federativa do Brasil. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9503.htm

    Cruz, R. M. (2016). Formação científica e profissional em psicologia. Psicologia Ciência e Profissão, 36(1), 3-5.

    Hoffmann, M. H. (2000). Áreas de intervenção da psicologia do trânsito. Revista Alcance-CCS, 7(2), 26-36.

    Hoffmann, M. H., & Cruz, R. M. (2003). Síntese histórica da psicologia do trânsito no Brasil. In M. H. Hoffmann, R. M. Cruz & J. C. Alchieri (Orgs.), Comportamento humano no trânsito (pp. 17-29). São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.

    Perrels, A., Himanen, V., & Lee-Gosselin (2008). Building blocks for sustainable transport: obstacles, trends, solutions. Bingley, UK: Emerald.

    Roberto Moraes Cruz, Dr.

    Departamento de Psicologia

    Universidade Federal de Santa Catarina

    CAPÍTULO 1

    PSICOLOGIA DO TRÂNSITO: PERSPECTIVA HISTÓRICA E CONCEITUAL

    Roberto Moraes Cruz

    Rogério de Oliveira Silva

    Paulus de Wit

    Introdução

    O trânsito como fenômeno social e econômico faz parte da história da humanidade e, portanto, reflete os diferentes momentos de organização do espaço e das pessoas em torno da produção e circulação de produtos, serviços e informações. Adotar hábitos de circulação, utilizar redes cada vez mais intensas e regulares de comunicação entre culturas, com base nos recursos e tecnologias disponíveis, possibilitou a geração e a satisfação de necessidades humanas, sejam elas de sobrevivência básica, sejam de aperfeiçoamento de habilidades humanas de querer conhecer e estabelecer meios de acesso entre os diferentes povos.

    O Código Brasileiro de Trânsito (Brasil, 1997) reflete a compreensão de que o trânsito deve considerar, obrigatoriamente, a presença humana em sua constituição. Essa presença pode ser entendida como a necessidade de pensar o trânsito como um fenômeno humano que reflete um movimento social ativo e produtivo, ainda que paradoxal, ao gerar tensões, encontros e desencontros, alegrias e tristezas, mobilidade e restrições (Silva & Reis, 2003).

    Por outra perspectiva, é possível observar que o trânsito reflete, historicamente, a compreensão do ambiente onde se executa o trânsito, muitas vezes, geograficamente determinado pela condição terrestre-rodoviária: o ambiente urbano e o ambiente rural. Independentemente das possíveis diferenças entre esses dois ambientes, a lógica da aceleração contemporânea, conforme aponta Santos (1997), restringe a compreensão das pessoas sobre o papel intrusivo do trânsito em suas vidas. O trânsito é, ao mesmo tempo, um espaço social, um conjunto de regras de convivência, um ambiente propício para a introdução de novas tecnologias, o que promove uma dinâmica de interferência constante na mobilidade humana e nas trocas sociais.

    Perspectivas de compreensão sobre o trânsito revelam preocupações e interesses diversos na sociedade, inclusive das ciências que procuraram capturar as mudanças no habitat humano, a partir da movimentação das pessoas em torno das trocas econômicas e culturais. Interpretar o surgimento das preocupações científicas acerca dos ambientes de vida, a produção de necessidades e a circulação humana é um movimento reflexivo construído com base nos eventos produzidos por esses ambientes.

    As situações de trânsito consistem em fatores humanos, veiculares e ambientais, entre os quais ocorre interação. A psicologia do trânsito tem mostrado especial interesse nos produtos dessa interação, bem como nas perspectivas interdisciplinares de compreensão do sistema trânsito. As principais áreas de estudo dos denominados fatores humanos no trânsito abrangem as condições de risco e vulnerabilidade das pessoas aos acidentes, os níveis de conhecimento, habilidades, características biopsicológicas e culturais dos condutores e demais envolvidos no sistema trânsito, os meios tecnológicos, organizacionais e de fiscalização relativos à segurança viária.

    Psicologia do trânsito: cenário internacional

    O processo de modernização econômico e social e de intensa mobilidade humana, acentuado nos séculos XVIII e XIX, ganhou impulso tecnológico, especialmente com desenvolvimento da máquina a vapor, e contribuiu acentuadamente para a expansão da indústria moderna que, por sua vez, foi a responsável pela fabricação dos primeiros veículos automotores. A história registra que, em 1866, a empresa alemã Daimler lançou o primeiro automóvel movido a motor (Bianchi, 2011). Tem início, então, a preocupação em formular orientações e atitudes necessárias ao manejo dessa nova máquina, de modo que, já no ano de 1880, exigiam-se exames de aptidão para os condutores, sobretudo daqueles que atuariam profissionalmente (Montoro, Soler, & Tortosa, 1988).

    As origens da disciplina internacionalmente identificada como traffic psychology (psicologia do trânsito ou do tráfego) pode ser situada no início do século XX. Seu precursor foi Hugo Münsterberg, aluno de Wundt que, a convite de William James, foi para os Estados Unidos para ser o diretor do Laboratório de Psicologia Experimental da Universidade de Harvard, em 1910. Inicialmente opondo-se à tendência norte-americana de retirar a psicologia dos laboratórios e mostrar sua aplicabilidade na sociedade, alguns anos depois se tornou um dos grandes defensores da psicologia aplicada. Criou a psicologia forense e foi o primeiro psicólogo a submeter os motoristas dos bondes de Nova York a uma bateria de testes de habilidade e de inteligência (Rozestraten, 1988; Schultz & Schultz, 1999; 2003; Hoffmann & Cruz, 2003).

    Nos Estados Unidos e na Europa Central, os primeiros movimentos pela motorização das pessoas ocorreram nos primeiros 20 anos do século XX, com a maior parte da atenção voltada à indústria de fabricação de massa de motores e às habilidades do motorista. Em um plano mais amplo, iniciaram-se a organização do fluxo de veículos e a aplicação das primeiras leis de trânsito, além das primeiras publicidades sobre o novo estilo de vida nas cidades com o uso dos veículos (Klebelsberg, 1982; Tortosa, Montoro, & Carbonell, 1989).

    Do ponto de vista histórico, o desenvolvimento de um campo disciplinar denominado psicologia do trânsito deve-se, em grande parte, à circulação e ao uso de teorias e medidas psicológicas durante o período de expansão industrial e racionalização da produção, fortemente associado ao desenvolvimento da fisiologia, dos estudos estatísticos e do interesse pelas habilidades mentais, especialmente na primeira metade do século XX (Barjonet & Tortosa, 2001; Hoffmann & Cruz, 2003; Montoro, Carbonell, & Tortosa, 1991).

    A introdução bem-sucedida dos instrumentos psicométricos nos processos de recrutamento e avaliação de habilidades de combatentes durante a Primeira Guerra Mundial, assim como de trabalhadores nas indústrias, visando predizer a fadiga, o comportamento de risco e a capacidade produtiva, provocou uma ampliação do uso de procedimentos e instrumentos psicológicos em outras atividades (educação, jurídica e clínica). Esse movimento também se refletiu na nascente psicologia preocupada com o comportamento humano no trânsito, a qual, desde seu início, manteve-se atenta à necessidade de reduzir os acidentes por meio da verificação de capacidade e de habilidades psicológicas em candidatos a condutores, geralmente definidas em termos de desempenho intelectual, motor, reacional e emocional satisfatórios e necessários à operação de dirigir.

    Uma das primeiras teorias surgidas naquela época para explicar o comportamento de risco no trânsito foi a teoria da propensão ao acidente, de Farmer e Chambers, em 1939, que tratava do papel dos traços de personalidade em acidentes de trânsito (Ulleberg & Rundmo, 2003). Os autores sugeriram que a maioria dos acidentes de trânsito fosse causada por um pequeno número de indivíduos com certas características de personalidade que os tornam mais propensos a se envolver em acidentes de trânsito. Apesar da dificuldade em estabelecer a associação entre características de personalidade e envolvimento em acidentes de trânsito, pesquisas atuais têm demonstrado algumas correlações entre impulsividade e comportamento de risco no trânsito, correr por aventura e infrações (Araújo, Malloy-Diniz, & Rocha, 2009).

    Pesquisas sobre personalidade e diferenças individuais ganharam ênfase após a Segunda Guerra Mundial, e a visão dominante na psicologia do trânsito foi a de que determinadas características de personalidade tornam as pessoas mais propensas a acidentes. À época, a maior parte da atenção foi dada às circunstâncias do acidente e à aplicação de estatísticas básicas à análise de sua ocorrência. Aquele período também foi caracterizado pela noção de que os condutores são responsáveis pela maior parte dos acidentes e os estudos acentuavam o papel da execução dos movimentos, das habilidades, da destreza e do comportamento de risco do condutor (Danziger, 1990). As contribuições da psicologia industrial e da psicotécnica foram essenciais ao estudo científico do perfil do comportamento nos acidentes e dos obstáculos do ambiente à segurança (Hoffmann & Cruz, 2003).

    Entre o fim da década de 1940 e o início da década de 1950, destacaram-se os esforços de um grupo de pesquisadores, de diferentes áreas do conhecimento, nos estudos sobre os acidentes e sua relação com a saúde pública e com os problemas na comunidade. Nessa seara, destacam-se as publicações de John Gordon e Helen Roberts (Gordon, 1949a, 1949b, 1951; Roberts & Gordon, 1949) acerca das análises epidemiológicas dos acidentes de trânsito e, especialmente, das lesões de condutores e pedestres, além da necessidade de políticas públicas de prevenção aos acidentes rodoviários. Ambos foram influenciados pela produção do conhecimento sobre a prevenção de acidentes de trabalho nas indústrias, sobretudo pelas contribuições de Heinrich (1941).

    Essa direção de estudos continuou ao longo das décadas seguintes, principalmente com as contribuições de William Haddon (1926-1985), que foi presidente do Insurance Institute for Highway Safety (Instituto de Seguros de Segurança Rodoviária), em Washington (EUA), e criador da National Traffic Safety Agency e da National Highway Safety Agency (Agência Nacional de Segurança no Trânsito e da Agência Nacional de Segurança Rodoviária), agências especializadas no estudo de acidentes e segurança viária. Por décadas, Haddon foi considerado o principal expoente da epidemiologia de lesões, notadamente nas análises no campo sobre perdas nas vias rodoviárias e sua conexão com acidentes relacionados ao álcool (Haddon, 1980; Haddon & Suchman, 1964; Haddon, Valien, McCarroll, & Umberger, 1961), na esteira das contribuições anteriores de Godfrey Jr. (1937) – modelo epidemiológico sobre traumatismos e planejamento sistemático do controle de lesões –, e de Gordon (1949) – classificação das lesões, doenças súbitas ou crônicas, com base em um perfil epidemiológico de eventos no trânsito.

    A abordagem proposta por Haddon consiste em uma matriz na qual o ser humano, os veículos e fatores ambientais são mostrados interagindo em três fases de um acidente – pré-acidente, durante o acidente e pós-acidente – para formar uma matriz de nove células, que ficou conhecida como a matriz de Haddon. Essa abordagem foi utilizada por muitos anos como uma ferramenta para prevenção de lesões no trânsito em todo o mundo, bem como na promoção de contramedidas para reduzir fatalidades causadas por colisões/acidentes de trânsito (Mack, Freire, & Marr, 2012; Salmi & Lagarde, 2012). De outra maneira, a matriz de Haddon também foi considerada útil à formulação de políticas de segurança rodoviária voltadas ao indivíduo, ao veículo, à infraestrutura ou ao ambiente (normativo ou socioeconômico), levando em conta a relação sistêmica entre esses componentes e o momento da colisão/acidente, se na fase do pré-acidente, durante ou depois (Villalbí & Pérez, 2006).

    Na década de 1960, pesquisas sobre a percepção humana pasaram a ser de grande interesse na psicologia, e a visão dominante no campo da psicologia do trânsito era de que os motoristas são vítimas não capazes de lidar com a complexidade do ambiente de tráfego (Brown, 1997). Nessa direção e voltando-se à análise dos conflitos de tráfego, predominaram os estudos em profundidade, que procuravam analisar detalhadamente os acidentes de trânsito, buscando identificar suas possíveis causas nos chamados fatores humanos (Rozestraten, 2001).

    Naquele mesmo período, houve significativas contribuições trazidas pelos estudos sobre o processamento da informação (Bertalanffy, 1973; Katz & Kahn, 1987; Stradling & Parker, 1996), que centravam seu interesse no ato de dirigir e na capacidade cognitiva do condutor, sendo

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