Manual de psicoterapia on-line
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Manual de psicoterapia on-line - Roberto Moraes Cruz
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil
Manual de psicoterapia on-line / organização Roberto Moraes Cruz , Graziele Zwielewski. -- São Paulo : Vetor Editora, 2021.
Bibliografia.
1. Psicoterapia I. Cruz, Roberto Moraes. II. Zwielewski, Graziele.
21-78602 | CDD-616.8914
Índices para catálogo sistemático:
1. Psicoterapia : Ciências médicas 616.8914
Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129
ISBN:978-65-89914-44-0
CONSELHO EDITORIAL
CEO - Diretor Executivo
Ricardo Mattos
Gerente de produtos e pesquisa
Cristiano Esteves
Coordenador de Livros
Wagner Freitas
Diagramação
Rodrigo Ferreira de Oliveira
Capa
Rodrigo Ferreira de Oliveira
Revisão
Rafael Faber Fernandes e Paulo Teixeira
© 2021 – Vetor Editora Psico-Pedagógica Ltda.
É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação, por qualquer
meio existente e para qualquer finalidade, sem autorização por escrito
dos editores.
Sumário
INTRODUÇÃO
1. O QUE É PSICOTERAPIA ON-LINE?
Introdução
Conceito e características da psicoterapia on-line
O potencial da psicoterapia on-line
Quais profissionais devem oferecer psicoterapia on-line?
Competências e cuidados
Quem são o cliente e o paciente da psicoterapia on-line?
Consentimento informado na psicoterapia on-line
Características técnicas e tecnológicas da psicoterapia on-line
Obrigatoriedade dos registros das sessões e prontuários
Escopo e alcance
Considerações finais
Referências
2. PSICOTERAPIA ON-LINE NO CONTEXTO INTERNACIONAL
Introdução
Psicoterapia on-line no contexto internacional: pesquisa e prática
Psicoterapia por telefone
Psicoterapia textual
Psicoterapia assíncrona
Plataformas de psicoterapia on-line
Intervenções baseadas na internet
Psicoterapia on-line além das fronteiras
Recomendações para os atendimentos on-line
Transição abrupta na COVID-19
Considerações finais
Referências
3. MARCOS REGULATÓRIOS DA PSICOTERAPIA ON-LINE NO BRASIL
Introdução
Regulamentação dos serviços psicológicos remotos no Brasil: entre a proibição e a flexibilização
A pandemia da COVID-19 e a flexibilidade no controle do Sistema Conselhos
Diretrizes éticas e orientações técnicas atuais para a psicoterapia on-line: novos contornos da prática profissional
Considerações Finais
Referências
4. O SETTING TERAPÊUTICO ON-LINE E A PRIVACIDADE NO USO DAS TICS
Introdução
O setting terapêutico on-line e seus desafios
Privacidade no atendimento com o uso das TICs
Transição do atendimento presencial para a modalidade on-line
Considerações finais
Referências
5. A RELAÇÃO TERAPÊUTICA ON-LINE NO BRASIL
Introdução
A aliança terapêutica
Recomendações para a relação terapêutica
A relação terapêutica na psicoterapia on-line: o que os estudos mostram
Empatia na rede
A presença terapêutica na psicoterapia on-line
Como cultivar a presença terapêutica on-line
Limites na relação terapêutica
Rupturas na aliança terapêutica on-line
Considerações finais
Referências
6. COMPETÊNCIAS PROFISSIONAIS PARA O ATENDIMENTO PSICOLÓGICO ON-LINE
Introdução
Atendimento psicológico on-line
Competências terapêuticas
Setting terapêutico on-line
Qualidade de presença no relacionamento terapêutico
O psicoterapeuta na relação terapêutica
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Referências
7. CUIDADOS NA INTERVENÇÃO PSICOTERAPÊUTICA ON-LINE
Introdução
Mudanças na dinâmica da psicoterapia on-line
Protocolo de cuidados na intervenção psicoterapêutica on-line
Função e lugar do psicoterapeuta
Considerações finais
Referências
8. COMPETÊNCIAS SOCIOEMOCIONAIS NO ATENDIMENTO REMOTO
Introdução
Intervenções socioemocionais na modalidade on-line
Condições necessárias ao desenvolvimento socioemocional on-line
Desenvolvimento socioemocional on-line: estamos agravando as desigualdades sociais?
Considerações Finais
Referências
9. ASPECTOS ÉTICOS E LIMITES TÉCNICOS NA PSICOTERAPIA ON-LINE
Introdução
Psicoterapia on-line
Psicoterapia on-line: vetores, diretrizes e prática
Dimensões relevantes a serem consideradas no exercício da psicoterapia on-line
Reflexões éticas na psicoterapia on-line
Considerações finais
Referências
10. PSICOTERAPIA ON-LINE PARA PACIENTES ADULTOS COM COMPORTAMENTO SUICIDA
Introdução
Fatores potenciais de risco e proteção
Avaliação do comportamento suicida no processo da psicoterapia
Manejo do comportamento suicida
Considerações finais
Referências
11. SUPERANDO PRECONCEITOS COM A PSICOTERAPIA ON-LINE
Introdução
Os preconceitos com a psicoterapia on-line na visão do psicoterapeuta
Preconceitos dos pacientes quanto a psicoterapia on-line
Superando o preconceito com a psicoterapia on-line
Considerações finais
Referências
12. CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA POSITIVA NO ATENDIMENTO PSICOTERÁPICO ON-LINE
Introdução
Contextualização da psicologia positiva
As técnicas da psicologia positiva que podem melhorar o bem-estar por meio das TICs
Os mecanismos de autocuidado do psicólogo para promoção do bem-estar
Considerações finais
Referências
13. PROCESSOS E RESULTADOS DA PSICOTERAPIA ON-LINE: QUAIS EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS TEMOS DISPONÍVEIS?
Introdução
Estudos de resultados: eficácia e efetividade das intervenções
Pesquisas de processos e de processos-resultados
Outros tipos de estudo
Prática baseada em evidências
Eficácia e efetividade da psicoterapia on-line
Processo terapêutico na psicoterapia on-line
Considerações finais
Referências
14. RECURSOS TECNOLÓGICOS NAS INTERVENÇÕES PSICOLÓGICAS ON-LINE: PLATAFORMAS DIGITAIS, INSTRUMENTOS E OUTRAS FERRAMENTAS
Introdução
Novas tecnologias e a prática da psicoterapia on-line
Outros recursos tecnológicos com potencial para ampliar a efetividade das intervenções psicológicas e psiquiátricas
Recursos tecnológicos para auxiliar na monitoração e no engajamento do paciente na psicoterapia on-line
Avaliação de progresso e resultados – recursos disponíveis
Relato de experiência
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Referências
15. PSICOPATOLOGIA: INSTRUMENTOS PARA RASTREIO ON-LINE
Introdução
Instrumentos de rastreio
Considerações Finais
Referências
16. TELEPSIQUIATRIA NA PRÁTICA CLÍNICA
Introdução
Principais evidências científicas em telepsiquiatria
Aspectos legais e éticos
Indicações e limitações da telepsiquiatria
Telepsiquiatria na prática clínica em populações especiais e transtornos específicos
Futuro da telepsiquiatria
Considerações Finais
Referências
17. ACONSELHAMENTO DE CARREIRA ON-LINE: ORIENTAÇÕES E DESAFIOS
Introdução
Orientação e aconselhamento de carreira na modalidade on-line
Principais serviços de aconselhamento de carreira fornecidos on-line
Competências do orientador profissional para atuação na modalidade on-line
Vantagens da orientação e aconselhamento de carreira on-line
Questões éticas, limitações e desafios da orientação e aconselhamento de carreira on-line
Considerações finais
Referências
18. SUPERVISÃO CLÍNICA
Introdução
A supervisão clínica em psicologia
O processo de supervisão clínica em psicoterapia
Competências
Como se realiza a supervisão
A supervisão on-line e a utilização das TICs
Aspectos logísticos da supervisão on-line
Considerações Finais
Referências
19. DESAFIOS DA INTERVENÇÃO EM GRUPO NA MODALIDADE ON-LINE
Introdução
Caracterização das intervenções grupais
Grupos operativos e grupos psicoterápicos
Intervenções em grupo na modalidade on-line
Experiência sobre uma intervenção grupal on-line
Considerações finais
Referências
20. O USO DA PSICOTERAPIA ON-LINE EM PACIENTES COM QUADROS DESAFIADORES
Introdução
Os pacientes desafiadores e o psicoterapeuta vivenciando um desafio – um pequeno mapa de erros clínicos comuns
A importância da discussão a respeito da psicoterapia on-line para pacientes psiquiátricos crônicos
Psicoterapia on-line, aderência ao tratamento e a busca da efetividade
Pacientes com quadros desafiadores e a construção da aliança terapêutica
Um algo a mais
nas habilidades gerais do psicoterapeuta – humor, o cérebro direito
e a resistência nos casos complexos
Referências
SOBRE OS AUTORES
Organizadores/Autores
Autores (em ordem alfabética)
INTRODUÇÃO
A psicoterapia on-line é um serviço de atenção e tratamento da saúde mental que segue diretrizes, padrões éticos, exigências técnicas e competências profissionais similares aos da psicoterapia convencional. Para tanto, é importante considerar o uso dos melhores recursos eletrônicos na interação psicoterapeuta-paciente, bem como desenvolver habilidades para o uso de tecnologias de informação e comunicação, a fim de garantir a melhor condução da psicoterapia.
A psicoterapia on-line, em franco desenvolvimento neste século, em função dos avanços tecnológicos, dos dispositivos eletrônicos, das redes e plataformas de comunicação integrados via web, tem ampliado o acesso aos serviços de saúde e cuidados clínicos, em diferentes regiões geográficas e tipos de população. A prestação de serviços clínicos, em geral, assim como a psicoterapia, podem ser acessados à distância e conforme a disponibilidade de horários acordados entre profissionais e clientes/pacientes, permitindo maior flexibilidade no trabalho terapêutico e reduzindo a necessidade de mobilidade física.
Além disso, a psicoterapia on-line pode também ser uma estratégia de atendimento complementar aos profissionais que atuam predominantemente na modalidade presencial. Contudo, considerando que essa modalidade de psicoterapia proporciona facilidades de acesso a serviços profissionais no campo da saúde mental, é prudente considerar cuidadosamente os vários aspectos éticos, legais, técnicos e regulatórios envolvidas na psicoterapia on-line.
O Manual de psicoterapia on-line tem como objetivo primordial servir de referencial técnico-científico às práticas profissionais em psicoterapia on-line. Mais especificamente, esta obra oferece:
a) Subsídios teóricos e técnicos para profissionais da clínica e estudantes acerca da prática clínica na modalidade remota, por meio do uso de tecnologias de informação e comunicação (TICs).
b) Subsídios práticos sobre o uso de métodos e recursos técnicos e tecnológicos na psicoterapia on-line.
c) Análise sobre avanços, desafios e perspectivas da psicoterapia on-line, com base na produção de conhecimentos técnico-científicos em âmbitos nacional e internacional.
d) Diretrizes, parâmetros normativos-legais e recomendações técnico-profissionais para o atendimento clínico on-line eficaz e comprometido com a ética profissional.
e) Repercussões da psicoterapia on-line entre usuários e no trabalho dos psicoterapeutas, com base em pesquisas e estudos de caso.
f) Análises sobre as especificidades da psicoterapia on-line e as competências do psicólogo clínico para atuar utilizando TICs.
g) A possibilidade de relacionar aspectos teóricos e experiência clínica na psicoterapia on-line, com base em estudos de caso.
Esta obra, portanto, integra fundamentos científicos e prática clínica, com a contribuição de autores experientes no campo acadêmico, na supervisão clínica e no trabalho psicoterapêutico presencial e on-line. Para tanto, foi organizado um conjunto de capítulos que tratam de uma grande diversidade de assuntos relacionados à psicoterapia on-line, de maneira didática e objetiva, com a finalidade de melhor instrumentalizar os psicoterapeutas para o aperfeiçoamento da prática clínica na modalidade on-line.
Nessa direção, são discutidos os fundamentos conceituais da psicoterapia e da psicoterapia on-line, suas características técnicas e tecnológicas, assim como o panorama nacional e internacional sobre as evidências científicas da prática clínica remota (síncrona e assíncrona). Aborda assuntos polêmicos, como a aliança terapêutica e o setting terapêutico mediados pela tecnologia, descrevendo as competências profissionais necessárias à atuação do clínico na modalidade on-line.
Sempre considerando os aspectos éticos – também discutidos nesta obra –, busca-se oferecer ao clínico argumentos importantes para a flexibilização de preconceitos quanto à prática remota, orientações quanto à atuação com pacientes em risco de suicídio e pacientes desafiadores, subsídios para o trabalho com grupos psicoterapêuticos, orientação profissional e aconselhamento de carreira, além de orientações para a supervisão clínica, ajudando o profissional a compreender os processos e os aspectos intervenientes à eficácia e à efetividade da psicoterapia on-line.
Com a publicação do Manual de psicoterapia on-line, a expectativa dos seus autores é de colaborar para o desenvolvimento e aperfeiçoamento de habilidades conceituais e técnicas de profissionais que atuam no campo da saúde e dos processos clínicos, notadamente no campo da psicoterapia, assim como estudantes que se encontram em processo de formação clínica e pretendem atuar como psicoterapeutas. Por fim, que o estudo e discussão dos assuntos tratados nesta obra possibilitem a ampliação da consciência dos psicoterapeutas e aspirantes sobre os desafios, oportunidades e limites teóricos, técnicos e éticos que envolvem a prestação de serviços em psicoterapia on-line.
CAPÍTULO 1
O QUE É PSICOTERAPIA ON-LINE?
Roberto Moraes Cruz
Graziele Zwielewski
Objetivos do capítulo
Caracterizar o contexto da psicoterapia on-line.
Definir psicoterapia on-line.
Caracterizar a psicoterapia on-line como um meio de prestação de serviço profissional.
Descrever as características técnicas da psicoterapia on-line.
Definir o escopo e avaliar o alcance da psicoterapia on-line.
Introdução
As inovações tecnológicas promoveram mudanças importantes na prestação de serviços de diversas profissões, proporcionando benefícios e oportunidades no processo de interação entre as pessoas, mas também novas exigências técnicas e desafios no atendimento de demandas profissionais. A intensificação no uso da internet e de dispositivos tecnológicos cada vez mais modernos tem influenciado o modo como as pessoas se comunicam, determinando a velocidade como as coisas acontecem e provocando mudanças nas oportunidades no mercado de trabalho.
Esse cenário tem influenciado a maneira de trabalhar de muitos profissionais, que precisam se reinventar e se acostumar com a utilização e a presença de softwares e hardwares no cotidiano de trabalho. Particularmente, promoveu mudanças importantes na atividade clínica, com a intensificação de atendimentos virtuais, o uso de plataformas para o gerenciamento de consultas e a realização de coleta de dados por meio de instrumentos especializados, auxiliando na elaboração de diagnósticos e na realização de uma variedade de tratamentos psicoterapêuticos.
No Brasil, o uso das denominadas tecnologias de informação e comunicação (TICs) na prestação de serviços psicológicos foi autorizado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2020), durante o período de pandemia da COVID-19, por meio da Resolução n. 04/2020 de 26 de março de 2020, desde que o profissional atenda a alguns critérios, como o cadastro no e-Psi[1]. No âmbito da psicologia clínica, a intensificação de atendimentos virtuais, inclusive as sessões de psicoterapia, mobilizou a produção de conhecimentos sobre a eficácia e a efetividade da psicoterapia on-line e suas implicações para a relação terapêutica (Pieta & Gomes, 2014; McAleavey et al., 2019).
A introdução das TICs nas práticas psicológicas mediadas pela internet gerou oportunidades e incertezas, provocou mudanças no comportamento dos profissionais e dos pacientes e modificou o cenário de ofertas e divulgação de serviços psicológicos (Campbell & Norcross, 2018; Lustgarten & Elhai, 2018). Esse cenário foi intensificado especialmente em função da pandemia da COVID-19, mobilizando uma grande quantidade de psicoterapeutas, que estavam acostumados a atender presencialmente os seus pacientes, a realizarem uma transição significativa para o atendimento remoto, independentemente de sua experiência anterior ou de suas atitudes frente à eficácia e efetividade do atendimento psicoterapêutico on-line (Békés & Aafjes-van Doorn, 2020).
Aderir à psicoterapia on-line, entretanto, ainda é um tema controverso entre os clínicos no Brasil, especialmente quando os argumentos críticos se debruçam sobre os aspectos éticos envolvidos na interação on-line, bem como sobre a necessidade de promover diretrizes norteadoras especializadas e de estudos robustos sobre a eficiência da psicoterapia por meio das TICs (Ignatowicz et al., 2019). Em contrapartida, destacam-se as vantagens da psicoterapia on-line em relação à psicoterapia face a face: a flexibilidade no agendamento das sessões, a economia no tempo de deslocamento e o possível conforto experimentado por psicoterapeutas e pacientes por se encontrarem em um ambiente conhecido por cada um deles (Cooper, Campbell & Smucker Barnwell, 2019; Ebert et al., 2018; Magalhães, Bazoni, & Pereira, 2019).
Independentemente dos motivos que promovem argumentos distintos sobre a eficácia, a eficiência e a efetividade da psicoterapia on-line, a crise de saúde pública mundial gerada pela pandemia do novo coronavírus provocou mudanças significativas na prestação de serviços em psicoterapia. O isolamento social e a quarentena, medidas estratégicas utilizadas pelas autoridades governamentais em diferentes países para conter a rápida disseminação do vírus, restringiram a mobilidade e a interação presencial entre as pessoas, e, portanto, o contato direto entre os psicoterapeutas e os pacientes em settings terapêuticos tradicionais foi completamente transformado para a interação mediada por dispositivos conectados à internet (Humer et al., 2020).
O risco à privacidade e à confidencialidade são assuntos que permanecem sendo debatidos, bem como a capacidade do clínico em observar comportamentos não verbais no modelo de atendimento remoto e em lidar com a tecnologia, enquanto tenta humanizar o setting terapêutico. A dificuldade em demonstrar empatia, fomentar a disposição e a espontaneidade do paciente também são preocupações refletidas na literatura especializada, a qual, no entanto, aponta o uso da internet para o tratamento da saúde mental como um caminho sem volta (Stoll, Müller, & Trachsel, 2020; Ebert et al., 2018; Giotakos & Papadomarkaki, 2016). Além disso, não aderir ao tratamento on-line, especialmente por parte daqueles que detêm experiência clínica nesse campo, favorece, de certa maneira, o oferecimento de serviços de menor qualidade e inadequados por parte de profissionais despreparados (Stoll et al., 2020). De certo modo, é possível afirmar que a falta de preparo para atender à necessidade de oferecer apoio à população por meio de atendimento on-line pode ser interpretada como uma conduta antiética, por deixar de atender a uma demanda de saúde mental cada vez mais crescente.
A psicoterapia on-line conta com facilidades que podem ser utilizadas pelos clínicos como meio de otimizar o processo psicoterapêutico: a possibilidade de integrar materiais disponíveis para uso on-line; o fato de poder gravar e revisar as sessões; o atendimento a populações de zona rural ou de cidades, onde o serviço tem menor chance de disponibilização; o rompimento de barreiras geográficas, possibilitando maior autonomia ao paciente e ao profissional, mesmo estando em países diferentes; a ampliação de oportunidades de realização de psicoterapia on-line para diferentes tipos de pacientes; a redução de custos e de tempo de deslocamento, entre outras (Stoll et al., 2020).
A prática da psicoterapia on-line reflete, portanto, a rápida evolução da tecnologia e dos meios de comunicação mediados pela internet, e pode incluir o uso da realidade virtual, dispositivos portáteis digitais e aplicativos de inteligência artificial. O fato de essas tecnologias digitais estarem em franco desenvolvimento abre espaço para os novos procedimentos de exame e intervenção, para o aprendizado mútuo de novas habilidades de interação remota e para a realização de pesquisas interativas que possam ser úteis para a ampliação de conhecimentos sobre os resultados dessa modalidade de tratamento.
Conceito e características da psicoterapia on-line
O termo psicoterapia on-line
abrange diversas variantes terminológicas, como telepsicologia
, telepsiquiatria
, aconselhamento on-line
, telessaúde comportamental
, terapia na internet
, prática clínica on-line
, terapia on-line
, ciberpsicologia
e e-psicoterapia
(Stoll et al., 2020). Esses termos podem diferir conforme seu uso no contexto profissional ou com base na modalidade tecnológica utilizada, porém, existem estudos que divergem na conceituação desses termos.
A telepsicologia, uma das expressões mais amplas, em que se inclui a psicoterapia on-line, é definida como a prestação de serviços psicológicos usando tecnologias de telecomunicações
(Drum & Littleton, 2014, p. 792). Considerada uma expressão guarda-chuva
para descrever o uso das tecnologias de informação na oferta de serviços psicológicos, a telepsicologia surgiu para oferecer cuidados centrados no paciente, visando alcançar populações carentes, como as de áreas rurais, pacientes com dificuldades de locomoção e mobilidade, pessoas que viajam constantemente e que vivem e se comunicam frequentemente de maneira remota.
No mesmo guarda-chuva
de termos abraçados pela telepsicologia estão conceitos como: self-guided, self-administered, therapist-guided, online counseling, online practice, e-therapy, clinical video telehealth technology (CVT), entre outros (Joint Task Force for the Development of Telepsychology Guidelines for Psychologists, 2013; Stoll, Müller, & Trachsel, 2020). Não há na literatura especializada um consenso sobre a definição desses termos, portanto, o profissional que oferece o serviço de psicoterapia on-line precisa definir exatamente qual é o serviço prestado: com ou sem a presença de um psicoterapeuta, síncrono ou assíncrono, qual a finalidade da psicoterapia e quais recursos serão utilizados, fazendo menção a esse serviço de maneira clara no consentimento informado, por escrito.
A telepsicologia, assim como a psicoterapia on-line, pode ser realizada de maneira síncrona ou assíncrona. Na interação síncrona, as partes envolvidas têm acesso imediato às respostas e reações do outro, uma vez que estão compartilhando, simultaneamente, um canal de comunicação, em tempo real. Ou seja, o paciente e o profissional interagem por meio de videoconferência ou contato telefônico com horário de início e fim já determinados, podendo ser também por meio de chats, sendo o serviço de psicoterapia on-line prestado no horário planejado (Cooper et al., 2019). As partes criam o cenário e o contexto para ocorrerem as trocas clínicas, compartilham sobre o entendimento da sessão e, tendo em vista o setting terapêutico, identificam pistas
que podem tornar-se terapêuticas. Porém, a interação síncrona exige mais cuidado, em razão dos riscos de falhas na comunicação, problemas de hardware e software e riscos com o sigilo, dada a necessidade de um ambiente privado e exclusivo para o paciente realizar a sessão.
Na interação assíncrona, o processo de comunicação entre os envolvidos é intercalado por um período que desconfigura o caráter de instantaneidade da comunicação síncrona (Johnson, 2014). A assincronicidade caracteriza-se, portanto, pela comunicação não simultânea entre o paciente e o profissional, sendo utilizada, principalmente, para a troca de mensagens fora do horário da sessão, para assuntos de conveniência ou logísticos. É realizada por meio de mensagens de textos ou e-mails (Cooper et al., 2019; Drum & Littleton, 2014). A comunicação assíncrona também atende às necessidades de pacientes carentes, que têm como barreira para aderência à psicoterapia os custos logísticos, pacientes que vivem remotamente, que viajam com frequência e não conseguem ter horários e locais predefinidos para a realização das sessões, além de pessoas que vivem em locais de difícil acesso e com baixo sinal de internet.
Considerando os riscos de invasão e interceptação nas contas de e-mail e telefones celulares, é recomendável que as mensagens sejam criptografadas, sendo necessário que o psicoterapeuta treine seus pacientes para o uso da tecnologia, quando necessário. Entre as facilidades que essa forma de comunicação oferece está justamente a possibilidade de promover justiça social e reduzir o impacto relacionado ao ambiente do consultório, que pode passar a impressão de poder e desequilibrar a relação entre paciente e profissional, além de permitir que psicoterapeutas utilizem plataformas para oferecer psicoeducação a distância assíncrona, como vídeos que podem trazer benefícios aos pacientes ou materiais de leitura e áudio, como complemento da psicoterapia on-line síncrona.
Os riscos da comunicação assíncrona podem ser minimizados por meio do contrato psicoterapêutico ou de um termo de consentimento, importantes ferramentas para reduzir os riscos do profissional, que precisa gerir o tempo para responder a seus pacientes e ter cuidado com o conteúdo das mensagens, para que não seja alvo de interpretações distorcidas ou utilizadas inadequadamente com finalidade diferente da psicoterapia. Responder aos pacientes prontamente pode gerar expectativas de que o profissional deve sempre estar disponível e, no caso de uma emergência, não responder ao paciente pode ser motivo para que este interprete isso como negligência profissional.
A Figura 1.1 sintetiza os conceitos, riscos e benefícios das comunicações síncrona.
Figura 1.1. Comparação entre comunicação síncrona e assíncrona na psicoterapia on-line
Fonte: elaborada pelos autores.
Em ambos os tipos de comunicação, riscos e benefícios são considerados, bem como preocupações com o sigilo e o consentimento do paciente. O profissional deve explicar ao paciente a importância da privacidade e a escolha do local para troca de mensagens, prever e falar de sua disponibilidade de tempo, horários e prazo para troca de mensagens no contrato, respondendo aos pacientes sempre no do prazo previsto e combinado, sem demonstrar favoritismos e preferências ao paciente ou a seu estilo de resposta, cuidando para evitar o uso de palavras coloquiais e encerrando suas comunicações com assinaturas profissionais.
O uso de equipamentos na psicoterapia on-line, independentemente do estilo de comunicação, precisa ser exclusivo para uso do profissional com seus pacientes, a fim de garantir a privacidade dos conteúdos, sempre sendo protegido por senhas. Softwares auxiliam na proteção da confidencialidade, oferecendo mais conforto e recursos para a realização das sessões (salas de espera virtuais, compartilhamento de materiais, gravação das sessões, uso de ferramentas on-line e registro de sessão).
A psicoterapia on-line é um serviço de atenção e tratamento da saúde mental e, portanto, deve seguir os mesmos padrões éticos e exigências técnicas e competências profissionais da psicoterapia convencional. Por isso, é importante utilizar os melhores métodos de interação psicoterapeuta-paciente, bem como considerar a influência das variáveis do paciente na condução eficaz do processo psicoterapêutico, tais como, o quão confortável ele se sente com o uso de TICs, a habilidade para o uso de dispositivos eletrônicos, a expectativa de resolução de problemas, as condições clínicas atuais e pregressa, as possíveis restrições ao sigilo e à confiabilidade das comunicações, além de aspectos multiculturais.
O potencial da psicoterapia on-line
A psicoterapia, em geral, pode ser considerada um conjunto de encontros intencionais
- lastreado por métodos de investigação e tratamento clínicos e orientados por teorias psicológicas -, em que, desde o início, e progressivamente, um profissional habilitado nesse campo, dirige um processo de compreensão de problemas demandados por seus clientes/pacientes na perspectiva de mudanças que sejam interpretadas como favoráveis ou desejáveis por eles mesmos (Eells, 2007; Geller & Greenberg, 2012). Essas mudanças incluem o reconhecimento de problemas e de autoconhecimento, o desenvolvimento e aperfeiçoamento de repertórios socioemocionais para enfrentamento de adversidades, conflitos, estressores e as consequências do próprio comportamento, assim como o manejo de condutas em situações novas e desafiadoras.
A psicoterapia on-line é um tipo de prestação de serviços clínicos que pode ser predominante ou auxiliar o modelo de psicoterapia tradicional, além de promover novos desafios éticos e técnicos. Ainda não é possível concluir se as condições necessárias para uma psicoterapia eficaz, eficiente e efetiva podem ser completamente desenvolvidas na modalidade on-line. Até o momento, porém, as evidências científicas comparativas entre as duas modalidades, assim como os relatos de profissionais que têm abraçado cada vez mais a psicoterapia on-line, sugerem que, independentemente de algumas diferenças e pressões ambientais, o tipo de contratação do serviço e o tipo de dispositivo tecnológico utilizado, o processo e os resultados terapêuticos assemelham-se à psicoterapia face a face. Além disso, alguns benefícios da psicoterapia on-line para os demandantes podem ser sintetizados da seguinte maneira:
Possibilita o acesso da população mais carente a tratamentos psicológicos, alcançando pessoas em comunidades mais distantes dos centros urbanos.
Promove o acesso a profissionais com conhecimentos e práticas especializadas para pessoas que poderiam ter dificuldade em realizar tratamentos psicológicos convencionais, especialmente para aquelas que apresentam restrições de mobilidade e carência de recursos.
Possibilita, em variados casos, a combinação da psicoterapia convencional com a psicoterapia on-line, ampliando o espectro de intervenção e a mobilidade no acesso por parte de pacientes e terapeutas.
Favorece a adesão de pessoas mais resistentes à psicoterapia, em função da acessibilidade facilitada e da possibilidade de realização das sessões psicoterápicas em ambientes de maior conforto psicológico para os pacientes.
Possibilita outro tipo de interação entre psicoterapeuta e paciente, em que sobretudo o último tem controle do processo de comunicação, graças ao uso de dispositivos eletrônicos personalizados, como aplicativos para pacientes com perdas auditivas.
Propicia as comunicações síncrona e assíncrona com maior efetividade, flexibilizando o processo de atendimento e a possibilidade de coleta de dados e informações úteis ao processo de tratamento.
Quais profissionais devem oferecer psicoterapia on-line?
A psicoterapia convencional e sua modalidade on-line compreendem uma atividade realizada principalmente por profissionais com formação em psicologia (psicólogos clínicos) e medicina (psiquiatras), que se especializam no tratamento da saúde mental com base em diferentes abordagens psicoterapêuticas, como a terapia cognitivo-comportamental, a psicoterapia psicodinâmica, a terapia sistêmica, a psicanálise e o psicodrama. No caso do tratamento psiquiátrico, via de regra, a psicoterapia é associada ao tratamento medicamentoso.
Não há, na legislação brasileira, impedimentos para que profissionais de diferentes especialidades realizem psicoterapia, ainda que persistam argumentos e tentativas regulatórias visando tornar a psicoterapia uma atividade privativa do psicólogo e do psiquiatra. Os serviços de psicoterapia on-line prestados por psicólogos e psiquiatras abrangem uma gama variada de demandas em saúde mental, tal como na psicoterapia convencional, incluindo dificuldades na manutenção do bem-estar e transtornos psicológicos importantes que afetam a vida pessoal, familiar e social, restringem a mobilidade e produzem comprometimento na qualidade de vida, na autonomia, na capacidade e na funcionalidade das pessoas. O atendimento psicoterapêutico pode ser realizado individualmente ou em grupo, conforme a direção do tratamento e, em condições especiais pode ser associado a intervenções multiprofissionais.
Competências e cuidados
Apesar dos desafios técnicos e da mudança rápida de setting terapêutico imposto pela pandemia do novo coronavírus, aos poucos, a psicoterapia on-line está sendo cada vez mais assimilada na prática clínica. Os conhecimentos, as habilidades e os cuidados necessários para a prática da psicoterapia on-line vêm sendo cada vez mais discutidos e comunicados por meio de normas técnicas e programas de capacitação, que devem se acentuar nos próximos anos.
A prática da psicoterapia on-line é, ao mesmo tempo, uma oportunidade diferenciada de prestação de serviços clínicos e um desafio à promoção do trabalho terapêutico, exigindo prudência e conscienciosidade dos profissionais, por exigir mais competências e habilidades do clínico que a prática face a face, não sendo recomendada, então, para profissionais sem experiência da terapia convencional, que deixam de ter habilidades clínicas lapidadas e se tornam inaptos a fornecer esse serviço com eficácia e competência.
Psicoterapeutas que migraram recentemente para a modalidade on-line, pressionados pelos eventos da pandemia da COVID-19, reconhecem que um conjunto de competências profissionais construídas ao longo de uma trajetória de formação, supervisão e prática profissional predominantemente face a face não são necessariamente transpostas para a modalidade on-line, como num passe de mágica.
A psicoterapia on-line não representa uma nova especialidade para tratamento clínico, mas, sim, uma adaptação dos serviços psicológicos tradicionais para atender clientes/pacientes por meio de dispositivos tecnológicos mediados pela internet, podendo ser praticada de maneira exclusiva ou, ocasionalmente, em conjunto com a psicoterapia convencional. Assim como na prática da psicoterapia convencional, na modalidade face a face o exercício da psicoterapia on-line não é apropriado a praticantes novatos ou inexperientes, o que nos leva a discutir a necessidade futura de inclusão da psicoterapia on-line nos processos de formação e supervisão clínica em psicologia e psiquiatria, pois psicoterapeutas experientes e treinados têm maior probabilidade de criar interações clínicas favoráveis e catalisadoras do processo terapêutico, refletindo positivamente na eficácia da psicoterapia on-line (Cook & Doyle, 2002).
Em estudo realizado pela Universidade de Wisconsin (Estados Unidos) sobre os fatores importantes da psicoterapia responsáveis por produzir benefícios no processo psicoterápico, foram destacados: empatia, aliança terapêutica, avaliação de expectativas, capacidade de adaptação às diferenças culturais entre paciente e psicoterapeuta, método de tratamento e competência do psicoterapeuta (Wampold, 2015). Todos esses aspectos, em geral, resultam da aprendizagem adquirida na prática profissional, na supervisão clínica e nas habilidades do psicoterapeuta em apropriar-se dos conhecimentos básicos acerca da psicoterapia (Anderson, Crowley, Himawan, Holmberg, & Uhlin, 2016), que auxiliam e sustentam o desempenho do clínico durante o atendimento remoto.
Alguns aspectos que devem ser considerados no processo de capacitação para a prática psicoterapêutica on-line são:
1. A organização do setting terapêutico às condições de comunicação on-line;
2. A definição dos meios de contratação da prestação de serviços e de armazenamento de dados;
3. A ampliação do repertório de comunicação escrita do psicoterapeuta para o uso de dispositivos e meios de comunicação;
4. A identificação de barreiras e dificuldades para construir e manter um adequado relacionamento terapêutico on-line;
5. A importância de saber esclarecer antecipadamente ou gerenciar, quando ocorrem, possíveis problemas de comunicação ou mal-entendidos que podem surgir na modalidade on-line, diferentemente de como podem ser resolvidos no setting tradicional (Agar, 2019; Stoll et al., 2020);
6. O uso de recursos de exame psicológico ou de outros métodos de levantamento de dados no início e/ou durante o processo terapêutico, de maneira síncrona ou assíncrona;
7. O conhecimento de aspectos técnicos relativos ao uso de tecnologias de interação e comunicação e à garantia de segurança e privacidade ao cliente/paciente no atendimento psicoterapêutico on-line (Cooper et al., 2019);
8. A autoterapia.
Quem são o cliente e o paciente da psicoterapia on-line?
Pessoas que acessam serviços de saúde, em geral, são referenciadas por um desses três termos: usuário
, cliente
ou paciente
. Cada um desses termos tem um significado particular, e não devem ser considerados sinônimos ou apenas uma questão semântica (Saito, Zoboli, Schveitzer, & Maeda, 2013), mas todos tratam do destinatário do serviço de psicoterapia.
O termo usuário
é utilizado, em sentido amplo, para identificar aquela pessoa à qual se destina um atendimento, solicitação ou prestação de serviço (no sentido de usuários, utilizadores). É comum o uso do termo usuário
no âmbito das políticas públicas para designar pessoas às quais são destinados serviços especializados, seja no campo da saúde, da assistência social ou da educação, assinalando o caráter universal de prestação de serviços do estado a qualquer pessoa.
Em contrapartida, o termo cliente
é utilizado para identificar a pessoa que busca ajuda, auxílio, informação ou um serviço especializado, e paciente
(no sentido literal aquele que padece
) para aquela que necessita de tratamento, que está em sofrimento. Cliente pode ser o responsável imediato pelo paciente ou seu provedor financeiro (especialmente no caso de crianças, adolescentes, pessoas com deficiência, idosos, emergências, um parente procurando tratamento para um familiar ou uma empresa procurando ajuda para um de seus funcionários). Por tais razões, no campo da psicologia clínica e da psicoterapia, optou-se por utilizar o termo paciente/cliente ao se referir aos destinatários desse serviço.
Na psicoterapia on-line, cabe ao profissional que ofertará o serviço fazer uma avaliação prévia para saber se seu paciente tem o perfil para beneficiar-se dos atendimentos virtuais ou não, como nos casos em que há alguma barreira prática, como estarem em risco de vida por ter algum grau de deficiência auditiva, não serem alfabetizados, apresentarem deficiências na aprendizagem, não se sentirem confortáveis com a tecnologia, serem menores de idade e precisarem da autorização dos pais.
Avaliar a adequação da psicoterapia on-line aos pacientes é uma questão de ética e respeito, por considerar os riscos e a possibilidade de ineficiência dos serviços, e, por isso, o profissional deve considerar o diagnóstico e as comorbidades de seu paciente, suas habilidades com a tecnologia, suas características multiculturais, as necessidades de alto risco e os recursos de emergência, além de seu histórico de internamento psiquiátrico anterior, a sua rede de suporte social e se faz ou não o uso de substâncias (Cooper et al., 2019). A não adequação do paciente a esses critérios pode colaborar negativamente para a efetividade da psicoterapia remota e gerar um senso de ineficiência por parte do profissional, colocando tanto este como o paciente em risco. O Algumas características do paciente que devem ser consideradas para avaliação da adequação ao serviço remoto on-line:
• Maioridade (menores com autorização dos responsáveis)
• Estar alfabetizado
• Não apresentar risco de vida
• Nível de conforto diante da tecnologia
• Suporte social e familiar
• Diagnóstico de agravos à saúde e comorbidade(s)
• Não apresentar deficiência auditiva
• Uso de substâncias psicoativas
• Histórico de agravos à saúde mental
• Histórico de internamento
• Recursos disponíveis em caso de emergência.
Mesmo que o paciente/cliente apresente características adequadas para adaptar-se à psicoterapia remota, é importante que o psicoterapeuta mostre sensibilidade para identificar qual tipo de instrumento tecnológico é o mais adequado para cada um de seus pacientes/clientes, podendo planejar o tratamento psicoterapêutico utilizando diferentes tecnologias para diferentes propostas e etapas do tratamento (sessões de psicoterapia utilizando webcam, sessões assíncronas por e-mail, utilização de aplicativos para autoajuda, etc.), sendo possível, também, mesclar sessões remotas e face a face. O objetivo é adequar o trabalho psicoterapêutico ao perfil de cada paciente/cliente, utilizando ambas as modalidades (on-line e presencial) sempre que forem necessárias (Campbell, Millán, & Martin, 2018; Smucker Barnwell, McCann, & McCutcheon, 2018). Independentemente do propósito e da escolha, o psicoterapeuta deve estar consciente dos benefícios potenciais e das limitações de suas escolhas para cada paciente/cliente em particular.
Consentimento informado na psicoterapia on-line
Para evitar frustrações ou constrangimentos para o paciente/cliente e para o psicoterapeuta, é importante que a relação de compromisso entre as partes seja construída e mediada por um termo de consentimento informado, uma ferramenta racional para reger a relação entre as partes, definindo, por meio das cláusulas, as responsabilidades recíprocas e prevendo o cumprimento do código de ética e das resoluções dos conselhos competentes sobre a prática da psicoterapia on-line. O psicoterapeuta deve oferecer, nesse documento, uma descrição clara e completa dos serviços que prestará ao paciente/cliente, devendo fazê-lo verbalmente e por escrito (Adams Larsen & Juntunen, 2018), cuidando para que a linguagem seja clara e de fácil entendimento, explicando como será realizada a interação entre paciente/cliente e profissional, especificando as tecnologias a serem utilizadas e devendo ser firmado durante o primeiro atendimento realizado pelas partes.
No consentimento, devem constar os requisitos tecnológicos minimamente necessários para que as sessões sejam realizadas. É preciso abordar o limite de tempo da sessão, a frequência e os horários semanais, considerando o fuso horário do paciente/cliente e do profissional que realizará o atendimento, bem como a definição da plataforma a ser utilizada para a realização das sessões de psicoterapia on-line. Esse contexto remoto pode levar o profissional e o paciente/cliente a se comunicarem em locais informais e inadequados. Por isso, no contrato, deve-se explicar sobre o limite saudável de contato entre o paciente/cliente e o psicoterapeuta fora dos horários agendados, explicando que as mensagens curtas do psicoterapeuta fora do horário de atendimento não representam falta de atenção e comprometimento do profissional, mas servem para manter uma distância saudável e necessária entre uma relação de apoio e uma relação social.
Os cuidados com o setting terapêutico devem ser abordados no contrato, pois a mudança do local físico de atendimento, tanto por parte do paciente/cliente quanto do psicólogo, pode dar a ambos uma sensação de falta de privacidade, e isso pode ser um fator de distração. O psicólogo deve ajudar o paciente/cliente na criação de um setting terapêutico adequado, oferecendo informações claras sobre a necessidade de estar sozinho, em ambiente privado, usar fones de ouvido, direcionamento da câmera de vídeo, manter, sempre que possível, o mesmo local físico para realização dos atendimentos, vestimentas adequadas e a proibição de bebidas alcoólicas. Por isso, no contrato, é importante esclarecer sobre a responsabilidade e a participação do paciente/cliente e do psicólogo na construção do setting terapêutico.
Apesar de a responsabilidade de manter os instrumentos de hardware e software atualizados e em bom uso para a realização das sessões on-line de psicoterapia ser tanto do psicólogo quanto do paciente/cliente, dificuldades e falhas tecnológicas podem acontecer e levar alguns pacientes/clientes a sentir frustração e raiva em níveis elevados. No consentimento, é importante estabelecer essa responsabilidade quanto à disponibilidade dos mediadores tecnológicos da psicoterapia e esclarecer que é responsabilidade do psicólogo dispor de outros meios preestabelecidos de contato com o paciente/cliente, no caso de falhas, e planos alternativos para restabelecimento de contato, no caso de avaria no hardware ou software por sua parte. Também é responsabilidade do psicoterapeuta reagendar e repor a sessão remota que for interrompida em função de falhas tecnológicas, sugerindo-se, portanto, que o psicoterapeuta tenha sempre um horário na agenda reservado para essa finalidade. Prever o pagamento da sessão ou reposição de sessões em que falhas acontecem é um item importante para constar no contrato terapêutico on-line.
Faz-se necessária uma cláusula sobre os acordos financeiros envolvendo o valor de cada sessão, a forma e a frequência de pagamento, políticas e procedimentos de câmbio no caso de atendimento internacional, políticas de cancelamento e reagendamento de sessões; penalidades no caso de não pagamento dos honorários; deixar claro quais as leis nacionais que regem o acordo, bem como os órgãos profissionais aplicáveis para reclamações e procedimentos administrativos, além da isenção de responsabilidades de ambas as partes no caso de o recurso tecnológico utilizado ser infectado por vírus, sem intencionalidade.
O sigilo e a confidencialidade são previstos pelos códigos de ética que regulamentam a profissão do psicólogo e do psiquiatra, porém, é necessário que haja um item informando, de maneira clara, sobre os riscos do meio virtual e as medidas de segurança que são adotadas pelo clínico para prevenção da quebra da confidencialidade, assim como a autorização para quebra de sigilo em casos de emergências.
A Figura 1.2 mostra os itens importantes para a formalização do contrato de psicoterapia.
Figura 1.2. Itens para o contrato psicoterapêutico on-line
Fonte: elaborada pelos autores.
Depois de considerar os itens para o contrato e firmá-lo fisicamente com o paciente/cliente, é importante que ele seja exposto verbalmente para esclarecimento de dúvidas e terminologias técnicas. O processo de explicar e firmar o contrato abordando as preocupações relevantes sobre a prestação de serviços psicoterápicos prepara o palco
para um relacionamento saudável entre psicoterapeutas e seus pacientes/clientes (Adams Larsen & Juntunen, 2018). Essa é uma das ferramentas fundamentais para guiar os psicoterapeutas nos caminhos éticos da prática durante o tratamento de um paciente/cliente em particular e oferece informações que podem afetar a decisão de contratar ou não a proposta de tratamento a eles oferecida, sendo respeitoso com os direitos dos usuários da psicoterapia remota.
Características técnicas e tecnológicas da psicoterapia on-line
A revisão constante do termo de consentimento por parte do psicoterapeuta e de seu paciente/cliente colabora para uma intervenção segura e consciente, porém, os cuidados com as características técnicas e tecnológicas são necessários para uma prestação de serviço segura e sigilosa. O profissional que realizará os atendimentos não precisa ser um grande conhecedor da tecnologia e da internet, mas, sim, sentir-se confortável para operar o sistema escolhido, com a webcam, ter cuidado com o sigilo e a confidencialidade do serviço prestado por meio da tecnologia, podendo contratar um profissional especialista em tecnologia para orientar e criar alguns passos a serem seguidos para garantir a proteção dos dados dos pacientes/clientes.
Os benefícios da psicoterapia on-line são muitos, mas não se pode minimizar a complexidade das questões legais e éticas relacionadas a seu uso. Uma das questões é o risco com a confidencialidade, que significa que os dados ou informações do paciente/cliente não serão disponibilizados ou divulgados a pessoas não autorizadas (Campbell et al., 2018). Isso inclui a escolha da plataforma de videoconferência, o armazenamento de dados do paciente, a troca de mensagens e até mesmo a participação em redes sociais do paciente/cliente. Cabe ao profissional a responsabilidade por essa proteção, e não do local onde ele atende, como clínicas, hospitais e outras instituições. Portanto, caso não exista nenhuma política de proteção de dados, é preciso pedir para que sejam desenvolvidos documentos, guias e recomendações de segurança para o cuidado com a confidencialidade.
Os tratamentos por meio das TICs tornam-se mais simplificados e reduzem a necessidade de manter armários repletos de papéis com prontuários dos pacientes/clientes, guardados pelo prazo determinado no código de cada conselho de ética. Mas é preciso estar consciente dos riscos potenciais ao escolher o atendimento por meio das TICs e dos custos monetários para garantia do armazenamento seguro dos dados. Esses riscos envolvendo as medidas de segurança adotadas também precisam ser informados aos pacientes/clientes, explicando sobre a importância de também zelar pelo sigilo, utilizando para as sessões apenas computadores ou smartphones de uso pessoal, com senhas para garantir que ninguém mais terá acesso às informações.
O conhecimento das leis que regulamentam a prática da psicoterapia on-line, as resoluções e códigos de ética, a escolha da plataforma de videoconferência, a verificação da garantia de privacidade e confidencialidade no sistema escolhido, a garantia da criptografia das informações, a escolha e atualização constante de um bom sistema de identificação de vírus, a proteção contra hackers, dispositivos contra roubos e danos aos drives de armazenamento das informações são algumas das responsabilidades éticas do psicoterapeuta ao considerar a confidencialidade e o sigilo necessários à boa prática da psicoterapia remota.
Obrigatoriedade dos registros das sessões e prontuários
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