O Humano Sofrer: Evangelizar as Palavras Sobre o Sofrimento: Coleção Vida e Liturgia Vol. 05
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Sobre este e-book
A liturgia tem – deve ter – sua continuação na vida cotidiana. Portanto, a fidelidade ao Senhor exige a solidariedade com os irmãos e as irmãs que sofrem. A Igreja recebeu a missão de estar, com delicada atenção, juntos aos sofredores. Lembremos das palavras do apóstolo Tiago (5,14): "Alguém dentre vós está doente? Mande chamar os presbíteros da Igreja, para que orem sobre ele, ungindo-o com óleo no nome do Senhor". A proximidade aos que sofrem deve ser vivida, de maneira sacramental, com a Unção dos Enfermos, sinal da ternura de Jesus. Essa, porém, não se esgota em uma simples.
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O Humano Sofrer - Luciano Manicardi
Coleção Vida e Liturgia
Volume 1 – O sentido Espiritual da Liturgia. 2015.
Volume 2 – Pregar a Palavra – A Ciência e a Arte da Pregação. 2015.
Volume 3 – A Arte de Celebrar – Guia Pastoral. 2016.
Volume 4 – Ritos que educam: os sete sacramentos. 2017.
Volume 5 - O humano sofrer: Evangelizar as palavras sobre o sofrimento. 2017.
O HUMANO SOFRER:
EVANGELIZAR AS PALAVRAS SOBRE O SOFRIMENTO
1ª Edição - 2017
Direção Geral:
Mons. Jamil Alves de Souza
Tradução:
D. Hugo C. da S. Cavalcante, OSB
Revisão:
Leticia Figueiredo
Projeto Gráfico e Capa:
Edições CNBB
Diagramação:
Henrique Billygran Santos de Jesus
Título original: L’umano soffrire
© Copyright 2006 – Edizioni Qiqajon
Comunità di Bose
13887 Magnano (BI)
ISBN: 978-88-8227-209-8
© Copyright 2017 – Edições CNBB
SE/Sul, Quadra 801, Conjunto B,
CEP 70200-014 Brasília - DF
As citações bíblicas são retiradas da Bíblia Sagrada – Tradução da CNBB, 13ª reedição.
ISBN: 978-65-86151-22-0
Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão da CNBB. Todos os direitos reservados ©
Edições CNBB
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Zona Industrial – Brasília-DF
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
INTRODUÇÃO
O ROSTO DO SOFREDOR
capítulo 1
na doença
A doença como evento espiritual
A reação à doença
Doença e oração
Os salmos dos doentes
Fé e cura
capítulo 2
ao lado do doente
Acompanhar o doente
Visitar o doente
Partilhar a verdade do doente
Carregar o doente, carregar o irmão
Ao lado do moribundo
capítulo 3
linguagens
Curar com a solidariedade
A compaixão
Perdoar para curar
A linguagem das lágrimas
A cólera
capítulo 4
atravessar as crises
Acolher e enfrentar as crises
A elaboração da crise
A crise da superação da metade da vida
Envelhecer: uma aventura espiritual
capítulo 5
jesus encontra os doentes
Jesus e os doentes
Jesus e os leprosos
Jesus e os sofredores psíquicos
capítulo 6
jesus e a morte
Jesus e sua morte
A última fase da vida de Jesus
A morte de Jesus no Evangelho segundo Marcos
A morte de Jesus no Evangelho segundo Mateus
A morte de Jesus no Evangelho segundo Lucas
A morte de Jesus no Evangelho segundo João
capítulo 7
doença e sofrimento: repensar a espiritualidade
O corpo: sujeito da vida espiritual
A palavra da cruz
Completo, na minha carne, o que falta às tribulações de Cristo
(Cl 1,24)
Oferecer a Deus o sofrimento?
A vontade de Deus
Justiça, amor e sofrimento de Deus
CONCLUSÃO
COMUNIDADE CRISTÃ E SOFREDORES PSÍQUICOS
Premissa
Presença dos doentes, fuga da comunidade
A comunidade que produz sofredores
Uma comunidade doadora de sentido
A competência do cristão diante do doente mental
Traços e tarefas da comunidade cristã
APRESENTAÇÃO
Por que um livro sobre o sofrimento humano em uma Coleção de textos de liturgia? Antes de tudo, porque a liturgia é dimensão intrínseca da pessoa religiosa e, ainda mais, dos seguidores de Jesus. Em sua vida terrena, Ele andou por toda a parte, fazendo o bem e curando a todos
(At 10,38), testemunhando o amor do Pai e a presença do Reino. Por isso, os cristãos são chamados pela misericórdia de Deus a se oferecer em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus
, assim o apóstolo Paulo (Rm 12,1), que conclui: este é o vosso culto segundo a Palavra
.
A liturgia tem – deve ter – sua continuação na vida cotidiana. Portanto, a fidelidade ao Senhor exige a solidariedade com os irmãos e as irmãs que sofrem. A Igreja recebeu a missão de estar, com delicada atenção, juntos aos sofredores. Lembremos das palavras do apóstolo Tiago (5,14): Alguém dentre vós está doente? Mande chamar os presbíteros da Igreja, para que orem sobre ele, ungindo-o com óleo no nome do Senhor
. A proximidade aos que sofrem deve ser vivida, de maneira sacramental, com a Unção dos Enfermos, sinal da ternura de Jesus. Essa, porém, não se esgota em uma simples celebração litúrgica, mas pede humana competência, delicada sensibilidade e grande fé. Aproximar-se de um irmão/uma irmã, no momento da fragilidade e da dor, deve ser gesto de sincera humanidade e de amor evangélico.
Lemos neste livro:
Não basta ver o sofredor: é preciso fazer-lhe espaço em nós, fazer com que o seu sofrimento aconteça um pouco em nós. A compaixão é a raiz da solidariedade, porque ela diz: Tu não estás sozinho, porque o teu sofrimento, em parte é o meu
.
Religiosos e Religiosas, mas também, Ministros extraordinários da Sagrada Comunhão, membros da Pastoral da Saúde e de movimentos que têm o carisma de visitar os doentes, e ainda, quem preside a celebração da morte cristã precisam de adequada preparação para tornar o contato, ou a celebração, sinal da bondade de Jesus. O encontro com pessoas que sofrem, vivido da forma certa, alivia a dor e gera conforto. Além do mais, ninguém, antes ou depois, fica isento do humano sofrer.
A liturgia celebra o mistério pascal em todas as dimensões, da vida de Cristo e dos que, consciente ou inconscientemente, reproduzem em sua carne a paixão do Senhor. Partilhar com fé as cruzes dos irmãos, é sinal de amor, continuação do que Ele fez quando entre nós. Escreve o autor:
Na fé, de fato, Cristo nos carrega, e, na fé, os fiéis podem escutar as palavras de Cristo que diz: Vinde a mim, todos vós que estais cansados e carregados de fardos... Porque sou manso e humilde de coração. (...) Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve
(Mt 11,28-30).
Nas páginas deste livro, encontram-se essenciais reflexões e fortes questionamentos, e também, orientações práticas bem fundamentadas com motivações humanas e sugestões bíblicas. De fato, é com a Palavra de Deus – Antigo e Novo Testamento – que o autor define um estilo coerente de contato com os doentes. Sobretudo, insiste na necessidade de saber escutar! Em nossos dias, a escuta se tornou mais difícil; por isso, mais preciosa e urgente. Um pensamento:
O essencial no caminho da cura do mal sofrido é poder partilhar com alguém o próprio sofrimento. Narrar o próprio sofrimento a quem sabe escutar com amor e participação significa se libertar daquela penosa sensação de absoluta solidão que quem sofreu o mal nutre em si: ele, de fato, vê que o peso do próprio sofrimento é partilhado por um outro.
As páginas de O humano sofrer podem ajudar quem pretenda refletir a respeito da condição de precariedade e dor em que todos vivemos. Quantas perguntas cada um faz a si mesmo, especialmente em horas sombrias da vida, nas horas em que o humano sofrer, repentino e violento, bate às portas de irmãos, familiares, conhecidos, fiéis ou agnósticos. Quem professa a fé no Senhor morto e ressuscitado, como pode responder? Escreve o autor: o sofrimento é experiência universal
; o cristão, também interroga a Deus
, pede uma explicação, que, tantas vezes, demora; e é terrível
. A fé mesma pode ficar abalada!
Quem preside a celebração do sacramento da Unção ou uma liturgia fúnebre deve ter, dentro de si, suficiente equilíbrio psicológico, junto à luz da fé, para pronunciar palavras sábias, repletas da sabedoria do Altíssimo; deve conhecer as dinâmicas que explodem, nesta hora, na mente e no coração do doente como dos que, com ele, partilham, de forma intensa e afetiva, a dor, no corpo ou no espírito.
Com certeza, o encontro vai adquirir maior luminosidade e transmitir mensagens benéficas, sóbrias e essenciais. Em todas as situações humanas, especialmente nas mais exigentes, a fé que celebramos tem esse poder que vem do Senhor, e que Ele entregou à sua amada Igreja. Os textos litúrgicos encontrarão, desse modo, seu sentido mais pleno, se forem pronunciados repletos dessa sabedoria divina, fruto de suficiente compreensão antropológica e sólida vivência espiritual.
O autor, Luciano Manicardi, já é conhecido entre nós pelo belo livro sobre as obras de misericórdia, publicado pela Edições CNBB.¹ Especialista em Bíblia, conduz a leitura de O humano sofrer à luz da Palavra, e como monge – atual Prior da Comunidade monástica de Bose (Itália) – bem conhece a força regeneradora da fé, também nos momentos difíceis da vida. Desejo que a leitura dessas páginas seja proveitosa e favoreça a compreensão do universal humano sofrer.
Dom Armando Bucciol
Bispo da Diocese de Livramento de Nossa Senhora (BA)
Presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia
INTRODUÇÃO
O ROSTO DO SOFREDOR
O sofrimento é experiência universal. O homem é também homo patiens.² Quando estas afirmações se tornam experiência vivida, muitas vezes dramática, às vezes trágica, elas nos marcam. E nós compreendemos, não simplesmente de modo racional, mas também com as vísceras, que o sofrimento constitui o caso sério da existência. Ou no mínimo uma experiência que pode abrir-nos uma estrada na direção daquilo que na vida é essencial e verdadeiro. Pode. Não é dito que aconteça. Muitas pessoas endureceram, entristeceram e embruteceram pela dor. O fiel, pois, sabe e sente que em torno do sofrimento se joga algo de decisivo em relação seja ao homem seja a Deus, à imagem do homem e à imagem de Deus. Diante do sofrimento, as perguntas se multiplicam e as respostas muitas vezes mostram a sua falsidade ou fraqueza ou inconsistência. O fiel interroga também a Deus e esta interrogação é terrível. Diante da criança morta, do desamparado assassinado, do homem torturado, de quem nasce malformado, nós tornamo-nos uma interrogação, a realidade torna-se um enigma. E o próprio Deus se torna uma interrogação para nós. Desta interrogação radical nasce a sede de autenticidade humana de justiça, de compaixão, e surgem também o desejo da busca e da pesquisa que interpela as Escrituras e a tradição cristã, mas também as ciências humanas, a antropologia e a sociologia, a psicologia e a psiquiatria, as ciências da comunicação etc. Na convicção de que o sofrimento tem alguma coisa para nos dizer sobre o homem e sobre Deus.
Em particular, a fé cristã, que tem em seu coração a revelação inaudita da encarnação, do Deus que se fez homem, carne frágil, não pode considerar estranho a si nada daquilo que é humano. Sofrimento, doença e morte incluídas. Ao invés disso, é convicção de quem escreve de que o autenticamente humano é também autenticamente espiritual, e que a autenticidade espiritual deve sempre passar por meio da análise do que é autenticamente humano. As páginas a seguir nascem exatamente deste intento: repensar os discursos cristãos sobre doença, sofrimento e morte enraizando-os no terreno da revelação bíblica, evangélica, em especial, e restituir-lhes à concretude do humano sofredor. Em suma, o sentido é de evangelizar e de humanizar o discurso cristão sobre sofrimento, doença e morte. Algo que comporta o ter sempre presente o sujeito sofredor mais que o sofrimento, a pessoa doente mais que a doença, o homem moribundo mais que a morte. No âmbito de que estamos nos ocupando o uso do abstrato pode corresponder a uma vontade de fuga, a aquele não envolvimento, que impede o encontro com o concreto sofredor, doente, moribundo. Isto é, com o seu rosto.
Além disso, este livro gostaria de ajudar, propor e desejar o enraizar-se sempre mais convicto e profundo de uma cultura da escuta. E, em especial, da escuta do sofredor. Sabemos que nos encontramos em um contexto cultural que, acerca do sofrer e do morrer, move-se entre remoção e espetacularização; teve quem falou de remoção da morte e epopeia do macabro
.³ A espetacularização da dor, a morte ao vivo, o desperdício de sofrimento exibido à curiosidade mórbida, o sofrimento verdadeiro
dos outros enxergado através da mediação projetiva dos mass media, parecem fazer parte de um grande exorcismo coletivo do próprio sofrimento. Surge a pergunta: sabemos sustentar a visão de um concreto rosto sofredor? Tem ainda um sentido e uma praticabilidade a compaixão ou é atualmente sufocada entre indiferença, remoção, hábito, medo?
Umberto Galimberti acentuou a ausência de uma cultura da escuta que saiba fazer-se atenta à solidão e aos sofrimentos dos homens. Em particular, que saiba dar tempo e acolhida ao deprimido:
Educados como somos à cultura do aplauso, não sabemos nem sequer onde é o lar da cultura da escuta. Distribuímos remédio para conter a depressão, mas meia hora de tempo para escutar o silêncio do deprimido não o encontramos nunca. Com os remédios, úteis sem dúvida, intervimos no organismo, no mecanismo bioquímico, mas a palavra estrangulada pelo silêncio e tornada inexpressiva por um rosto que parece de pedra, quem encontra o tempo, a vontade, a paciência, a disposição para escutá-la? Esta é a nossa cultura.⁴
Certamente, sabemos bem como é difícil escutar, se escutar indica o ato de abrir-se e acolher o sofrimento do outro. A maior parte dos ouvidos se fecha às palavras que buscam dizer um sofrimento
.⁵ Levantam-se barreiras para evitar que o sofrimento passe de quem o vive e o exprime para quem escuta. Entretanto, sem esta cultura da escuta do sofredor nós condenamos o outro à solidão e ao isolamento mortal e impedimos também a nós a possibilidade de uma consolação e de uma comunicação do nosso sofrimento. Prossegue Galimberti:
Escutar não é emprestar o ouvido e se fazer conduzir pela palavra do outro, lá onde a palavra conduz. Se, pois, ao invés da palavra, existe o silêncio do outro, então nos fazemos guiar por aquele silêncio. No lugar indicado para aquele silêncio é dado repetir, para quem tem um olhar forte e ousa olhar a dor na face, a verdade percebida pelo nosso coração e sepultada pelas nossas palavras. Esta verdade, que se anuncia no rosto de pedra do depressivo, cala para não se confundir com todas as outras palavras.⁶
A pergunta que aqui se deve pôr é: Sabemos dar tempo, atenção e energias à escuta de quem sofre? E sabemos escutar o sofrimento profundo que está em nós, premissa indispensável para nos pôr sempre mais atentamente na escuta do sofrimento do outro? Escutar significa dar a palavra, dar tempo e espaço ao outro, acolhê-lo também naquilo que ele recusa de si, dar-lhe direito de ser quem ele é e de sentir aquilo que sente e fornecer-lhe a possibilidade de se exprimir. Escutar é ato que humaniza o homem e que suscita a humanidade do outro. Escutar é fazer nascer, dar subjetividade, permitir ao homem fazer o próprio nome e o próprio rosto, ou a própria humanidade.
O rosto, na verdade, é o emergir da identidade. O rosto é epifania da humanidade do ser humano, da sua irredutível unicidade, e esta preciosidade do rosto é simultânea à sua vulnerabilidade:
A pele do rosto é a que permanece mais nua, mais despida. A mais nua, embora de uma nudez digna. A mais despida também: no rosto existe uma pobreza essencial... O rosto está exposto, ameaçado como se nos convidasse a um ato de violência. Ao mesmo tempo, o rosto é aquilo que nos impede de matar.⁷
O sofrimento pode, portanto, desfigurar o rosto e cancelar, com a sua violência brutal, a humanidade da pessoa, mas o sofrimento pode também, paradoxalmente, restituir humanidade ao rosto do violento.
Os detidos nos campos de extermínio nazistas eram aniquilados humanamente quando despojados de seus nomes e reduzidos a um número, portanto, privados do próprio rosto: dever-se-ia eliminar do rosto do detento cada resíduo de individualidade. Testemunhou Primo Levi:
Apareceram-me já no dorso dos pés, as chagas torpes que nunca curarão. Empurro carroças, trabalho de enxada, quebranto-me na chuva, estremeço pelo vento; o meu próprio corpo já não é mais meu: tenho o ventre inchado e os membros ressequidos, o rosto inchado pela manhã e côncavo à noite; alguns dentre nós tem a pele amarela, alguns outros cinza: quando não nos vemos por três ou quatro dias, custa-nos reconhecer um ao outro.⁸
A fadiga, o medo, o terror, a fome, os horrores cotidianos, retiram carne da pele, que permanece frágil invólucro de ossos.
Antes da morte física, reina nos campos a liquidação da individualidade por meio do desmantelamento do rosto, o cancelamento dos traços sob a dureza dos ossos que recobre uma pele privada de carne. A mesma magreza (...) que conforta o torturador no sentimento de não ter a ver com seres humanos, mas com um resíduo que precisa eliminar pondo-se apenas problemas administrativos e técnicos.⁹
E Elie Wiesel testemunha:
Três dias depois da libertação de Buchenwald, eu caí gravemente doente: uma intoxicação. Fui