Graciliano Ramos: uma narrativa social como reflexão
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Sobre este e-book
A prosa seca de Graciliano, com palavras simples, alinhadas de forma concisa, sem preciosismos na linguagem, com intencional economia verbal, mostra um casamento perfeito entre o estilo do autor e a realidade – um universo seco, um universo de poucos risos, um universo de poucas palavras.
Por mais que a crítica e os estudiosos tenham tentado falar das vidas fabianas, acreditamos que ainda muito há a dizer, e que a melhor estratégia é ter contato com os romances, com as palavras de Graciliano Ramos, onde os personagens se revelam, não como reflexos do real, mas sim como sujeitos construtores de uma história não só literária, mas também social.
A tentativa que nos leva a decifrar o grande paradoxo da modernidade, cujo sistema cruel garante a superioridade dos donos do poder, dos violadores sem escrúpulos, por manter um quadro de violências, revela que esse sistema não acompanha a velocidade e a audácia de seus cometimentos, anulando, assim, as marcas legítimas dos valores humanos.
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Graciliano Ramos - Sylmar Lannes El-Jaick
Bastos
1. LITERATURA E SOCIEDADE
LITERATURA E SOCIEDADE: CRÍTICA, REFLEXÃO E O PAPEL DO ARTISTA
O estado de dúvida, de indignação em que se encontra o indivíduo na modernidade, revela a necessidade de afirmar a certeza, ou seja, a medida da verdade alcançada. O escritor, como indivíduo, tem com a linguagem a sua história, o momento de articulação de sua existência. E é com essa consciência que a literatura, principalmente a do nosso tempo, sofre dificuldades no domínio da criação. O quadro histórico-político-cultural sugere denúncias, sugere comprometimento. A invenção artística parece corresponder ao verdadeiro. E, na medida que entendemos que inventar é conquistar novos terrenos e trazê-los à reflexão, pela linguagem, os escritores ficam em uma situação delicada. A literatura age, nesse sentido, como um universo de magia, de mistérios a serem investigados, do qual resulta a obra; não como mera expressão do real, mas uma criatura que vem preencher esse real com forte presença e marcante voz. Essa criatura artística não deve, pois, repetir ou ficar distante da sua singularidade, nem de seu tempo. Deve, pela palavra, inventar a verdade, com dinamismo tal, em que o fazer literário não corresponda a uma rotina de repetição, de fotografia da realidade. A linguagem literária, ao inventar a verdade, mostra que a palavra é mais que o conteúdo determinado pelo sujeito, mostra que ela está sempre para conduzir o leitor a um nível de maior profundidade, fazendo-o pressentir, levando-o a criticar.
Em nossas reflexões, numa posição de exilados, de marginais, de amadores, tomando emprestada a caracterização do crítico Edward Said, a respeito do intelectual, entendemos que a realidade é sempre mais que as estruturas onde a operamos e a vivemos e, há na linguagem signos da estrutura estabelecida que, por si só, não dão conta da totalidade do real; não operam com a magia, com o artesanato, apenas operam em uma estrutura bastante mecânica, em que conceitos são fixados, e o real preso nela.
Nossa intenção é que, ao destacarmos livros de Graciliano Ramos como obras literárias que nos levam a estabelecer uma relação literatura-sociedade/ crítica e reflexão, estamos reconhecendo também a intenção do autor, visto que seus personagens, como Paulo Honório, em São Bernardo, mostram a consciência de que a linguagem conta sua história em articulação com o momento de sua existência.
A literatura, como expressão de crise, deve assumir a condição de aliada na busca de reflexões e apelo, na tentativa de superar aspectos dessa crise. Em situações dramáticas de perplexidades, de indignações que vive o indivíduo, o seu sofrimento e sua consciência vêm acompanhados de esperança. Em Vidas secas, o personagem Fabiano está sempre indo para algum lugar, com seu sofrimento, com sua angústia; mas com o desejo e o esperar que a realidade possa ser transfigurada. Na criação literária as expressões da crise existencial e da crise intelectual residem a importância e o fascínio que a literatura e a arte em geral exercem sobre os homens de nosso tempo. E essa união significa a revelação da dupla existência do homem: a representação ou narração do seu desenvolvimento social e histórico e, ao mesmo tempo, revelação do seu questionamento individual, entendendo que a literatura está no tempo e no espaço, como expressão reveladora da crise, vivendo-a e olhando-a, apesar de tudo, com esperança.
Acreditamos que a literatura tenta traduzir as interrogações e perplexidades acerca das crises que envolvem também o artista: crise individual, crise social, crise intelectual, crise humana. Importa assinalar que o próprio fato de tais crises serem expostas literariamente é o que deve ser pontuado, antes de tudo. O escritor vê-se obrigado eticamente a escrever, a produzir a obra, uma coisa viva e atuante, diante de tantas incertezas e de tantas injustiças, canalizando a sua solidariedade, a sua inquietação e o seu empenho em face do que lhe mostra a modernidade, que engloba diferentes diálogos, no tempo e no espaço, em que o sujeito e o objeto estão juntos. A obra literária, portanto, não pode ser considerada um elemento passivo, mas sim, um elemento ativo; é um movimento do escritor em busca da verdade do real, pela criação, e que passa a ganhar existência artística.
Objeto de nosso estudo, a obra de Graciliano Ramos é vista como expressão da indignação, até mesmo, da justa revolta contra uma sociedade presa em convenções vazias, sentimentos de poder e valores materiais. O escritor traduz com verossimilhança os múltiplos aspectos de uma realidade social injusta, onde o dinheiro exerce uma influência sombria, egoísta. Com essa atitude, nos revela uma lúcida consciência dos problemas, contribuindo para o que julgamos possível e desejável, que é a