Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Contrastes e confrontos de uma realidade que se perpetua: Graciliano Ramos e Euclides Neto
Contrastes e confrontos de uma realidade que se perpetua: Graciliano Ramos e Euclides Neto
Contrastes e confrontos de uma realidade que se perpetua: Graciliano Ramos e Euclides Neto
E-book292 páginas3 horas

Contrastes e confrontos de uma realidade que se perpetua: Graciliano Ramos e Euclides Neto

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Claudio Novaes (Prof. da UEFS/Coord. do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários-Progel)
Débora Gouveia faz um mapeamento das oposições clássicas entre patrão e serviçal e entre o campo e a cidade, deslocando a lógica hierarquizante destes termos para o campo simbólico, como na expansão do conceito de sertão, que promove uma leitura desterritorializada das obras na qual estes personagens são identidades e alteridades, ao mesmo tempo. Assim a pesquisadora constrói uma tessitura de entrelaçamento possível entre os escritores e entre as obras, mas também demarca as singularidades discursivas de um viés político que marca as aproximações dos dois romances com a literatura de denúncia, no sentido que Antonio Candido atribui ao neorrealismo do século XX, como vertente suplementar aos temas sociais apresentados pelo realismo naturalista do século XIX. A tese de Débora Gouveia leva o leitor a passear pela tradição do romance social brasileiro que se posicionou ideologicamente, após o Romance de 1930, e que também se irrompeu como uma revolução estética na prosa literária nacional. Para além de uma apresentação panorâmica do corpus literário que compõe a tradição regionalista, o estudo de Débora possibilita ao leitor uma leitura renovada de um escritor canônico da literatura brasileira, assim como, por contraste leva o leitor ao descobrimento de uma grande obra literária nacional, porém de um escritor epígono e menos conhecido das novas gerações.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento7 de mar. de 2022
ISBN9786525211138
Contrastes e confrontos de uma realidade que se perpetua: Graciliano Ramos e Euclides Neto

Relacionado a Contrastes e confrontos de uma realidade que se perpetua

Ebooks relacionados

Crítica Literária para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de Contrastes e confrontos de uma realidade que se perpetua

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Contrastes e confrontos de uma realidade que se perpetua - Débora Gouveia de Melo Mateus

    CAPÍTULO I - ELEMENTOS CAUSAIS: GRACILIANO E EUCLIDES

    GRACILIANO RAMOS

    Falo somente com o que falo:

    com as mesmas vinte palavras

    girando ao redor do sol que as

    limpa do que não é faca:

    de toda uma crosta viscosa,

    resto de janta abainada,

    que fica na lâmina e cega

    seu gosto de cicatriz clara

    Falo somente o que falo: do

    seco e de suas paisagens

    Nordestes, de baixo de um

    sol ali no mais quente

    vinagre:

    que reduz tudo ao espinhaço, cresta

    o simplesmente folhagem, folha

    prolixo, folharada,

    onde possa esconder-se a fraude

    Falo somente por quem falo:

    por quem existe nesses

    climas condicionados pelo

    sol, pelo gavião e outras

    rapinas:

    e onde estão os solos inertes

    de tantas condições

    caatingas em que sabe

    cultivar, o que é sinônimo da

    míngua.

    Falo somente para quem falo:

    quem padece sono de morto

    e precisa um despertador

    acre, como sol sobre o olho:

    que é quando o sol estridente,

    a contra-pêlo, imperioso, e

    bate nas palavras como

    se bate numa porta a socos

    (João Cabral de Melo Neto, 1985: 167)

    Orientemos o público. A ordem é apitar, estrilar, reduzir ao silêncio alguns tipos indesejáveis. Não há grupo do norte nem grupo do sul, está claro. Mas realmente os nordestinos têm escrito inconveniências. [...] Vamos falar mal de todos os romancistas que aludem à fome e à miséria, das bagaceiras, das prisões, dos bairros operários, das casas de cômodos. Acabemos com isso. E a Literatura se purificará, tornar-se-á inofensiva e cor-de-rosa. Não provocará o mau humor de ninguém, não perturbará a digestão dos que podem comer. Amém. (RAMOS, 1984: 136).

    Este capítulo, assim como todos os demais que integram nossa proposta de estudo, não tem a pretensão de apresentar ao cenário acadêmico um trouvaille³ sobre os escritores Graciliano Ramos de Oliveira (1892-1953) e Euclides José Teixeira Neto (1925-2000) ou suas produções literárias. O que tracejamos aqui é uma espécie de evocação às inúmeras vozes que estudam ou estudaram o homem público e o projeto literário nos autores, especialmente na investigação de possíveis interstícios entre eles, que, como porta-vozes dos esquecidos pela nação, conseguiram o louvável feito de equilibrar, nas sábias considerações de Eneida Leal Cunha (2004), em vida e obra, a equação entre o ético, o estético e o político.

    Assim, intentamos, dentre outras coisas, garimpar os veios da trajetória literária e ideológica dos escritores, não apenas como uma espécie de revisitação nostálgica ao clamor utópico, ético e moral que tanta falta faz à sociedade e política do estado brasileiro na contemporaneidade, haja vista os problemas vividos pelo homem do campo (seca, latifúndio, desterritorialização, descaso e abandono) na década de 1930 do século XX, alcançarem o século XXI. Buscando igualmente analisar como o homem público em Graciliano Ramos e Euclides Neto tomam a si a causa do sertanejo pobre, faminto, dos miseráveis, do trabalhador rural em seus embates para sobreviver em meios geográficos e sociais hostis e excludentes e como esses escritores lidaram com os dramas das minorias nacionais, dentre tantas outras obras, nos romances Vidas secas (publicado em 1938, mas analisado conforme a edição de 1975) e Os magros (romance publicado em 1961, mas tomando como referência a edição de 2007), escolhidos para análise nos capítulos III e IV desta dissertação.

    Para além disso, nossas reflexões serão tecidas a partir da percepção de certa influência social na práxis política e literária dos romancistas, através das relações que se estabelecem entre o texto literário e as condições que legitimam a sua existência e a laboração de sua conjuntura através de um discurso que, no caso de Graciliano Ramos e Euclides Neto, é mais que um depoimento humano. Para Foucault (2006), o escritor (intérprete) nivela-se a seu discurso e com ele mantém estreita e concreta atividade produtiva. O discurso embate-se entre a prática autônoma, com regras próprias e certa relação de dependência entre a fala e algo exterior a ela. Assim, o discurso pode ser entendido como

    Um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiriam, em uma época dada, e para uma determinada área social, econômica, geográfica ou linguística, as condições de exercício da função enunciativa. (FOUCAULT, 2006: 147).

    Quando escreve um romance, o autor pode tomar a realidade como um conjunto de forças conflituosas mimetizadas na obra com a interferência de um princípio ideologizante. Ao acompanharmos as trajetórias literárias e política de Graciliano Ramos e Euclides Neto, nelas encontramos pelo menos duas características comuns ao discurso dos autores: a interligação ideológica e política na fatura da obra e a reflexão dramática sobre suas regiões.

    Ao criar uma obra de arte (e aqui falamos de romances considerados sociais), o romancista não pode afastar-se de certa interpretação ideológica que decorre, talvez, de sua classe social. Quem sabe o escritor ignore até que ponto ele pertence a uma classe ou dela é dependente, ou como o seu meio o condiciona. No entanto, o processo criativo pode funcionar como elemento que ajusta essa conexão no que diz respeito aos ideais ou valores próprios do meio cultural e social do qual faz parte, embora seu discurso possa contradizer o estatuto ideológico de que também faz parte, já que a escritura vai além do escritor e ele pode, no ato criativo, traí-la aos traduzir o seu olhar sobre o mundo, sobre o Outro.

    A esse respeito, não podemos deixar de trazer para as nossas reflexões um dos maiores escritores da história da literatura brasileira, o sulbaiano Jorge Amado (1912-2001). O escritor – conterrâneo de Euclides Neto, Adonias Filho, Hélio Pólvora, Jorge Medauar, dos saudosos poetas Sosígenes Costa e Valdelice Pinheiro, do engajadíssimo lirismo de Cyro de Matos, entre tantos escritores e poetas dessa grapiunidade –, levou o sul da Bahia para além dos seus muros.

    A relação de Jorge Amado com Graciliano Ramos e Euclides Neto advém, provavelmente, de serem intelectuais que exerceram funções ligadas ao compromisso político-ideológico, tanto como ficcionistas, jornalistas ou homens públicos (sobretudo na primeira fase da vida pública e literária de Jorge Amado). Essas atividades os colocam, também, no rol dos chamados intelectuais orgânicos da classe trabalhadora.

    A militância de Graciliano Ramos e Jorge Amado em partidos de esquerda, como o Partido Comunista Brasileiro (PCB), e de Euclides Neto pelo caráter ideológico preconizado por legendas da mesma linha, é entendida por estudiosos do homem público e do escritor como inscrita na fase em que os autores optam por trilhar um projeto de transformação social que tinha como foco os excluídos.

    Clara Ramos (1992) assinala que Graciliano foi convidado pessoalmente por Luis Carlos Prestes para integrar o partido e que teria pelo líder profunda admiração. Jorge Amado também era admirador de Prestes, tanto que escreveu obra biográfica sobre o líder intitulada Vida de Luis Carlos Prestes – O cavaleiro da esperança. Essa obra da primeira fase literária (de engajamento político-partidário) de Jorge Amado é considerada pela crítica como de grande relevância historiográfica, pois apresenta um vívido painel do Tenentismo, da Aliança Nacional Libertadora (ANL) e, sobretudo, da repressão do Estado Novo, além de fazer uma leitura precisa do que os militantes comunistas pensavam desses eventos em 1940.

    Jorge Amado defendia um sistema político que governasse o país com mais justiça e liberdade para a sociedade brasileira, o que o leva a reavaliar sua postura política anterior face às circunstâncias históricas. Eis o que diz um texto significativo do proselitismo de O cavaleiro da esperança:

    É claro que minha posição de escritor de esquerda é absolutamente anti-golpista, é pela unidade nacional, é pela saída pacífica da crise através de um governo de coalizão nacional que presida eleições livres e honestas. [...] E nós, homens de esquerda, não sujeitaremos nossa política a ódios pessoais e a ressentimentos individuais. Nossos compromissos são com o povo e com os princípios que servem o povo. (AMADO, s.d, p. 10).

    A justificativa do romancista para o engajamento na política dos homens de esquerda marca uma fase de grandes transformações no front político do PCB, o que leva o autor a brindar esse momento com obras de caráter biográfico, como a já citada Vida de Luis Carlos Prestes – O cavaleiro da Esperança e ABC de Castro Alves. Esses experimentos literários consagraram-no como escritor e fizeram parte de um projeto gestado por Jorge Amado na tentativa de oferecer ao povo exemplos de heroísmo e coragem, luta e esperança. Seu projeto artístico pretendia-se instrumento de transformação social.

    Para Amado, as biografias de Castro Alves e Prestes, além de servirem como exemplo de luta pelas urgentes transformações sociais requeridas, visavam, no campo da produção literária, restaurar a Literatura Brasileira, já que, para o autor, a arte não deveria ser interpretada fora da realidade social, projetando o líder Prestes no cenário político nacional, mote para o surgimento de uma literatura engajada com as questões de caráter social.

    A participação de Graciliano Ramos enquanto simpatizante da causa partidária levá-lo-ia a unir-se a intelectuais da época, sobretudo pelo viés da escrita como forma de militância. Assim, a revista Literatura, lançada em 1946 por Astrogildo Pereira, tinha como máxima o desejo de aproximar cultura e povo e aglutinar amplos setores da intelectualidade (como, na outra ponta, Getúlio pretendia em seu projeto de reformas para o Brasil), o que causou a simpatia do mestre alagoano.

    A revista Literatura, embora não estivesse subordinada diretamente ao PCB, congregava intelectuais de diversas categorias de esquerda. Ao lado de Graciliano Ramos, faziam parte do Conselho de Redação, segundo Moraes (2007): Álvaro Moreira, Aníbal Machado, Artur Ramos, Manuel Bandeira e Orígenes Lessa, tendo como secretário, com a colaboração de diversos intelectuais, o sulbaiano, da cidade de Uruçuca, Jorge Medauar (1918-2003). A apresentação da revista chama a atenção por representar uma declaração de princípios que, a despeito de ter em seu corpo editorial um mínimo expressivo de militantes comunistas, adota uma postura plural e progressista ao apresentar-se como espaço de discussão não apenas no que diz respeito à cultura e às artes, mas também para discutir projetos para a nação, tendo como elemento afim na construção de verdadeiros espaços de articulações de ideias, a fé nas forças populares.

    No texto de autoria de Graciliano Ramos para essa revista – Decadência do romance brasileiro –, o autor avalia os rumos tomados pelos romances brasileiros pós-1930 e derrama doses de inquietude, decepção e pessimismo. Sua tese centralizar-se-ia na constatação de que os romancistas que chamaram a si, no início da década de 1930, a responsabilidade de revitalizar a composição criativa dos romances no Brasil, teriam perdido, em 1940, os elementos que corroboraram a inovação e vitalidade de suas obras, sobretudo quando demonstra que o romance, após o advento do Modernismo, teria dado um grande salto de qualidade com os romances nordestinos e contrariamente sofrerem uma curva descendente depois de 1935.

    A título de ilustração, Graciliano escolhe as obras de quatro nomes que considera os maiores dessa geração de romancistas: Rachel de Queiroz, José Lins do Rêgo, Jorge Amado e Amando Fontes. Esses escritores tinham com o crítico da revista Literatura uma proximidade temática e pessoal, especialmente Rachel de Queiroz e José Lins do Rego. A análise visceral que Graciliano Ramos faz da obra desses escritores sertanistas na qualidade de leitor atento e crítico que era, inicia-se bem antes de ingressar na revista. Estreia no início de 1930 e segue com seu ingresso na revista Literatura em 1946. Seus artigos nesse sentido apontavam quais seriam as causas da fragilidade encontrada na obra dos romancistas, identificando os fatores descendentes e sua consequente decadência:

    [...] Um escândalo. As produções de sintaxe presumivelmente corretas encalharam. E as barbaridades foram aceitas, lidas, relidas, multiplicadas, traduzidas e aduladas. Estavam ali pedaços do Brasil – Pilar, a ladeira do Pelourinho, Fortaleza, Aracaju. Raquel de Queiroz, Jorge Amado, José Lins do Rêgo, Amando Fontes. Há outros certamente [...].

    Quero apenas referir-me aos representantes máximos dos romances nordestinos, observadores honestos, bons narradores. Ora, se atentarmos na obra destes quatro novelistas originais, perceberemos nela uma curva. Fizeram, quase sem aprendizagem, ótimas histórias, com tal sofreguidão que pareciam recear esgotar-se. Não se esgotaram talvez, mas estacaram como se tivessem perdido o fôlego, ou publicaram trabalhos inferiores aos primeiros. E convém notar que essa queda se deu quando cessou a agitação produzida pela revolução de Outubro⁴. Subiram até 1935. Aí veio a decadência, o que veremos facilmente. (RAMOS. In__: Literatura. Set. de 1946, Ano I – nº 1).

    Todavia, para melhor compreender o que aqui evocamos, convém voltarmos uma década, precisamente no ano de 1920, quando eclodiam diversas manifestações sobre a desigualdade social de regiões pobres da nação e, nesse bojo, a questão da identidade nacional e os caminhos que o Brasil precisava trilhar para tratar desses assuntos, tendo a arte e a cultura como agentes responsáveis para tratar das demandas à época.

    O Estado lançou, após a Revolução de 1930, as bases para uma política cultural que geraria, com o apoio de intelectuais de diversas correntes de pensamento (modernistas, positivistas, integralistas, católicos e socialistas) e formação acadêmico-científica, um entrelaçamento entre cultura e política que marcaria os anos trinta do século XX, de que resultou a criação do Ministério da Educação e Saúde, tendo Francisco Campos como seu primeiro Ministro. Esses intelectuais, além de ocuparem cargos de grande relevância e poder, tomaram para si a incumbência de proteger o país do atraso sociocultural que retardava seu crescimento e desenvolvimento, buscando, através da reinterpretação do passado, contornos mais nítidos à realidade brasileira, tentando idealizar diversas fisionomias para o Brasil.

    Os primeiros anos da Era Vargas (1930-1945) foram marcados por uma ideologia revolucionária contaminada pelas propostas antiliberais defendidas por intelectuais como Azevedo Amaral, Oliveira Viana e Francisco Campos. Esses intelectuais consideravam as oligarquias rurais responsáveis pela crise econômica, política e social em que estava mergulhado o país. Eram as pragas que tinham se apoderado do Estado graças às fraquezas do Governo Liberal Federalista, introduzido no país pela Constituição de 1891, (um ano antes do nascimento de Graciliano Ramos), modelo incapaz de resolver os inúmeros problemas nacionais e uma experiência que fracassara no Brasil e para além de suas fronteiras.

    Caíam os partidos políticos e o Congresso em todos os países que adotaram a experiência liberal como forma de governo. Caberia a um comando central tomar as rédeas da situação e ditar novas diretrizes para que a nação se desenvolvesse econômica, social, política e culturalmente. Getúlio Vargas seduz a liderança tenentista (que partilhava das ideias de seu projeto político), oferecendo-lhes os mais altos cargos do Governo Provisório e da administração central. No entanto, a forte campanha em prol de uma transformação político- cultural não se limita aos altos escalões militares. Diversos intelectuais em projeção social seriam cotados para compor o staff dos diversos órgãos criados pelo governo para atraí-los.

    Nomes como os de Manuel Bandeira, José Américo de Almeida, Mário de Andrade e Carlos Drummond de Andrade foram alguns dos que fizeram parte do projeto governista. O renomado arquiteto Lúcio Costa tem seu nome indicado para dirigir a Escola Nacional de Belas Artes. O poeta Manuel Bandeira (que dispensa comentários) foi, em 1931, convidado para presidir o Salão Nacional de Belas Artes. No ano seguinte, mais precisamente em 1932, o escritor José Américo de Almeida assumiu a pasta de Viação e Obras Públicas. Em 1934, Gustavo Capanema foi nomeado ministro da Educação e Saúde Pública, convidando o poeta Carlos Drummond de Andrade para ser seu chefe de gabinete. O poeta Mário de Andrade assumiria, em 1935, a direção do Departamento de Cultura da Municipalidade de São Paulo, indicado, com Manuel Bandeira e Rodrigo Melo Franco de Andrade, para organizar e dirigir o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a principal instituição de proteção dos bens culturais do país, que seria criada logo após o golpe do Estado Novo.

    O governo Vargas também tinha projetos ambiciosos para a construção de grandes universidades. Todavia, seu plano universitário não foi adiante, mas realizou-se em grandes cidades, como a Universidade de São Paulo, criada em 1934 por Armando Sales de Oliveira.

    A Universidade do Distrito Federal foi criada em 1935 por Pedro Ernesto e, somente em Julho de 1937, foi criada a Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro.

    A contribuição, presença e participação dos intelectuais na vida nacional, eram a contrapartida implícita e parte do projeto político de Vargas. Era a elite que salvaria a cultura do país, uma vez que seus integrantes estavam envolvidos com as novas tendências culturais do mundo ocidental e atentos às distintas manifestações da tradição popular, o que, portanto, lhes conferia a autoridade necessária para tirar o país da condição de primitivismo, atraso cultural de colônia e elevaria a nação à condição de civilizada. Intelectuais e artistas embalados por esse fervor cultural passam a explorar, em suas produções, as questões sociais que estavam em evidência, participando do debate político-ideológico que acirravam os ânimos da direita e da esquerda no Brasil e no mundo (o socialismo marxista era um dos temas mais debatidos).

    A indústria editorial, em franco desenvolvimento, disseminava a temática da cultura indígena, negra e sertaneja através de uma literatura proletária e romances sertanistas/regionalistas que colocavam em xeque os valores de sociedades patriarcais e oligárquicas, concebendo-as como componentes do passado colonial da nação. A ordem agora era retratar a vida do homem comum nas cidades e nos sertões. O historiador Nicolau Sevcenko (2003: 286-287) observa que

    As décadas em torno da transição dos séculos XIX e XX assinalaram mudanças drásticas em todos os setores da vida brasileira. Mudanças que foram registradas pela literatura, mas sobretudo mudanças que se transformaram em literatura. Os fenômenos históricos se reproduziram no campo das letras, insinuando modos originais de observar, sentir, compreender, nomear e exprimir. [...] Por outro lado, os valores éticos e sociais mudaram tanto no nível das instituições e dos comportamentos como no plano das peças literárias. Os textos artísticos se tornaram, aliás, termômetros admiráveis dessa mudança de mentalidade e sensibilidade.

    E assim fez Gilberto Freyre ao publicar Casa grande e senzala (1933), obra que focaliza a questão das etnias formadoras do país, defendendo a colonização portuguesa por sua democracia racial. No mesmo ano, Caio Prado Jr., (contrariando o discurso de Freire), escreve Evolução política do Brasil (1933), livro de orientação marxista, que defendia a participação das camadas populares na história nacional, classe até então invisível para os projetos de progresso varguista, causando insatisfação e revolta aos seus adeptos. Três anos depois, Sérgio Buarque de Holanda também contesta o discurso de Freyre ao publicar a obra Raízes do Brasil (1936). Nesta obra, o autor discute a necessidade de o país romper, superar as raízes culturais portuguesas, condição imperativa para ingressar na modernidade.

    Portanto, o resultado do debate intelectual e político sobre qual matriz regional expressaria melhor nossa identidade nacional, embate-se entre a sociedade nordestina retratada por Gilberto Freyre e a sociedade bandeirante (paulista) como modelo para a democracia brasileira proposta nos textos de Cassiano Ricardo e Alceu Amoroso Lima, que apontava a sociedade mineira como a verdadeira representante da civilização nacional, haja vista ela possuir valores de suma importância para esse projeto brasileiro, exemplarmente os familiares e religiosos.

    Com efeito, a

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1